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quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Balanço de pagamentos e investimentos no Brasil: desafios atuais, desafios à frente - Ricardo Bergamini

 Reservas internacionais e investimentos no Brasil: os dados da conjuntura

 

No Brasil, por deformação cultural, não se debate balanço de pagamentos: acreditamos que a culpa é sempre do resto do mundo (Ricardo Bergamini). 

Saldo de Transações Correntes

Série história do saldo das transações correntes com base na média/ano foi como segue: Governo FHC (1995/2002) – déficit de US$ 23,4 bilhões = -3,31% do PIB; Governo Lula (2003/2010) – déficit de US$ 6,6 bilhões = -0,52% do PIB; Governos Dilma/Temer (2011/2018) – déficit de US$ 48,2 bilhões = -2,21% do PIB; Governo Bolsonaro (2019/outubro/2020) - déficit de US$ 15,3 bilhões = - 1,04% do PIB, nos 12 meses encerrados em outubro de 2020. 

 

Resumo: Governo FHC déficit de transações correntes de -3,31% do PIB, Governo Lula déficit de -0,52% do PIB, governos Dilma/Temer déficit de -2,21% do PIB e, nos doze meses do governo Bolsonaro encerrados em outubro de 2020, déficit de -1,04% do PIB, ou seja, 52,94% menor do que o período de Dilma/Temer.


Estatísticas do setor externo Fonte BCB 

Base: Outubro de 2020

1.    Balanço de pagamentos

  


As transações correntes foram superavitárias em US$ 1,5 bilhão em outubro, ante déficit de US$ 8,1 bilhões em outubro de 2019. Este foi o terceiro mês seguido de superávit e o sexto superávit mensal desde abril. Seguindo a tendência dos meses anteriores, essa reversão ocorreu de forma disseminada, com aumento de US$ 3,0 bilhões no superávit da balança comercial de bens e reduções de US$ 4,5 bilhões e de US$ 2,0 bilhões nos déficits em renda primária e serviços, respectivamente. O déficit em transações correntes somou US$ 15,3 bilhões nos 12 meses encerrados em outubro, equivalentes a 1,04% do PIB. Este déficit foi inferior aos US$ 24,9 bilhões (1,64% do PIB) nos 12 meses terminados em setembro e o menor valor acumulado desde fevereiro de 2018, 0,97% do PIB.

 

As exportações de bens totalizaram US$ 18,0 bilhões em outubro, recuo de 8,6% ante outubro de 2019. As importações de bens somaram US$ 13,1 bilhões, declínio de 26,3%. De janeiro a outubro de 2020 as exportações recuaram 7,8% e as importações, 15,1%. O superávit comercial somou US$ 41,5 bilhões, acima dos US$ 32,5 bilhões observados no mesmo período de 2019.

O déficit da conta de serviços atingiu US$ 1,6 bilhão no mês, recuo de 55,2% ante outubro de 2019, US$ 3,7 bilhões. A conta de viagens internacionais continua a evidenciar os impactos da pandemia, com diminuição do déficit de US$ 1,0 bilhão, em outubro de 2019, para US$ 103,0 milhões, em outubro de 2020 (-90,2%) nas despesas líquidas. Destacou-se também, na mesma base comparativa, o recuo de US$ 745,0 milhões nas despesas líquidas de aluguel de equipamentos, de US$ 1,5 bilhão para US$ 789,0 milhões, e a redução de US$ 450,0 milhões nas despesas líquidas de transportes, de US$ 606,0 milhões para US$ 156,0 milhões.

Em outubro, o déficit em renda primária somou US$ 1,9 bilhão, recuo de 70,6% em relação a outubro de 2019. As despesas líquidas de lucros e dividendos atingiram US$ 919,0 milhões, comparativamente a US$ 4,2 bilhões em outubro de 2019. Esse resultado decorreu da combinação do recuo nas despesas em US$ 2,8 bilhões, para US$ 2,2 bilhões, e do aumento nas receitas em US$ 520,0 milhões, para US$ 1,4 bilhão. Os gastos líquidos com juros somaram US$ 948,0 milhões, redução de 56,0% na comparação interanual, com queda de receita e de despesa. De janeiro a outubro de 2020 o déficit em renda primária totalizou US$ 34,1 bilhões, 27,9% inferiores aos US$ 47,3 bilhões no mesmo período em 2019.

No mês, os ingressos líquidos em investimentos diretos no país (IDP) somaram US$ 1,8 bilhão, ante US$ 8,2 bilhões em outubro de 2019. O resultado de outubro de 2020 foi composto por entradas líquidas de US$ 2,8 bilhões em participação no capital e saídas líquidas de US$ 1,0 bilhão em operações intercompanhia. Nos doze meses encerrados em outubro de 2020 o IDP totalizou US$ 43,5 bilhões, correspondendo a 2,94% do PIB, em comparação a US$ 49,9 bilhões (3,29% do PIB) acumulados em 12 meses no mês anterior.  

