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terça-feira, 16 de abril de 2024

Lulopetismo diplomático, no tocante à Ucrânia, é muito diferente do bolsonarismo diplomático?

 Uma postagem do início de 2023, que pode ser lida como absolutamente atual, pelo menos no tocante à Ucrânia e nos amores petistas para com a Rússia:

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Contrastes históricos na diplomacia - Paulo Roberto de Almeida

 Contrastes históricos na diplomacia:

Paulo Roberto de Almeida

O Brasil avançou na pauta ambiental multilateral, desde a superação recente da antipolítica ambiental de Bolsonaro, que foi totalmente destrutiva no sentido estrito e lato do termo, ou seja, nos planos conceitual e operacional. 

Cabe no entanto reconhecer que ele recuou tremendamente na pauta da paz e da segurança internacional, e isso desde a invasão da Crimeia em 2014 (quando Dona Dilma julgou a anexação ilegal de Putin um “assunto interno” da Ucrânia), e mais ainda desde a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia um ano atrás, quando Bolsonaro tinha recém se “solidarizado” com Putin, ao realizar uma inoportuna visita uma semana antes da invasão. 

Fato inédito na história diplomática do país, o Brasil parece ter abandonado o Direito Internacional, postura que foi observada estritamente mesmo sob o Estado Novo de Vargas e durante o regime de exceção da ditadura militar de 1964. 

No Estado Novo, nunca reconhecemos a invasão escabrosa da Polônia por Hitler, em 1939 (continuando relações com o governo no exílio, pois que nossa doutrina jurídica nunca aceitou usurpações pela força), assim como não reconhecemos a invasão e anexação pela URSS de Stalin, em 1940, dos três Estados bálticos, com os quais mantínhamos relações diplomáticas desde os anos 1920. Na ditadura militar, mesmo exibindo certa diplomacia blindada em direção de regimes esquerdistas da região— no Chile de Allende, por exemplo, na Bolívia do general Torres, no Uruguai ameaçado pelos Tupamaros, que chegaram a sequestrar um cônsul brasileiro —, mantínhamos um respeito pró-forma pelo Direito Internacional, absolutamente acatado pela diplomacia profissional.

Nesse sentido, o lulopetismo diplomático e o bolsonarismo na política externa se equivalem de maneira vergonhosa, ao se distanciarem de uma das tradições mais caras de nossa diplomacia, que vinha do próprio Império— ainda que usando o Direito internacional para defender o “direito” do Brasil ao tráfico escravo —, passando pelo Barão do Rio Branco, Rui Barbosa, Oswaldo Aranha, Afonso Arinos e San Tiago Dantas, entre outros. 

Direita e esquerda negligenciam nossas maiores e melhores tradições jurídicas em nome do mais vulgar oportunismo economicista — por algumas toneladas de fertilizantes — ou de uma anacrônica oposição ao “hegemonismo” ocidental, o que nos coloca do lado de duas grandes autocracias, sendo uma a violadora brutal das normas mais elementares do Direito Internacional, assim como da própria Carta da ONU, que juramos defender desde 1945, mesmo não concordando com o iníquo e abusivo direito de veto exercido por cinco grandes potências. 

O recuo não é só operacional, mas é sobretudo conceitual, isto é, no plano dos princípios e valores de nossa diplomacia. Lulopetismo e bolsonarismo diplomáticos deixaram completamente de lado a dimensão moral da nossa política externa. Retrocedemos a um populismo que já faz a nossa desgraça no plano doméstico. 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 16/02/2023


sábado, 6 de abril de 2024

A Ucrânia necessita fronteiras abertas da UE para seus produtos agrícolas - Anton Geraschenko

 From: Anton Geraschenko

Friends,

The following post is about something extremely important for the Ukrainian economy and Ukrainian survival. Please read it and help spread the message. If you know someone who needs to read this post, please share it with them. 

In 2022, after Russia launched the full-scale invasion on Ukraine, the EU introduced a temporary suspension of import duties and quotas on Ukrainian agricultural exports to the Union.

Now, they have been restored for another year except for a cap on imports of Ukrainian poultry, eggs and sugar. It is vital for Ukrainian economy that they are not capped in the foreseeable future.

The agriculture area is one of the largest sources of revenue for Ukraine - about 60%. It brings much-needed income to finance the Ukrainian Armed Forces, to help Ukrainians survive. It provides jobs and the opportunity for people to support themselves and their families, to donate to the Army. It keeps people in Ukraine, not making them refugees and needing support from other countries.

