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sexta-feira, 13 de junho de 2014

As corporacoes predatorias e as profissoes pervertidas: o Brasil deunisso

O Brasil hoje parece estar sendo dominado por corporaçōes predatórias, buscando seu próprio benefício ou alimentando sua tresloucada agenda de "mudanças", em projetos de engenharia social que são, em grande medida, guiados por um gramcismo rústico e de botequim.
Dentro do Estado, temos políticos, magistrados e corporaçōes capazes de o paralisar (e são muitas, da segurança aos portos e aduanas) e que comandam assaltos sistemáticos e cada vez mauiores aos cofres públicos em defesa de seus privilégios e na conquista de maiores nacos do orçamento público. Várias dessas corporações saúvas já conseguiram ultrapassar o teto constitucional de remuneração, que aliás é ridículo pela sua própria existência e também pelo fato de estar na Constituição.
Ou seja, o Estado é incapaz de resitir aos assaltos vorazes dos mandarins e dos marajás que o habitam, regularmente ou circunstancialmente.
À margem do Estado, se movimentam corporaçōes pervertidas por ideologias espúrias que, mesmo sem ter consciência disso, arrastam o país para trás. Duas dessas são, de um lado, os professores e a academia de modo geral, moldados pela fantasmagoria freireana e sua pedagogia para-marxista, e, de outro, os jornalistas, deformados pela mesma ideologia e mediocrizados pelo sistema de reserva de mercado, que ameaça ser constitucionalizado. 
A matéria abaixo trata justamente dessa segunda perversão mental. 
Paulo Roberto de Almeida 
A Abert, que é a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, emitiu uma nota oficial vergonhosa. Entidade que deveria estar na linha de frente na defesa da liberdade de expressão, abre mão de sua missão para fazer política populista e baixo proselitismo. Vai ver é por isso que certas emissoras — de rádio e televisão — fazem uma cobertura da política e da Copa mais perdida do que cachorro caído de mudança. Leiam a nota, que segue em vermelho. Volto em seguida.

A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) repudia violência cometida por policiais militares contra profissionais de imprensa nesta quinta-feira, 12/6, em São Paulo.
As jornalistas da emissora norte-americana CNN Barbara Arvanitidis e Shasta Darlington, e o assistente de câmera do SBT Douglas Barbieri foram feridos por estilhaços de bomba quando cobriam manifestações na zona leste da capital paulista.
Balas de borracha feriram ainda o jornalista argentino Rodrigo Abd, da agência de notícias Associated Press, e um repórter de uma equipe de TV francesa. Em Belo Horizonte, um fotógrafo da agência Reuters foi atingido na cabeça por uma pedra lançada contra a polícia.Todos os profissionais portavam identificação de imprensa e usavam equipamentos de segurança.
É inaceitável que, a pretexto de conter protestos durante a Copa do Mundo, a polícia empregue métodos violentos contra jornalistas, impedindo-os de exercer sua função profissional. Da mesma forma, são intoleráveis ataques de manifestantes contra a imprensa.
É imperioso que a orientação das autoridades de segurança da União e dos Estados esteja voltada ao respeito aos direitos humanos e, em especial, à liberdade de expressão, princípio basilar de uma democracia.
DANIEL PIMENTEL SLAVIERO
Presidente

A ABERT é uma organização fundada em 1962, que representa 3 mil emissoras privadas de rádio e televisão no país, e tem por missão a defesa da liberdade de expressão em todas as suas formas.


Retomo
Em primeiro lugar, a nota mente ao afirmar que a Polícia Militar de São Paulo cometeu violência contra jornalistas. Uma pergunta ao sr. Slaviero: eram eles os alvos dos PMs? Fosse eu comandante da força policial, convidaria o presidente da Abert para ministrar uma aula sobre como proteger jornalistas, especialmente quando estes cobrem os eventos misturados a depredadores e segundo o ponto de vista material destes. Estivessem entre os soldados, certamente seriam feridos pelos manifestantes. Não custa lembrar que, até agora, houve um único morto nos conflitos: o cinegrafista Santiago Andrade. E o assassino não é um policial. Há uma enorme diferença entre um jornalista ser ferido num conflito e a Polícia ferir um jornalista num ato deliberado.