 

 Em outubro, ocorreram ingressos líquidos de US$ 5,5 bilhões em instrumentos de portfólio negociados no mercado doméstico, resultado de ingressos líquidos de US$ 2,8 bilhões em ações e fundos de investimento e de US$ 2,7 bilhões em títulos de dívida. Nos dez primeiros meses do ano houve saídas líquidas de US$ 21,6 bilhões, comparativamente a saídas de US$ 872,0 milhões entre janeiro e outubro de 2019. Nos doze meses encerrados em outubro a saída líquida de investimentos em portfólio no mercado doméstico somou US$ 27,4 bilhões. 

2. Reservas internacionais

 O estoque de reservas internacionais atingiu US$ 354,5 bilhões em outubro, redução de US$ 2,1 bilhões em comparação ao mês anterior. O recuo do estoque de reservas internacionais decorreu de liquidação de vendas à vista no mercado de câmbio, US$ 1,6 bilhão, e variações negativas por paridades e por preço, US$ 1,0 bilhão. A receita de juros somou US$ 425,0 milhões.

Arquivos oficiais do governo estão disponíveis aos leitores.

 

Ricardo Bergamini

www.ricardobergamini.com.br

 

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

As transacoes correntes e a deterioracao do balanco de pagamentos - Ilan Goldfajn

Medidas e anúncios na virada do ano

07 de janeiro de 2014 | 2h 06

Ilan Goldfajn* - O Estado de S.Paulo
Medidas econômicas às vezes têm alma. O momento e a forma como são apresentadas transmitem sinais que vão além do escrito. Sinalizam as motivações e os receios do governo, fatores fundamentais para moldar as expectativas sobre a direção da política econômica que afetam as tão importantes decisões econômicas (investimento, consumo, etc.). Nem sempre o sinalizado vai na direção do pretendido. Nesta virada do ano testemunhamos dois anúncios: a elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para pagamentos e saques no exterior e a antecipação do resultado fiscal do governo central em 2013. O primeiro sinalizou escassez de dólares (sem que estejam de fato faltando) e o segundo, preocupação com a imagem da política fiscal.
Na sexta-feira 27 de dezembro, à noite, o governo encareceu as viagens internacionais dos brasileiros. Aumentou a alíquota do IOF de 0,38% para 6,38% para gastos em cartões de débito e pré-pagos, para saques de dinheiro no exterior e para cheques de viagem. O imposto sobre gastos em cartões de crédito já havia sido elevado antes. Vários turistas foram apanhados de surpresa nesse período do ano. Alguns se apressaram a trocar dinheiro por dólares antes de viajar para evitar o custo extra (não pagar alíquota total, nesse caso). Houve até falta temporária de dólares à vista para alguns viajantes. Sinalizou-se a intenção de diminuir os gastos dos turistas por meio de aumento de impostos. E, também, a preocupação com a piora do déficit externo do Brasil. Mas qual é a situação do déficit externo do País? Qual o papel dos gastos no exterior?
Medido pela conta corrente do balanço de pagamentos, o déficit somou US$ 81,1 bilhões, equivalentes a 3,7% do PIB, nos últimos 12 meses. Esse déficit tem aumentando nos últimos anos. Em 2012 o déficit foi de 2,4% e em 2011, de 2,1% (há menos de dez anos o saldo em conta corrente era positivo).
Um déficit entre 3,5% e 4% do PIB é de fato desconfortável, já que mostra nosso excesso de gastos em relação ao montante produzido localmente, que precisa ser financiado. Mas esse montante está longe de valores que internacionalmente estão necessariamente associados a crises cambiais. O problema é a piora nos últimos anos. Quais itens foram responsáveis pelo aumento do déficit?
Uma boa parte desse aumento foi resultado da queda do superávit da balança comercial (exportações menos importações), que passou de US$ 30 bilhões em 2011 para US$ 2,6 bilhões no ano passado. Um dos itens mais relevantes para a piora foi a queda do saldo comercial de petróleo e derivados em razão das dificuldades de oferta nesse setor. Parte dessa queda do saldo no setor será revertida, por ter caráter temporário (interrupções, adiantamentos).
Mas não foi só a balança comercial que piorou, já que houve aumento no déficit da balança de serviços e rendas (viagens internacionais, aluguéis, juros, lucros, dividendos). O déficit de serviços aumentou de US$ 38 bilhões em 2011 para US$ 48 bilhões nos últimos 12 meses terminados em novembro. Especificamente, os gastos dos brasileiros no exterior aumentaram de US$ 21,3 bilhões em 2011 para US$ 25,1 bilhões nos últimos 12 meses, quase US$ 4 bilhões a mais. É um aumento considerável, em menos de dois anos, embora não represente o grosso da piora da conta corrente.
À medida que aumenta, o IOF não deve alterar a dinâmica da conta corrente. Esta vai depender, de forma geral, de uma combinação de ajustes nos gastos (via políticas monetária e fiscal), da depreciação cambial (parte já ocorrida) e, principalmente, de medidas e reformas que aumentem a produtividade no Brasil, para torná-lo mais competitivo. No médio e no longo prazos, a abertura de mercados por meio de acordos comerciais será essencial.
O simbolismo de uma medida que atua nos sintomas (turistas comprando no exterior) pode dar a impressão de que os fundamentos não estão recebendo a atenção devida. Pode passar a ideia de que o problema atual é de perda de reservas, que requer medidas de controle cambial, pois interfere no cotidiano das pessoas. O problema é que, para alguns, a medida lembra, em escala e situação econômicas completamente distintas, as adotadas na Argentina, onde a perda de reservas já levou a alíquota do imposto sobre gasto no exterior a atingir 35%.
Mas não há falta de dólares no Brasil, já que as reservas cambiais alcançam US$ 376 bilhões. A intervenção do Banco Central no mercado de câmbio tem-se concentrado no mercado de derivativos, evidenciando que as pressões atuais não vêm da demanda para saques e remessas de dólares.
Uma das medidas que poderiam atacar o fundamento da piora das contas externas seria uma política fiscal mais restritiva, que simultaneamente reduzisse o excesso de gastos e facilitasse o financiamento externo pelo ganho de credibilidade. Nesse sentido, o anúncio do resultado fiscal de sexta-feira poderia passar esse sinal, principalmente por causa do cumprimento da meta do governo central.
O problema é que o cumprimento da meta do governo central não muda a tendência de queda do resultado do superávit primário consolidado, que deve ficar abaixo de 2% do PIB no ano passado. O resultado fiscal recorrente ainda é menor, dado que quase 1% a 1,2% do PIB do resultado veio de receitas extraordinárias.
O anúncio do cumprimento da meta foi antecipado em quase um mês para adiantar o bom resultado e melhorar as expectativas. Indica preocupação com a imagem da política fiscal e mostra desejo de ganhar credibilidade com a antecipação.
Tanto o aumento da alíquota do IOF quanto a antecipação do resultado fiscal mostram que o governo está corretamente preocupado com o desenrolar das contas externas e fiscais e com a necessidade de transmitir uma melhora futura. Mas é preciso adicionar medidas concretas que venham a alterar os fundamentos da dinâmica recente.
*Ilan Goldfajn é economista-chefe e sócio do Itaú. 

