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quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

O Mercosul, em todos os seus estados - Paulo Roberto de Almeida

Saiu a segunda edição deste livro da pesquisadora

Elisa Souza Ribeiro:
Mercosul: Sobre Democracia e Instituições
(2a. ed.; Brasília: Uniceub, 2018, 161 pp.; ISBN: 978-85-61990-95-4)


Disponível no site dos livros do Uniceub, link: http://www.repositorio.uniceub.br/bitstream/235/12747/1/Mercosul%20sobre%20democracia%20e%20instituições.pdf 

para o qual eu contribui com esta minha apresentação: 

 “O Mercosul, em todos os seus estados” (Brasília, 16 de dezembro de 2012, 8 p.), reproduzido nas pp. 12-22 do livro. Texto disponível no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2013/04/mercosul-sobre-democracia-e.html).

Franca: revolta dos "coletes amarelos" - mini-reflexao de Paulo Roberto de Almeida

Na França, o governo do presidente Emanuel Macron teve de recuar da decisão anterior, digamos inadequada, de aumentar um pouco mais o preço de mercado dos combustíveis fósseis – uma medida aparentemente racional, para induzir a um maior uso de combustíveis renováveis – e de aumentar ao mesmo tempo os impostos sobre esses combustíveis, com o mesmo objetivo "ecológico". Na verdade, o Estado francês não tem mais de onde tirar recursos, para compensar a defasagem entre o volume de receitas – pois a carga fiscal já supera 45% do PIB – e o total das despesas públicas, que supera 51 ou 53% do PIB, ou seja, com aumento constante da dívida pública.
A população em geral, congregada por militantes não partidários reunidos sob o símbolo dos "coletes amarelos" – vestimenta de segurança obrigatória no âmbito do trânsito – saiu às ruas para protestar contra esses aumentos, e o resultado foi o que se viu em termos de destruição de bens, enfrentamentos com a polícia, e o mal estar generalizado na política e na sociedade francesa.

O francês médio ainda não se deu conta da esquizofrenia criada por hábitos longamente mantidos no país, independentemente de governos conservadores, reformistas, socialistas, ou qualquer outro tipo de arranjo político: a população quer amplos serviços sociais – saúde, educação, habitação, previdência, etc. – mas ainda não se deu conta que a situação fiscal do país já chegou ao limite do suportável. Esse generoso Estado de bem estar social já não cabe mais no PIB e nas receitas de impostos, e portanto algum outro tipo de arranjo fiscal tem de ser encontrado: ou menos benefícios sociais, ou mais impostos (ou mais inflação e dívida pública, as outras duas maneiras de se enganar com o problema).

Compreendemos a angústia dos franceses, mas cabe reconhecer que eles estão vivendo uma equação impossível: querem que o Estado gaste mais com serviços coletivos, mas não suportam mais pagar por isso. Greves e protestos não vão resolver nada, mas já é um começo o reconhecimento de que algo precisa ser feito para evitar esse recurso do Estado a sempre arrecadar mais. Um dia, que espero em breve, os franceses vão ter de se convencer que estão na quadratura do círculo.

Isso me leva a tratar da situação brasileira, que é quase a mesma coisa. As despesas públicas não cabem mais nas receitas fiscais e não cabem mais no PIB.
O que vão fazer os dirigentes políticos? Passar a fatura à população, sob a forma de mais impostos, para suportar despesas públicas em crescimento constante?
Não se trata apenas de financiar os terríveis déficits da Previdência, em especial os privilégios dos aposentados do setor público, mas também o mandarinato do Estado em geral, um grande extrator de riquezas do resto da sociedade.
Quando teremos no Brasil uma revolta de equivalentes funcionais de "coletes amarelos"?

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 6 de dezembro de 2018

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Cursos de relacoes internacionais: situacao atual (2007) e perspectivas - Paulo Roberto de Almeida

Mais um trabalho de quase dez anos atrás, que me parece que nunca tinha sido divulgado plenamente, e que talvez ainda apresente alguma validade para os estudantes.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5/12/2018

Cursos de Relações Internacionais: situação atual e perspectivas

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2 fevereiro de 2007
Notas esparsas sobre algumas questões interessando à área de formação.

1. Estado atual do ensino superior no Brasil
            Como várias outras instituições, as universidades públicas, em especial as federais, continuarão a apresentar um panorama desolador nos próximos anos, com deterioração física e humana dos cursos existentes, o que atinge inclusive os mais requisitados tradicionalmente (direito e medicina, por exemplo). O ensino superior no Brasil tem-se revelado, infelizmente, incapaz de atender aos requisitos da globalização e da competição internacional. Num quadro desse tipo, as entidades particulares continuarão a crescer para atender aos diferentes tipos de demanda, tanto na formação básica – daí a multiplicação de “faculdades Tabajara” – como na especializada, o que continua a se refletir na expansão relativa e aperfeiçoamento intrínseco das “indústrias” do setor (algumas grandes redes e centros de excelência ligados ao mundo empresarial). Não haverá sedimentação, por enquanto, mas a continuidade da expansão algo desordenada ocorrida nos últimos dez anos, dada a incapacidade do setor público de planejar e de “conformar” o mercado segundo expectativas e requisitos “racionais”. 

2. Os cursos de RI num mercado em evolução: fluxos e refluxos
            Numa primeira fase (1995-2005), ocorreu certa “inflação” de cursos, de acordo com uma espécie de “lei de Say” dessa área: a oferta criava a sua própria demanda. O panorama é conhecido: os empresários da educação correram para atender uma demanda difusa existente no mercado de ensino de terceiro ciclo, qual seja, a de demandantes confusos, fascinados pela globalização e pela regionalização e que, portanto, levam a culpa. Esses demandantes são em grande medida aqueles mesmos que no passado faziam psicologia, à falta de melhor opção (meninas casadoiras) ou que se engajavam nas ciências sociais, como se elas fossem, no dizer de Mário de Andrade, “a arte de salvar rapidamente o Brasil”. Nos últimos tempos, porém, surgiram candidatos sérios a uma carreira em RI, jovens da geração internet que pretendem se formar e trabalhar no que se poderia chamar de “sociedade global”.
Os “industriais da educação” que passaram a oferecer cursos de RI não estão, parece claro, minimamente preocupados com o espaço do “profissional” de RI – se é possível chamá-lo assim – no mercado de trabalho; esse não é o “departamento” deles. Sua função é apenas a de “fornecer” aquilo que lhes é pedido: um curso e um canudo, depois cada um que se vire como puder num mercado indefinido. Ou seja, num estamos num “supply side economics of international relations”, mas, essencialmente, num mercado demandante de cursos e canudos, o resto fica ao sabor do próprio mercado.
Por isso, podemos estar entrando agora numa segunda fase dos cursos de RI no Brasil, que pode assistir a certa contração da demanda e, portanto, retração da oferta. Ela poderia ser chamada de Entzauberung, ou o “desencanto” dos jovens com suas reais perspectivas de trabalho, por algum tempo confundidas com o mundo da diplomacia. Deve-se observar, desde logo, que o ingresso na diplomacia, na verdade, acaba ocorrendo para uma fração mínima dos estudantes desses cursos. Por outro lado, uma parte também relativamente pequena volta-se para as próprias atividades acadêmicas ligadas às relações internacionais – que absorveu muitos deles na fase de expansão – e que agora passam a ser menos requisitados.
É óbvio que a maior parte dos egressos deveria inserir-se, de algum modo, no mercado de trabalho “normal”, isto é, do setor privado, altamente competitivo. Muitos desses jovens ainda ostentam uma visão romântica do que seja o mundo ou a projeção internacional do Brasil. Eles possuem altas expectativas em relação aos cursos e às oportunidades profissionais deles resultantes, sem medir muito bem a distância que ainda separa o universo relativamente teórico que caracteriza a maior parte dos cursos e a realidade do mundo profissional, feita de muito esforço individual, salários nem sempre elevados como esperado e uma indefinição geral quanto ao exercício concreto das “generalidades” aprendidas nos bancos universitários.

3. Problemas da formação em RI
            Como o “internacionalista” é um generalista em especialidades “internacionais” ele poderá, supostamente, atuar em todas as áreas nas quais alguma competência vinculada ao seu terreno é requerida, seja no campo da análise e processamento de informações relativas aos diferentes cenários regionais e internacionais, seja na pesquisa e ensino acadêmico, nas áreas de relações internacionais das burocracias públicas – o que inclui a diplomacia tradicional, novas “diplomacias” em ministérios setoriais, assessorias internacionais de diversos órgãos etc. – e, provavelmente em maior “volume”, nas empresas privadas e nas chamadas ONGs que possuem ou aspiram possuir qualquer tipo de interface com o mundo exterior. 
O problema, aqui, é que as empresas requerem, em geral, uma competência específica, provavelmente mais especializada do que o conhecimento sintético de relações internacionais. As empresas não estão preocupadas com a teoria institucionalista ou neo-realista das relações internacionais, tampouco com o funcionamento do Conselho de Segurança da ONU: elas desejam, ou precisam, simplesmente, vender ou fazer negócios com parceiros externos e por isso elas são mais suscetíveis de apelarem para profissionais especializados. Estes serão, tipicamente, economistas, bachareis em direito, administradores ou algumas outras profissões mais “tradicionais”. Afinal de contas, trata-se de fazer uma prospecção de mercado ou de elaborar um contrato de cessão ou compra de direitos e outros ativos entre dois agentes privados, que devem rentabilizar seu tempo e seus recursos humanos e materiais, não havendo muito lugar para teorizações indevidas ou abstrações fora do campo essencialmente pragmático no qual atuam essas empresas.
Em outros termos, os cursos de RI, tanto os das faculdades públicas – em menor número, mas essencialmente voltadas para uma formação acadêmica nessa área – como os das privadas – simplesmente ocupando um nicho de mercado –, não estão fornecendo ao mercado aquilo que o mercado precisa: profissionais competentes em relações internacionais, que saibam lidar com as realidades da globalização.
O que se requer, para atender a essa demanda intrínseca e pouco percebida, são cursos claramente voltados para uma perspectiva de “global business”. 
Assim, o atual bacharel de RI seria extremamente consciencioso se ele procurasse, de imediato, suprir suas carências em competências específicas buscando uma especialização dentro de seu campo de estudo, procurando estágios desde cedo ou mesmo fazendo algum outro curso paralelamente. Como para as demais especializações disciplinares, uma pós-graduação seria altamente recomendável, ou então uma outra via, mais racional, a formação de base numa profissão “normal” ou “tradicional” e uma pós ou estudos especializados em relações internacionais, eventualmente com orientação já definida para a área na qual o candidato a um bom emprego pretende atuar.