Some facts:

🔷️The European Union consumes over 12 million tons of poultry meat per year. Of this amount, about 200,000 tons were Ukrainian in 2023.

🔸️Meanwhile, Ukraine has exported 425,000 tons of poultry in 2023. So while the total amount of Ukrainian poultry in EU is very, very small (as is its capability to drive up prices), for Ukraine these numbers (and the money earned) make about half of our poultry exports.

🔸️Moreover, the EU currently gives shelter to millions of Ukrainian refugees who fled from the war. So the demand for all types of food in the EU has increased when these consumers moved there.

🔸️Ukrainian poultry and egg industry has suffered tremendously in the war - at least 6 million chickens (hens etc) died from occupation, blackouts, combat, you name it. Consequently, the egg production has dropped significantly, as well. The industry needs money to restore its facilites. The money comes from exports.

🔷️As for sugar, the cap could lead to factories closure in Ukraine as the Ukrainian sugar industry is export-oriented. With the sea export routes being limited and the cap on exports to EU, Ukrainian factories will suffer losses. This will lead to closures. This means less jobs available, less taxes paid into the Ukrainian economy, less money for the Ukrainian Army - and more financial support from the EU, in the end.

❗️Fair competition IS important. But the situation itself is not fair. Ukraine is fighting for her survival and lives in different circumstances. So the preferences are actually a way to make the competition fair.

There will be a vote on this issue soon in the EU. I urge everyone to spread this message. Allowing Ukrainian exports is a real support for Ukraine, a real way to help us stand. Thankful to all who understands this.


O Itamaraty lulopetista choca pela desfaçatez das posições em favor de criminosos de guerra e violadores dos direitos humanos (Estadão)

Brasil muda de posição e se abstém sobre inquérito sobre crimes na guerra da Ucrânia

Lula: "Conheci o Putin no G7, no G20, na ONU. Nós fazemos partes de várias organizações internacionais que você tem a participação heterogênea de muitos países, muita gente que você não concorda, mas faz parte", 

Estadão, 5/04/2023

O governo brasileiro se absteve numa votação no Conselho de Direitos Humanos (CDH) das Nações Unidas e deixou de apoiar um pedido de extensão do prazo de trabalho da comissão de inquérito sobre crimes de guerra na Ucrânia. A comissão havia sido criada em março de 2022, com voto favorável do Brasil, após a invasão do território ucraniano por tropas russas.

O Brasil foi um dos 17 países que se abstiveram na votação, realizada nesta quinta-feira, dia 4, em Genebra, na Suíça. A resolução, no entanto, foi aprovada por 27 votos a favor e 3 contra.

Com isso o mandato da Comissão Internacional Independente de Inquérito sobre a Ucrânia foi renovado por um novo período de um ano. Em abril de 2023, a comissão de inquérito havia sido postergada por 12 meses - ela seria encerrada caso não recebesse a nova extensão do mandato agora. No ano passado, o Brasil não era parte do conselho e portanto não participou da votação.

O Estadão pediu esclarecimentos ao Itamaraty sobre o que motivou a abstenção do Brasil e questionou se o posicionamento não se choca com políticas do atual governo de promoção dos direitos humanos. Até o momento não houve resposta. O espaço segue aberto para manifestação.

Durante a votação nesta quinta-feira, o embaixador Tovar da Silva Nunes, representante permanente do Brasil junto às Nações Unidas em Genebra, afirmou que os termos da resolução aprovada poderiam impedir o diálogo entre os dois lados na guerra.

Tovar Nunes ponderou que o país manifesta "profunda preocupação" com a situação na Ucrânia, "particularmente com as alegadas violações envolvendo crianças deslocadas e deportadas, ataques a civis e o crescente número de mortes".

"No entanto, permanecemos descontentes com o texto diante de nós. A resolução é desequilibrada e coloca o fardo das violações dos direitos humanos apenas em um lado do conflito, não deixando espaço suficiente para o diálogo que poderia criar condições para prevenir violações de direitos humanos e construir uma paz duradoura na região", afirmou o chefe da missão brasileira em Genebra.

"Desde a sua criação em 2002, o Brasil argumentou que a comissão de inquérito não parecia ser o mecanismo adequado para revisar os fatos no terreno. No momento de sua concepção, referências a processos judiciais futuros antecipavam o resultado das investigações propostas. À luz desses fatos, o Brasil vai se abster nesta resolução."

