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sábado, 15 de dezembro de 2018

Agenda de Trump nao serve ao Brasil - Sandra Rios (Poder 360)

Tempos duros pela frente, entre avançar para maior prosperidade, ou continuar no pântano da mesmice. Esta economista tem a coragem de dizer o que pensa, mesmo não sendo do agrado dos novos donos do poder.
Paulo Roberto de Almeida

País não deve importar agenda de política externa de Trump, diz Sandra Rios

Distanciamento da China é ‘prejudicial’
Defende abertura econômica do país
Diretora do Cindes, Sandra Rios defende redução das tarifas de importação Acervo Pessoal 

15.dez.2018 (sábado) - 5h50
atualizado: 15.dez.2018 (sábado) - 8h45
Economista e diretora do Cindes (Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento), Sandra Rios, 59 anos, acredita que seria prejudicial para as relações comerciais do país embarcar na agenda de política externa do presidente dos EUA, Donald Trump.
Jair Bolsonaro (PSL) se elegeu defendendo 1 processo de abertura no mercado internacional. Declarações do militar e de membros de sua equipe, no entanto, causaram preocupações em relação a 1 possível distanciamento de parceiros comerciais como China e países árabes.
“Não faz sentido o Brasil entrar nesse movimento de transferência da embaixada em Israel para Jerusalém. Também não vale a pena entrar em disputa comercial com a China, que é o nosso principal mercado”, disse em entrevista ao Poder360.
Para ela, ir adiante com esses posicionamentos seria importar uma agenda norte-americana “sem levar em consideração que os recursos de poder e interesses dos países são muito diferentes”.
A economista criticou também a possibilidade, exposta por Bolsonaro, de o Brasil deixar o Acordo de Paris. “A agenda da sustentabilidade interessa ao país, reforça nossos interesses econômicos”, disse.
Sandra foi uma das autoras da “Carta Brasil”, documento elaborado por 112 economistas com propostas para o futuro governo. Entre os pontos destacados no texto para ampliação do comércio exterior está a redução de tarifas de importação, a busca de novos parceiros comerciais e a transformação do Mercosul em área de livre comércio.
“O Brasil deve continuar negociando acordos comerciais, mas são processos complexos e demorados (…). Em economia, não se pode esperar tanto tempo”, disse.
Para a especialista em negociações internacionais e política de comércio exterior, a incorporação do Mdic (Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços) ao Ministério da Economia poderá facilitar o processo de abertura. “Tem a vantagem de garantir coerência às políticas”, afirmou.
Eis o que disse a economista:
Poder360: O que acha da inclusão do Mdic no Ministério da Economia? O que deve mudar?
Sandra Rios: O lado positivo dessa mudança é que facilita a coordenação das políticas de comércio exterior. Hoje, os instrumentos de política comercial são distribuídos em diferentes ministérios, principalmente nos atuais Mdic e Fazenda. E eles costumam ter visões distintas sobre política comercial, abertura, necessidade de proteger 1 ou outro setor. É claro que é uma mudança muito grande e há riscos operacionais, mas acho que tem a vantagem de garantir coerência às políticas.
Qual o cenário hoje no Brasil em termos de comércio exterior?  
A última reforma comercial relevante foi feita na 1ª metade da década de 1990. Naquela época, abrimos a economia, negociamos o Mercosul e deixamos o país mais ou menos em linha com o que a maior parte dos países em desenvolvimento estava fazendo. A partir de 1995 não houve mais nenhum movimento de abertura e, ao contrário, a partir de 2008 1 conjunto de medidas acabou aumentando a proteção à indústria nacional. Isso teve 1 impacto importante sobre a evolução da produtividade e nossa capacidade de competir no mercado internacional.
O que é fundamental agora é atualizar a nossa política comercial para ficarmos mais em linha com outros países em desenvolvimento de grande porte, como Indonésia e México.
Quais são os principais itens dessa agenda?