4. Qual seria o perfil ideal de uma formação em RI voltada para o “global business”?
            De maneira geral, um curso de RI, in abstracto, está voltado para as realidades do mundo global, mas os cursos, tomados concretamente, diferem muito entre si pela qualidade das matérias oferecidas, pela competência dos professores contratados, pela disponibilidade de recursos didáticos e materiais etc. O panorama, na verdade, é algo caótico, pois o que a maioria dos cursos montados nessa área – mesmo os das faculdades públicas – consegue fazer é uma “assemblagem” de três ou quatro áreas tradicionais: fortes doses de direito e ciência política, algumas pitadas de história, um pouco de economia e tinturas diversas de disciplinas afins – sem mencionar metodologia e línguas –, o que dá uma bela salada sem personalidade.
            Parece ocorrer, atualmente, com os cursos de relações internacionais, algo semelhante ao que se passou, em outras épocas, com os cursos de ciências sociais, de psicologia, de jornalismo, que passaram a atrair multidões de jovens sem um perfil muito definido quanto à carreira desejada ou suas aspirações concretas. O modismo, como tudo a cada época, um dia vem abaixo… Mas é também possível que os patamares de demanda sejam mantidos ou até ampliados, pois há certas “modas” que não passam, seja por uma demanda regular – como ocorre hoje com os cursos de jornalismo – seja porque a globalização é mesmo irrefreável e contínua, um “universo em expansão”...
            Qual poderia ser, nessas condições, o perfil ideal de um curso de RI focado no global business? Seria preciso, para montar esse curso desse tipo, fazer uma pesquisa prévia junto às empresas multinacionais já instaladas no Brasil e junto às próprias multinacionais brasileiras, para verificar o perfil demandado por elas. Eventualmente, uma consulta aos egressos dos cursos de administração e economia, que estão atuando na área internacional de empresas, também poderia fornecer indicações preciosas quanto ao conteúdo mesmo das disciplinas mais adequadas a uma formação “renascentista-executiva”. 
Como não existem cursos de “economia internacional” ou de “direito internacional” nas faculdades da área, apenas de economia e de direito, tout court, os egressos desses cursos interessados ou necessitando trabalhar na vertente internacional do setor privado, devem buscar, nos últimos semestres, algum tipo de especialização informal dentro desses campos em suas respectivas áreas de estudo. Da mesma forma, comércio exterior se apresenta hoje como uma orientação relativamente técnica, algo como o “contador” ou o “contabilista” do passado, embora seja uma área que requeira e talvez deva contar com estudos aperfeiçoados, que poderiam estar dentro de alguns cursos de RI – que assim exibiriam especializações para “comércio exterior” ou para economia internacional, segundo o gosto do cliente. É evidente que todo o hinterland brasileiro requer, hoje, especialistas em comércio internacional voltados especificamente para o agribusiness, algo que as academias simplesmente não oferecem.
            Provavelmente, no decurso da sedimentação futura, necessária e natural, dos cursos de RI nas diferentes regiões do País, essas orientações geográfico-espaciais ou essas inclinações temáticas acabarão emergindo progressivamente. Ou seja, pode-se conceber cursos de relações internacionais voltados para o agronegócio nas principais regiões produtoras decommoditiesdemandadas pelo mercado mundial, cursos voltados para a diplomacia e a pesquisa nas ciências sociais em algumas grandes capitais, outros cursos voltados para o comércio exterior e a integração regional nas regiões mais “expostas” aos processos sub-regionais de integração e assim por diante. 
Cidades como São Paulo e Rio de Janeiro demandam, naturalmente, especialistas em global business, e seria importante que a academia passasse a fornecer esses quadros, o que ainda provavelmente não é feito por nenhum curso conhecido. (Existe uma tentativa da ESPM de oferecer cursos de RI voltado para o marketing e a publicidade internacionais, mas o teste da realidade ainda não foi feito.)
A montagem de uma grade curricular adequada a esse perfil e a disponibilidade de ferramentas adaptadas à demanda do global businessprecisam ser pensadas em estreito contato com as empresas já inseridas no mercado. Uma pesquisa rápida permitiria detectar as carências e lacunas em capacitações mais sentidas pelos executivos do setor. 

5. Perspectivas de curto e médio prazo da oferta e formação em cursos de RI no Brasil
            A procura ainda parece ser alta, provavelmente em virtude de uma espécie de ilusão dos jovens quanto ao charme e à oferta de empregos nessa área, pelo efeito do “modismo”, ou porque o Brasil está deslumbrado com a globalização, ingressante tardio – e incompleto – que é nos circuitos da interdependência global. Não imagino que a demanda venha a se manter nos próximos anos, seja porque haverá um plafonnemente queda ulterior, seja porque o ritmo de crescimento tenderá a diminuir, ao descobrirem, muitos egressos, que os cursos não são assim tão “funcionais” para as necessidades de uma carreira concreta, seja porque a oferta, como sempre ocorre, supera a demanda efetiva. Não deve ocorrer nenhum “keynesianismo” avant la lettre, pois o governo não parece estar em condições de garantir demanda efetiva numa área que não aparece como prioritária em termos de recursos humanos. 
            Resumindo: a procura, a jusante, não é alta, mas sim está ocorrendo um crescimento da oferta de cursos para atender uma demanda pré-existente, a montante, portanto. O mercado deverá ajustar oferta e procura dentro em breve. De toda forma, não existe UMA carreira de relações internacionais, e sim diferentes “carreiras” – ou melhor, oportunidades de emprego – que vão se ajustando aos nichos existentes, muito diversos entre si. Como a profissão não é regulamentada, nem tem chances de sê-lo muito em breve, persistirá essa relativa indefinição do que é “carreira” ou “especialização” em relações internacionais.
            O mercado pode estar a caminho de uma retração, o que recomendaria manter qualquer nova oferta vinculada às tradicionais áreas de economia, direito e administração, que oferecem amplas possibilidades para todos os tipos de vocações, por vezes sequer diretamente relacionadas com os campos temáticos dessas duas áreas. As RI podem, também, oferecer muitas possibilidades, mas, à diferença daquelas áreas regulamentadas, elas não constituem ainda uma profissão reconhecida, “testada” no mercado e expressamente demandada pelos mercados ou pelas empresas. Essa pequena diferença pode ser decisiva na inserção profissional dos jovens: entre o certo de uma profissão tradicional e o incerto de um campo novo, talvez seja o caso de ficar com o certo. O problema é que o Brasil é um país dotado de muito pouco empreendedorismo, a despeito da tremenda flexibilidade de sua mão-de-obra, revelada na grande capacidade adaptativa e nos esquemas informais que permeiam os mercados de trabalho (existem vários, do mais inserido ao totalmente informal). 
Uma pesquisa na escola média revelaria, provavelmente, que poucos jovens aspiram lançar o seu próprio negócio, a maior parte deles estando voltada para cursinho ou estudo para algum concurso, qualquer um, em carreira dotada de estabilidade. Esse problema da indecisão dos jovens pode hoje estar levando muito deles para as RI, assim como no passado os jovens “revolucionários” eram atraídos pela sociologia e as jovens casadoiras eram levadas a fazer psicologia, esperando marido… Hoje, muitos fazem RI, um pouco porque protestar contra a “globalização perversa” virou esporte quase obrigatório entre certos jovens…
            Segundo experiência pessoal com muitos estudantes de RI, eles parecer ostentar, hoje, uma noção completamente invertida do que deve ser a sua inserção no mercado de trabalho. Eles demandam, simplesmente, que o mercado e as empresas estejam preparados para “entender” sua importância enquanto “profissionais de RI” e as empresas os recrutem para “ensinar” essas empresas a lidar com as realidades da globalização, na suposição de que eles, estudantes, sejam os mais habilitados a fazê-lo.
            Ora, a perspectiva deveria ser completamente invertida: nem os mercados, nem a fortiori as empresas precisam estar preparados para entender o que é profissional de RI. Essa não é função deles. Sua única função é recrutar competências para o exercício de atividades profissionais específicas e os requerimentos são estritos: ou o profissional se adapta e atende ao que lhe é demandado, ou então ele pode procurar outro emprego. As empresas, na maior parte dos casos, não querem intelectuais brilhantes que saibam discorrer sobre o Conselho de Segurança da ONU ou o último livro do Keohane. Elas querem alguém que saiba redigir um contrato, negociar um acordo comercial com parceiro de outro país, fazer uma boa prospecção de mercado, trazer negócios, lucros e resultados, ponto. Este é o mercado, que deve ocupar pelo menos 80% dos egressos dos cursos de RI, qualquer que seja o seu número (o resto indo para os governos e as academias). 
            Quem deve entender as empresas e o mercado, portanto, são esses profissionais, que se não souberem lidar com essas realidades, se auto-excluem dos melhores empregos nesses mercados. Não é uma questão de preferência: as empresas não vão à cata de jovens egressos dos cursos de RI, eles é que devem tentar se oferecer para elas.
            Os jovens precisam, desde o início, tomar consciência de que, ao receber o canudo, ao saírem das faculdades, não vai haver uma fileira de “head hunters” esperando por eles na calçada, não haverá sequer um mísero recrutador esperando por eles para dizer: “Venha, meu jovem, tenho um emprego esperando por você!”. Isso simplesmente não vai acontecer. Ou eles se preparam, desde o segundo ou terceiro ano, fazendo estágios, montando empresas juniores com seus colegas, pesquisando por conta própria novos nichos de mercado, ou eles vão ficar de canudo na mão reclamando da vida.
            Um típico jovem de RI, hoje, deveria se perguntar: “qual é o meu nicho no mercado futuro, o que o Brasil ou o mundo me reserva, dentro de dois ou três anos?” Uma pesquisa de internet daria a resposta em 5 minutos, ou a sua própria vontade e vocação determinariam o seu destino imediato. Abstraindo-se a própria carreira diplomática – excessivamente restrita para servir de “colocação” para um grande número de jovens – e algumas outras carreiras no serviço público – analistas de comércio exterior ou de inteligência – e nas academias, o que sobra, obviamente, como “opção” são as empresas, grandes e pequenas. Pode-se até dizer que o “profissional” de RI deveria montar a sua própria, mas o empreendedorismo individual ainda é muito pouco desenvolvido no Brasil.
            Nessa perspectiva, é óbvio que um jovem paulistano precisa ter uma visão “global business”, é evidente que um jovem do “cerrado central” precisa pensar no Brasil como o grande fornecedor mundial – ele já é, mas será cada vez mais – de produtos do agronegócio, é evidente que aqueles que amam praia, sol, florestas e montanhas encontrarão excelentes oportunidades no turismo de massa ou especializado, assim como está mais do que claro que o Brasil tem um imenso campo aberto em todas as áreas nas novas energias renováveis, na exploração dos recursos naturais, na conformação de um espaço integrado na América do Sul. Qualquer jovem que quisesse ganhar dinheiro, estaria estudando todas essas oportunidades.