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Deterioração da balanca comercial, caminhando para crise de transações correntes - Miriam Leitao

No setor externo, a deterioração é visível, e as causas imediatas estão apontadas neste primeiro artigo, que não toca, entretanto, nos tremendos erros de políticas setoriais, sobretudo comercial e industrial.
Que o governo seja incompetente, disso ninguém tem dúvidas. Que os brasileiros tenham de pagar por isso, aí já é mais complicado...
A segunda matéria, uma entrevista, exemplifica o tipo de manobra contábil, de maquiagem estatística a que um governo notoriamente ruim está recorrendo para não apresentar um cenário imediatamente ruim, que poderia se traduzir numa avaliação para baixo do Brasil pelas agência de rating, ou seja, de classificação de risco. Sem essa mistificação da "exportação" de plataformas de petróleo, que não saíram do Brasil, e foram "vendidas" para uma sucursal da Petrobrás no exterior e novamente "algugadas" pela companhia brasileira, ou seja, uma mentira.
Está na hora de pensar em alternativas, mas com esse pessoal do poder fica difícil imaginar políticas mais consistentes. 
Vamos ter de esperar pela crise de transações correntes...
Paulo Roberto de Almeida 

Balança Real
Miriam Leitão
Coluna Panorama Econômico
O Globo, 3/01/2014

O saldo comercial em 2013 não foi apenas o pior resultado em 13 anos. Foi mais. Excluindo-se a parte da estatística que, na verdade, não aconteceu, o país teve déficit comercial. Quando a AEB alertou, em junho, que poderia haver déficit comercial, pareceu estranho, mas só não fechou no negativo pelas exportações de plataformas de petróleo que nunca saíram do país. 

Essa possibilidade de manobra contábil com as plataformas existe há bastante tempo, e o governo deixou claro que estava usando essa brecha. Apesar disso, é mais um número que não é bem o que está escrito, é mais uma confusão nas estatísticas. Aliás, duas: importações de petróleo e derivados feitas em 2012 entraram em 2013; e US$ 7,7 bilhões de plataformas de petróleo que nunca saíram do Brasil viraram exportação. 

O déficit com os EUA foi recorde e nossa balança com os europeus ficou negativa. As exportações caíram mesmo com a alta do dólar, que supostamente ajuda os exportadores. 

As exportações em 2013 caíram 1%, pela média diária, enquanto as importações subiram 6%. Isso aconteceu mesmo com a valorização de 15% do dólar frente o real, que encarece o preço dos importados e deixa mais competitivos os produtos exportados pelo Brasil. O saldo comercial caiu 87%, de US$ 19,3 bilhões, em 2012, para US$ 2,5 bi em 2013. Em 2011, havia sido US$ 30 bilhões. A corrente de comércio subiu 2,7%, puxada pelas importações, mas não superou o recorde de 2011. 