O 1º elemento é a redução da tarifa de importação, levar o país a padrões de outros países em desenvolvimento. Essa reforma é muita vezes combatida com o argumento de que é melhor abrir a economia negociando acordos comerciais, porque aí você abre o mercado, mas ao mesmo tempo ganha mais acesso ao mercado exportador.
Achamos que o Brasil deve continuar negociando acordos comerciais, mas são processos complexos, demorados. Estamos negociando com a União Europeia, por exemplo, há mais de 20 anos. O acordo ainda não foi concluído e acho que não vai sair tão cedo.
Em economia, não se pode esperar tanto tempo. Ninguém está falando em eliminar tarifas de importação, mas reduzir 1 pouco os níveis para tornar a estrutura mais racional enquanto se negocia acordos comerciais.
Na Carta Brasil, vocês falam na busca de novos parceiros comerciais. O que o país deve procurar nesses acordos? De quais países deveria se aproximar? 
Um critério importante é a relevância do parceiro. Nos últimos anos, mais notadamente a partir de 2010, a gente concluiu acordos que não vão promover nenhuma mudança na nossa estrutura produtiva e capacidade de competir. O acordo com a UE, esse sim, se fosse implementado, faria com que sentíssemos uma mudança grande no futuro.
O país deve buscar parceiros relevantes, que tenham oferta complementar à nossa. Isso vale, por exemplo, para EUA, Canadá, Japão e Índia. Mas em todos esses casos são negociações complexas.
Quais mudanças defende em relação ao Mercosul?
O Mercosul foi criado como uma união aduaneira. Mas desde o início ficaram evidentes as dificuldades de se implementar o modelo que, em teoria, é superior em termos de integração comercial. Se pudesse funcionar assim, seria ótimo.
Só que os países têm estruturas produtivas diferentes, prioridades diferentes e o que aconteceu foi que se estabeleceu regimes de exceção que foram aumentando com o tempo. Além disso, os países, principalmente Brasil e Argentina, colocaram barreiras ao comércio intrabloco. Assim, não avançamos em vários pontos.
A questão é se vale a pena manter o modelo de união aduaneira, que toma muito tempo das negociações. Nossa visão é que é melhor colocar a atenção nas questões relacionadas à área de livre comércio.
Declarações de Bolsonaro em relação a Israel e China, por exemplo, causaram dúvidas sobre o futuro das relações comerciais. Há preocupação nesse sentido? 
As declarações me parecem equivocadas. Não faz sentido o Brasil entrar nesse movimento de transferência da embaixada em Israel para Jerusalém. Também não vale a pena entrar em disputa comercial com a China, que é o nosso principal mercado. É uma importação da agenda do Trump sem levar em consideração que os recursos de poder e interesses dos países são muito diferentes.
No caso da China, é claro que isso foi provocado também pela percepção de que o país está investindo em setores estratégicos do Brasil, mas mesmo que a gente se aproxime dos EUA, o que acho importante, não vamos vender para eles os produtos que vendemos para a China.
Tem também a questão da retirada do Brasil do Acordo de Paris, que vejo como outro equívoco. A agenda da sustentabilidade interessa ao país, reforça nossos interesses econômicos.
O futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, deu declarações controversas em relação a questões diplomáticas. Qual sua visão sobre a indicação?
O que preocupa são manifestações no sentido de distanciamento do Brasil de organismos multilaterais. Há críticas do governo eleito, por exemplo, à participação da OMC (Organização Mundial do Comércio) na nossa agenda de política comercial, mas a instituição é muito importante para 1 país como o Brasil, que tem pequena participação no mercado internacional e exporta produtos agrícolas, cuja regulação se dá basicamente na OMC.
Qual a sua avaliação do que foi apresentado até agora pela equipe do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, em relação ao comércio exterior?
O que vem sendo ventilado é de abertura em diversas frentes. Parece positivo, mas ainda não temos detalhes.