6. Resumindo...
            Do meu ponto de vista, considero que os cursos de RI existentes e seus respectivos professores, estão muito pouco preparados para atender a essa demanda. Trata-se de uma demanda real, não dos requisitos prosaicos de uma grade curricular tradicional, que copia passivamente a inércia “humanistóide” dos cursos tradicionais das universidades públicas –fazendo uma combinação de direito, história, economia e ciência política – e que parecem não ter nenhum compromisso com os mercados reais. 
Talvez os jovens não encontrem o curso ideal nem nas faculdades privadas nem nas públicas. O melhor, então, seria que eles “construam”, sozinhos, e de maneira absolutamente auto-didática (se possível com os colegas), os seus próprios “cursos”. Talvez eles não sejam melhores, em qualidade imediata, do que aqueles oferecidos oficialmente pelas instituições de ensino, mas eles certamente serão mais adaptados e estarão mais conformes às aspirações e necessidades dos próprios jovens.
            O futuro dos cursos de RI pode estar nessa flexibilidade e adaptabilidade às novas realidades sempre cambiantes da globalização: um curso dotado dessas características pode deslanchar e se firmar num mercado educacional ainda incerto.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2 fevereiro de 2007

As relacoes internacionais como oportunidade profissional (2006) - Paulo Roberto de Almeida

Alguém me lembrou deste antigo ensaio sobre as angústias dos jovens internacionalistas, elaborado muito tempo atrás e aparentemente ainda válido (disso não estou seguro). Em todo caso, pode ser que tenha algum interesse para os jovens vocacionados para a área de relações internacionais, não necessariamente na diplomacia.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5/12/2018

As relações internacionais como oportunidade profissional

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 22-23 de março de 2006
Respostas a algumas das questões mais colocadas pelos
jovens que se voltam para as carreiras de relações internacionais.


Questões:

1. Com quais expectativas o jovem ingressa no curso de relações internacionais?
            PRA: Provavelmente, na maior parte dos casos, com a expectativa de tornar-se diplomata ou funcionário internacional, ou então animado pelo vago desejo (ou mesmo vontade concreta) de sair do Brasil, passar sua vida entre capitais européias e da América do Norte, fazer-se no mundo, enfim. Deve-se observar desde logo que o ingresso na diplomacia, na verdade, acaba ocorrendo para uma fração mínima dos ingressados nesses cursos, uma parte também relativamente pequena voltando-se para as próprias atividades acadêmicas ligadas às relações internacionais e a maior parte devendo inserir-se, de algum modo, no mercado de trabalho “normal”, isto é, do setor privado, altamente competitivo. 
Aqueles muito jovens – digamos entre os 18 e 20 anos – ostentam uma visão relativamente romântica do que seja o mundo ou a projeção internacional do Brasil, não estando aqui excluídas motivações essencialmente idealísticas, no sentido da atuação em causas humanitárias, ecológicas, imbuídos que são do desejo de mudar o mundo ou de ajudar aqueles que são percebidos como “vítimas da globalização” ou de misérias ancestrais. Os mais “velhos” – que podem eventualmente ter iniciado o terceiro ciclo por algum outro curso e efetuado o desvio para relações internacionais no meio da rota – possuem expectativas mais concretas e realistas, eventualmente construídas a partir do exercício de alguma atividade profissional paralela aos estudos de terceiro ciclo, mas eles também podem estar imaginando ou aspirando por uma “vida diferente” da mesmice cotidiana em âmbito puramente nacional, algum relevante papel de “negociador”, de “funcionário” ou de “executivo internacional”. Ou seja, todos eles possuem altas expectativas em relação aos cursos e as oportunidades profissionais dele resultantes, sem talvez medir muito bem a distância que ainda separa o universo relativamente teórico do universo “mental” desses cursos e a realidade do mundo profissional, feita de muito esforço individual, salários nem sempre elevados como esperado e uma indefinição geral quanto ao exercício concreto das “generalidades” aprendidas nos bancos universitários.

2. Em quais as áreas o bacharel em RI sai preparado para atuar?
            PRA: Como ele é um generalista em especialidades “internacionais” ele poderá, supostamente, atuar em todas as áreas nas quais alguma competência vinculada ao seu terreno é requerida, seja no campo da análise e processamento de informações relativas aos diferentes cenários regionais e internacionais, seja na pesquisa e ensino acadêmico, nas áreas de relações internacionais das burocracias públicas – o que inclui a diplomacia tradicional, novas “diplomacias” em ministérios setoriais, assessorias internacionais de diversos órgãos etc. – e, provavelmente em maior “volume”, nas empresas privadas e nas chamadas ONGs que possuem ou aspiram possuir qualquer tipo de interface com o mundo exterior. O problema, aqui, é que as empresas requerem, em geral, uma competência mais específica e provavelmente mais especializada do que o conhecimento sintético das relações internacionais, a qualquer título. As empresas não estão minimamente preocupadas com a teoria institucionalista ou neo-realista das relações internacionais, tampouco com o funcionamento do Conselho de Segurança da ONU: elas desejam simplesmente vender ou fazer negócios com parceiros externos e por isso elas são mais suscetíveis de apelarem para profissionais especializados como economistas, advogados ou algumas outras profissionais mais “tradicionais”. Afinal de contas, trata-se de fazer uma prospecção de mercado ou de elaborar um contrato de cessão ou compra de direitos e outros ativos entre dois agentes privados, que devem rentabilizar seu tempo e seus recursos humanos e materiais, não havendo muito lugar para teorizações indevidas ou abstrações fora do campo essencialmente pragmático no qual atuam essas empresas.
Em outros termos, o bacharel de RI seria extremamente consciencioso se ele procurasse, de imediato, suprir suas carências em competências específicas buscando uma especialização dentro de seu campo de estudo, procurando estágios desde cedo ou mesmo fazendo algum outro curso paralelamente. Como para as demais especializações disciplinares, uma pós-graduação seria altamente recomendável, ou então uma outra via, mais racional, a formação de base numa profissão “normal” ou “tradicional” e uma pós ou estudos especializados em relações internacionais, eventualmente com orientação já definida para a área na qual o candidato a um bom emprego pretende atuar.

3. Qual o nome dado ao profissional depois de formado?
            PRA: Não tenho certeza se o termo está consagrado, mas, aparentemente, seria “internacionalista” (uma expressão ainda não oficializada, diga-se de passagem, como a própria “profissão”, que não corre nenhum “risco” de ser regulamentada no futuro previsível). Em todo caso, melhor assim, do que algo estranho como “internacionalóide” ou “internacionaleiro”. 

4. Existe a discussão sobre a relevância do curso para quem quer seguir carreira diplomática. É mesmo o melhor caminho ou o primeiro passo para o Instituto Rio Branco e o Itamaraty?
            PRA: Não tenho certeza de que este seja o melhor caminho para os indivíduos que aspiram a ter alguma atividade já consagrada no circuito profissional, pois se trata de uma área relativamente nova, ainda não suficientemente “testada” nos mercados de trabalho. O que ocorreu, nos últimos anos, levado pelos ventos da globalização e da regionalização, foi um fenômeno “anormal” de expansão “geométrica” dos cursos de relações internacionais, provavelmente sem qualquer relação com a demanda efetiva do mercado. Havia uma demanda da parte dos jovens, atraídos pelo que parece ser um campo novo e talvez vasto – mas provavelmente não suficientemente “elástico” como o desejado pelos jovens – e as instituições privadas de ensino se encarregaram de satisfazer essa demanda por cursos de “aspecto” internacional. 
            Quanto à carreira diplomática, estrito senso, o recrutamento é altamente seletivo e a formação deveria ser, portanto, focada nas humanidades em geral, com um domínio igualmente satisfatório de ciências sociais aplicadas como economia e direito. Não é seguro que um curso de relações internacionais consiga dar todas as competências requeridas, mas ele é provavelmente o que mais estaria dentro do “campo” da diplomacia profissional. Acontece, porém – e isso precisa ficar muito claro aos jovens aspirantes à carreira – que, sendo o recrutamento caracterizado pela “hecatombe” de 90% dos candidatos, os “não-entrantes” precisam “sobreviver”, de alguma forma, nas profissões normais, requeridas pelo mercado, e aqui o nicho das relações internacionais ainda é relativamente difícil. 
            Pode-se dizer, de uma maneira geral, que o curso, in abstracto, é relevante, mas os cursos, tomados concretamente, diferem muito entre si pela qualidade das matérias oferecidas, pela competência dos professores contratados, pela disponibilidade de recursos didáticos e materiais, etc. 
            Parece ocorrer, atualmente, com os cursos de relações internacionais, algo semelhante ao que se passou, em outras épocas, com os cursos de ciências sociais, de psicologia, de jornalismo, que passaram a atrair multidões de jovens sem um perfil muito definido quanto à carreira desejada ou suas aspirações concretas. O modismo, como tudo a cada época, um dia vem abaixo… Mas é também possível que os patamares de demanda sejam mantidos ou até ampliados, pois há certas “modas” que não passam, seja por uma demanda regular – como ocorre hoje com os cursos de jornalismo – seja porque a globalização é mesmo irrefreável e contínua, um “universo em expansão”...