O embaixador também questionou menções no texto da resolução aprovada a iniciativas jurídicas contra a Rússia, no TPI e na Corte Internacional de Justiça (CIJ), dizendo que poderiam ser "prejudiciais".

A diplomacia de Kiev rebateu o argumento brasileiro de que o conteúdo da proposta fosse tendencioso ou impedisse o diálogo. A representante da Ucrânia disse que o único pedido era que o conselho mantivesse o monitoramento das "atrocidades cometidas pela agressão russa" e que o mecanismo internacional independente verificasse a dor enfrentada diariamente pelo povo ucraniano.

Na mesma resolução aprovada, o CDH da ONU cobrou que o governo Vladimir Putin pare imediatamente violações de direito humanos e abusos contra a lei humanitária internacional na Ucrânia. Exigiu também a retirada rápida, do território ucraniano, das tropas militares invasoras e de grupos mercenários aliados de Moscou. E cobrou que o governo Putin não recrute ilegalmente residentes do território invadido para suas Forças Armadas.

O CDH disse ainda que a Rússia deve parar a deportação forçada e ilegal de civis do território ucraniano. Putin é alvo de um mandado de prisão em aberto, expedido pelo Tribunal Penal Internacional, acusado de transferência forçada de crianças, um crime de guerra.

O governo Luiz Inácio Lula da Silva tem feito uma série de gestos em favor da Rússia. Autoridades do governo têm dito, por exemplo, que Putin seria bem-vindo ao país para a cúpula do G20 e argumentam que ele gozaria de certas prerrogativas e imunidades por ser chefe de Estado.

Em uma discussão paralela, na Comissão de Direito Internacional da ONU, o Brasil se posicionou a favor da imunidade de autoridades governamentais e contra o alcance de ordens de prisão do TPI a países - e a seus representantes - que não integrem o estatuto fundador da corte, como é o caso da Rússia desde 2016. O Itamaraty, no entanto, argumento que o debate é genérico e não teria implicação no caso da vinda de Putin ao Rio para o G20.

O governo brasileiro tem objetado tentativas de países aliados da Ucrânia e adversários de Moscou, entre eles os EUA e membros do G-7, de excluir Putin da arena internacional. O Brasil também se opôs a sanções e, em mão contrária, ampliou o comércio com os russos, que atingiu US$ 11 bilhões no ano passado.

Em setembro de 2023, no G20 da Índia, Lula defendeu em entrevista a uma rede de TV indiana que Putin não seria preso no país. Depois, em entrevista coletiva, voltou atrás de criar obstáculos a uma eventual ordem de prisão no país e afirmou que o caso caberia à Justiça brasileira.

Na esteira da controvérsia, o governo já discutiu inclusive a possibilidade de reavaliar a participação no Estatuto de Roma, que criou o TPI, por considerar que ele não funciona de forma adequada. A revisão tem apoio de Celso Amorim.

"Conheci o Putin no G7, no G20, na ONU. Nós fazemos partes de várias organizações internacionais que você tem a participação heterogênea de muitos países, muita gente que você não concorda, mas faz parte", argumentou Lula, na quinta-feira, dia 28. "Faz parte do processo democrático conviver democraticamente na adversidade. Não são fóruns de iguais, são de Estados, de países e temos de respeitar o direito de cada um fazer o que quer no seu país, criticando o que não concorda."

Os posicionamentos de Lula a respeito da guerra na Ucrânia afetaram a popularidade do presidente e provocaram a impressão, entre parceiros ocidentais, que ele apoia o regime russo. Lula já cogitou que a Ucrânia deveria ceder a Crimeia para firmar um acordo de paz e disse que tanto Putin quanto o presidente ucraniano Volodimir Zelenski tinham o mesmo grau de responsabilidade pela guerra. A Ucrânia, porém, foi invadida unilateralmente pelos russos, em 24 de fevereiro de 2022.

Ele afirmou ainda que os EUA e países europeus incentivavam a guerra ao fornecer armas e dinheiro para defesa de Kiev. Lula vetou a exportação de equipamentos bélicos fabricados no Brasil. O petista fracassou na tentativa de se colocar como potencial mediador do conflito.

Na semana passada, disse ainda que não era obrigado a ter o mesmo "nervosismo" dos europeus com Putin e disse que os "bicudos vão ter de se entender". O presidente e o PT enviaram cartas de cumprimentos pela reeleição de Putin, numa eleição sem controlada que foi alvo de contestação internacional.

terça-feira, 5 de março de 2024

O drama da Ucrânia e a arma econômica das sanções - Paulo Roberto de Almeida (Portal da revista Interesse Nacional)

Segunda parte de um grande artigo sobre as sanções econômicas, com referência à guerra da Ucrânia e à posição do Brasil nesse conflito. 

