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terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Samuel Pinheiro Guimaraes no IPRI em 2018 - Apresentação de Paulo Roberto de Almeida

Receber o embaixador ez-SG Samuel Pinheiro Guimaraes foi uma bonita experiência minha no IPRI:

https://youtu.be/MchU9jRwJTw?feature=shared 


3319. “Percursos Diplomáticos: uma reflexão necessária”, Brasília, 12-24 agosto 2018, 5 p. Introdução ao depoimento do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães Neto, no quadro da série de depoimentos de diplomatas aposentados, que se acrescentam ao anteriores (link: http://www.funag.gov.br/index.php/pt-br/2015-02-12-19-38-42/2784-palestra-percursos-diplomaticos-com-o-embaixador-samuel-pinheiro-guimaraes). Revisto e lido em 24 de agosto de 2018, no auditório do Instituto Rio Branco. Divulgado no blog Diplomatizzando (24/08/2018; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/08/percursos-diplomaticos-samuel-pinheiro_24.html); Facebook (https://www.facebook.com/paulobooks/posts/2066487373414702). Link para o vídeo no YouTube (pronunciamento pessoal nos primeiros 15 minutos do vídeo; link: https://youtu.be/6gPTjMtlfqE ou https://www.youtube.com/watch?v=6gPTjMtlfqE&feature=youtu.be).

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O Ministerio da Utopia (SAE) - Demetrio Magnoli

Ministério da utopia
Demétrio Magnoli
O Estado de S. Paulo, 05/08/2010

Intelectuais tendem à utopia, pois ela precisa de uma descrição e eles são seus autores. Isaiah Berlin não está entre os filósofos mais célebres precisamente porque é um pensador antiutópico. "As utopias têm o seu valor - nada amplia de forma tão assombrosa os horizontes imaginativos das potencialidades humanas -, mas como guias da conduta elas podem se revelar literalmente fatais", anotou Berlin. As utopias almejam a completa realização de um conjunto de premissas, com a exclusão de todas as outras. É um caminho muito perigoso, "pois, se realmente acreditamos que tal solução é possível, então com certeza nenhum preço será alto demais para obtê-la".

A democracia constitui um sistema político avesso à utopia porque, por definição, rejeita atribuir estatuto de verdade incontestável a qualquer conjunto de premissas ideológicas. Os intelectuais utópicos têm um lugar na democracia - o de instigadores do debate público. Mas o sistema democrático de convivência de ideias contraditórias se estiola quando eles são alçados à posição de sábios oficiais e suas utopias são convertidas em verdades estatais.

Samuel Pinheiro Guimarães, até outro dia secretário-geral do Itamaraty, foi guindado à Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE). No novo cargo, elaborou um documento intitulado O Mundo em 2022, ainda em versão preliminar, que circula no governo e no Itamaraty. Trata-se de um delineamento das tendências do sistema internacional, com propostas de políticas estratégicas do Brasil. Dito de modo direto, é a plataforma de uma utopia ultranacionalista, a ser aplicada num hipotético governo de Dilma Rousseff, que colide com os valores e as tradições da democracia brasileira.

Num texto escrito em português claudicante, o intelectual utópico expõe uma doutrina antiamericana que solicita uma curiosa articulação estratégica entre Brasil, Rússia, Índia e China "para reformar o sistema internacional e torná-lo menos arbitrário". Os Brics, acrônimo cunhado no interior de um banco de investimentos, constituem um "bloco" apenas na acepção restrita de que seus integrantes passaram a influenciar a governança econômica global. Eles, porém, não compartilham interesses geopolíticos relevantes - uma evidência clamorosa que escapa por completo à percepção de Guimarães, moldada por um obsessivo antiamericanismo.


Os equívocos teóricos pouco significam, perto das prescrições políticas. Nostálgico do "Brasil-potência" dos tempos de Ernesto Geisel, Guimarães atribui ao Estado os papéis de "estimular o fortalecimento de megaempresas brasileiras (...) para que possam atuar no cenário mundial globalizado" e de conduzir um programa de investimentos em pesquisa e desenvolvimento de amplas implicações militares. Os significados desta última proposição podem ser entrevistos na passagem em que o autor define o Tratado de Não-Proliferação Nuclear como o "centro" de um processo ameaçador de "concentração de poder militar". A leitura do documento oferece indícios sugestivos para a compreensão da lógica subjacente à aproximação entre Brasil e Irã e à operação diplomática brasileira de cobertura do programa nuclear iraniano.


No programa ultranacionalista, ausências falam tanto quanto presenças. Ao longo de 54 itens, não há nenhuma menção aos direitos humanos. Não é surpreendente: um livro de Samuel Pinheiro Guimarães, publicado em 2006, qualificou a defesa dos "direitos humanos ocidentais" como uma forma de dissimular "com sua linguagem humanitária e altruísta as ações táticas das Grandes Potências em defesa de seus próprios interesses estratégicos". A militância do governo Lula contra a política internacional de direitos humanos - expressa na ONU, em Cuba, no Irã, no Sudão, na China e em tantos outros lugares - não é um fenômeno episódico, mas reflete uma visão de mundo bem sedimentada. Lastimavelmente, as ONGs brasileiras de direitos humanos financiadas pela Fundação Ford trocaram a denúncia de tal militância pela aliança com o governo na difusão da doutrina dos "direitos raciais".

A utopia regressiva de Samuel Pinheiro Guimarães colide com a Constituição, que veta a busca de armas nucleares e situa a promoção dos direitos humanos no alto das prioridades de política externa do Brasil. Se a sua plataforma política aparecesse na forma de artigo, isso não seria um problema - e, talvez, nem mesmo uma fonte de debates interessantes. As coisas mudam de figura quando ela emerge como documento de Estado, produzido num Ministério encarregado de formular as diretrizes estratégicas do País.

O governo Lula exibe, sistematicamente, inclinação a partidarizar o Estado. A contaminação ideológica da política externa é uma dimensão notória dessa inclinação. Há, contudo, um antídoto contra a doença, que é a supervisão parlamentar das diretrizes estratégicas de política externa. Nos EUA, uma nação presidencialista como a nossa, as prioridades e os orçamentos do Departamento de Estado são submetidos ao crivo do poderoso Comitê de Relações Exteriores do Senado, expressão do controle social, bipartidário, sobre uma política de Estado. O Senado brasileiro tem uma Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. Entretanto, sua gritante ineficácia, que exprime uma carência quase absoluta de poder real, proporciona ao governo as condições para a continuidade da folia ideológica em curso.

A SAE foi concebida como uma jaula dourada para acomodar (e ridicularizar) Roberto Mangabeira Unger, quando ele aderia ao governo que definira como "o mais corrupto da história". Agora, sob Guimarães, a jaula transforma-se em linha de montagem de uma utopia ultranacionalista que funcionaria como a régua e o compasso da inserção internacional do Brasil. A Nação tem o direito inalienável de se proteger contra o Ministério da Utopia, sujeitando a política externa ao escrutínio democrático dos parlamentares.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Brasil e seu entorno hemisferico - Samuel Pinheiro Guimaraes

Elementos, muito resumidos, da palestra do ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos na abertura do Encontro Nacional da ABED (Associação Brasileira de Estudos de Defesa), em Brasília, no dia 22 de julho. Eu estava presente, mas ainda não comentei as apresentações ou esta palestra.

`Estados Unidos es el país más importante de Sudamérica´
Inforel, 22/07/2010 - 16h51

Pasado lunes, 19, el embajador Samuel Pinheiro Guimarães, ministro-jefe de la Secretaria de Asuntos Estratégicos, inauguró el ENABED IV, encuentro de las asociaciones de estudios de Defensa, en Brasilia.

Para el ex secretario-general de Itamaraty, “Estados Unidos es el país mas importante de Sudamérica”. El afirmó que esta es una realidad y que ella tiene impacto en la Seguridad y Defensa de la región

“La importancia de Estados Unidos en cualquier país de Sudamérica es descomunal se comparada con la importancia de cualquier país sudamericano en la región”, afirmó.

Un ejemplo: más de 50% de las exportaciones de petróleo de Venezuela tiene Estados Unidos como destino.

El embajador habló para un público formado por estudiantes, investigadores, profesores, diplomáticos y militares de las Fuerzas Armadas y destacó que Sudamérica sigue una región extremamente rica en recursos naturales, energéticos y minerales, que posee 25% de la tierra arable del mundo y detiene una población pequeña en relación a su territorio.

“Por otro lado, Sudamérica es una de las regiones mas desiguales del planeta, con grandes asimetrías entre los estados, principalmente entre Brasil y los demás”, reconoció.