5. O que diferencia o curso de RI dos cursos de comércio exterior e de direito e economia internacionais?
            PRA: Não existem cursos de “economia internacional”, apenas de economia, tout court, assim como no direito, embora os egressos desses cursos possam buscar, nos últimos semestres, algum tipo de especialização informal dentro desses campos em suas respectivas áreas. Comércio exterior se apresenta hoje como uma orientação relativamente técnica, algo assim como “contador”, embora seja uma área que requeira e deva contar com estudos aperfeiçoados, que aliás podem estar dentro de alguns cursos de relações internacionais – que assim exibiriam especializações mais para “ciência política” ou mais para economia internacional, segundo o gosto do cliente. 
            Acredito mesmo que no decurso da sedimentação necessária e natural dos cursos de relações internacionais nas diferentes regiões do país, essas orientações geográfico-espaciais ou essas inclinações temáticas acabarão emergindo progressivamente. Ou seja, pode-se conceber cursos de relações internacionais voltados para o agronegócio nas principais regiões produtoras de commodities demandadas pelo mercado mundial, cursos voltados para a diplomacia e a pesquisa nas ciências sociais em algumas grandes capitais, outros cursos voltados para o comércio exterior e a integração regional nas regiões mais “expostas” aos processos sub-regionais de integração e assim por diante. 

6. O aumento de ofertas para o curso de RI em diversas faculdades públicas e particulares poderia significar que a procura é alta para a carreira?
            PRA: A procura ainda é alta por uma espécie de ilusão dos jovens quanto ao “charme” e a oferta de empregos nessa área, pelo efeito do já mencionado “modismo”, ou porque o Brasil está mesmo deslumbrado com a globalização, ingressante tardio – e incompleto – que foi nos grandes circuitos da interdependência global. Não imagino que a demanda venha a se manter nos próximos anos, seja porque haverá um “plafonnement” e queda ulterior, seja porque o ritmo de crescimento tenderá a diminuir, ao descobrirem, muitos egressos, que os cursos não são assim tão “funcionais” para as necessidades de uma carreira concreta, seja porque a oferta, como sempre ocorre, supera a demanda efetiva. Não deve ocorrer, aqui, nenhum “keynesianismo” avant la lettre, pois o governo não parece estar em condições de garantir demanda efetiva numa área que não aparece como prioritária em termos de recursos humanos. 
            Resumindo: a procura, a jusante, não é alta, mas sim está ocorrendo um crescimento da oferta de cursos para atender uma demanda pré-existente, a montante, portanto. O mercado deverá ajustar oferta e procura dentro em breve. De toda forma, não existe UMA carreira de relações internacionais, e sim diferentes “carreiras” – ou melhor, oportunidades de emprego – que vão se ajustando aos nichos existentes, muito diversos entre si. Como a profissão não é regulamentada, nem tem chances de sê-lo muito em breve, persistirá essa relativa indefinição do que é “carreira” ou “especialização” em relações internacionais.

7. O jovem passou a se interessar mais por assuntos relacionados ao mundo?
            PRA: Certamente. O bebê já nasce ouvindo teclado de computador, e a internet, como as demais tecnologias de informação, permeia a vida das pessoas desde tenra idade. Não há como escapar, hoje, dos apelos do mundo. Mesmo que algum jovem não tenha o mínimo interesse por “coisas” do mundo, o mundo vem inevitavelmente até ele, pelos mais diferentes caminhos e meios. Ninguém escapa…

8. Os atentados de 11 de Setembro e as subseqüentes guerras no Afeganistão e no Iraque podem ter tido alguma influência no aumento de interesse por Relações Internacionais?
            PRA: Provavelmente, mas não mais do que MP3, celular, internet de modo geral. Há hoje uma crescente interpenetração entre o nacional e o mundial, todo dia franquias estrangeiras vêem se estabelecer no Brasil, as viagens internacionais são cada vez mais freqüentes e acessíveis, o inglês tornou-se obrigatório para o simples exercício (e vício) preguiçoso do “cut and paste” para os trabalhos escolares, enfim, o mundo vem até nós, aos borbotões. É natural que cresçam e apareçam as profissões e especializações ligadas às relações internacionais, mas os interesses e as oportunidades são ainda muito difusos.

9. Certos cursos, como direito e administração, são opções de vestibular para muitos adolescentes que não sabem exatamente o que querem fazer da vida. Por abranger muitas áreas, a carreira de RI não acaba atraindo mais jovens indecisos?
            PRA: Exatamente: direito e administração oferecem amplas possibilidades para todos os tipos de vocações, por vezes sequer diretamente relacionadas com os campos temáticos dessas duas áreas. As RI podem, também, oferecer muitas possibilidades, mas, à diferença das duas primeiras, elas não constituem uma profissão reconhecida, “testada” no mercado e expressamente demandadas pelos mercados ou pelas empresas. Essa pequena diferença pode ser decisiva na inserção profissional dos jovens: entre o certo de uma profissão tradicional e o incerto de um campo novo, talvez seja o caso de ficar com o certo. O problema é que o Brasil é um país dotado de muito pouco empreendedorismo, a despeito da tremenda flexibilidade de sua mão-de-obra, revelada na grande capacidade adaptativa e nos esquemas informais que permeiam os mercados de trabalho (existem vários, do mais inserido ao totalmente informal). Uma pesquisa na escola média revelaria, provavelmente, que poucos jovens aspiram lançar o seu próprio negócio, a maior parte deles estando voltada para cursinho ou estudo para algum concurso, qualquer um, em carreira dotada de estabilidade.
            Esse problema da “indecisão” dos jovens pode hoje estar levando muito deles para as RI, assim como no passado os jovens “revolucionários” eram atraídos pela sociologia – segundo Mário de Andrade, a “arte de salvar rapidamente o Brasil” – e as jovens casadoiras eram levadas a fazer psicologia, esperando marido… Hoje se faz RI, porque protestar contra a “globalização perversa” virou esporte quase obrigatório entre os jovens…

10. Com tanta oferta de cursos, há espaço suficiente para o profissional em RI no mercado?
            PRA: Certamente tem ocorrido certa “inflação” de cursos, mas nisso os próprios demandantes levam a culpa: eles “pediram” e os empresários da educação correram para atender essa demanda do mercado de estudantes. Esses “industriais da educação” não estão minimamente preocupados com o espaço do “profissional” de RI – se é possível chamá-lo assim – no mercado de trabalho, esse não é o “departamento” deles. Sua função é a de apenas “fornecer” aquilo que lhes é pedido: um curso e um canudo, depois cada um que se vire como puder num mercado indefinido. Ou seja, não estamos num “supply side economics of international relations”, mas essencialmente num mercado demandante por cursos e canudos, o resto fica ao sabor do próprio mercado…

11. O mercado e as empresas estão preparados para entender o que é profissional de RI?
            PRA: A pergunta deve ser completamente invertida: nem os mercados, nem a fortiori as empresas precisam estar “preparados para entender o que é profissional de RI”. Essa não é função deles. Sua única função é recrutar competências para o exercício de atividades profissionais específicas e os requerimentos são estritos: ou o profissional se adapta e atende ao que lhe é demandado, ou então ele pode procurar outro emprego. Por isso, volto a insistir: as empresas, na maior parte das vezes, não querem intelectuais brilhantes que sabem discorrer sobre o Conselho de Segurança da ONU ou o último livro do Keohane, elas querem alguém que saiba redigir um contrato, negociar um acordo com parceiro de outro país, fazer uma boa prospecção de mercado, trazer negócios, lucros e resultados, ponto. Este é o mercado, que deve ocupar pelo menos 80% dos egressos dos cursos de RI, qualquer que seja o seu número (o resto indo para os governos e as academias). 
            Quem deve entender as (e de) empresas e o (de) mercado são esses profissionais, que se não souberem lidar com essas realidades, se auto-excluem dos melhores empregos nesses mercados. Não é uma questão de preferência, é assim, ponto. As empresas não vão à cata de jovens egressos dos cursos de RI, eles é que devem tentar se oferecer para elas.
            Os jovens precisam, desde o início, tomar consciência de que, ao receber o canudo, ao saírem das faculdades, não vai haver uma fileira de “head hunters” esperando por eles na calçada, não haverá sequer um mísero recrutador esperando por eles para dizer: “Venha, meu jovem, tenho um emprego esperando por você!”. Isso simplesmente não vai acontecer. Ou eles se preparam, desde o segundo ou terceiro ano, fazendo estágios, montando empresas juniores com seus colegas, pesquisando por conta própria novos nichos de mercado, ou eles vão ficar de canudo na mão reclamando da vida.
            Se eu fosse um jovem, hoje, e não um diplomata com 28 anos de carreira, mas ainda disposto a diversificar no privado (ensino e pesquisa, eventualmente consultoria), eu me perguntaria: “qual é o meu nicho no mercado futuro, o que o Brasil ou o mundo me reserva, dentro de dois ou três anos?” Uma breve pesquisa de internet me daria a resposta em 5 minutos, ou a minha própria vontade e vocação determinariam o meu destino imediato. Abstraindo-se a própria carreira diplomática – excessivamente restrita para servir de “colocação” para um grande número de jovens – e algumas outras carreiras no serviço público – analistas de comércio exterior ou de inteligência – e nas academias, o que sobra, obviamente, como “opção” são as empresas, grandes e pequenas. Eu até diria que o “profissional” de RI poderia montar a sua própria, mas o empreendedorismo individual ainda é muito pouco desenvolvido no Brasil.
            Nessa perspectiva, é óbvio que um jovem paulistano precisa ter uma visão “global business”, é evidente que um jovem do “cerrado central” precisa pensar no Brasil como o grande fornecedor mundial – o que ele já é, mas será cada vez mais – de produtos do agronegócio, é evidente que aqueles que amam praia, sol, florestas e montanhas encontrarão excelentes oportunidades no turismo de massa ou especializado, está mais do que claro que o Brasil tem um imenso campo em todas as áreas nas novas energias renováveis, na exploração dos recursos naturais, na conformação de um espaço integrado na América do Sul. Se eu fosse jovem e quisesse ganhar muito dinheiro, eu já estaria estudando todas essas oportunidades. Tudo isso É relações internacionais, tudo isso é interdependência global, tudo isso é globalização. Quanto antes o jovem se preparar, e não ficar passivamente esperando o fim do curso para depois pensar no que vai fazer, será melhor para ele e para suas famílias.
            Desse ponto de vista, acho, particularmente, que os cursos, atuais, das faculdades voltadas para esse campo, e seus respectivos professores, estão muito pouco preparados para atender essa demanda. Trata-se de uma demanda real, não daqueles requisitos prosaicos de uma grade curricular tradicional, que copia passivamente a inércia “humanistóide” dos cursos tradicionais das universidades públicas – em ciências sociais em geral, mas fazendo uma combinação de direito, história, economia e ciência política – que, elas, parecem não ter nenhum compromisso com os mercados reais. Talvez os jovens não encontrem o curso ideal nem nas faculdades privadas nem nas públicas. O melhor, então, seria que eles “construam”, sozinhos, e de maneira absolutamente auto-didática (se possível com os colegas), os seus próprios “cursos”. Talvez eles não sejam melhores, em qualidade imediata, do que aqueles oferecidos oficialmente pelas instituições de ensino, mas eles certamente serão mais adaptados e estarão mais conformes às aspirações e necessidades dos próprios jovens.
            Acho que é hora de deixar de ser passivos: arregacem as mangas, jovens, mãos à obra, construam suas próprias vidas!

Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org) 
Brasília, 22-23 de março de 2006

Ideias e ideologia: breves propostas - Paulo Roberto de Almeida

Ideias e ideologia: breves propostas

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: auto-esclarecimento; finalidade: caráter didático]


O que são ideias? O que é ideologia? Seguem minhas breves considerações.
Ideias podem ser representadas por, ou apresentadas como, um conjunto disperso, diversificado, variado, muitas vezes incompleto, parcial ou preliminar, de proposições, argumentos, sugestões, opiniões, especulações, sobre quaisquer temas ou assuntos pertinentes ao universo mental de seus proponentes, sejam elas propostas sobre o mundo real, observável, empiricamente fundamentado, sejam apenas construções mentais sob a forma de conceitos abstratos. Para serem identificadas como ideias, e aspirarem legitimamente a esse título, ou identidade, tais ideias, por mais especulativas que sejam, necessitam guardar certa coerência, consistência intrínseca, conexão com o mundo real ou com a lógica formal (a que deve obedecer qualquer proposição), do contrário serão, ou terão de ser, descartadas como meras expressões sem sentido de seu enunciador. Ideias tem essa peculiaridade necessária de que elas precisam ser racionais, ou inteligíveis, de forma a permitir um debate de tipo socrático. Ponto.

O que é ideologia? Uma ideologia pode ser um conjunto de ideias que se apresenta de modo alegadamente coerente, que tende a fornecer uma explicação, ou interpretação, sobre algum aspecto do mundo real, ou do próprio mundo das ideias (pois estas costumam ter vida própria, e sobrevivem mesmo na ausência de vínculos aferíveis com a realidade). Geralmente se trata de um conjunto fechado, ou seja, que se basta a si mesmo, no sentido em que oferece uma resposta que se autocontém, e que se justifica por si próprio. Não importa muito se a ideologia é um conjunto de falsas ideias sobre o mundo – no sentido marxista do conceito – ou se ela é uma interpretação coerente e consistente do universo que se pretende descrever e explicar. 
O lamarckismo, por exemplo, foi uma ideologia dotada de certa validade durante o período em que ofereceu uma explicação plausível sobre a evolução das espécies; depois foi superado pela seleção natural darwiniana, como uma explicação superior em termos de consistência intrínseca com a realidade e atendendo a certos critérios da lógica formal. Não importa muito, agora, se a seleção natural, nas condições do mundo contemporâneo, vem sendo cada vez mais “enviesada”, distorcida ou transformada, pela seleção cultural, dirigida pelo próprio homem, com base na sua capacidade de manipular a natureza no nível do código genético das espécies, ou em escala molecular. O darwinismo se submete inteiramente aos critérios popperianos de “falsificabilidade”, e pode, portanto, aspirar ao título de “teoria”, o que é um status superior ao da ideologia. Os adeptos do criacionismo, por exemplo, ou os propositores do “desenho inteligente”, se esforçam em contestar a validade do darwinismo, pretendendo relegá-lo ao status de ideologia, mas suas “ideias”, ou proposições, não apresentam qualquer consistência lógica e qualquer conexão com a realidade observável, tratando-se, portanto, de “ideias falsas”, ou seja, o entendimento marxista de ideologia. 

Ideias são úteis ao avanço do conhecimento humano, mesmo quando falsas ou equivocadas, pois permitem discutir, em bases racionais, o entendimento que se tem sobre o mundo real e o próprio mundo das ideias. Ideologias, por outro lado, tendem a ser conjuntos fechados, o que dificulta um debate racional em torno de ideias, que sempre se contrapõem umas às outras. O debate racional é sempre saudável, e é sobre a base do questionamento das ideias entre si que a humanidade caminha a passos cada vez mais rápidos para o domínio sistemático do homem sobre o mundo real, e, com isso, para o progresso material dos povos e para a elevação espiritual da espécie humana, ou seja, sempre em benefício das comunidades existentes. Más ideias podem, obviamente, levar a retrocessos temporários ou delongados nessa trajetória: racismo, por exemplo, ou escravismo, ou qualquer outra forma de tirania sobre indivíduos ou comunidades, e essas más ideias podem se converter em ideologia, como o “racismo científico” de épocas passadas. Fundamentalismos, de qualquer tipo – político, religioso, ou mesmo torcidas de futebol – costumam se apresentar como “ideologias”, ainda que precárias, incoerentes, absurdas, geralmente agressivas e excludentes. 

Devemos sempre favorecer o florescer das ideias, o debate racional, a confrontação educada das ideias entre si. Devemos nos resguardar das ideologias, sempre perigosas e potencialmente danosas, por excludentes e potencialmente fundamentalistas. O debate continua aberto...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5 de dezembro de 2018

O movimento comunista internacional e seu impacto no Brasil - Paulo Roberto de Almeida

Uma apresentação em PowerPoint, destinada a subsidiar palestra-debate sobre o tema título, infelizmente não realizada por circunstâncias não pertinentes ao debate, e que será feita em ocasião ulterior. Abaixo o registro do trabalho em questão: 


“O movimento comunista internacional e seu impacto no Brasil”, Brasília, 3 dezembro 2018, 20 slides. Apresentação em PowerPoint para servir de base a pequena exposição sobre o tema título em palestra-debate no quadro dos “Diálogos Internacionais” do IPRI, juntamente com o jornalista e historiador Hugo Studart, autor de livros sobre a guerrilha do Araguaia. Palestra não realizada na data programada (4/12), postergada a oportunidade futura. 
Postada na plataforma Academia.edu (5/12/2018; link: https://www.academia.edu/37915306/3370_O_Movimento_comunista_internacional_e_seu_impacto_no_Brasil_2018_).




segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Winston Churchill: um estadista que faz falta - Paulo Roberto de Almeida

Winston Churchill: um estadista que faz falta 

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: entrevista áudio para o Instituto Millenium; finalidade: caráter didático]
  
Tendo recebido, depois de um pedido precedente do Instituto Millenium, no caso da líder britânica Margaret Thatcher, uma nova demanda para entrevista gravada, solicitei um roteiro de questões a serem tratadas. Recebi os interrogantes abaixo, que como sempre, de acordo com minha proverbial prolixidade, respondo amplamente, mas de forma livre, e sem maiores esforços de preparação sistemática. Aos interessados no exercício precedente, indico aqui o meu registro da primeira entrevista: 
3356. “O que Margaret Thatcher teria a ensinar ao Brasil?”, Brasília, 1 novembro 2018, 3 p. Notas para gravação de podcast a convite do Instituto Millenium. Divulgado no blog Diplomatizzando(link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/11/o-que-margaret-thatcher-teria-ensinar.html). Agregado texto resumo em 6/11/2018 e áudio disponível no site do IM (link: https://www.institutomillenium.org.br/destaque/o-que-o-brasil-pode-aprender-com-margaret-thatcher/). Transcrito na revista Exame(6/11/2018; link: https://exame.abril.com.br/blog/instituto-millenium/o-que-o-brasil-pode-aprender-com-margaret-thatcher/).

Desta vez, o personagem britânico escolhido foi ninguém menos que o grande Winston Churchill. Com base unicamente no que conheço de sua vida e sua obra, em livros próprios (Memórias da guerra, História dos povos de língua inglesa), biografias (existe uma excelente, mais recente, de Andrew Roberts), trabalhos de historiografia (recomendo John Lukacs, Five Days in London) e em filmes (muitos, entre eles o Darkest Hour), elaborei as seguintes respostas, sem uma preparação maior.