O drama da Ucrânia parte 2 – A arma econômica como arma de guerra

Paulo Roberto de Almeida

Portal da revista Interesse Nacional (5/03/2024); segunda parte do artigo: 

A primeira parte foi publicada na semana passada (27/02/2024), neste link: 

Na próxima semana será publicada a terceira e última parte.


A arma econômica como arma de guerra: as sanções nas frentes de combate

A Alemanha esteve no centro de sangrentos conflitos no coração da Europa, desde a guerra franco-prussiana de 1870 até a “segunda Guerra de Trinta Anos”, entre 1914 e 1945, que retirou a Europa do centro do mundo – que ela comandou praticamente desde a era dos descobrimentos, e mais exatamente desde a primeira revolução industrial – e que criou uma nova geopolítica mundial, uma bipolaridade entre os Estados Unidos e a Rússia, antecipada no século XIX por ninguém menos do que Tocqueville (Almeida, 2009). A Rússia, bem antes dos EUA, já intervinha nos assuntos asiáticos, nas franjas do Império Otomano ao sul, nos Balcãs e também no coração da Europa, do Elba até o Danúbio e nas partes geladas do Norte. A potência americana só aparece, de fato, bem depois da guerra civil, com a industrialização maciça ao norte e a rápida mecanização da agricultura nas planícies centrais. Seu début nos assuntos mundiais se dá na guerra hispano-americana de 1898 – quando Puerto Rico, Cuba e Filipinas passam ao seu controle –, quando uma nova praça financeira, Nova York, passa a oferecer capitais que anteriormente partiam majoritariamente da City londrina, e, mais concretamente, em 1917, quando os boys chegaram aos campos de batalha da França, e foram determinantes, com os ingleses e os próprios franceses, obviamente, na derrota do Império alemão, que se estiolou na frente ocidental, sem nunca ter perdido na frente do leste. 

Na verdade, o Reich pode ter sido levado ao armistício, em novembro de 1918, não tanto pela sorte dos soldados nas trincheiras da França, mas bem mais pelo peso das sanções econômicas que foram decisivas no seu enfraquecimento, dada a falta de combustíveis e insumos em geral, e sobretudo pela fome do povo alemão, isolado do resto do mundo pelo cerco das canhoneiras inglesas. O presidente Woodrow Wilson, que fez campanha em 1916 para sua reeleição, prometendo aos americanos que manteria os Estados Unidos fora da guerra europeia, teve de entrar no conflito devido ao afundamento de barcos comerciais e de passageiros americanos pela campanha submarina do Império Alemão, e a partir daí passou a propor formas de se estabelecer um armistício ou a cessação de hostilidades. Uma das “armas” de que dispunha para essa finalidade era a “arma econômica” das sanções, por ele descritas, no documento que apoiou seu projeto de paz mediante uma organização dedicada à sua defesa, no contexto das negociações de paz de Paris, em 1919. Um historiador descreveu a mobilização dessa arma da seguinte forma: 

That instrument was sanctions, described in 1919 by U.S. president Woodrow Wilson as ‘something more tremendous than war’: the threat was ‘an absolute isolation… that brings a nation to its senses just as suffocation removes from a individual all inclinations to fight… Apply this economic, peaceful, silent, deadly remedy and there will be no need for force. It is a terrible remedy. It does not cost a life outside the nation boycotted, but it brings a pressure upon that nation which, in my judgment, no modern nation could resist’. (Mulder, 2022; “Introduction: Something More Tremendous Than War”; Kindle edition)[1]

 

De fato, como informa Mulder, o bloqueio dos Impérios centrais e do Império Otomano na Grande Guerra, pelas forças navais da Grã-Bretanha e da França, levou centenas de milhares de pessoas à morte por fome e enfermidades. Como explica ainda o mesmo historiador, “As sanções mudaram a fronteira entre a guerra e a paz, produziram novos meios de mapear e manipular o tecido da economia mundial, mudaram a concepção do liberalismo sobre a coerção e alteraram o itinerário do Direito Internacional” (idem). Na verdade, o uso de sanções econômicas e mesmo o bloqueio naval completo não era novo na história dos conflitos internacionais. Um dos primeiros exemplos históricos de sanções econômicas está relatado na história da guerra do Peloponeso, por Tucídides: ele se refere ao banimento de mercadores da cidade-porto de Megara de comerciar com Atenas, em 432 AC, o que foi um dos vários exemplos de iniciativas infelizes da cidade-Estado democrática que lhe acarretou reveses diplomáticos que contribuíram para a vitória final de Esparta naquela longa guerra.