En su opinión, la región aún es marcada por resentimientos históricos que afectán la Seguridad regional.

“Son resentimientos que vienen del tiempo de formación de los estados del Prata, de la desintegración de Gran Colombia y de las guerras del Pacifico y del Chaco”, explicó.

Geopolítica

El embajador explicó que Europa cada día pierde espacio en la región para Asia y para Estados Unidos y que España busca a través de la Cumbre Iberoamericana mantener su grado de influencia entre los latinoamericanos.

“Los españoles cambiaron la conquista de las Américas en Encuentro de Civilizaciones, un disparate”, dijo.

El también destaco la presencia de China en Sudamérica. El país ya es el primer aparcero comercial de Brasil y de todos los otros sudamericanos.

“China viene en búsqueda de recursos naturales y alimentos estableciendo lazos de producción para su mercado. La enorme búsqueda de recursos naturales de China y de India, determinarán muchos cambios en el planeta. África también tendrá mucha importancia para el futuro de Brasil por sus necesidades y la posibilidad de Brasil responderlas”, afirmó.

Desafío

Responsable por el Proyecto Brasil 2022, Samuel Pinheiro considera que el gran desafío de Brasil en Sudamérica es el desarrollo de los países de la región.

Esta contribución habría que pasar por un aporte intenso de recursos en obras de infraestructura en transportes, comunicaciones y energía. El llegó a defender un Plan Marshall para fortalecer la integración regional.

Además, aseguró que Brasil no disputa el liderazgo en Sudamérica al dejar clara su postura en defensa de la autodeterminación de los pueblos y de no intervención en asuntos internos de los demás.

“Brasil solo participa como mediador cuando llamado por las partes involucradas”, garantizó.

“La sociedad no acepta que nadie diga como debemos organizarnos y Brasil debe asumir que es el principal país de Sudamérica y que contribuye con la infraestructura de los demás”, afirmó.

Paraguay, por ejemplo, divide la mayor usina hidroeléctrica del mundo con Brasil, pero sufre con los apagones. Además, la inestabilidad política y social en los vecinos puede ser resultado de problemas como esto.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Esquizofrenias planejadoras do governo: Brasil 2022

Sobre o projeto “Brasil 2022", respondi a uma consulta da Secretaria de Assuntos Estratégicos” Shanghai, 3 julho 2010, 11 p), formulando comentários a circular da SAE-PR contendo metas para o Brasil 2022
Postei esse meu trabalho neste Diplomatizzando em 3 de julho de 2010, neste link.
Abaixo um artigo de opinião.
Paulo Roberto de Almeida

O Plano Brasil 2022
José Goldemberg
O Estado de S.Paulo, 19 de julho de 2010

Desde a mais remota Antiguidade os seres humanos têm uma enorme fascinação por tentar prever o futuro. Astrólogos eram presença obrigatória em todas as antigas cortes imperiais e até hoje são populares, mas no ramo das profecias ninguém se compara ao prestígio do Oráculo de Delfos, na Grécia. Ali, no templo dedicado a Apolo, as pitonisas (sacerdotisas), em transe, faziam profecias, em geral dúbias, que eram consideradas verdades absolutas. Os grandes conquistadores da época sempre consultavam o Oráculo de Delfos antes de se lançarem nas suas campanhas militares. Hoje, suspeita-se que os transes e as visões das sacerdotisas eram provocados por gases emitidos por uma fenda subterrânea existente abaixo do local onde elas se sentavam. A reputação do Oráculo de Delfos resistiu mais de mil anos e ele só foi abandonado no início da era cristã.

Nos dias de hoje muitos governos fazem planos para o futuro, não só para orientar os investimentos governamentais, como também para mobilizar a sociedade em torno de objetivos inspiradores. Líderes políticos de grande envergadura, como, por exemplo, Charles de Gaulle, na França, e Juscelino Kubitschek, entre nós, criaram visões do futuro que moldaram a evolução de seus países: De Gaulle mobilizando os franceses contra o nazismo e Juscelino criando Brasília. Prever o futuro neste caso significa, no fundo, construí-lo.

Não é de surpreender, portanto, que o atual presidente da República tenha encarregado o seu ministro de Assuntos Estratégicos, Samuel Pinheiro Guimarães, de pensar estrategicamente o futuro do País, fixando metas para o ano de 2022, quando o Brasil comemora o bicentenário de sua independência.

O Plano Brasil 2022 foi preparado por grupos de trabalho formados por técnicos de todos os Ministérios e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aprovado pelos ministros das diversas áreas e está na internet (http://www.sae.gov.br/brasil2022/).

O plano contém uma relação enfadonha de realizações do atual governo desde 2002 e metas para 2022 em cada uma das 32 áreas de governo, ignorando o fato de que o Brasil já existia antes de 2002 e que o futuro depende do que aconteceu no passado. As metas propostas para 2022 são inteiramente arbitrárias e representam pouco mais que os desejos daqueles que as formularam.

Mais interessante, porém, é o ensaio com o título O Mundo em 2022, em que o ministro Samuel Pinheiro Guimarães expõe suas visões ideológicas, ao dizer que "a extensão do papel do Estado é a grande questão que surgiu com a crise de 2008, em que está o mundo imerso, resultado da aplicação extremada da ideologia neoliberal, crise que clama por uma solução".

São então listados quais, no seu entendimento, são os grandes problemas e tendências: a aceleração da transformação tecnológica, o agravamento da situação ambiental-energética, o agravamento das desigualdades sociais e da pobreza, as migrações, o racismo, a globalização da economia mundial, a concentração do poder no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) e outros, todos repisando sempre no tema da ideologia neoliberal.

Chama a atenção também o feroz ataque às agências da ONU, que, segundo o ministro, teriam como uma de suas principais atividades "promover a adoção de políticas que correspondam a um ideal do modelo liberal-capitalista de organização da sociedade e do Estado". As críticas à Organização Mundial do Comércio (OMC) vão na mesma direção.

A conclusão do ensaio é a de que "cabe ao Brasil diante dessa situação, e tendo de enfrentar as falsas maiorias constituídas por Estados mais frágeis econômica e politicamente e que vislumbram para si mesmos poucas possibilidades neste mundo cada vez mais desigual, procurar com firmeza, e sem recear um suposto "isolamento", impedir que se negociem normas internacionais que dificultem a plena realização de seu potencial econômico e político". Em outras palavras, uma reafirmação nacionalista!

A leitura do Plano Brasil 2022 nos faz lembrar duas inscrições importantes que existiam na entrada do Oráculo de Delfos. A primeira delas é a seguinte: "Evite os excessos." E a outra: "Ó homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo."

O que elas significam é que os gregos antigos - que construíram Delfos 3 mil anos atrás - sabiam que para prever o futuro é essencial conhecer o que existe hoje e que excessos não são recomendáveis.

A grande falha do plano, a nosso ver, é que ele não segue os dois princípios de Delfos: lança toda a culpa dos atuais problemas em opções neoliberais, o que é um exagero, e, além disso, não parece compreender a realidade atual, particularmente quando atribui o agravamento da situação ambiental-energética às teorias liberais, que o ministro expressa da seguinte forma: "A expansão das atividades industriais com base nas teorias liberais relativas à melhor organização da produção e do consumo, a partir do dogma do livre jogo das forças de mercado, levou, de um lado, a um desperdício enorme de recursos naturais e de vidas humanas (...)."

Como é notório, esses problemas - particularmente os ambientais -, que caracterizam o século passado, ocorreram por causa da dependência quase total dos combustíveis fósseis em todo o mundo, tanto nos países com economia liberal-capitalista (ou neoliberal), como na União Soviética, sob um regime totalmente estatizante durante quase todo o século 20; isto é, não são decorrentes de "teorias liberais".

Apesar dessas limitações, o Plano Brasil 2022 é um documento útil para ser discutido e que pode servir de base para a formulação de planos mais realistas e visões do futuro mais criativas.

PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

sábado, 3 de julho de 2010

Brasil 2022: Consulta da Secretaria de Assuntos Estratégicos

Brasil 2022: Consulta da Secretaria de Assuntos Estratégicos
Paulo Roberto de Almeida

Recebi, em 3 de julho de 2010, assim como centenas de outras pessoas listadas na base de dados do Palácio do Planalto, a consulta reproduzida abaixo da Secretaria de Assuntos Estratégicos comunicando o trabalho em curso, de elaboração de um estudo para o Brasil 2022, e solicitando comentários e sugestões para um conjunto de metas em relação às quais se pensa que elas sejam “de natureza mobilizadora, audaciosa e exeqüível, e o mais possível consensuais, para a sociedade brasileira no bicentenário da Independência.”
Como já participei de um exercício dessa natureza, penso poder oferecer algumas sugestões, embora tenha quase certeza de que elas não serão mobilizadores, nem consensuais, embora possam ser, também, audaciosas e exeqüíveis, como aliás sugerido na mensagem encaminhada.
Penso, antes de tudo, que as metas pecam pelo exagero, com base na velha e conhecida alegação que diz que quem tem muitas prioridades, acaba não tendo nenhuma, de verdade. Melhor seria se o Brasil tivesse um número bem reduzido de metas, no máximo cinco em minha opinião, e que elas estivessem todas concentradas em poucas tarefas de natureza social e estatal que são tipicamente dependentes de uma ação organizada por parte dos setores públicos, com educação como ponto central. Todas as demais tarefas de natureza econômica ou “produtiva” deveriam ser simplesmente eliminadas da lista, pois a única coisa que o governo, ou o Estado, poderia fazer para a sua realização seria criar um ambiente favorável para que a própria sociedade e os mercados se encarregassem, a partir dos estímulos corretos, de encontrar uma solução para os “problemas” detectados. Coloco problema entre aspas pois que existe uma tendência muito presente na burocracia em tentar resolver o que aparece como problema, quando muitas vezes se trata apenas de um desafio que a própria sociedade e os mercados podem resolver, com base na livre iniciativa. A tal de “inclusão digital”, por exemplo, é uma imensa cortina de fumaça para justificar mais coleta de recursos da sociedade para alimentar um custoso, ineficiente e desnecessário programa estatal numa área que a própria sociedade pode resolver, com base em competição, baixa taxação e liberdade de iniciativa.
Dito isto, vejamos como se poderia responder às, ou comentar as metas estabelecidas no convite da SAE. O “se” é puramente indevido, obviamente, pois os comentários são inteiramente pessoais:

BR 2022 - METAS
1) Reduzir à metade a concentração fundiária
PRA: Meta duvidosa, pois parte do princípio que a concentração fundiária, em si, é uma calamidade, ou algo indesejável, sem levar em conta as circunstâncias específicas em que ela se dá. Ela pode ser economicamente interessante para ganhos de escala e de produtividade, como para simples racionalização da produção em escala global. Não fosse assim, o governo não estaria patrocinando a constituição de grandes empresas nacionais no setor industrial, habilitando-as a competir no mercado internacional com as maiores do ramo. A meta apenas revela o mesmo preconceito contra as grandes propriedades rurais que encontramos em outras iniciativas do governo Lula, que denota uma concepção atrasada da produção agrícola. Uma meta genérica como essa – metade de quais cifras, onde? – é, aliás, totalmente irracional, em função da grande diversidade de paisagens agrícolas e tipos de produção que existem no Brasil. Deveria ser simplesmente engavetada essa meta, pois a própria dinâmica da economia e os mecanismos normais de tributação podem corrigir distorções pontuais se existirem. O Estatuto da Terra de 1964, por sinal, já previa esse tipo de abordagem para a concentração fundiária. Deletar.

2) Regularizar a propriedade da terra
PRA: O governo quer estabelecer como meta aquilo que é uma simples condição normal de países que vivem na legalidade constitucional “normal”. Ele está estabelecendo uma meta para si mesmo. Deveria ter vergonha de confessar que não cumpre um requisito mínimo de suas funções primárias. Talvez fosse o caso de o governo estabelecer as metas que ELE deve cumprir, e colocar num documento de planejamento apenas o que seria adicional ou suplementar às obrigações normais de qualquer governo.

3) Dobrar a produção de alimentos
PRA: Por que dobrar? Que tal quintuplicar? Ou, então, apenas aumentar em 20 ou 30%, consoante a demanda global, que os mercados determinarão qual seja. Esse tipo de meta, além de absolutamente ridícula, nem deveria existir. Mercados, funcionando sem os entraves governamentais, conseguem atender a demanda percebida da sociedade, de qualquer tamanho seja ela, em função, obviamente, das disponibilidades naturais e dos fatores de produção. Uma meta como essa, num programa de governo, é absolutamente desnecessária, além de economicamente idiota. Deletar.

4) Dobrar a renda da agricultura familiar
PRA: O governo pretende fazer isso por decreto, lei complementar, estabelecer salário mínimo, criar subsídios, ou o quê, exatamente? Simplesmente ridículo o governo pretender determinar o nível de renda de toda uma categoria econômica, imensa demograficamente, extremamente diversificada socialmente, com diferentes tipos de inserção na economia nacional e global. O governo deveria deixar esse tipo de tarefa ao mercado, ou então determinar que o Brasil passa a ser uma República Cooperativa Solidária, com níveis de renda administrativamente fixados. Totalmente ridícula essa meta, além de simplesmente inexequível, sobretudo para um governo intervencionista, como pretenderia ser este: governos assim acabam fazendo justamente o contrário do que pretendem. Deletar.

5) Concluir o zoneamento econômico-ecológico de todo o País
PRA: Isso é uma tarefa para o governo central e para os governos estaduais. Não pode ser meta para a sociedade. Os promotores do estudo deveriam aprender a separar as tarefas e as metas...

6) Garantir a segurança alimentar a todos os brasileiros
PRA: Numa economia dinâmica e aberta, não existe, por definição, insegurança alimentar. Podem ocorrer pequenos desabastecimentos localizados, que são facilmente superados com deslocamento, importações, ações emergenciais totalmente factíveis no plano técnico-operacional. O governo bolivariano venezuelano, justamente, se empenha, há anos, em garantir a tal de “segurança alimentar”: só conseguiu criar desabastecimento e insegurança alimentar. O governo brasileiro deveria se abster de estabelecer metas ridículas e incongruentes com uma economia de mercado. Deletar.

7) Reduzir pela metade o consumo de drogas
PRA: Meritório, mas se pergunta, uma vez mais: por que pela metade, a partir do que, de que drogas, e como fazê-lo? Metas genéricas como essa não servem para nada, apenas para sujar o papel em que estão escritas. Reescrever.

8) Alcançar 50% de participação das fontes renováveis na matriz energética
PRA: Isso nem precisaria ser dito, pois atualmente essa participação já é de 46%, ou seja, se trata de algo ridículo: pretender crescer 4% em dez anos! O governo poderia se empenhar, apenas, em não “sujar” mais a matriz energética, com todos os estímulos que ele vem dando à exploração de fontes fósseis pela via estatal. Já seria uma boa contribuição, sem precisar de meta nenhuma. Preservando o regime anterior, de concessões à iniciativa privada, o próprio setor se encarregaria de produzir aquilo que fosse economicamente viável segundo sinalizações de mercado. A criação de “metas estatais” para a produção de petróleo vai justamente na direção contrária ao pretendido nessa meta. Estímulos adequados – como ausência de tributação – podem estimular os renováveis, sem qualquer meta previamente estabelecida. Deletar.

9) Elevar para 60% o nível de utilização do potencial hidráulico
PRA: Pode-se sempre fixar metas desse tipo, mas talvez os ecologistas não apreciem exercícios desse gênero. Mas isso é o de menos. O índice é o de menos, podendo ser factível ou aleatório e irrealista, dependendo das condições efetivas sobre o terreno. Deve-se simplesmente integrar os recursos hidráulicos nas equações de planejamento da matriz energética, com os limites e possibilidades estabelecidas pelas condições naturais e relação de custo-benefício, ou seja, avaliação de possibilidades alternativas. Uma meta como essa é absolutamente dispensável, pois não se pode ser mandatório num sistema que conhece evoluções tecnológicas notáveis. Pode ser inferior à cifra, pode ser superior (mas muito dificilmente, pelos constrangimentos que se conhecem). O irracional está agora em fixar 60% para 2022. Deletar.

10) Dobrar o consumo per capita de energia
PRA: Ridícula, como várias outras metas. Por que dobrar? O consumo de energia será aquele que a dinâmica econômica e tecnológica da sociedade brasileira permitirão ou exigirão. Os estudos atuais de demanda, baseados no crescimento demográfico, na expansão do PIB e na ampliação da renda do sociedade brasileira, assim como de seu futuro industrial e características da produção em vários setores, já indicam de quanto será esse consumo per capita. Se os responsáveis pelas metas não sabem, podem consultar o estudo pertinente na página do Ministério das Minas e Energia, que faz parte, ao que parece, do mesmo governo. Deletar.

11) Instalar quatro novas usinas nucleares
PRA: Melhor deixar o assunto para quem entende, como dito acima. Deletar.

12) Aumentar o conhecimento geológico do território não amazônico de 30% para 100%. E do amazônico de 15% para 60%
PRA: Isso é uma meta para o próprio governo, federal e estaduais. Deletar.