1) Podemos contextualizar quem foi Winston Churchill e qual foi sua trajetória até que chegasse ao cargo de primeiro ministro do Reino Unido? O que faz com que ele seja lembrado até hoje como um dos maiores líderes que já existiram na história mundial?
Paulo Roberto de Almeida (PRA): Winston Churchill foi, antes e acima de tudo, um defensor do Império britânico, um dos maiores empreendimentos coloniais – direto e indireto – da história mundial, um herdeiro de uma linhagem de aristocratas, políticos e líderes militares da Grã-Bretanha que construíram o mais vasto império jamais visto na história mundial. No momento de sua maior extensão, em 1913, ou seja, às vésperas da Grande Guerra, esse império estava espalhado por todos os continentes e regiões do mundo, com destaque para as unidades integrantes diretos da chamada comunidade britânica de nações: o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia, ademais de Hong Kong e, com menor destaque, a África do Sul. Uma antiga dependência, as treze colônias da América do Norte, evoluiu para se constituir na nação mais avançada do mundo já no final do século XIX, ultrapassando até mesmo a antiga metrópole, em PIB per capita, em poderio industrial e tecnológico, e, em poucos anos mais, como um grande centro financeiro internacional, passando a substituir a libra esterlina, como moeda mundial, a partir da Segunda Guerra Mundial.
Winston Churchill foi um acirrado defensor desse grande império, que compreendia ainda territórios submetidos a uma administração direta ou indireta, nas Américas, em metade da África e sobretudo na Ásia do Sul, com destaque para a Índia, um mosaico de nações, de línguas e religiões, que em seu conjunto exibia uma economia superior à da própria potência colonial no momento da conquista, no século XVIII. Na verdade, a Índia foi conquistada primeiro pela Companhia das Índias Orientais Britânicas, e só em meados do século XIX passou a ser um vice-reino submetido diretamente a um ministério das colônias britânicas. A África do Sul, por sua vez, era uma antiga colônia holandesa, colocada sob a dependência da comunidade britânica depois de uma cruel guerra de conquista por tropas do Reino Unido, em 1900, após episódios militares dos quais Winston Churchill participou diretamente enquanto repórter incorporado às forças de conquista. Ele também se associou a outras aventuras militares no Sudão, no subcontinente indiano e, de forma geral, tinha imenso orgulho da vastidão do império britânico em sua fase de maior extensão.
Ambicioso no plano político, Winston Churchill tornou-se, precocemente, um ministro das colônias, depois Lord do Almirantado – ou seja, ministro da Marinha britânica, a poderosíssima Royal Navy –, quando presidiu à importante conversão dos navios da frota das caldeiras a vapor, alimentadas a carvão, para os motores a diesel, mantendo a preeminência em poder de fogo e de deslocamento, frente ao crescente e agressivo império alemão, que empreendia uma grande competição naval entre o final do século XIX e o inicio do XX. 
Sua experiência na Grande Guerra não foi das mais exitosas, sendo culpado, talvez por teimosia, pelo desastre de Galipoli, uma tentativa frustrada de neutralizar o Império Otomano, então aliado dos impérios centrais responsáveis pela guerra, para permitir a saída ao Mediterrâneo da frota da Rússia, uma das nações aliadas. Milhares de soldados pereceram na tentativa e Churchill teve de abandonar o seu cargo. Para compensar, foi ser comandante de batalhão nos campos do norte da França e da Bélgica, o que lhe permitiu recuperar parcialmente a sua reputação. Nunca se sentiu à vontade, seja com os Conservadores, seu partido de origem, seja com os Liberais, pois mantinha concepções próprias sobre as grandes questões politicas e estratégicas que deveriam guiar as ações do Império britânico; por isso oscilou algumas vezes no tocante às suas preferências políticas, sendo hostilizado em ambos os partidos, sem falar no Labour.
Teve uma percepção muito nítida, por exemplo, da ameaça que surgiria contra o Império britânico e toda a civilização ocidental – constituída pelas democracias de mercado – representada pelo novo regime bolchevique que emergiu na Rússia, em meio a uma terrível guerra civil ao final da Grande Guerra. Contra ele apoiou várias intervenções militares opostas ao nascente poder bolchevique, já que via no comunismo o grande contendor do Ocidente no plano das ideias e dos valores fundamentais que devem guiar o sistema econômico capitalista e o regime político liberal. Não logrou vencer esse poder em sua origem, mas não hesitou em aliar-se a ele, quando uma ameaça ainda mais terrível, a do nazi-fascismo passou, por sua vez, a contestar os fundamentos mesmos da sociedade aberta e das democracias de mercado nos momentos mais decisivos de meados do século XX. 
Winston Churchill teve uma outra fase infeliz quando assumiu o cargo de Lord of Treasury, ou seja, ministro das finanças, quando intentou fazer o Reino Unido voltar ao antigo padrão monetário vigente no século XIX até a Grande Guerra, ou seja, a libra esterlina baseada no lastro metálico em ouro. Em 1925, contra as recomendações do já famoso economista britânico John Maynard Keynes, ele tentou operar essa volta da libra ao padrão-ouro pré-1913, mas na mesma paridade que aquela que operou de 1816 até às vésperas da Grande Guerra, descurando completamente a grande inflação e os monumentais desequilíbrios econômicos trazidos pelo primeiro grande conflito global do século XX. Foi um desastre completo: Churchill permaneceu isolado por longo tempo depois disso, aproveitando seu tempo para escrever e recuperar um pouco do dinheiro empregado para manter um padrão de vida que ele já não podia suportar. 
Os anos 1930 foram de um relativo declínio em sua carreira política, até que o início da guerra deslanchada por Hitler viesse milagrosamente retirá-lo de uma semi-marginalidade, para levá-lo ao mais importante desafio lançado não só à sua carreira política, mas também à própria sobrevivência do império britânico.

2) A vida de Churchill foi marcada pelas grandes guerras. Podemos falar um pouco sobre essa relação e também destacar como a sua conduta ajudou a sustentar um clima político que levantou a nação durante as batalhas?
PRA: Winston Churchill foi, durante toda a sua vida, um estadista dotado de uma visão estratégica fundamentada basicamente no poderio militar, como garantia de manutenção do império britânico e de sobrevivência da Grã-Bretanha e seu sistema econômico e regime político. Anteviu a necessidade de modernizar e equipar a frota da Royal Navy, e agiu em consequência no confronto com o crescimento da armada do Império Alemão. Previu desde cedo a necessidade de uma estreita aliança entre o Império Britânico e os Estados Unidos, num momento em que este dispunha de uma armada razoável, mas quase nenhum exército, ou forças orientadas para atuação em cenários externos. Desde o início pressentiu os instintos expansionistas dos regimes totalitários do entre guerras, assim como o espírito belicoso e militarmente agressivo dos dois fascismos da Europa continental, ainda que tenha demorado um pouco mais para detectar os mesmos perigos advindos do militarismo japonês (que até o final dos anos 1920 era, praticamente, um aliado dos poderes ocidentais). 
Combateu acirradamente o ânimo pacifista dos líderes políticos ocidentais, em especial da França e dos seu próprio país, e não hesitou a denunciar como um enorme erro estratégico as inaceitáveis concessões feitas pela Grã-Bretanha e pela França às investidas de Hitler contra a Áustria e a República Tchecoslovaca, em 1938 e 1939. O Anchluss– a anexação da Áustria ao novo Reich alemão – e o esquartejamento de parte da República Tcheca e sua incorporação à soberania nazista confirmaram para Churchill que a guerra era inevitável, recomendando ele que as democracias ocidentais se preparassem imediatamente para o confronto militar. Atacou com justa razão o pacifismo inaceitável de seus líderes, dizendo que eles tinham feito uma opção irracionável pela paz com honra, mas que teriam como resultado a guerra com desonra.
Foi praticamente o único dos líderes políticos da Grã-Bretanha que recomendou a resistência a todo custo contra o imenso poderio hitlerista, quando as forças nazistas invadiram os Países Baixos, a Bélgica e derrotaram a França numa Blitzkrieg, uma guerra relâmpago, quanto os principais membros do gabinete britânico pretendiam entrar em negociações de paz com a Alemanha nazista, a vencedora da primeira fase da guerra europeia. Foi chamado pelo soberano do Reino Unido, George VI, para assumir a chefia do gabinete na hora mais sombria da Grã-Bretanha, quando numerosas forças britânicas se encontravam cercadas por tropas nazistas no bolsão de Dunquerque, no continente, e havia a ameaça real de invasão das ilhas britânicas pelas forças superiores da Alemanha hitlerista. No dia 10 de maio de 1940, se converte no primeiro ministro de um governo de coalizão, banindo a ideia de negociação e de submissão, e proclamando a vontade do povo britânico em prol da resistência a qualquer custo. Ele mobilizou a língua inglesa, que dominava como ninguém, e a enviou às frentes de batalha.
Pode-se dizer que ele não salvou apenas as ilhas britânicas e todo o Império, mas praticamente toda a civilização ocidental de uma bárbara dominação totalitária, que poderia condenar as democracias de mercado a um quase certo desaparecimento no continente europeu e, por extensão, em boa parte dos demais continentes e regiões colocados sob a influência ou dependência dos grandes impérios ocidentais. Churchill, pela sua obstinação, sua ousadia, sua coragem, determinação, pertinácia e grande visão estratégica sobre a condução da guerra, salvou o Ocidente e o mundo de uma descida humilhante aos horrores de um regime criminoso, dirigido por um psicopata. Churchill visou alto, consciente dos imensos sacrifícios que ele demandava ao seu povo, mas tinha absoluta certeza quanto à justeza de suas ideias, de seus princípios, em face da necessidade de salvar a democracia e as liberdades a qualquer custo. Foi um vencedor, e nunca hesitou, a despeito de enormes dificuldades, na defesa das liberdades, sabendo que qualquer preço era aceitável para preservar a soberania da Comunidade britânica.