Na era moderna e contemporânea, entre outras oportunidades, sanções econômicas foram aplicadas, por exemplo, nas guerras napoleônicas. Depois da paz de Amiens, em 1802, uma pequena trégua nas lutas entre Napoleão e as monarquias europeias, a luta retomou em diversas frentes, inclusive na esfera naval: para derrotar a Grã-Bretanha, Napoleão tinha de vencer as forças coligadas anglo-espanholas, o que resultou na grande vitória do Almirante Nelson, em Trafalgar, nas costas espanholas do Mediterrâneo, em 1805. Mas, Napoleão conseguiu infligir pesadas derrotas contra a Áustria e a Prússia no continente, em 1806. Com essas vitórias, Napoleão decretou o bloqueio continental contra a Grã-Bretanha, invadindo, em 1807, os dois reinos ibéricos que ainda não tinham se submetido às suas pretensões, Espanha e Portugal. A Espanha deu início a uma guerra de guerrilhas contra o ocupante, mas a corte dos Braganças preferiu desertar o país e fugiu para o Brasil, sob a proteção britânica. O poderio naval britânico, no entanto, inverteu o sentido do bloqueio, e foi a França que se viu privada dos mares devido à vigilância da Royal Navy.

As sanções previstas na convenção da Liga da Nações, nos artigos 16 e 17, em caso de ameaça de guerra ou de guerra efetiva, compreendiam a cessação de todas as relações comerciais ou financeiras, assim como a proibição de todo e qualquer intercâmbio entre os nacionais dos Estados membros e os nacionais da parte agressora, assim como com nacionais de quaisquer outras partes, mesmo não membros da Liga. Elas pareciam efetivamente fortes o suficiente para impedir ou limitar o recurso à guerra entre os Estados membros, assim como com outros Estados não membros. A despeito da convenção da Liga, Estados membros e não membros recorreram à guerra nos anos 1930, começando pela invasão da Manchúria pelo Império do Japão em 1931, pelo ataque à Abissínia (Etiópia) pela Itália fascista em 1936), pela intervenção armada na Guerra Civil Espanhola em 1936-39 pela Alemanha hitlerista e pela mesma Itália fascista, a despeito da neutralidade da maior parte dos demais Estados, assim como por toda a violência armada e ameaças de uso da força pela Alemanha hitlerista na anexação da Áustria e de parte do território da Tchecoslováquia, em 1938-39 (esta última seguida da anexação do resto do território em 1930-40), assim como, a invasão e esquartejamento da Polônia pela Alemanha nazista e pela União Soviética em 1939, sem esquecer a guerra da URSS contra a Finlândia em 1940 e a anexação dos Estados livres da Estônia, Lituânia e Letônia igualmente em 1940. A Liga ainda recomendou e ameaçou sanções contra os Estados agressores, mas elas foram totalmente inoperantes ou não implementadas pela maior parte dos Estados membros.

Sanções econômicas, no mundo contemporâneo da ONU, previstas nos artigos 41 e 42 da Carta, foram amplamente utilizadas contra certos Estados membros, muitas vezes de maneira unilateral – e, portanto, em princípio de forma ilegal –, como por exemplo dos EUA contra Cuba, contra o Irã e outros países menores, mas também de forma legal, ou pelo menos sancionadas por alguma resolução do CSNU, como contra a África do Sul dos tempos do Apartheid, ou contra o Iraque de Saddam Hussein, antes e depois de sua invasão do Kuwait. Mas, o que diz a Carta das Nações Unidos sobre as sanções? Os dispositivos principais estão contidos nesses dois artigos, mas sua aplicação depende, obviamente da aprovação do seu Conselho de Segurança, algo que é extremamente difícil de ser obtido quando os interesses nacionais de um dos membros permanentes do CSNU estão em jogo. A razão é muito simples, uma vez que as sanções econômicas são ofensivas por sua própria natureza, impondo restrições aos intercâmbios com a parte agressora, uma espécie de exercício de força, ainda que feita à distância. Eis o teor dos dois artigos da Carta tratando diretamente da questão:

Artigo 41

O Conselho de Segurança decidirá sobre as medidas que, sem envolver o emprego de forças armadas, deverão ser tomadas para tornar efetivas as suas decisões e poderá instar os membros das Nações Unidas a aplicarem tais medidas. Estas poderão incluir a interrupção completa ou parcial das relações econômicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radiofônicos, ou de qualquer espécie, e o rompimento de relações diplomáticas.