13) Erradicar o analfabetismo
PRA: Parece incrível que isso figure num documento para 2022, mas sou capaz de apostar que a meta não será atingida, não pelo menos com o tipo de política educacional atualmente em curso. Talvez não o analfabetismo nominal, mas o funcional certamente continuará vivo e presente na sociedade brasileira. Metas educacionais são absolutamente necessárias, mas não desse tipo, genéricas e sem qualquer sentido operacional. Reformular totalmente, pois o ponto é válido.

14) Universalizar o atendimento escolar de 4 a 17 anos
PRA: Carente de maiores especificações, fica assim como uma expressão de um desejo vago. O que significa “atendimento escolar” num país que tem estruturas tripartites na educação, sendo que as duas primeiras são de responsabilidade local ou estadual, e dividido entre setor público e privado? Todo o Brasil 2022 deveria ser reescrito em torno da educação de base, fundamental e média, ademais de escolas técnicas e profissionais. Para isso seria preciso algo mais que metas genéricas. Reescrever totalmente esse ponto.

15) Atingir as metas de qualidade na educação dos países desenvolvidos
PRA: Pode-se sempre começar por verificar o que de bom foi feito nesses países e o que não conseguimos “imitar”, já que o objetivo é mimetizar o que foi feito nos países mais avançados. Eles provavelmente não cometeram os nossos erros, e caberia, talvez, começar por ai. A meta, em si, não diz nada. Reescrever.

16) Interiorizar a rede federal de educação para todas as micro-regiões
PRA: Isso é tarefa para o governo. Onde está o MEC? Reescrever.

17) Atingir a marca de 10 milhões de universitários
PRA: Ridículo, como várias outras metas quantificadas com base no puro acaso, sem qualquer relação com a dinâmica própria da sociedade. Deletar.

18) Ter uma praça de esportes em cada município
PRA: Sim, para isso, provavelmente, vai se criar um grande programa federal, com nome sugestivo, e dar início ao esporte mais conhecido de todos, no Brasil: coletar recursos da sociedade para um programa qualquer, e a partir daí assistir à reprodução de todas as taras conhecidas nesse tipo de empreendimento: gastos com a burocracia – um “pedágio” federal que pode ir de 10 a 20% dos recursos arrecadados – e depois desvio nas licitações, quadras superfaturadas, material de baixa qualidade, etc. Quando é que a sociedade e os burocratas vão aprender que isso é absolutamente ridículo e desnecessário? Isso deve ser meta municipal, não federal, com recursos próprios das sociedades locais. Deletar.

19) Incluir o Brasil entre as dez maiores potências olímpicas
PRA: Deixo de comentar pelo ridículo da meta. Deletar.

20) Garantir o monitoramento integral das fronteiras terrestres e das águas jurisdicionais
PRA: Salvo engano isso já figura entre as obrigações do governo. Postergar para 2022 significa que os órgãos da área podem relaxar até lá? Deletar.

21) Lançar ao mar o submarino a propulsão nuclear
PRA: Que tal se o governo fizesse um debate responsável, com a sociedade, começando pelo parlamento, sobre a necessidade, ou não, desse submarino? Se é para consultar a sociedade, melhor fazê-lo desde o início. Reescrever para consulta.

22) Lançar o primeiro veículo lançador de satélites (VLS) construído no Brasil
PRA: Idem ao acima. Reescrever para consulta.

23) Assegurar tratamento digno a todos os presidiários
PRA: Algo está profundamente errado com esse programa de metas para 2022. Ele integra coisas que supostamente são dados normais da realidade de um pais que se considere normal. O Brasil não deve ser um país normal, ou então certos burocratas governamentais não conseguem separar dados de base e metas a serem alcançadas. Como se trata de algo absolutamente bizarro para um planejamento de longo prazo, estou sem palavras e não tenho sequer recomendação a fazer em relação à meta.

24) Reduzir à metade os detidos sem sentença
PRA: !!! Bem, parece que não temos Justiça no Brasil, do contrário isso nunca poderia entrar como meta. Sem palavras...

25) Reduzir pela metade as mortes no trânsito
PRA: Que bom... fico mais tranqüilo daqui até lá, e plenamente confiante na capacidade do governo de implementar meta tão brilhante.

26) Reduzir pela metade o número de homicídios
PRA: Meritório. Aliás, digno de elogios. Seria preciso dizer aos homicidas.

27) Demarcar todas as terras indígenas
PRA: Absolutamente irracional, além de desumano. Se está dizendo que se pretende colocar todos os assim chamados índios brasileiros numa redoma e deixá-los como num museu a céu aberto. Totalmente ilógico. Seria preciso empreender uma discussão a respeito, pois se entende que os índios talvez não queiram permanecer como índios pela eternidade afora, e suas terras poderia sofrer outro tipo de definição legal. Reescrever com base num debate aprofundado do problema.

28) Dar sustentação socioeconômica às áreas indígenas demarcadas
PRA: Ou seja, criar um Bolsa-Família Indígena. Ridículo e atroz. Deletar.

29) Universalizar a proteção da Previdência Social
PRA: Antes disso seria preciso discutir o tipo de Previdência Social que se deseja, aquela que é factível, com base nos recursos disponíveis, ou seja, o que os brasileiros desejam pagar para certo volume de serviços. Universalizar qualquer coisa, como se o maná caísse do céu, ou jorra de uma cornucópia infinita, é a receita mais rápida para quebrar as contas públicas, com base na irresponsabilidade governamental. Reescrever com base num debate aprofundado do problema.

30) Ter agências da Previdência em todos os municípios ou consórcios de municípios
PRA: Uma rede física muito extensa pode ser custosa e até inútil. Determinados serviços podem ser unificados na prefeitura, com a utilização de redes online. Reescrever, com base num planejamento mais detalhado do problema.

31) Assegurar a efetividade da execução da dívida ativa da União
PRA: Parece que a Justiça se eximiu de exigir dos executivos o pagamento dos precatórios. O governo está querendo transferir a outros a responsabilidade? O Congresso deveria debater a fundo essa questão. Reescrever, em novas bases.

32) Reduzir em 50% a litigiosidade judicial e administrativa
PRA: Sendo mais específico, seria preciso reformar os códigos processuais. Apenas a título de sugestão, pode-se começar por extinguir, completamente, a justiça do trabalho, uma instância que na verdade serve para criar conflitos, espontânea e exponencialmente. Conflitos trabalhistas são resolvidos, em outros países, pela via arbitral na primeira instância, onde são resolvidos 90% dos casos. Havendo pendências, se recorre a varas especializadas da justiça comum. Não é preciso palácios dos tribunais superiores (vários) para diminuir a litigiosidade, ao contrário. Reescrever completamente com base em estudo independente da área.

33) Implantar e expandir os mecanismos de conciliação e transação com o Estado
PRA: A solução arbitral é recomendada, e pouco usada no Brasil. Expandir.

34) Assegurar total transparência das despesas públicas nos três níveis e nos três poderes
PRA: Mas, não é preciso meta para isso. Pode ser feito amanhã, se o governo desejar. Basta colocar todos os processos na internet, em tempo real. Reescrever.

35) Reduzir o desmatamento ilegal a zero
PRA: Mas isso é apenas o reconhecimento de que os poderes públicos não vêm cumprindo com aquilo que já é o seu dever, atualmente. Não é preciso meta num programa grandioso como o Brasil 2022 para esse tipo de coisa. Bastaria dizer que os órgãos públicos devem cumprir seus mandatos respectivos. Deletar.

36) Reduzir em 50% a emissão de gases de efeito estufa
PRA: Seria preciso ser mais específico, pois o governo acaba de recusar ter metas tão ambiciosas em negociações internacionais. Talvez seja uma meta simplesmente sugestiva, não para ser cumprida seriamente. Reescrever.

37) Tratar de forma ambientalmente adequada 100% dos resíduos sólidos
PRA: Ninguém pode ser contra, embora a meta de 100% possa ser exagerada e inexequível. Tudo depende de como o governo pretende implementar a meta. Se for através de um grande programa federal, já sabemos que vai custar caro, não vai ser necessariamente bem gerido e pode representar mais uma frustração, quanto ao não cumprimento da meta em 2022. Melhor reescrever com maiores detalhes.

38) Aumentar a reciclagem dos materiais que tem valor econômico no pós-consumo para 30%
PRA: Mais uma vez aquela perguntinha incômoda: por que 30%? O governo pretende criar uma Reciclobras com esse tipo de meta? Vai custar caro, é o que se pode prever, com 100% de certeza, em relação a outras soluções que combinem estímulos ao setor privado. Reescrever.