Escreve ainda o sr. Slaviero: “É inaceitável que, a pretexto de conter protestos durante a Copa do Mundo, a polícia empregue métodos violentos contra jornalistas, impedindo-os de exercer sua função profissional. Da mesma forma, são intoleráveis ataques de manifestantes contra a imprensa.”
Com a devida vênia, “sob o pretexto” uma ova! A nota faz supor que a PM mente quando diz que está contendo os protestos, como se tivesse especial interesse em reprimir o trabalho da imprensa. Ora, e por que o faria? De resto, quem ataca a imprensa de forma sistemática, deliberada e planejada são manifestantes de extrema esquerda e baderneiros, que, na nota da Abert, ganham uma menção apenas lateral. Os jornalistas só não são mais agredidos porque são obrigados a ir para ruas sem identificar os veículos aos quais pertencem.
Muitas emissoras de rádio e televisão estão com um medo covarde das “ruas”, muito especialmente dos grupos organizados que partem para a porrada. Há tempos, dispensam-lhes uma cobertura reverente e acham que, caso lhes puxem o saco, serão poupadas dos ataques organizados nas ruas e nas redes sociais. Mais: em algum grau, haverá, sim, a tal “regulamentação da mídia” — ou “controle social”. Tanto pior para o setor (e para a liberdade de imprensa) se Dilma vencer.
Também a Abert decidiu se acovardar, vergar a cerviz ao espírito dos extremistas de rua, dando piscadelas para black blocs e outros delinquentes. No caso, então, melhor atacar a Polícia. A propósito: quando emissoras de televisão estão sob ataque, a Abert acha que se deve apelar a quem? Ao Lobo Mau? Aos Chapeuzinhos Vermelhos?
Certa cobertura da imprensa, muito mais do que as ações impróprias das polícias, é responsável pelo vulto que tomaram as ações violentas. Nesta quinta, deu para notar o esforço para “equilibrar” as coisas. Ocorre que, de um lado da balança, estava a PM tentando manter desobstruída a principal via que conduzia ao Itaquerão; do outro, gente disposta a bater, a quebrar, a incendiar. Se o noticiário estivesse certo, seríamos levados a concluir que os dois lados têm sua parcela de razão e de culpa.
E não que falte à Abert uma causa realmente séria e relevante em defesa da liberdade de expressão.  E ela está fugindo, por comodismo, às suas obrigações. Falarei a respeito nesta madrugada. Bater nas Polícias Militares é fácil. Quero ver é a associação brigar com gente realmente grande em defesa da liberdade de expressão.

domingo, 18 de novembro de 2012

"Profissao"de historiador e mediocrizacao da universidade - Janer Cristaldo

Apenas confirma o que venho dizendo: o Brasil caminha para o fascismo corporativo (se já não está) e a universidade caminha para o brejo da mediocridade...
Paulo Roberto de Almeida


SENADOR PROTEGE GUILDA
Janer Cristaldo
terça-feira, novembro 13, 2012
Me perguntei ontem se, com a desastrada aprovação pelo Congresso da obrigatoriedade de diploma para o exercício da profissão de historiador, quem não tivesse diploma poderia ou não produzir obras historiográficas. Paulo Paim, o autor do infame projeto, apressou-se a afirmar que não, que o projeto não impede que especialistas de outras áreas, como advogados, jornalistas e médicos, dêem palestras e escrevam livros sobre história. Mas que as aulas de história devem ser ministradas por um diplomado. "Naturalmente, não vou querer que arquiteto forme médico, por exemplo. Por que ia ser diferente no caso de historiador?"

Sofisma barato de quem não tem argumentos. É claro que não se pretende que um arquiteto forme médicos. Mas por que um historiador não poderia formar historiadores? Citei em minha crônica um caso emblemático, o de Hélio Silva. Proctologista de profissão, tornou-se um dos mais importantes historiadores do século passado. Além de escrever uma História da República Brasileira em 21 volumes, escreveu mais dezessete obras sobre o ciclo de Vargas e mais seis sobre o regime militar pós-64. O que Paulo Paim está dizendo é que este historiador, que escreveu nada menos de 44 volumes sobre a história do país, não pode ministrar aulas de história. Claro que Paulo Paim nada objetaria a um Darcy Ribeiro, que sem ter curso superior foi reitor.