 

Artigo 42

No caso de o Conselho de Segurança considerar que as medidas previstas no Artigo 41 seriam inadequadas ou demonstrarem que são inadequadas, poderá levar a efeito, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a ação que julgar necessário para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. Tal ação poderá compreender demonstrações, bloqueios e outras operações por parte das forças aéreas, navais ou terrestres dos Membros das Nações Unidas. (Legislação de Direito Internacional, 2008, p. 1097)

 

Em outros termos, de forma similar, mas não semelhante, à Liga das Nações, a Carta da ONU prevê medidas muito constrangedoras do ponto de vista econômico, incluindo a interrupção das relações diplomáticas, a cessação dos intercâmbios econômicos e até o bloqueio do país agressor, por diversos meios, por forças das Nações Unidas, mas tudo isso depende de uma decisão do CSNU, o que é virtualmente impossível caso o direito de veto atribuído a cada um dos seus cinco membros permanentes seja exercido. Mas, registre-se também, que o artigo 24 da Carta afirma que os membros da ONU “conferem ao Conselho de Segurança a principal (main) responsabilidade na manutenção da paz e da segurança internacionais” (idem, p. 1094), ou seja, essa responsabilidade não pode ser exclusiva do CSNU, pois que, como dito no inciso 5 do artigo 2º.: 

Todos os membros darão às Nações toda assistência em qualquer ação a que elas recorrerem de acordo com a presente Carta e se absterão de dar auxílio a qualquer Estado contra o qual as Nações Unidas agirem de modo preventivo ou coercitivo. (idem, p. 1091)

 

A questão do cumprimento dos princípios e objetivos da Carta da ONU apresenta um paradoxo impossível de ser solucionado, sem uma reforma da própria Carta, o que também se afigura uma quadratura do círculo, como implícito ao seu artigo 6º:

O Membro das Nações Unidas que houver violado persistentemente os Princípios contidos na presente Carta [o que inclui, objetivamente, todas as ações perpetradas pela Rússia em sua guerra de agressão à Ucrânia], poderá ser expulso da Organização pela Assembleia Geral [mas, e este é um enorme, gigantesco, mas, apenas] mediante recomendação do Conselho de Segurança. (p. 1091)

 

A menção, feita acima, a “forças das Nações Unidas”, refere-se à existência, prevista no artigo 47, de uma Comissão de Estado Maior, 

destinada a orientar e assistir o Conselho de Segurança, em todas as questões relativas às exigências militares do mesmo Conselho, para a manutenção da paz e da segurança internacionais, utilização e comando das forças colocadas à sua disposição... [e que]

...será responsável... pela direção estratégica de todas as forças armadas postas à disposição do dito Conselho. (op. cit., p. 1098)

 

Esse mesmo inciso (3) do artigo 47, termina pateticamente por afirmar que “As questões relativas ao comando dessas forças serão resolvidas ulteriormente.” Dispensável dizer que elas nunca foram resolvidas, pois que cada força de intervenção da ONU (de imposição ou de manutenção da paz) apresentou um histórico peculiar quanto ao comando: supõe-se, por exemplo, que as forças americanas presentes na Coreia, em 1950-53, ou na Arábia Saudita e no Kuwait, em 1991, tenham respondido mais aos generais do Pentágono, e ao próprio presidente americano, do que a qualquer Comissão militar do CSNU. 

Antes de qualquer ação de imposição da paz em algum conflito levado a debate na ONU, é presumível que os membros das Nações Unidos, assim como seu Conselho de Segurança, tenham aplicado as sanções previstas nos artigos já referidos. Um debate talvez especioso – sobretudo no caso do Brasil – instalou-se a respeito de serem essas sanções legítimas ou ilegítimas, no caso sancionadas multilateralmente (e só o são pelo CSNU, que dita a Lei, mas nem sempre o Direito), ou aplicadas unilateralmente, o que, alegadamente, as tornariam não passíveis de cumprimento pelos países membros. Cabe, todavia, ressaltar que as sanções unilaterais impostas por alguns membros da ONU contra a Rússia, desde o início de sua guerra de agressão contra a Ucrânia, ainda que não autorizadas expressamente pelo CSNU, situam-se, inteiramente, dentro do espírito e da letra dos artigos da Liga das Nações e dos da Carta da ONU que tratam da possibilidade de sua aplicação contra violadores de suas respectivas convenções constitutivas. Diversas sanções foram aplicadas, por exemplo, contra a África do Sul do Apartheid por vários membros da ONU, unilateralmente, portanto, antes que várias delas se convertessem em multilaterais, quando a pressão da opinião pública internacional – vale dizer, dos países ocidentais – obrigou o Conselho a finalmente tomar uma posição, convertendo-as em obrigatórias para todos (ainda que muitos elidissem o espírito e a letra das determinações do CSNU). 