39) Aumentar em 100% o volume de esgoto tratado
PRA: Bem, se o volume atual for de 25% de cobertura, significa que a sociedade brasileira deve-se contentar, em 2022, com 50% de esgoto tratado? O problema dessas metas perfeitas é que elas não se prendem a uma realidade concreta do problema detectado, se contentando em fixar metas numéricas, sem um trabalho prévio de diagnóstico setorial. Se supõe que isso faça parte das tarefas normais de governo – nos diversos níveis – que deveriam estar se ocupando disso de maneira contínua, não como um grande programa grandioso, com metas e datas para ser cumprido. Talvez, todas as políticas de saneamento urbano devessem ser integradas nos três níveis da federação, como tarefas “normais” de governo, não como uma “bondade” a ser concedida em prazo determinado no futuro. Reescrever.

40) Garantir, pelo menos, 20% de proteção ambiental dos biomas brasileiros
PRA: Muito bem. Felicidades pela meta, sucesso na implementação.

Termino aqui, repetindo o que disse ao começo: são metas demais, algumas sem qualquer sentido estratégico, outras totalmente ridículas na sua generalidade numérica, várias denotando o caráter previsivelmente dirigista, intrusivo e estatizante desse governo, o que reduz o conjunto de metas a uma “shopping list” de desejos vagos e não muito claros. Algumas são metas de governo, outras são tarefas que já foram constitucionalmente definidas desde muito tempo e existem mesmo aquelas que seriam ingênuas, se não fossem indesejáveis.
Como norma geral, eu reescreveria totalmente o documento, colocando a educação de base universal – o que, cabe esclarecer, não compreende a universidade – como prioridade máxima da sociedade brasileira, mas com um sentido verdadeiramente revolucionário. No sistema atual, corporativizado, sindicalizado, isonomicamente irracional, se torna praticamente impossível reformar a educação brasileira, se não se estabelecem critérios claros de mérito e avaliação em todos os níveis.
No plano mais geral do crescimento e do desenvolvimento ulterior da sociedade brasileira, existem metas, por exemplo, que não estão contempladas, mas que seriam indispensáveis se o Brasil pretender – por via da própria sociedade, diga-se de passagem, e não do Estado – resolver vários dos seus problemas atuais. Entre eles, está o problema do próprio crescimento e do estímulo aos negócios, hoje prejudicados por uma carga tributária claramente anômala para os padrões internacionais e para as necessidades da economia brasileira. Que tal se existisse uma meta para reduzir meio ponto percentual do PIB a cada ano da carga tributária, de maneira a trazê-la mais próxima de 25% em 2022? Que tal prever um esforço para aumentar a poupança doméstica a 25% do PIB, ou mais, para aquela data? Por que não uma meta para reduzir os déficits previdenciários, pensando num sistema que não deixe uma “herança maldita” para nossos filhos e netos? Que tal reduzir o diferencial de salários e remunerações com o setor privado, uma das bases do mandarinato estatal que cresce e suga recursos de toda a sociedade? Por que não uma meta para reduzir a corrupção estatal, justamente parando de fazer programas federais para qualquer coisa ridícula – como praças de esporte em todos os municípios, quando se sabe que esse tipo de empreendimento é o que mais se presta a desvios e corrupção? Por que os burocratas federais não se convencem de que o Estado no Brasil já cresceu demais, e que seria preciso dar espaço agora aos negócios privados?
Enfim, existem muitas questões que poderiam figurar num documento de planejamento governamental, mas que estariam em clara contradição com o espírito e a letra do documento que foi concebido pela atual SAE. Não tenho, no que me concerne pessoalmente, nenhuma ilusão de que minhas críticas e sugestões sejam em algum momento levadas em conta, acolhidas ou sequer debatidas. Elas serão simplesmente descartadas, já que “não se encaixam” nos propósitos do documento em preparação. Disso eu tenho certeza. Apenas desejei formular meus comentários aos temas alinhados na pesquisa por uma espécie de desencargo de consciência normal, mais uma demonstração de honestidade intelectual e de apreço aos recursos da sociedade que vêm sendo apropriados de forma desmesurada por um Estado tentacular, animado por uma vontade dirigista e intrusiva raramente vista na história do Brasil. Estou seguro que a vingar os planos, projetos e programas desenhados pelo grupo atualmente no poder, o Brasil talvez não esteja pior do que já esteve no passado, mas estará aquém de resultados que poderiam ser alcançados a partir de uma outra concepção de Estado e de economia. Como já disse alguém, o Brasil é um país que não perde oportunidade de perder oportunidades. Vamos continuar nos arrastando em direção à modernidade com base num crescimento pífio, medíocre para os nossos padrões históricos, e isso porque o governo não reconhece o fato de que o Estado, de indutor do desenvolvimento como era no passado, tornou-se, atualmente, um obstrutor do crescimento e do desenvolvimento, em sua sanha arrecadadora, em sua voracidade tributária, em sua fúria legiferante intrusiva e dirigista.
Todo o exercício é tingido de uma concepção estatizante da sociedade, uma visão paternalista da organização da sociedade, como se o Estado precisasse ser esse órgão redistribuidor de benesses como se pretende fazer. Não há muito a fazer nesse particular, apenas reconhecer que esse tipo de concepção está muito mais próxima das concepções que fracassaram terrivelmente no século XX em produzir bem-estar e liberdades para as sociedades que nelas ingressaram ou a elas foram submetidas. Se trata de uma divisão filosófica, e a minha está claramente exposta nos comentários aqui formulados. Era o que eu tinha a dizer.

Paulo Roberto de Almeida (Shanghai, 3 de julho de 2010)

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Consulta recebida:

From: participacaosocial.sg@sg.planalto.gov.br
Subject: Brasil 2022 - Metas
Date: July 3, 2010 1:03:29 AM GMT+08:00

Caros Amigos,
O Presidente Lula encomendou-me a elaboração de um Plano para o Brasil no bicentenário da Independência. Aquilo, em suas palavras, que a sociedade brasileira desejaria ser em 2022.
Depois de um período de reflexão e de levantamento de metas setoriais e de consulta aos mais distintos setores da sociedade – empresários, trabalhadores, políticos, congressistas, acadêmicos, administradores, intelectuais, artistas – estamos chegando ao período final de elaboração.
O Plano BR 2022 deverá ter a seguinte apresentação:
Capítulo 1: O Mundo em 2022;
Capítulo 2: A América do Sul em 2022;
Capítulo 3: O Brasil em 2022;
Capítulo 4: Metas.

O Capítulo 4 do Plano BR2022 listará as metas, de natureza mobilizadora, audaciosa e exeqüível, e o mais possível consensuais, para a sociedade brasileira no bicentenário da Independência.

Envio, em anexo, esta relação de metas para suas críticas, comentários e sugestões.
Muito Cordialmente,
Samuel Pinheiro Guimarães
Ministro-Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos
http://www.sae.gov.br

BR 2022 - METAS
1) Reduzir à metade a concentração fundiária
2) Regularizar a propriedade da terra
3) Dobrar a produção de alimentos
4) Dobrar a renda da agricultura familiar
5) Concluir o zoneamento econômico-ecológico de todo o País
6) Garantir a segurança alimentar a todos os brasileiros
7) Reduzir pela metade o consumo de drogas
8) Alcançar 50% de participação das fontes renováveis na matriz energética
9) Elevar para 60% o nível de utilização do potencial hidráulico
10) Dobrar o consumo per capita de energia
11) Instalar quatro novas usinas nucleares
12) Aumentar o conhecimento geológico do território não amazônico de 30% para 100%. E do amazônico de 15% para 60%
13) Erradicar o analfabetismo
14) Universalizar o atendimento escolar de 4 a 17 anos
15) Atingir as metas de qualidade na educação dos países desenvolvidos
16) Interiorizar a rede federal de educação para todas as micro-regiões
17) Atingir a marca de 10 milhões de universitários
18) Ter uma praça de esportes em cada município
19) Incluir o Brasil entre as dez maiores potências olímpicas
20) Garantir o monitoramento integral das fronteiras terrestres e das águas jurisdicionais
21) Lançar ao mar o submarino a propulsão nuclear
22) Lançar o primeiro veículo lançador de satélites (VLS) construído no Brasil
23) Assegurar tratamento digno a todos os presidiários
24) Reduzir à metade os detidos sem sentença
25) Reduzir pela metade as mortes no trânsito
26) Reduzir pela metade o número de homicídios
27) Demarcar todas as terras indígenas
28) Dar sustentação socioeconômica às áreas indígenas demarcadas
29) Universalizar a proteção da Previdência Social
30) Ter agências da Previdência em todos os municípios ou consórcios de municípios
31) Assegurar a efetividade da execução da dívida ativa da União
32) Reduzir em 50% a litigiosidade judicial e administrativa
33) Implantar e expandir os mecanismos de conciliação e transação com o Estado
34) Assegurar total transparência das despesas públicas nos três níveis e nos três poderes
35) Reduzir o desmatamento ilegal a zero
36) Reduzir em 50% a emissão de gases de efeito estufa
37) Tratar de forma ambientalmente adequada 100% dos resíduos sólidos
38) Aumentar a reciclagem dos materiais que tem valor econômico no pós-consumo para 30%
39) Aumentar em 100% o volume de esgoto tratado
40) Garantir, pelo menos, 20% de proteção ambiental dos biomas brasileiros

domingo, 2 de maio de 2010

O que o Brasil deveria fazer, até 2022, e o que ele poderá fazer, de fato...