3) Além de sua liderança, Winston Churchill também foi um grande administrador e deu exemplos sobre como comandar uma nação em tempos difíceis. Podemos citar algumas medidas importantes que ele tomou enquanto era Primeiro-Ministro?
PRA: Churchill tinha plena consciência de que não poderia enfrentar sozinho o terrível poderio da imensa máquina de guerra nazista, potencializada pelos recursos amealhados com a conquista de metade da Europa ocidental. A primeira aliança que buscou já estava em sua previsões desde muitos anos antes: com os Estados Unidos. Para seu alívio, encontrou um parceiro admirável na pessoa do presidente Franklin Delano Roosevelt, mas sem condição de ajudá-lo na fase inicial da guerra europeia, talvez a mais terrível e ameaçadora para a sobrevivência da Grã-Bretanha, uma vez que o líder americano se encontrava constrangido pelo isolacionismo do Congresso, e impedido de conceder ajuda militar direta. A solução encontrada foi a negociação dos famosos empréstimos de aluguel e arrendamento de equipamentos de todo tipo, a serem pagos, ou “devolvidos”, numa fase posterior.
Paralelamente, Churchill negociou com Roosevelt uma “Carta do Atlântico”, em agosto de 1941, base da constituição das Nações Unidas, com fundamentos nas quatro liberdades proclamadas pelo presidente americano em janeiro desse ano: a liberdade de expressão, a religiosa, a da penúria e a do medo. A Carta do Atlântico ia até mais além, ao proclamar um conjunto de princípios e de objetivos que deveriam guiar a ação das nações aliadas contra a ofensiva dos totalitarismos. Logo secundados por uma série de outros países democráticos – vários com governos no exílio, muitos em Londres –, os pontos principais da declaração cobriam as seguintes questões: ausência de ganhos territoriais, autodeterminação dos povos, ausência de barreiras comerciais ao livre intercâmbio, cooperação econômica entre os países em busca de bem-estar social, liberdades pessoais e de trânsito por todos os mares e o desarmamento das potências agressoras ao final do conflito.
Simultaneamente a essa aliança entre as duas principais nações ocidentais de base comum anglo-saxã, a União Soviética – vista como a grande inimiga do Ocidente por Churchill durante boa parte do primeiro pós-guerra – era invadida em junho de 1941 pela Alemanha nazista; desfazia-se, assim, o vergonhoso pacto de mútua conveniência estabelecido em agosto de 1939, que permitiu justamente o deslanchar da guerra pelas forças hitleristas contra a Polônia, país também atacado pela URSS em suas fronteiras orientais. Churchill não hesitou um só instante em vir em socorro imediato da União Soviética contra a invasão nazista, forjando-se então uma aliança entre dois antigos inimigos. No final de 1941, o ataque japonês contra a frota americana estacionada em Pearl Harbor, no Havaí, abriu uma nova frente no conflito até então europeu, que tornou-se, assim, verdadeiramente global, uma vez que a Alemanha também declarou guerra contra os Estados Unidos. Churchill conseguiu completar assim a arquitetura da contraofensiva para responder à ameaça do totalitarismo nazista, ainda que numa primeira fase, até 1943 praticamente, as perspectivas para as nações aliadas, tanto na frente europeia, quanto nos teatros da Ásia Pacífico, fossem as piores possíveis. As frentes de vitória foram sendo conquistadas pouco a pouco, no norte da África, no Mediterrâneo, na Itália, nos espaços marítimos do Pacífico, nas imensas estepes e planícies da Rússia soviética e, finalmente, na frente da Europa ocidental, a partir da Mancha, quando da invasão do Dia D – 4 de junho de 1944 – nas costas da Normandia. A partir daí a vitória estava assegurada, mas um ano ainda se passou antes que as potências militaristas fascistas fossem vencidas com enormes sacrifícios em homens e em material por parte das nações aliadas. O Brasil também participou desse esforço, enviando tropas ao teatro italiano, integradas ao V Exército americano. 

4) Também houve avanços na área econômica? Quais?
PRA: Os avanços não foram significativos do ponto de vista exclusivo do Reino Unido, que enfrentou uma gigantesca perda patrimonial e financeira, ao engajar todos os seus recursos humanos e materiais no esforço de guerra, mas eles foram relevantes do ponto de vista da construção de uma maior interdependência entre as democracias de mercado, e tremendamente importantes no plano na formulação e implementação de uma nova ordem econômica multilateral, a partir do final da guerra. Esse processo teve início ainda durante a guerra, com os acordos econômicos efetuados entre os EUA e o Reino Unido, a própria URSS e o Brasil, no momento oportuno. Funcionários britânicos e representantes americanos discutiam, desde 1941, o tipo de ordenamento econômico que deveria prevalecer no pós-guerra, sem o bilateralismo estrito vigente anteriormente, o protecionismo comercial, os regimes discriminatórios em matéria econômico, e a ausência completa de um sistema monetário e cambial, compatível com as novas regras e princípios multilateralistas que começavam a ser desenhados desde essa épocas. Uma primeira aproximação a essa nova arquitetura da ordem econômica internacional do pós-guerra foi discutida e aprovada em Bretton Woods, em junho de 1944, quando se adotam duas novas organizações interestatais, o FMI e o Banco Mundial, para regular as relações monetárias e financeiras entre os países. 
Muito do esforço feito nessa conjuntura consistia inclusive no desmantelamento do protecionismo comercial existente no Commonwealth britânico, atingia fortemente os interesses econômicos dos EUA, assim como no desenho de uma arquitetura monetária que não fosse automaticamente redistributiva – em detrimento dos países superavitários, como os EUA, e em favor dos deficitários, como o Reino Unido – ou excessivamente permissivo quanto a desequilíbrios fiscais e estabelecimento de paridades cambiais. Algum esforço se fez para acomodar as peculiaridades das economias socialistas – até Bretton Woods se tratava unicamente da URSS – mas ao final os soviéticos decidiram não aderir ao FMI ou ao Banco Mundial, a despeito de os EUA se oferecerem para ajudar na integralização das cotas de contribuição original. O Brasil aderiu relutantemente aos novos princípios, mesmo sem ter conseguido obter satisfação no tocante a seus interesses prioritários, que eram a estabilização dos preços dos produtos primários de exportação (basicamente o café, nessa altura). 
Em todo caso, com as adaptações requeridas após sucessivos choques ocorridos desde o início dos anos 1970 – fim das paridades fixas de câmbio, alta dos preços do petróleo, volatilidade nos mercados de capitais e nas taxas de juros, dívidas excessivas e déficits orçamentários –, o sistema de Bretton Woods prevaleceu amplamente, logrando inclusive a adesão das potências socialistas, antes mesmo do abandono parcial ou completo das deformações antimercado nos anos 90 do século XX. Mas Churchill não esteve associado a nenhum desses processos, a não ser na fase inicial dos arranjos bilaterais entre o Reino Unido e os EUA, e na tentativa de preservação do antigo poderio do Império britânico, que começou a soçobrar no imediato pós-guerra, com a independência da Índia, em 1947. 

5) Ele também nos ensinou muito sobre como gerir recursos escassos durante grandes crises? 
PRA: Winston Churchill sempre soube administrar muito bem recursos extremamente escassos, que são as qualidades do estadista em face de grandes desafios e de graves crises, que, no caso da Grã-Bretanha, chegaram inclusive a ameaçar a sua sobrevivência enquanto nação independente, enquanto país livre, enquanto domínio das liberdades democráticas. Ela era um patrimônio dos mais altos valores dos direitos humanos e da dignidade de uma pátria livre de todo despotismo, praticamente desde a Magna Carta de 1215. Esses recursos podem ser representados, pela ordem, pelas seguintes qualidades: a capacidade de ter uma visão clara sobre o que é essencial, o que é estratégico no plano das liberdades democráticas e da ordem política liberal que deve presidir à organização do Estado num regime de mercados livres; em segundo lugar, uma coragem inflexível para arrostar qualquer dificuldade, enfrentar qualquer desafio, qualquer ameaça a esse regime de liberdade e dignidade; igualmente uma confiança inabalável na capacidade do povo em suportar todas as durezas de uma grave crise, quando orientado por um líder dotado de visão estratégica e comprometido com a felicidade e o bem-estar de seu povo. A sinceridade na expressão dos problemas a serem enfrentados, o oferecimento de uma via de solução aos problemas existentes, sem qualquer demagogia política ou populismo econômico, a transparência na condução dos negócios do Estado, o respeito absoluto aos valores e princípios democráticos e aos direitos humanos, são recursos escassos na maior parte dos casos e das experiências nacionais ao longo da história. 
Esses recursos se encontraram numa feliz conjunção de grande educação política, vivência militar, amplo conhecimento da geopolítica mundial e visão realista das capacidades do seu povo e do seu país na figura excepcional que foi esse homem nascido no auge do Império britânico e que assistiu ao seu lento declínio ao longo do século XX. Winston Churchill foi, sem qualquer dúvida, um indivíduo absolutamente excepcional para o seu próprio povo, mas também para todo o mundo, sendo, muito provavelmente, o maior estadista do século XX e, talvez, uma das mais importantes personalidades da história mundial, de todos os tempos. Se não fosse por sua obstinada resistência à avassaladora máquina de guerra nazista, talvez todo o continente europeu, possivelmente toda a Eurásia, e boa parte de outros continentes, permanecesse subjugado pelo totalitarismo nazifascista durante vários anos, em circunstâncias dificilmente previsíveis de superação da dominação e de pleno restabelecimento das liberdades democráticas. A Europa e o mundo lhe devem muito, e não só na guerra.
Não podemos tampouco esquecer que, uma vez vencido o projeto totalitário da direita, e já não mais como primeiro-ministro, Winston Churchill liderou uma nova resistência contra o totalitarismo de esquerda, representado pela União Soviética, no imediato pós-Segunda Guerra. Suas palavras foram, uma vez mais, impactantes, mobilizando as democracias ocidentais contra uma nova e terrível ameaça totalitária. 
Sua famosa frase sobre uma “cortina de ferro”, separando a Europa ocidental da centro-oriental, indo de norte a sul, exerceram um efeito concreto sobre a disposição de grandes líderes ocidentais em unir esforços na construção de estruturas de cooperação e de integração, capazes de fortalecer as então frágeis democracias de mercado. Desde a instituição do Plano Marshall, um generoso programa de ajuda desinteressada aos países europeus destruídos pela guerra, a criação da OECE – depois transformada em OCDE –, passando pela fundação da OTAN, o pacto de segurança coletiva do Atlântico Norte, os primeiros exercícios de integração europeia – Benelux, Acordo de Paris criando a CECA, os acordos de Roma instituindo o mercado comum europeu e uma comunidade atômica –, até a cobertura militar oferecida pelos EUA a europeus e asiáticos, tudo isso garantiu uma estreita cooperação na defesa e no reforço das democracias. Todos esses processos receberam o apoio entusiástico de Winston Churchill, um promotor precoce, desde os anos 1920, de projetos de união e de cooperação entre as nações da Europa ocidental. Quando ele faleceu, em 1965, depois de novas funções governamentais nos anos 1950, pode-se dizer que sua visão de mundo tinha triunfado e seus projetos de solidariedade entre as democracias de mercado estavam amplamente assegurados na Europa ocidental e em outras regiões bafejadas pelo mesmo espírito humanista. 