[1] Tradução livre: Esse instrumento eram as sanções, descritas em 1919 pelo presidente americano Woodrow Wilson como ‘uma coisa mais tremenda do que a guerra’: a ameaça era de um ‘absoluto isolamento… que leva a nação aos seus sentidos, assim como a sufocação remove de um indivíduo qualquer disposição a lutar… Aplique esse remédio econômico, pacífico, silencioso, mortal, e não haverá mais necessidade do uso da força. É um remédio terrível. Não custa nenhuma vida fora da nação boicotada, mas ele cria uma pressão sobre aquela nação, a que, em meu entendimento, nenhuma nação moderna pode resistir’.


* Paulo Roberto de Almeida é diplomata de carreira, doutor em ciências sociais pela Université Libre de Bruxelles, mestre em Planejamento Econômico pela Universidade de Antuérpia, licenciado em ciências sociais pela Université Libre de Bruxelles, 1975). Atua como professor de economia política no Programa de Pós-Graduação em direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub). É editor adjunto da Revista Brasileira de Política Internacional.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional. 

quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

O impasse na Ucrânia: poucas armas, poucos avanços nas frentes de batalha: O Ocidente perdeu a vontade? - Ishaan Tharoor, Sammy Westfall (WP)

 

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

A Rússia é uma violadora serial da lei internacional, e distorce e mente deliberadamente sobre fatos e procedimentos - Anton Gerashchenko

Sobre o avião derrubado em Belgorod com "prisioneiros de guerra" à bordo.

Anton Gerashchenko
Il-76 crash in Belgorod region: violation of the laws and rules of war. Assessment of the situation. Russia officially stated that "Ukrainian prisoners of war who were allegedly on board, allegedly died". ▪️ As of today, we know two facts: 1. The plane was shot down; 2. A prisoner exchange was planned but did not take place. ▪️ The plane went down on Russian territory - outside of Ukraine's control. ▪️ International experts must determine whether the facts are true. Ukraine insists on an international investigation - President Zelenskyy. ▪️ The Security Service of Ukraine has opened a criminal investigation of the crash of the Il-76 (SSU confirmed this in a comment to Radio Liberty). There are currently three hypothetical versions of what the plane could have been carrying: 1️⃣ there were no Ukrainian prisoners of war on board; 2️⃣ there were prisoners of war on board; 3️⃣ in addition to prisoners of war, there was military cargo on board. All three options mean a blatant violation of the Geneva Conventions. The first one assumes that the aggressor organized a provocation and was preparing for it. This is a gross violation of the Third Geneva Convention by the Russian Federation and a war crime committed by Russians: repressions, i.e. killing prisoners of war in another place and in another way and taking prisoners of war as hostages. The second option is also a violation of the Third Geneva Convention by the Russian Federation - a violation of the laws and customs of war. The Convention requires that the ICRC and the Protecting Power, i.e. an official intermediary, be involved in the exchange of prisoners of war and monitoring of their condition. The Russian Federation sabotages the appointment of the Protecting Power and does not allow the ICRC to participate in the negotiation and exchange processes. According to Article 23 of the Geneva Convention, "no prisoner of war may at any time be sent to or detained in areas where he may be exposed to the fire of the combat zone, nor may his presence be used to render certain points or areas immune from military operations". The third option includes such war crimes of the Russian Federation as taking hostages in the form of a "human shield" on an airplane to "cover" the transportation of cargo (could be missiles for the shelling of Kharkiv. Earlier, there were several reports of S-300 missiles being delivered by Il-76 aircraft in Belgorod region). Any hypothetical scenario, even the saddest one, described above, does not imply international responsibility of Ukraine and the Ukrainian military. By commenting on the situation with the plane, Russian propaganda is trying to gain international support. If it succeeds, it could mean that the tactic of suddenly killing Ukrainian prisoners of war could be used again. We remember how Russia and its propaganda acted when commenting on the massacre of Ukrainian prisoners of war in Olenivka and the explosion of the Kakhovka HPP. This is the same handwriting of a terrorist country. "Russia consents to an international investigation into the crash of the Il-76 with Ukrainian prisoners of war near Belgorod on condition that it is seen as an investigation into the "criminal actions of the Kyiv regime" - presidential spokesman Dmitry Peskov said this morning. In fact, this means rejecting an international expertise. And that speaks volumes.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Putin: o Hitler do século XXI - Dietmar Pichler (X)