O material abaixo está em espanhol porque recebo, da "central de notícias" do Senado Federal -- paga com o meu dinheiro, é bom que se diga -- três boletins por semana: em espanhol, em inglês e em português. Por acaso retive a versão em espanhol, que é perfeitamente conhecido das pessoas inteligentes que frequentam este blog.
Pois bem, o que eu farei, neste post, é comentar alguns trechos do pronunciamento, tal como publicado no post abaixo indicado do Senado, do Ministro Chefa da Secretaria de Assuntos Estratégicos, meu colega diplomata Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães.
Como já trabalhei no que era então chamado NAE, Núcleo de Assuntos Estratégicos da PR, e conheço, em parte, o Plano 2022, por ter colaborado com o "Brasil 3 Tempos: 2007, 2015, 2022", sinto-me habilitado a comentar o que segue.
Vou apenas selecionar alguns trechos, para comentar. Quem desejar ler a integralidade da matéria, pode clicar no link abaixo.

Economía tendrá que crecer el 7% para reducir distancia a países desarrollados, dice ministro de Asuntos Estratégicos
Agência Senado, 30/04/2010 - 14h00

La economía brasileña tendrá que crecer al menos el 7% al año para promover una “reducción significativa” de la diferencia de renta entre el país y las naciones más desarrolladas, dijo el miércoles (28) el ministro Samuel Pinheiro Guimarães, jefe de la Secretaría de Asuntos Estratégicos. Con el objetivo de garantizar el crecimiento y, a la vez, reducir las emisiones de gases que producen el efecto invernadero, previó, Brasil deberá promover grandes inversiones en infraestructura, sobre todo en la ampliación de ferrovías y vías de transporte fluvial.

PRA: A economia brasileira nunca mais cresceu nesse ritmo desde os anos 1980, ou provavelmente desde os anos 1970, que produziram taxas "asiáticas" de crescimento. Na época, eram os asiáticos que visitavam o Brasil, para conhecer a "receita milagre" que permitia taxas de crescimento de 10% ou mais por ano. Fácil: uma combinação de demanda externa, investimentos estrangeiros e sobretudo investimento nacional, estatal ou privado. Mas era uma época em que o Estado arrecadava menos de 20% do PIB e investia perto de 4 ou 5%, sendo o resto a cargo do setor privado. A economia brasileira cresceu porque o investimento total ultrapassou 20% do PIB, por vezes a 24 ou 25% do PIB. Hoje, ela não alcança 19%, sendo que o Estado investe menos de 1% do PIB, mas arrecada mais de 38% do PIB.
Talvez exista uma relação de causa a efeito nesse quadro, e certamente não se pode esperar crescer muito com um investimento total medíocre, e um investimento estatal (necessário em grandes obras de infra-estrutura, ainda que não seja absolutamente indispensável, pois o dinheiro existe no setor privado também para grandes obras, bastando ter garantias adequadas de retorno) tão pífio como esse, entre 0,5 e 1%.
Se o Sr SAE tiver a receita para crescer a 7% seria interessante conhecer, mas quando ele fala em grandes investimentos em infra-estrutura, talvez esteja pensando exclusiva ou principalmente no setor público. Bem, para isso parece que o Estado vai ter de arrecadar um pouco mais, pois o que tem é insuficiente. Já para abastecer a Petrobras nos projetos megalomaníacos do pré-sal se precisou lançar mão de dívida pública, o que pensar então do resto?

La actual renta per capita brasileña, informó el ministro, es de alrededor de US$ 7 mil – contra US$ 46 mil de Estados Unidos, la mayor economía del planeta. Si la economía brasileña crece el 6% al año hasta 2022, la actual diferencia entre las dos cifras – de US$ 39 mil – sería reducida en sólo US$ 1 mil dentro de 12 años. Para garantizar una mayor reducción de esa diferencia, observó, el crecimiento deberá ser mayor.

PRA: Bem, essa diminuição talvez implique em que os EUA fiquem parados no lugar, e não cresçam mais, o que parece impossível de pedir. Uma economia capitalista como a dos EUA vai continuar crescendo, mesmo se a ritmo moderado. Teríamos então de crescer mais do que ela, talvez o dobro, ou o triplo, como os chineses, para reduzir a diferença.
No ritmo atual de crescimento, a China dobra o seu PIB per capita em 17 anos, ou seja, diminui a distância dos EUA, que dobram o seu em torno de 50 ou 60 anos. Mas o Brasil, com o ritmo de crescimento conhecido nos últimos anos, só consegue dobrar o PIB em mais de 60 anos. Como é que vai ficar, então?
Ainda estamos esperando a fórmula milagre. A dos chineses é muita poupança, muito investimento e inserção na economia internacional.
Qual é a nossa?

–Y hablar de 7% sería extraordinariamente modesto en los tiempos de Juscelino Kubtschek –dijo Guimarães, al contestarle al senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), quien recordó haber sido el ex presidente, en los años 50, un pionero en la planificación del país.

PRA: O presidente JK também foi um pioneiro da atração do capital estrangeiro no Brasil, e como tal execrado pelos nacionalistas e esquerdistas. O fato é que sem o capital estrangeiro o Brasil não teria indústria automobilística, como aliás ainda não tem. Sempre se pode tentar à base de planejamento e sem capital estrangeiro. Não creio que o resultado seria brilhante. A China cresce muito com base em tecnologia estrangeira, que ela copia, por certo, mas que ela admite, sem vergonha e sem restrições mentais. Mas a China talvez seja um país muito neoliberal para o gosto de certas pessoas.

Previsiones
Al esbozar un escenario del mundo en 2022, el ministro previó el fortalecimiento del sistema multipolar –con los principales polos en América del Norte, Europa y China –y el aumento de las diferencias de riqueza y poder entre los países. También proyectó gran aumento en la investigación científica y tecnológica, con “importantes consecuencias sobre toda la economía”.


PRA: Na verdade, as diferenças de riquezas entre os países estão diminuindo, não aumentando, e os únicos que conseguem se distanciar são aqueles -- como na África, na América Latina ou no Oriente Médio -- que recusam a globalização, como assimétrica, perversa, desigual, seja lá o que for, e pretendem crescer à base da "inteligência" nacional e da soberania plena sobre "nossos recursos naturais". Pois é...

Los Estados Unidos, recordó, invierten en investigación alrededor de US$ 400 mil millones anualmente –o el 2,6% de su Producto Interno Bruto (PIB). A la vez, ejemplificó, Brasil invierte lo equivalente a US$ 15 mil millones –o el 1% de su PIB.

PRA: Sim? Que pena a nossa. Mas por que será que não conseguimos atingir aquele patamar? Será por insuficiência de recursos públicos? Deve ser. Então é preciso aumentar a carga tributária. Apenas recordando, a dos EUA flutua em redor de 30% do PIB, a nossa já está em 38% e aumentando...

Al mismo tiempo, dijo Guimarães, contestándole al senador Roberto Cavalcanti (PRB-PB), Brasil cuenta con “las mejores condiciones para el crecimiento sostenible” entre los llamados “Brics” –o sea, Brasil, Rusia, India y China, considerados los principales países emergentes del mundo. Entre los factores favorables a Brasil, mencionó el hecho de que el país utiliza actualmente sólo el 17% de sus tierras de cultivo. Aún sobre los Brics, el ministro destacó el gran esfuerzo de China en el desarrollo científico y tecnológico, que, en su opinión, “se reflejará en su sistema de producción y en su comercio exterior”.

PRA: Bem, se isso é verdade, deve ser uma injustiça o fato de que o Brasil é o país que menos cresce dentre os Brics. Uma maldição de nossa política econômica neoliberal, talvez. As nossas terras nos salvarão, por certo, isso se o MST não atrapalhar...