No entendimento do senador, pode lecionar história, isto sim, um moleque que mal saiu dos bancos escolares e não tem seu nome publicado nem em listas de aniversário. Um homem que dedicou toda sua vida ao estudo de história é inepto para lecionar história. Em junho de 2006, Cláudio de Moura Castro falava de caso semelhante na Veja: "Na UFRJ, um aluno brilhante de física foi mandado para o MIT antes de completar sua graduação. Lá chegando, foi guindado diretamente ao doutorado. Com seu reluzente Ph.D., ele voltou ao Brasil. Mas sua candidatura a professor foi recusada pela UFRJ, pois ele não tinha diploma de graduação. Luiz Laboriou foi um eminente botânico brasileiro, com Ph.D. pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) e membro da Academia Brasileira de Ciências. Mas não pôde ensinar na USP, pois não tinha graduação".

Estas peripécias, eu as conheço de perto. Já falei delas. Começo pelo início. Nunca me ocorreu lecionar na universidade. Eu voltara da Suécia, cronicava em Porto Alegre e fui tomado pela resfeber, doença nórdica que contraí na Escandinávia. Traduzindo: febre de viagens. Li nos jornais que estavam abertas inscrições para bolsas na França e me ocorreu passar alguns anos em Paris. A condição era desenvolver uma tese? Tudo bem. Paris vale bem uma tese. Tese em que área? Busquei algo que me agradasse. Na época, me fascinava a literatura de Ernesto Sábato. Vamos então a Paris estudar Sábato.

Mas eu não tinha o curso de Letras. O cônsul francês, ao me encontrar na rua, perguntou-me se eu não podia postular algo em outra área. Em Direito havia mais oferta de bolsas. Poder, podia, eu cursara Direito. Mas do Direito só queria distância. Mantive minha postulação em Letras. Para minha surpresa, recebi a bolsa. A França me aceitava, em função de meu currículo, para um mestrado em Letras, curso que eu jamais havia feito. Nenhuma universidade brasileira teria essa abertura. Aliás, os componentes brasileiros da comissão franco-brasileira que examinava as candidaturas, tentaram barrar a minha. Fui salvo pelos franceses.

Fui, vi e fiz. Em função de meu currículo, aceito para mestrado, fui guindado diretamente ao doutorado. Tive o mesmo reconhecimento que o aluno do MIT. Acabei defendendo tese em Letras Francesas e Comparadas. Menção: Très bien. Não me movera nenhuma pretensão acadêmica, apenas o desejo de curtir Paris, suas ruelas, vinhos, queijos e mulheres. A tese não passou de diletantismo. De Paris, eu escrevia diariamente uma crônica para a Folha da Manhã, de Porto Alegre. Salário mais bolsa me propiciaram belos dias na França. Foi quando minha empresa faliu. Conversando com colegas, fiquei sabendo que um doutorado servia para lecionar. Voltei e enviei meu currículo para três universidades, me propondo como professor-visitante. Sei lá que loucura me havia acometido na época: um dos currículos enviei para o curso de Letras da Universidade de Brasília.

Fui a Brasília acompanhar meu currículo. Procurei o chefe do Departamento de Letras. Ele me cobriu de elogios, o que só ativou meu sistema de alarme. Que minha tese era brilhante, que meu currículo era excelente, que era um jovem doutor com um futuro pela frente. Etc. Mas... eu tinha apenas os cursos de Direito e Filosofia, não tinha o de Letras. Me sugeriu enviar meu currículo ao Departamento de Filosofia, já que a tese tinha alguns componentes filosóficos.

Ingênuo, fui até o Departamento de Filosofia. O coordenador me recebeu muito bem, analisou minha tese, cobriu-a de elogios. Mas... eu não tinha o Doutorado em Filosofia. Apenas o curso. Considerando o grande número de artigos publicados em jornal, sugeria que eu fosse ao Departamento de Comunicações. Besta atroz, fui até lá. O coordenador considerou que meu currículo como jornalista era excelente. Mas... eu não tinha o curso de Jornalismo.

Na Universidade Federal de Santa Catarina abriu um concurso para professor de Francês. Já que eu era Doutor em Letras Francesas, me pareceu que a ocasião era aquela. Duas vagas, dois candidatos. Fui solenemente reprovado. Uma das alegações foi que eu falava francês como um parisiense, e a universidade não precisava disso. A outra, e decisiva, era a de que eu tinha doutorado em Letras Francesas, mas não tinha curso de Letras.