O que pesou mesmo na conta da balança comercial foi a compra de petróleo e derivados. Houve US$ 40 bilhões de importação desses produtos, que incluem, além do petróleo bruto, gasolina, diesel e outros combustíveis. Quase US$ 5 bilhões desse total deveriam ter entrado nas estatísticas de 2012, mas foram empurrados para este ano porque o governo acreditava que as exportações aumentariam e o número ficaria diluído. Mas não foi isso que aconteceu. As exportações de petróleo despencaram 37%, de US$ 20 bilhões, em 2012, para US$ 13 bilhões, em 2013. 

Em junho, José Augusto de Castro, da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), revisou sua estimativa para o ano, de um superávit de US$ 14 bilhões para déficit de US$ 2 bi. Foi o primeiro a dar o alerta. Castro percebeu que as exportações de petróleo e derivados estavam em queda, ao mesmo tempo em que as importações continuavam em alta. Além disso, os preços das principais commodities exportadas pelo Brasil não estavam subindo como nos últimos anos. 

- Se saíssem da conta as exportações de plataformas de petróleo e a contabilidade atrasada das importações de gasolina, o saldo teria fechado o ano negativo em US$ 500 milhões - disse José Augusto de Castro. 

O déficit comercial do Brasil com os Estados Unidos foi o pior de todos os tempos: saltou de US$ 5,7 bilhões, em 2012, para US$ 11,4 bilhões, no ano passado. O superávit que tínhamos com os europeus virou déficit: saiu de US$ 1,3 bilhão positivo para US$ 3 bilhões negativos. Vender menos para americanos e europeus é um mau sinal porque mostra que o país está perdendo competitividade nos mercados mais cobiçados. 

- O Brasil vendia muito petróleo para os americanos. Mas nós tivemos os problemas com a produção, ao mesmo tempo em que eles aumentaram a exploração do gás de xisto. Os europeus, por causa da crise, buscaram outros mercados e conseguiram mais espaço no Brasil - explicou Castro. 

Com a China, o saldo cresceu de US$ 6,9 bilhões para US$ 8,7 bi, pela exportação de produtos básicos. A exportação total de minério de ferro do país chegou a US$ 32 bilhões, alta de 4%, e a de soja em grãos subiu 29% para US$ 22 bilhões. Vários produtos que o Brasil exporta tiveram queda de preço. 

Castro estima que a balança comercial vai ter uma pequena recuperação este ano, para um saldo de US$ 7 bilhões. Mas isso só vai acontecer se o país conseguir exportar 50% a mais de petróleo. 

- A exportação de petróleo precisa subir 50% este ano para chegarmos a esse saldo de US$ 7 bilhões. Além disso, não podemos ter problemas maiores com a Argentina, que é destino de 50% dos nossos produtos manufaturados e de 87% dos nossos automóveis. Eles estão em crise cambial e já anunciaram medidas de restrição de importação - disse. 

Enquanto isso, no mundo, o comércio cresceu 2% em 2013. 

Os pontos-chave 

1 Exportação fictícia de plataformas de petróleo impediu déficit na balança comercial 

2 O déficit do Brasil com os EUA foi recorde: US$ 11 bi. O déficit do petróleo foi de mais de US$ 20 bilhões

3 As projeções dos especialistas são de um 2014 melhor, com um superávit maior.

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'A venda de plataformas de petróleo mudou o cenário', diz presidente da AEB
O resultado muito acima do previsto, na prática, é um efeito contábil, pois as plataformas não chegam a sair do País
03 de janeiro de 2014 | 2h 04
Idiana Tomazelli - O Estado de S.Paulo

RIO - Na avaliação do presidente da Associação do Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, o superávit da balança comercial brasileira em 2013 surpreendeu positivamente, mesmo tendo sido influenciado pelas exportações de um produto bem específico - plataformas de petróleo. Para este ano, a AEB está preocupada com o impacto da China sobre as exportações, que podem sofrer uma piora.
Qual é a sua avaliação sobre o resultado da balança comercial de 2013?
O resultado foi melhor do que era esperado. Para quem passou o ano todo com déficit, ninguém poderia dizer, em sã consciência, que haveria esse superávit. O próprio ministro da Fazenda (Guido Mantega) disse que a balança comercial ficaria no zero a zero ou teria pequeno superávit. Nossa previsão era de US$ 700 milhões, mas a última plataforma de petróleo não estava nas contas de ninguém. É importante dizer ainda que, em 2013, a corrente de comércio melhorou. Ficou em US$ 481,795 bilhões. Em 2012, havia sido de US$ 465,758 bilhões. Só que esse aumento não é benéfico. O valor da diferença é exatamente o aumento das importações. Houve substituição de produção local por importados.
Qual foi o peso das exportações de plataformas de petróleo?  
Nós tivemos US$ 7,735 bilhões de exportações em plataformas. Claro que elas mudaram o cenário. Até então, o recorde de exportações de plataformas havia sido em 2008, quando o valor chegou a US$ 1,485 bilhão com duas plataformas. Em 2013, foram sete. A operação é uma exportação ficta (jargão para venda externa sem saída do produto), em que a Petrobrás vende a plataforma a uma subsidiária no exterior e depois aluga. A plataforma não sai do País. O artifício distorce um pouco porque o volume foi muito alto, mas é legal.
Como o sr. avalia o crescimento das exportações brasileiras para a China?