Guimarães admitió que Brasil aún posee “grandes disparidades sociales”. Más de 12 millones de familias, recordó, todavía dependen de la ayuda del programa Bolsa Familia. Para el año del bicentenario de la independencia del país, según informó, se están estableciendo objetivos como la erradicación del analfabetismo, la expansión de la educación de tiempo completo y la reducción a la mitad de los niveles de mortalidad infantil.

PRA: Curioso que antes de 2003 não havia 12 milhões de famílias dependendo do BF. Talvez todas elas estavam condenadas à extinção gradual, morrendo de fome sem que a gente sequer percebesse. Que grande tragédia nacional. Aposto que, se continuarem essas políticas, em 2022 teremos, não 12 milhões, mas algo como 30 milhões de famílias dependendo de programas como o BF. Fácil começar, difícil descontinuar, não é mesmo?

Bem, acho que não tenho mais nada a comentar, a não ser o que sempre venho dizendo. O governo é especialista em prometer muito e entregar pouco, em arrecadar muito e investir pouco, em criar um curral eleitoral do qual será dificil se desvencilhar no futuro. Será esta a sua herança maldita...
Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 2 de maio de 2010)

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Addendum em 4 de maio de 2010:
Recebido de um economista:

"Com um ministro desses, o Brasil não vai chegar muito longe. Ele desconhece até a matemática mais elementar.
Veja:

"La actual renta per capita brasileña, informó el ministro, es de alrededor de US$ 7 mil – contra US$ 46 mil de Estados Unidos, la mayor economía del planeta. Si la economía brasileña crece el 6% al año hasta 2022, la actual diferencia entre las dos cifras – de US$ 39 mil – sería reducida en sólo US$ 1 mil dentro de 12 años. Para garantizar una mayor reducción de esa diferencia, observó, el crecimiento deberá ser mayor."


A renda per capita atual utilizada pelo ministro (U$7,000) é resultante da fração entre uma renda total (PIB) de U$1,350 tri e uma população de 193 milhões (dados do IBGE). Pois bem, um crescimento do PIB da ordem de 6% ao ano, durante 12 anos, elevaria o PIB do país para U$2,716 tri (U$1,350x(1,06^12)).
Já a população, em 2022, segundo estimativa do IBGE, será de aproximadamente 209 milhões. Portanto, a renda per capita brasileira, em 2022, seria de aproximadamente U$13,000, caso se confirmem as estimativas de crescimento do ministro para os próximos 12 anos.
Assim, ainda que a renda per capita dos EUA permaneça estagnada no mesmo período (o que, convenhamos, é quase impossível, haja vista a curva de crescimento do último século), a diferença será de aproximadamente U$33,000.
"

domingo, 21 de março de 2010

1898) Samuel Pinheiro Guimaraes - entrevista sobre questoes do TNP (entre outros temas)

Entrevista publicada neste domingo, seguida de crítica neste mesmo dia, por jornalista conhecido...

''Quem invadiu o Iraque não tem moral para cobrar o Irã''
Roberto Simon
O Estadao de S.Paulo, Domingo, 21 de março de 2010

Diante de duas cúpulas internacionais sobre a questão nuclear, ideólogo da política externa de Lula afia críticas a 'potências que não cumprem TNP, mas exigem dos outros'

Ex-número 2 do Itamaraty e sucessor do ministro Mangabeira Unger na Secretaria de Assuntos Estratégicos, Samuel Pinheiro Guimarães ataca "potências nucleares que não cumprem o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP)", mas exigem de países desarmados, como Brasil e Irã, "o estrito respeito de suas obrigações". A dois meses de duas grandes cúpulas sobre a questão nuclear, uma em Washington, outra em Nova York, o ideólogo da política externa do governo Luiz Inácio Lula da Silva questionou ao Estado a decisão brasileira de aderir ao TNP, em 1998, e afirmou que nem um compromisso dos poderosos em reduzir significativamente seus arsenais poderá fazer o Brasil assinar o chamado "protocolo adicional" do tratado. Guimarães coordena atualmente o esforço interministerial para conduzir o programa nuclear brasileiro. Tentando se esquivar de questões sobre política externa ("Não me ocupo mais disso"), o ministro deu sua opinião sobre a suposta "partidarização" do Itamaraty e negou acusações de envolvimento na crise hondurenha.

Por que o Brasil não assina o protocolo adicional do TNP?
O Brasil tem a sexta maior reserva de urânio do mundo e o conhecimento completo do ciclo de enriquecimento. Nossa Constituição obriga o uso de tecnologia nuclear somente para fins pacíficos e é preciso lembrar que o TNP, do qual somos signatários, tem duas partes. De um lado, o compromisso dos países nucleares de promover seu próprio desarmamento - e completo. De outro, países não nuclearmente armados se comprometem a não desenvolver a bomba, mas têm o direito a programas para fins pacíficos, incluindo com enriquecimento de urânio. A primeira parte do TNP não foi cumprida, mas os desenvolvidos exigem dos outros o cumprimento estrito de suas obrigações.

O presidente Barack Obama prometeu cortes drásticos nos arsenais americanos. EUA e Rússia estão prestes a concluir um acordo que substituirá o START e terá reduções significativas, e nos próximos meses haverá duas cúpulas sobre o tema. Há sinais claros de desarmamento. Isso não pode mudar a posição brasileira?
Mas existe ainda outro problema, a da redução de ogivas e de aperfeiçoamento da letalidade do armamento. Deveríamos ter um protocolo adicional para países que continuam a desenvolver armamento nuclear e não cumprem suas obrigações. Quem não cumpre o TNP não tem moral para cobrar os outros. Sem contar que há países armados dos quais não se exige nada, muitos nem signatários do TNP são.

O sr. se refere a Israel?
Tire suas conclusões.

O sr. já escreveu que o "TNP é apresentado como uma vitória pacifista e progressista", mas na verdade trata-se de "uma violência unilateral". O sr. mantém essa visão?
Usei essa expressão "violência unilateral"? Estranho. De todo modo, o TNP visa impedir uma guerra nuclear, não apenas a "proliferação horizontal". Não se pode partir do princípio de que são os desarmados que ameaçam a paz internacional. Isso não é lógico.

O País aderiu ao pacto sob o governo de FHC. Foi um erro?
O Brasil, já em 1998, era um dos poucos que tinha em sua Constituição a obrigação de desenvolver atividades nucleares apenas para fins pacíficos. Só se justifica nossa participação no TNP na medida em que potências nucleares reduzam e eliminem arsenais.

Mas o sr. não se arriscaria a dizer que foi um erro assinar o tratado.
Não é que não me arriscaria. Mas é preciso observar a Constituição. E qualquer tratado em que o Brasil não esteja em igualdade de condições não corresponde ao princípio de igualdade soberana entre os Estados. O TNP é um tratado desigual.

Existe, então, a possibilidade de o Brasil denunciar o tratado?
De maneira nenhuma.

O sr. disse que quem não cumpre o TNP não tem "autoridade moral" para exigir dos outros. O presidente Lula usou uma expressão semelhante para se referir ao caso iraniano, disse que as potências "não tem superioridade moral para cobrar o Irã".
Eu concordo com o presidente. E lhe acrescento: antes da segunda guerra do Iraque (em 2003), foi propalado em todos os países que Bagdá tinha armas de destruição em massa e, por isso, seria uma ameaça internacional. Diziam que armas iraquianas destruiriam capitais europeias em segundos. O sr. Colin Powell (então secretário de Estado dos EUA) discursou com fotos no Conselho de Segurança da ONU. O Iraque foi invadido e não foi descoberta nenhuma arma de destruição em massa. Isso dá moral a alguém?

Mas o caso do Irã é muito distinto do iraquiano. Hoje sabe-se, por exemplo, que iranianos esconderam uma usina nuclear por anos na cidade de Qom. O sr. realmente acredita que Teerã negocia de boa-fé?
Não participamos diretamente das negociações. O Brasil acredita no diálogo e defende que o uso da força é improdutivo. Não podemos partir do princípio de que há países responsáveis e outros irresponsáveis. Mas não quero falar de política externa, quem se encarrega disso é o Ministério das Relações Exteriores.

Em 2001, o então chanceler Celso Lafer o destituiu do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais do Itamaraty depois que o sr. veio a público criticar a Alca. Como o sr. vê, hoje, esse episódio?
Cumpri o que achei que devia fazer. Julguei que se tratava de um momento de perigo à soberania brasileira. Por isso dei minha opinião.