sábado, 8 de dezembro de 2018

Otaviano Canuto analisa a guerra comercial Trump-China, sim, Trump-China...

Desculpem o título inusitado, mas se trata exatamente disso: Trump vs China, ou Trump vs o resto do mundo.
Paulo Roberto de Almeida

Trégua entre EUA e China deve ser avaliada por 3 ângulos, diz Otaviano Canuto


Donald Trump preza pelo bilateralismo
Quer deslocar produção para os EUA
China tem rebalanceado a economia
Os presidentes dos EUA, Donald Trump, e da China, Xi Jinping, reuniram-se na Cúpula do G20 Reprodução/Twitter/Casa Branca - 2.dez.2018
Poder 360, 06.dez.2018 (quinta-feira) 


A trégua comercial entre os Estados Unidos e a China, anunciada após o jantar dos presidentes dos dois países em Buenos Aires no sábado, depois da reunião do G20, deve ser avaliada a partir de três diferentes motivações que podem ser atribuídas ao Presidente Trump para iniciar a guerra.
Embora atenção especial tenha sido dada às implicações imediatas positivas da trégua para a conjuntura macroeconômica mundial e seus reflexos sobre mercados financeiros, cabe não perder de vista o que mais está em jogo.

Desde logo, a trégua e o confronto comercial bilateral EUA-China em que se inscreve representam um momento crucial da transição do multilateralismo para o bilateralismo nas relações externas dos EUA a partir da chegada de Presidente Trump ao poder.
O multilateralismo pleno enfrentou grandes dificuldades durante a rodada Doha de negociações comerciais, nas quais processos complexos de negociação necessitavam unanimidade para aprovação e ficavam vulneráveis a travas estabelecidas por alguns poucos países.
O governo Obama iniciou, com suporte de países envolvidos, sua substituição por um plurilateralismo, conforme proposto na Parceria Trans-Pacífico e num possível acordo posterior com países europeus. Presidente Trump enterrou tal iniciativa e vem argumentando haver vantagens para seu país negociar em bases bilaterais.
Nesse contexto pode-se colocar a revisão do NAFTA assinada pelos presidentes dos EUA e México e o primeiro-ministro do Canadá na sexta-feira, também em Buenos Aires, cujo processo de negociação foi marcado justamente por iniciativas bilaterais pelo Presidente Trump.
Da mesma forma, o comunicado oficial da reunião do G20 fez referência a reformar a OMC. Esta já não tem ocupado papel proeminente em negociações e presume-se que a reforma poderá circunscrever inclusive seu papel na resolução de disputas comerciais.
A segunda motivação declarada para os movimentos comerciais pelo governo Trump é deslocar produção do exterior para os EUA em alguns setores, ao mesmo tempo encolhendo o déficit comercial do país com o resto do mundo. Como na elevação de tarifas sobre importações de aço e alumínio –inclusive sobre parceiros do NAFTA–, células solares e outros.
O resultado provável da revisão do NAFTA –USMCA ou T-MEC– será uma transferência parcial da participação mexicana na cadeia de produção automobilística para os EUA –e um pouco para o Canadá– além de abertura do mercado de laticínios deste último.
Na mesma linha, conforme comunicado emitido pelo governo dos Estados Unidos, a suspensão do aumento de tarifas dos EUA sobre US$ 200 bilhões de importações da China de 10% para 25%, previsto para 1º de janeiro de 2019, teve como contrapartida uma promessa chinesa de aumento substancial de compras de produtos agrícolas, energéticos e manufatureiros dos EUA.
Em que medida presidente Trump poderá anunciar tais resultados como evidência de acerto de sua opção por bilateralismo, de seu estilo de combinação de tarifas e acenos de acordos em troca de concessões pelo outro lado? Afinal, sua campanha prometeu o retorno de empregos manufatureiros aos EUA a partir de tal reposicionamento da política comercial do país.
Os resultados imediatos em termos de exportações e importações dos Estados Unidos podem dar a impressão de sucesso. Contudo, a privilegiada posição negociadora do país no âmbito bilateral e a correspondente obtenção de concessões não garantem a consecução daquelas promessas.
A imediata elevação doméstica da produção e do emprego em atividades manufatureiras e outros beneficiários da proteção se dará com elevação de custos e preços locais dos correspondentes bens. Mesmo supondo-se que a perda de competitividade nesses setores seja compensada por outras medidas, inclusive as promessas de compras embutidas em acordos comerciais, há duas razões para questionar aquele sucesso.
Primeiro, a destruição relativa de empregos manufatureiros na história norte-americana recente é mais resultado de mudanças tecnológicas que de importações da China ou de outros países. Adicionalmente, os déficits em conta corrente do país refletem um descompasso entre poupança doméstica e investimentos.
Nesse caso, um sucesso do protecionismo na redução de déficits externos só ocorreria na hipótese de aumento da poupança no país como um todo, por conta de queda de poder de compra dos que dependem de salários como contrapartida da rentabilidade do capital nos setores protegidos. Esse não seria bem o resultado prometido em campanha.
Para além do bilateralismo mercantilista, há um terceiro componente na guerra comercial EUA-China. O re-balanceamento da economia chinesa em curso vem incluindo sua presença crescente em etapas de maior valor agregado em cadeias globais de valor, para o que tem recorrido a utilizar a baixo custo fontes tecnológicas externas.
Para tal tem recorrido a transferências de tecnologia forçadas sobre investidores estrangeiros interessados em seus mercados, não reconhecimento de propriedade intelectual, subsídios a empresas estatais, barreiras não-tarifárias e similares.
Em grande medida, forçar a China a mudar tais práticas havia sido uma motivação chave para os acordos plurilaterais com sua exclusão liderados por Obama, como forma de impor-lhe uma adaptação regulatória como requisito para integração com países signatários.
Na opção bilateral de Trump, não admira que a trégua de 90 dias para o aumento de tarifas concedida em Buenos Aires tenha como condição para sua extensão, segundo o comunicado do governo dos EUA, a obtenção de acordo sobre “mudanças estruturais” na China naquelas áreas.
Excluída como irrealista a hipótese de motivações simplórias tais como “deter o avanço da China”, a guerra comercial poderá arrefecer caso os chineses estejam preparados para oferecer algo significativo a respeito.
Um cálculo custo-benefício chinês favorável a buscar formas alternativas de suporte tecnológico local, permitindo-lhe focar em seus desafios domésticos de re-balanceamento sem o ônus adicional do confronto comercial, pode muito bem ser uma opção racional dos governantes daquele país.
Dos desdobramentos nesse terceiro componente dependerá a longevidade da trégua anunciada após o jantar de Buenos Aires. Pessoalmente, confesso ter ficado com água na boca pensando na combinação de filé argentino, vinho Malbec e ricota de cabra lá servida.