Preocupa muito. Apenas três produtos representam 90% do que é exportado para a China: minério de ferro, soja e petróleo. O valor médio da soja em 2013 foi de US$ 535. Para 2014, o projetado é US$ 490. É uma redução na receita. Existe também o risco de o preço do minério de ferro cair, pois há excesso de capacidade de produção de aço na China. Além disso, a atividade lá mostrou pequena desaceleração. Todas as demais commodities devem ter preços em queda este ano. Em linhas gerais, há uma perspectiva de queda tanto na receita quanto na quantidade exportada. Preocupa. É rezar, rezar e rezar em mandarim.

E a perspectiva para 2014?

O superávit tem de crescer. Temos de elevar as exportações de petróleo em 50%, ou teremos problemas. Nossa previsão é de que as exportações caiam 1% e as importações, 3%. A taxa de câmbio mais alta deve inibir algumas importações, mas não todas, e necessariamente não vai estimular as exportações. As commodities, por exemplo, não dependem do câmbio. Na Argentina, é possível que haja restrições, com risco de queda nas exportações. O mundo também não está comprando muito, e o Brasil ainda é caro.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

O Brasil e a outra bomba: balanço de pagamentos - Fabio Giambiagi

Olhem o balanço de pagamentos
Fabio Giambiagi
O Globo, 12/08/2013

Lester Thurow, antigo professor do MIT, dizia que "as sociedades têm uma tendência a cometer erros fundamentais a intervalos de 60 anos, uma vez que todo mundo com idade bastante para se lembrar do engano anterior a essa altura já está morto ou senil". Já nosso Ivan Lessa disse a mesma coisa, mas com outra métrica, quando escreveu que "de 15 em 15 anos, o Brasil se esquece do que aconteceu nos últimos 15 anos".
Independentemente do intervalo de tempo em que as sociedades esquecem o passado, é natural que aqueles que vivenciamos as agruras dele observemos o presente com olhos diferentes daqueles que só conhecem o passado pelos livros de História. E, nesse sentido, para os mais velhos, a trajetória recente do nosso balanço de pagamentos é bastante preocupante.
É verdade que o funcionamento da economia em um regime de câmbio flutuante é muito diferente da forma em que uma economia opera com câmbio fixo ou rígido. Basicamente, com câmbio flutuante, na presença de uma desvalorização entram em jogo estabilizadores automáticos que não estão presentes quando a política cambial é rígida. Primeiro, pela mudança da paridade cambial em si, que altera os preços relativos de exportações e importações e modifica com o passar do tempo o resultado da balança comercial. E, segundo, porque enquanto que numa economia com câmbio fixo ou semifixo, há um certo valor em US$ de diversos itens da despesa, com câmbio flutuante tal valor é uma função da própria cotação cambial. Um exemplo simples ajuda a entender isso: se há R$ 30 bilhões a serem remetidos por conta de lucros e dividendos a uma cotação de R$ 2 por dólar, a remessa dessa rubrica será de US$ 15 bilhões, mas, se a cotação pular, só como hipótese de raciocínio, para R$ 3, o mesmo valor na moeda local, se medido em dólares, passa a ser de US$ 10 bilhões.
De qualquer forma, qualquer que seja a política cambial, desequilíbrios elevados na conta corrente de um país submetem este a um risco importante: o de o financiamento externo "secar". Nesse caso, o país terá que se ajustar, tão rapidamente quanto for a intensidade do movimento da conta de capitais.
O que nos mostram os números? Vejamos a trajetória do déficit em conta corrente do país. Até 2007, tinhamos um pequeno superávit. Em 2008, tivemos um déficit de US$ 28 bilhões, contido no ano seguinte para US$ 24 bilhões por conta da crise. Depois, ele só fez aumentar, chegando a US$ 54 bilhões em 2012, com perspectiva de chegar perto de US$ 80 bilhões em 2013.
Esses números, que em épocas anteriores teriam ligado o sinal vermelho da política econômica, são vistos com tranqüilidade tanto pelos gabinetes oficiais como por analistas privados, com dois argumentos. Um, de que haveria financiamento externo disponível. E o segundo, de que em termos relativos seria da ordem de 3% do PIB - percentual considerado aceitável. O problema é que ambos argumentos têm sua dose de vulnerabilidade. O financiamento externo existe até que deixa de existir - e, muitas vezes, isso ocorre subitamente. E o percentual do déficit é ele mesmo função da taxa de câmbio: se a fonte externa de recursos secar e o câmbio se desvalorizar, o valor do PIB em US$ cai e 3% do PIB podem virar 4% do PIB em pouco tempo - entrando em terreno mais delicado. Além disso, o déficit em dólares continua aumentando.