6) Para finalizarmos, na sua opinião, quais são as principais lições de Churchill que podemos adotar aqui no Brasil neste novo momento que se inicia no país a partir de janeiro?
PRA: Difícil traçar lições que possam ser extraídas a partir da rica vida de um grande estadista de uma das mais antigas e estáveis democracias parlamentares do mundo ocidental para aplicar a um país relativamente excêntrico, de democracia ainda precária e insuficientemente desenvolvido como o Brasil. Não só pelas características “ambientais” da velha Inglaterra, mas também pelas qualidades próprias de Winston Churchill – um esplêndido escritor, mestre da língua inglesa, um estudioso e praticante de virtudes militares, membro do parlamento por muitas décadas, ministro em diversas ocasiões, primeiro-ministro na hora mais dramática do seu país na era moderna –, essa figura excepcional pode destacar-se como nenhum outro na história contemporânea, de sua nação e para o mundo. Parece difícil, portanto, estender suas eventuais lições às condições do Brasil atual, na ausência de condições “ambientais” favoráveis – isto é, políticas e socioeconômicas –, assim como na difícil “oferta” de líderes com status de estadistas para enfrentar desafios que não são tão dramáticos quanto o foram, no caso do Reino Unido, os desafios colocados pelos grandes totalitarismos do século XX, a era das grandes ideologias e dos regimes antiliberais da contemporaneidade. 
O Brasil enfrenta enormes desafios, certamente não tão extremos quanto aqueles com os quais se confrontou o Reino Unido, mas que provavelmente requerem, de igual forma, estadistas de certo porte, para indicar as soluções requeridas e implementar as medidas necessárias. Vou resumir ao essencial os desafios básicos que o Brasil enfrenta, e que precisam ser encaminhados de maneira adequada, para que o país possa retomar um ritmo sustentado de crescimento, capaz de apoiar um processo de desenvolvimento econômico e social, com mudanças estruturais, produzindo retornos satisfatórios em termos de renda e de bem-estar social. Esses desafios são três, sem uma ordem precisa de prioridades, mas já dando atenção urgente à maior ameaça de curto prazo: 
(1)o desequilíbrio fiscal, traduzido num grave déficit orçamentário e num aumento preocupante da dívida doméstica; 
(2) a lacuna de investimentos produtivos, tanto em razão da carência de poupança interna, quanto em função da volatilidade de políticas econômicas, macro e setoriais, ou seja, regulatórias, que inibem um fluxo contínuo e crescente de investimentos diretos estrangeiros; 
(3)a questão absolutamente dramática da baixa produtividade, problema que só encontra solução no longo prazo, mas cujas soluções precisam ser lançadas desde já, em especial no plano da educação de massa, na formação técnica especializada, no provimento de uma infraestrutura adequada, na boa governança (que assegura custos de transação reduzidos), e num ambiente verdadeiramente favorável aos negócios, o que significa amplas liberdades econômicas em nível geral.
Quais lições Winston Churchill poderia dar a um candidato a estadista que, no Brasil, decidisse empreender essas tarefas, não tanto de salvamento, como foi o seu caso em 1940, mas de recuperação, depois da Grande Destruição lulopetista da economia, acoplada ao maior caso de corrupção política de toda a história brasileira, um esquema gigantesco de assalto aos recursos do Estado e da população que não encontra paralelo em nenhum outro país do hemisfério ocidental, e quiçá do mundo? Vejamos quais lições poderiam ser sugeridas, se não as de Churchill, os seus equivalentes funcionais.
Em primeiro lugar, uma boa experiência de vida – no caso de Churchill na vida militar, mas que pode ser na vida empresarial também –, agregada, de preferência a uma boa experiência governamental. Churchill foi parlamentar por várias décadas, ministro por diversas vezes e duas vezes primeiro ministro, uma delas em condições extremas de desafios externos, no limite supremo da capacidade de resistência, sua pessoalmente, e do país, enquanto comunidade unidade num propósito convergente de defesa e de sobrevivência do próprio Estado. No caso do Brasil, tal grau de perigo não está em absoluto colocado, pois nossos inimigos são essencialmente todos internos, todos eles situados no próprio Estado ou pululando em volta dele, rentistas e oportunistas. 
Em todo caso, a primeira condição para a superação dos nossos problemas está em assegurar uma visão clara dos problemas a serem resolvidos, como já expostos: um problema de curto prazo de natureza fiscal, um de médio prazo relativo a investimentos produtivos, um terceiro de longo prazo tocando ao crescimento da produtividade do trabalhador nacional, mas que deve ser imediatamente enfrentado a partir de um diagnóstico correto quanto às suas fontes e causas específicas. Pessoalmente, considero os problemas fiscais e de investimentos de mais fácil resolução, pois medidas técnicas podem oferecer as soluções adequadas, ainda que elas sejam difíceis: redução radical dos gastos públicos, diminuição do peso do Estado na vida econômica, privatização ampla das estatais ainda existentes (de preferência todas elas), reforma tributária no sentido da redução da carga fiscal, limitação do extremo corporativismo existente no coração do próprio Estado e diminuição impiedosa dos inaceitáveis privilégios dos mandarins estatais, a começar pela aristocracia do Judiciário, nosso equivalente do Ancien Régime. Agregaria ainda a eliminação da burocracia e da regulação dispensável, do protecionismo exagerado, com imediata abertura econômica e uma liberalização comercial unilateral, seguida de atração irrestrita e indiscriminada de capitais diretos estrangeiros, em todos os setores abertos à produção de bens e serviços de consumo corrente, para atender à população, e mesmo o Estado, e sobretudo o comércio exterior. 
Por outro lado, sou bem mais pessimista quanto à solução do grande problema da produtividade, pois ele depende de uma revolução no sistema educacional, que não vejo como facilmente ou rapidamente implementável, dada a estreiteza mental dos nossos pedagogos e acadêmicos em geral. O Brasil teria de deixar de lado suas imensas deformações nos três níveis de ensino, em especial a baixa produtividade dos mestres e professores, fruto de uma formação deficiente e de um sindicalismo de baixa extração, isonomista e anti-meritocrático, o que torna impossível trabalhar com o material humano existente. O Estado precisa fazer um enorme esforço em direção dos primeiros níveis, ou seja, uma escola pública de boa qualidade para os ciclos fundamental, médio e técnico-profissional, e conceder ampla liberdade às instituições do terceiro ciclo, com atribuição de uma dotação básica para o seu funcionamento, e total autonomia de gestão para resolver seus outros problemas de financiamento em bases de mercado.
Para empreender tudo isso se requer um estadista que consiga explicar de modo claro seus objetivos à população e ao parlamento, colocando a barra de realizações bem alta, para mobilizar a sociedade e o corpo representativo. O objetivo seria, nada mais, nada menos, o de converter o Brasil em país desenvolvido no espaço de uma geração, o que é extremamente desafiador. Para isso, ademais de uma visão clara quanto aos objetivos e metas, a palavra de ordem, única e exclusiva, só pode ser um: trabalho duro. Um esforço incessante, sem esmorecer, mas em comunicação contínua com o povo. Nunca deixar que as dificuldades se interponham ante o objetivo máximo estipulado em cada uma das reformas: as frustrações ocasionais ou temporárias não podem ser motivo para se desviar da rota traçada. Nunca atribuir a outros o insucesso parcial de algum objetivo específico, mas buscar sempre as melhores vias, eventualmente alternativas, para o atingimento dos objetivos fixados. Estas talvez fossem sugestões de Churchill.
Estar satisfeito com o que se faz, ter respeito pelas opiniões diversas, discutir abertamente com auxiliares e adversários, sempre responder aos questionamentos, nunca eludir as questões interpostas com objetivos divergentes, também são atitudes que Churchill provavelmente recomendaria a qualquer homem de bom senso, sem que este seja necessariamente um estadista. Grande abertura de espírito, disposição para sempre estudar, sempre aprender, revisar seus conceitos e opiniões, se informar sempre, questionar, examinar, pedir os custos (não só os nominais, mas também o custo-oportunidade) de cada ação empreendida, estas constituem outras possíveis lições, as quais convém considerar com atenção, churchillianas ou não. Por fim, nunca se pode esquecer o lado moral de cada ação humana, aspecto indissociável das democracias.
Se ouso agregar uma atitude pessoal, eu teria uma única recomendação: ser um contrarianista, não no sentido negativo, mas no sentido do questionamento de todos os problemas e soluções inscritas na agenda de mudanças e de reformas. Eu me guio por uma atitude básica: ceticismo sadio, ou seja, nunca tomo uma proposta pelo seu valor de face; examino o outro lado, vejo os antecedentes e consequências e, uma vez certificado que estou bom caminho, sigo em frente. 
Resolução e propósito na ação são duas boas atitudes a observar, e acredito que Churchill concordaria com essa postura. Por fim, caberia preservar uma característica que considero ser o valor máximo num estadista, ou em todo e qualquer trabalhador acadêmico: a honestidade intelectual...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 24 de novembro de 2018