 Alguma dúvida quanto ao status de Putin como o novo Hitler do século XXI?


From: Dietmar Pichler


If you are a teacher or journalist:

1) there was never a "civil war" or "ethnic conflict" in Ukraine

2) there was never any kind of "Russian language ban"

3) The founders of the "separatist republics" were Russian nationalists from Moscow not coal miners from Donbas


Putin's war against Ukraine is not about NATO, it is because he does not allow his neighbors to have a free, democratic and European🇪🇺 future and he wants to restore the "Russian Empire".

Ukraine was non-aligned in 2014, when Russia annexed Crimea and attacked in Donbas. This is why the idea of joining NATO became popular.

It is not a big country, attacking a similar, smaller country, it is a dictatorship attacking a free, democratic and European country.

The treaty signed between Russia and Ukraine after the dissolution of the USSR in which Ukraine ceded its atomic bombs to Russia obtaining a written guarantee that Russia undertook to renounce any modification of the borders between the two nations.

5 things about Russia's war against Ukraine that are seemingly almost forgotten 🧵

1)Russia downed MH17 passenger jet, claiming 298 lives

2)Russia is fully responsible for the war in Donbas that started in 2014

3)Russia annexed Crimea with 'little green men' (soldiers without insignia) and exerted pressure on the local population/politicians (Girkin admits that they had to use force on local politicians)

4) A few days before the war, the idea of an upcoming full-scale invasion was denied as a ridiculous fabrication by the West.

5) With the announcement of the so-called 'Special Military Operation,' Putin stated that 'there will be no occupation' of Ukraine.

"Putin attacked Ukraine after insisting for months there was no plan to do so. Now he says there's no plan to take over."

Considering not only Putin's lies and actions but also the unmatched propaganda against Ukraine and the West, it's absurd to think 'Putin is willing to negotiate' for a 'solution for both sides' unless for people which have swallowed the propaganda.

I forgot number 6: The ridiculous pretext for the full-scale invasion in Donbas. Amateur-style fabricated content and false-flag footage to 'create' a reason to invade. The evacuations and ridiculous videos made by the Kremlin's propaganda army.

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

A Ucrânia desapareceu da agenda de política externa do Itamaraty e do governo Lula? Nota sobre o terremoto no Japão

 Seria interessante, a exemplo desta Nota do MRE a propósito do terremoto no Japão, ter uma Nota, uma notinha que fosse, do Itamaraty, se solidarizando com o povo ucraniano pelos constantes bombardeios criminosos contra a população civil da Ucrânia, com objetivos deliberadamente de destruição e morticínio. Em lugar disso, o que temos tido até agora é uma completa ausência de qualquer manifestação sobre o drama ucraniano. A Ucrânia simplesmente DESAPARECEU da agenda de política externa do Itamaraty e do governo Lula.

Paulo Roberto de Almeida

Ministério das Relações Exteriores
Assessoria Especial de Comunicação Social
Nota nº 1
1º de janeiro de 2024

Terremoto no Japão

O governo brasileiro expressa solidariedade ao governo e ao povo do Japão pelas vítimas, pessoas afetadas e danos causados pelo forte terremoto que atingiu o país nesta segunda-feira, 1º de janeiro. Não há, até o momento, notícia de brasileiros mortos ou feridos.

O Itamaraty, por meio de sua embaixada em Tóquio e de seus consulados-gerais no Japão, está em contato com a comunidade brasileira no país e com autoridades locais.

Os plantões consulares do Consulado-Geral em Nagoia (080-8255-2410) e em Tóquio (090-6949-5328) estão em funcionamento para atender nacionais em situação de emergência. O plantão consular geral do Itamaraty também pode ser contatado por meio do telefone +55 (61) 98260-0610.

[Nota publicada em: https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/terremoto-no-japao-1