O país, que fez um ótimo ajuste externo na década passada, a ponto de ter eliminado a dívida externa líquida, parece ter se deixado seduzir pelo "canto de sereia" do financiamento externo. Tomás Eloy Martinez, autor de "La novela de Perón", coloca em boca deste a frase que ele teria dito ao afirmar que "a História é uma piranha", pois "sempre fica com quem paga mais". E quem paga mais é sempre o último, porque o relato que conta na História é sempre o derradeiro. Desde 2004, a demanda doméstica avançou na frente da produção, "festa" essa financiada pelo resto do mundo. Se essa relação não for revertida, cedo ou tarde teremos uma crise. O Governo precisa tomar cuidado: se o financiamento externo "secar", a história das gestões Lula-Dilma acabará sendo reescrita - e, se tanta gente foi para a rua mesmo com desemprego baixo, dá para imaginar o tamanho da confusão se tivermos uma crise para valer.

quarta-feira, 27 de março de 2013

Brasil: deterioracao das contas externas - Editorial Estadao

Os países podem conviver, durante longo tempo, com déficits externos administráveis, ou seja, perto de 3% do PIB ou menos. Acima disso, só potências econômicas como os EUA, que emitem moeda de reserva mundial, podem suportar índices de 6, 7 ou mesmo 8% do PIB: ou eles são financiados pelo resto do mundo, ou jogam a conta para o mundo, justamente, emitindo moeda, e com isso até tornando suas exportações mais competitivas.
Países como Brasil, México ou Argentina podem se financiar em limites muito estreitos. Quando passa de 4% (como está o Brasil hoje), a deterioração se acelera muito rápidamente, e aí vem o desastre: fuga de capitais e desvalorização inevitável, o que torna todos mais pobres, e joga o país para trás na escala dos maiores PIBs.
Esse é o destino do Brasil, graças às políticas dos companheiros.
Se não corrigirem rapidamente, a queda também vai ser rápida.
E não foi por falta de aviso: faz 50 ou 60 anos que é assim...
Paulo Roberto de Almeida

Contas externas com tendência de piora em 2013

26 de março de 2013 | 2h 10
Editorial Econômico O Estado de S.Paulo
 
O déficit de US$ 6,6 bilhões na conta corrente do balanço de pagamentos, em fevereiro, mostrou a dificuldade de conciliar objetivos diversos - menos inflação, câmbio na dependência dos humores oficiais e retomada econômica. O desequilíbrio foi maior que o esperado e encostou nos US$ 18 bilhões no primeiro bimestre. O déficit passou de 2,5% do PIB para 4,8% do PIB e obrigou o Banco Central (BC) a rever, para pior, as expectativas para 2013.
O ponto mais fraco das contas externas é a balança comercial, deficitária em US$ 5,3 bilhões no primeiro bimestre, sem maior reação até a quarta semana de março. Entre as causas, a transferência, para este ano, da contabilização de importações de derivados de petróleo em 2012, da ordem de US$ 4,5 bilhões. Mas esse não foi o único fator negativo: no primeiro bimestre, as exportações foram quase US$ 2,5 bilhões inferiores às do mesmo período do ano passado.
É um indicador da baixa competitividade dos produtos brasileiros no exterior e das oscilações negativas das cotações de commodities. O BC baixou a previsão de superávit comercial de US$ 17 bilhões para US$ 15 bilhões e elevou a do déficit corrente de US$ 65 bilhões para US$ 67 bilhões.
Na verdade, fatores que são muito positivos para a atividade econômica, como o alto nível de ocupação da mão de obra e a elevação da massa salarial, pressionam os gastos com turismo, por exemplo - houve um déficit de US$ 1,236 bilhão no item viagens, em fevereiro, o maior da história. A crise global também contribui para elevar o déficit externo: as remessas de lucros e dividendos atingiram US$ 4,2 bilhões, no bimestre, dos quais US$ 2,1 bilhões apenas em fevereiro, superando em 181% as do primeiro bimestre de 2012.
Frise-se que os pontos fracos do balanço de pagamentos não significam, por ora, um risco crescente de desequilíbrio cambial grave. As reservas cambiais são elevadas e, nos últimos anos, o déficit em conta corrente - a medida mais importante de avaliação, que inclui balança comercial, serviços e rendas - tem sido financiado pelos ingressos de capital, notadamente os Investimentos Estrangeiros Diretos (IEDs). Isso não ocorreu no primeiro bimestre, quando o IED se limitou a US$ 6,4 bilhões, mas os ingressos financeiros asseguraram um superávit do balanço de pagamentos de US$ 3,2 bilhões.
Mas as contas cambiais terão de melhorar, nos próximos meses, para reduzir a apreensão quanto ao futuro. O aumento da volatilidade do mercado cambial, registrado na semana passada, não foi um sinal alentador.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Desequilibrio nas transacoes correntes? Crise em vista? Editorial do Estadao