Ao olhar para trás, o sr. acredita que essa posição foi correta?
Corretíssima. A adoção de um acordo como Alca - com tarifas a zero, impossibilidade de controle de fluxo de capitais, total abertura - teria levado, por exemplo, à privatização de todo sistema financeiro. Privatizariam o BNDES, Banco do Brasil, Petrobrás; instrumentos que foram de grande importância na crise financeira. Há muitos anos, um sociólogo brasileiro disse: "o Brasil não é mais um país subdesenvolvido, é um país injusto." (A frase iniciava o plano de governo de FHC). Esse pensamento denota que podemos ter políticas econômicas de países desenvolvidos. Isso tem uma implicação horrível do ponto de vista de conhecimento da realidade.

A política externa está excessivamente partidarizada? Como o sr. vê, por exemplo, o fato de o chanceler Celso Amorim ter se filiado ao PT?
Outros chanceleres foram de partidos. Ou não? Nesse Ministério das Relações Exteriores, nenhum funcionário que exerceu cargos importantes em outros governos foi prejudicado. Basta ver onde estão servindo. Não houve perseguição.

Há ex-funcionários que fazem forte oposição, como o embaixador Rubens Barbosa.
Mas esses são aposentados. E têm todo direito de fazer oposição. Eu não tenho oposição à oposição (risos). Esse é um debate saudável e o fato de ele ter crescido reflete o próprio êxito da política externa. Não se discute tema desimportante.

O ex-chanceler mexicano Jorge Castañeda afirmou que foi o sr. quem arquitetou a volta do presidente deposto Manuel Zelaya a Honduras.
Não conheço o ex-chanceler. Nunca o vi na minha vida e não tenho a menor ideia de onde ele tirou isso. Se me lembro bem do texto, ele diz algo como "isso (a volta de Zelaya) é algo que só pode ter saído da cabeça de Pinheiro Guimarães".

E o sr. avalia que o retorno de Zelaya foi bom para Honduras?
Não falo de política externa.

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UM PERIGO CHAMADO SAMUEL
Reinaldo Azevedo, 21/03/10

A destrambelhada política externa brasileira tem o seu animador circense: o Megalonanico Celso Amorim. E tem o seu Cérbero:, Marco Aurélio Top Top Garcia, o Rei do Tártaro. Mas o Cérebro é Samuel Pinheiro Guimarães, ex-número 2 do Itamaraty e sucessor de Mangabeira Unger na Sealopra. Ele é o homem que planejou a guinada do Itamaraty para a esquerda.
Em última instância, é o autor intelectual daquela patetice a que todos assistimos no Oriente Médio: Lulinha, filho de mãe que nasceu analfabeta e contaminado desde o nascimento pelo vírus da paz, levou a israelenses e palestinos o seu plano de paz. Teve uma idéia genial: “Por que todos não se sentam à volta de uma mesa e fazem a paz ‘que nem quando’ eu era sindicalista?” Mais um pouco, sugeriria aos convivas algumas rodadas de Black Label, “que nem quando” ele negociava duro com o Grupo 14 da Fiesp…
Em sua mesa ecumênica — desde que Israel fosse condenado —, Lula propôs meter, calculem!, o Irã. Mahamoud Abbas, presidente da Autoridade Nacional Palestina, teve outra idéia: “Lula, peça a Ahmadinejad que pare de financiar os terroristas do Hamas…” Foi um vexame sensacional!
Mas me desviei um pouco! Volto a Samuel. Poucos se dão conta de que este senhor vociferou quando o Brasil aderiu ao TNP, Tratado de Não-Proliferação Nuclear. O homem não gosta desse negócio. Quando vemos o Brasil no apoio obstinado ao Irã, é preciso pensar que estamos sob a influência daquele que não nos queria assinar o TNP. Sim, vocês entenderam: se o Irã chega à sua bomba, outros se sentirão compelidos a fazer o mesmo. E tenho cá para mim que Samuel pode se perguntar: “Por que não a gente?”.

O Estadão deste domingo traz uma entrevista de Pinheiro Guimarães a Roberto Simão. Seguem trechos. Volto depois:

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Ex-número 2 do Itamaraty e sucessor do ministro Mangabeira Unger na Secretaria de Assuntos Estratégicos, Samuel Pinheiro Guimarães ataca “potências nucleares que não cumprem o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP)”, mas exigem de países desarmados, como Brasil e Irã, “o estrito respeito de suas obrigações”. A dois meses de duas grandes cúpulas sobre a questão nuclear, uma em Washington, outra em Nova York, o ideólogo da política externa do governo Luiz Inácio Lula da Silva questionou ao Estado a decisão brasileira de aderir ao TNP, em 1998, e afirmou que nem um compromisso dos poderosos em reduzir significativamente seus arsenais poderá fazer o Brasil assinar o chamado “protocolo adicional” do tratado. Guimarães coordena atualmente o esforço interministerial para conduzir o programa nuclear brasileiro. Tentando se esquivar de questões sobre política externa (”Não me ocupo mais disso”), o ministro deu sua opinião sobre a suposta “partidarização” do Itamaraty e negou acusações de envolvimento na crise hondurenha.
Por que o Brasil não assina o protocolo adicional do TNP?
O Brasil tem a sexta maior reserva de urânio do mundo e o conhecimento completo do ciclo de enriquecimento. Nossa Constituição obriga o uso de tecnologia nuclear somente para fins pacíficos e é preciso lembrar que o TNP, do qual somos signatários, tem duas partes. De um lado, o compromisso dos países nucleares de promover seu próprio desarmamento - e completo. De outro, países não nuclearmente armados se comprometem a não desenvolver a bomba, mas têm o direito a programas para fins pacíficos, incluindo com enriquecimento de urânio. A primeira parte do TNP não foi cumprida, mas os desenvolvidos exigem dos outros o cumprimento estrito de suas obrigações.
O presidente Barack Obama prometeu cortes drásticos nos arsenais americanos. EUA e Rússia estão prestes a concluir um acordo que substituirá o START e terá reduções significativas, e nos próximos meses haverá duas cúpulas sobre o tema. Há sinais claros de desarmamento. Isso não pode mudar a posição brasileira?
Mas existe ainda outro problema, a da redução de ogivas e de aperfeiçoamento da letalidade do armamento. Deveríamos ter um protocolo adicional para países que continuam a desenvolver armamento nuclear e não cumprem suas obrigações. Quem não cumpre o TNP não tem moral para cobrar os outros. Sem contar que há países armados dos quais não se exige nada, muitos nem signatários do TNP são.
O sr. se refere a Israel?
Tire suas conclusões.
(…)
O ex-chanceler mexicano Jorge Castañeda afirmou que foi o sr. quem arquitetou a volta do presidente deposto Manuel Zelaya a Honduras.
Não conheço o ex-chanceler. Nunca o vi na minha vida e não tenho a menor ideia de onde ele tirou isso. Se me lembro bem do texto, ele diz algo como “isso (a volta de Zelaya) é algo que só pode ter saído da cabeça de Pinheiro Guimarães”.
E o sr. avalia que o retorno de Zelaya foi bom para Honduras?
Não falo de política externa.


Comento

Dois mais dois são quatro. A fala de Guimarães sugere o óbvio: o apoio do Brasil à “negociação com o Irã” é apoio à bomba do Irã. O diplomata usa o TNP, que despreza, para igualar moralmente Israel e Irã. É mesmo? Um não ameaça destruir ninguém; o outro PROMETE destruir. Um se defende de ataques terroristas; o outro financia e pratica terrorismo em três países; um é uma democracia; o outro, uma ditadura teocrática.
E ANTES QUE ME TORREM A PACIÊNCIA: Israel ocupa territórios que conquistou quando reagiu a uma aliança que buscava destruí-lo. Nem por isso eu acho que não deva negociar a devolução.
Eu escrevi: “NEGOCIAR” — vale dizer, COM CONDIÇÕES! E o fim do terror é uma delas. Sem isso, nada feito. Sem isso, Israel não tem de trocar território por paz coisa nenhuma porque seria o mesmo que trocar território por terrorismo. Quem quiser maiores explicações que veja o que aconteceu na Faixa de Gaza… Israel deixou a região, e o Hamas tomou conta. Acaboui expulsando até a Fatah de lá.
Pinheiro Guimarães explicita a “boa-vontade” de Lula no Oriente Médio e sua aguda visão sobre a “paz”. Segundo o seu raciocínio, com a bomba, fica tudo mais fácil. Ah, sim: referindo-se aos EUA, afirma que “quem invadiu o Iraque não tem moral para cobrar o Irã”. É a fala que foi parar na machete da página. Digamos que os EUA tenham cometido um erro (não acho, já escrevi!!!), isso implica que não se deve impor limites ao Irã? Mais: desta feita, nem Rússia nem China estão com o Brasil…

É a esta gente que está entregue a política externa.