Perigo nas contas externas
Editorial O Estado de S.Paulo, 12 de fevereiro de 2012


As contas externas vão piorar neste ano, segundo todas as previsões, e uma luz amarela já se acendeu em Brasília. Mais uma vez a economia nacional vai ser puxada pelo mercado interno, isto é, pelos gastos do governo, pelo consumo das famílias e pelo investimento das empresas - se nenhum grande susto levar a um adiamento dos projetos. Autoridades têm chamado a atenção para o mercado interno como uma das vantagens do Brasil em relação a muitos outros países. É esse o mais importante ativo econômico brasileiro, já disseram alguns ministros em momentos de grande entusiasmo. Mas esse tipo de crescimento envolve riscos. Quando a demanda avança bem mais velozmente que a oferta doméstica, é preciso importar mais para compensar a diferença. Sem isso, o resultado é mais inflação. Mas há limites para a capacidade de importar e é preciso administrar com prudência as transações com o exterior. O governo sabe disso, mas deu pouca importância - até agora, pelo menos - à expansão do déficit na conta corrente do balanço de pagamentos.
As principais projeções para as contas externas variam amplamente, mas todas apontam para uma deterioração. Segundo o Banco Central (BC), o superávit comercial vai diminuir este ano dos US$ 29,8 bilhões do ano passado para US$ 23 bilhões. As exportações aumentarão apenas 4,3%, para US$ 267 bilhões, enquanto as importações crescerão 7,9%, para US$ 244 bilhões. Como o déficit em serviços continuará em expansão e as transferências pouco deverão mudar, o buraco na conta corrente se ampliará de US$ 52,6 bilhões para US$ 65 bilhões - de 2,1% para 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB).
Economistas do mercado financeiro e de consultorias são um pouco mais pessimistas. Projetam um superávit comercial de US$ 19,5 bilhões neste ano e um déficit em conta corrente de US$ 67,9 bilhões. Além disso, já arriscam projeções para 2013 - superávit de US$ 14,5 bilhões na conta de mercadorias e um rombo de US$ 70 bilhões nas transações correntes.
A Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) tem previsões muito mais sombrias: exportações de apenas US$ 236,6 bilhões - menores, portanto, que as do ano passado - e importações de US$ 233,5 bilhões, 3,2% maiores que as de 2011. O saldo, pouco superior a US$ 3 bilhões, será o menor em dez anos.
Apesar da ampla diferença entre os números, todas as projeções são baseadas em pressupostos comuns: a Europa continuará em grave crise, a situação pouco deverá melhorar nos Estados Unidos e o crescimento chinês, embora ainda exuberante, será menor do que foi nos últimos anos. A estagnação geral, agravada com a perda de impulso da economia chinesa, resultará em preços menores para os produtos básicos, tanto agrícolas quanto minerais. Como as commodities - matérias-primas e produtos com baixo grau de processamento - têm representado mais de 60% da receita comercial brasileira, o valor das exportações será muito afetado, se as previsões de baixa das cotações se confirmarem.
O temor de um desempenho comercial muito fraco neste ano já contamina os formuladores da política econômica. No Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, a projeção do superávit na conta de mercadorias está na faixa de US$ 10 bilhões a US$ 12 bilhões. O cenário inclui tanto um aumento de importações causado pelo excesso da demanda interna quanto uma expansão medíocre das exportações, por causa do arrefecimento da economia chinesa e da queda de preços das commodities.
Todos os cenários apontam para um déficit maior na conta corrente. Quanto maior esse déficit, piores deverão ser as condições de seu financiamento, mais dependente de endividamento e de capitais especulativos. O sinal ainda é de alerta e é bom agir antes de se acender alguma luz vermelha. O governo dará um bom passo adiante se reconhecer, afinal, a insuficiência de seu Plano Brasil Maior e começar a pensar seriamente em como fortalecer a indústria para competir em todos os mercados. Para isso, precisará confiar menos em remendos fiscais e em barreiras protecionistas e cuidar mais da produtividade e dos custos.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

A agricultura e o Brasil - Senadora Katia Abreu

Na sequencia da postagem anterior, a íntegra do artigo da Senadora Katia Abreu, que merece comentários mais elaborados (o que procurarei fazer tão pronto possível).
Paulo Roberto de Almeida

O que houve de novo com o Brasil
Kátia Abreu
O Estado de S.Paulo, 26 de julho de 2010

O Brasil orgulha-se hoje de ser uma economia estável e forte, que consegue crescer de modo sustentável a taxas elevadas e ao mesmo tempo distribuir renda, incorporando largos contingentes de população ao mercado de consumo e a padrões mais civilizados de bem-estar material. Olhando para trás, para tantas décadas de instabilidade, de surtos breves e logo frustrados de crescimento, temos de reconhecer que vivemos uma grande transformação.

O que tornou possível essa transformação? Tivemos vários momentos de crescimento, que não duravam muito. Após poucos anos, o crescimento provocava inflação, pois a oferta interna, especialmente de alimentos, não era capaz de acompanhar o aumento da demanda induzida pelo crescimento da renda. Mais grave era o outro problema, o cambial.

Diante da inflação sem controle e do desequilíbrio cambial, a única política possível era conter o processo de crescimento, para aliviar as pressões sobre os preços e sobre o déficit externo. Assim, voltávamos à estagnação econômica, embora a população continuasse crescendo e a imensa maioria vivesse na pobreza.

Para crescer sem interrupções seria necessário superar o limite de nossa capacidade para importar. Financiar indefinidamente o déficit cambial com financiamento externo não seria sustentável. Por termos tentado este caminho, incorremos em várias crises de endividamento e chegamos à moratória. Era preciso encontrar um meio realista de elevar a receita cambial.

Como sabemos hoje, no Brasil só a agricultura e a pecuária podiam realizar essa tarefa. Mas ninguém pensava nisso seriamente. Afinal, a produção rural brasileira crescia pouco e não éramos, de fato, até 1970, sequer capazes de atender ao abastecimento interno. Além do mais, a sabedoria convencional de então ditava que o desenvolvimento econômico significava o aumento da produção industrial e o encolhimento relativo da produção rural.

Apesar disso, a partir dos anos 70, teve início uma silenciosa revolução no campo brasileiro. Novas gerações de produtores rurais começaram a emergir, muitos deles abrindo novas fronteiras agrícolas ou transformando os modos de produzir nas fronteiras já estabelecidas. Esses novos agricultores romperam com as formas tradicionais de produção, apropriaram-se do conhecimento acumulado nas universidades rurais e na nova Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e trouxeram para a produção rural a disposição de assumir riscos e a compulsão do crescimento.

A ação destes novos empreendedores transformou em pouco tempo a produção rural brasileira, tornando-a em poucas décadas a segunda maior do mundo em escala e diversidade de produção e a primeira e única grande agricultura em área tropical.

Os números dessa revolução são impressionantes. Em 1965, antes do início desse processo, a produção brasileira de grãos era de 20 milhões de toneladas, para uma população de 80 milhões de habitantes, portanto, uma produção de 250 kg de grãos por habitante. Em 2008 a produção de grãos chegou a 144 milhões de toneladas, para uma população de 190 milhões de habitantes, o que representa uma produção per capita de 758 kg. A produção total cresceu 7 vezes, mas a área de plantio, que era de 21 milhões de hectares em 1965, passou para apenas 48 milhões de hectares em 2008, apenas 2,5 vezes mais. A produção de carnes, em 1965, era de 2,1 milhões de toneladas, o equivalente a 25 kg por habitante por ano. Em 2006 a produção alcançou 20 milhões de toneladas, o equivalente a algo como 100 kg por habitante/ano. A produção total aumentou dez vezes, mas as áreas de pastagens cresceram apenas 15%.

Esses gigantescos aumentos de produção e de produtividade mudaram a história da economia brasileira. Essa agricultura altamente produtiva e de grande escala conquistou os mercados externos e passou a gerar grandes superávits no balanço de pagamentos, dada a sua pequena dependência de importações. Entre 1994 e 2009, o agronegócio acumulou um saldo comercial com o exterior de US$ 453 bilhões. No mesmo período, o saldo comercial total do Brasil foi de US$ 255 bilhões. Significa que, sem a contribuição das exportações do agronegócio, o Brasil teria incorrido num déficit comercial de US$ 198 bilhões, praticamente o valor das reservas cambiais do País no final do ano passado. Não fora a contribuição do agronegócio, o País estaria vivendo gravíssima crise cambial e a história do nosso crescimento recente teria sido muito diferente.

Outro efeito dessa revolução no campo foi a persistente queda no custo da alimentação no mercado interno. Os professores José Roberto Mendonça de Barros e Juarez Rizzieri mostraram, em pesquisa, que o custo no varejo de uma ampla cesta de alimentos na cidade de São Paulo caiu pouco mais de 5% ao ano, em termos reais, entre 1975 e 2005. Uma queda dessa dimensão só foi possível pelos aumentos impressionantes da produção e da produtividade no campo. E, em decorrência, as classes de renda média e baixa não apenas puderam consumir mais e melhores alimentos, como elevaram seu poder de compra de produtos industriais. Assim, o efeito da queda dos preços agrícolas é mais importante que as transferências de renda para explicar a melhoria do padrão de vida das populações mais pobres.

O Brasil que se desenvolve hoje e se projeta no mundo como uma economia dinâmica e moderna é um País construído a partir da agricultura e da pecuária. E continuará sendo, no futuro, sem estar por isso condenado ao atraso e à pobreza, como vaticinavam no passado. Mas para isso é necessário que o Brasil valorize o agricultor e o pecuarista, que foram os agentes dessas transformações, dando-lhes o realce merecido e poupando-os dos preconceitos que sobrevivem às evidências da realidade.

SENADORA DA REPÚBLICA (DEM-TO), É PRESIDENTE DA CONFEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA DO BRASIL (CNA)