Já estava desistindo de procurar emprego na área, quando fui convidado para lecionar Literatura Brasileira, na mesma UFSC que me recusara como professor de francês. Convidado como professor visitante, o que dispensa concurso. Mas o contrato é por prazo determinado, dois anos. O curso precisava de doutores para orientar teses e eu estava ali por perto, doutor fresquinho, recém-titulado e livre de laços com outra universidade. Fui contratado.

Acabei lecionando quatro anos, na graduação e pós-graduação. Findo meu contrato, foi aberto um concurso para professor de Literatura Brasileira. Me inscrevi imediatamente. Uma vaga, um candidato. Me pareceram favas contadas. Ledo engano. Eu não tinha o curso de Letras. Após ter lecionado Literatura Brasileira por quatro anos, na Graduação e Pós-Graduação, fui de novo solenemente reprovado.

Na mesma época, abriu um concurso na mesma universidade para professor de espanhol. Ora, eu já havia traduzido cerca de vinte livros, entre eles doze obras dos melhores autores da América Latina e Espanha (Borges, Sábato, Bioy Casares, Robert Arlt, José Donoso, Camilo José Cela). Vou tentar, pensei. Tentei. Na banca, não havia um só professor que tivesse doutorado. Pelo que me consta, jamais haviam traduzido nem mesmo bula de remédio. Mais ainda: não tinham uma linha sequer publicada. Novamente reprovado. Minhas traduções poderiam ser brilhantes. Mas eu jamais havia feito um curso de espanhol.

Melhor voltar ao jornalismo. Foi o que fiz. Anos mais tarde, já em São Paulo, por duas vezes fui convidado para participar de uma banca na Universidade Federal de São Carlos, pelo professor Deonísio da Silva, então chefe de Departamento do Curso de Letras. Uma das bancas era para escolher uma professora de Literatura Espanhola, outra uma professora de Literatura Brasileira. Deonísio sugeriu-me participar, como candidato, de um futuro concurso. Impossível, eu não tinha o curso de Letras. Quanto a julgar a candidatura de um professor de Letras, isto me era plenamente permissível.

Na universidade brasileira, nem um Cervantes seria aceito como professor de Letras, afinal só teria em seu currículo o ofício de soldado e coletor de impostos. Um Platão seria barrado no magistério de Filosofia e um Albert Camus jamais teria acesso a um curso de Jornalismo. Van Gogh ou Dali estariam proibidos de dar aulas de pintura. Renan não poderia lecionar História.

No fundo, a universidade ainda vive no tempo das guildas medievais, que cercavam as profissões como quem cerca um couto de caça privado. Aqui, professores casam com professoras e geram professorinhos. Na Espanha e na França, desde há muito se discute publicamente a endogamia universitária. No Brasil, nem um pio sobre o assunto. E ainda há quem se queixe quando os melhores cérebros nacionais buscam reconhecimento no Exterior.

Um escritor do porte de Erico Verissimo jamais poderia lecionar literatura, afinal não cursou Letras. Não poderia neste Brasil corporativista, pois lecionou Letras nos Estados Unidos, onde ninguém lhe perguntou se tinha formação na área. Falei ontem da pretensão do medíocre escrevinhador Mário Prata, que queria regulamentar a profissão de escritor. No que dependesse de Prata, nem Erico poderia ter sido escritor.

De acordo com o texto aprovado, apenas quem tem diploma de graduação, mestrado ou doutorado pode exercer a profissão, em atividades como o magistério, a pesquisa e a organização de documentos e informações históricas. Ou seja, se me agrada pesquisar história, tenho de ter diploma para pesquisar. Se tenho em mãos um grande acervo de documentos e informações históricas, tenho de chamar um moleque diplomado para organizá-los? Elio Gaspari, que teve acesso aos arquivos do general Golbery do Couto e Silva, incorreria em exercício ilegal da profissão ao organizar esta documentação para escrever os quatro volumes de A Ditadura Envergonhada?

O projeto precisa ainda ser aprovado pela Câmara de Deputados. Onde obviamente vai passar. Graças ao furor legislativo de nossos parlamentares, a universidade brasileira avança rapidamente à condição de fortaleza inexpugnável dos medíocres.

O senador gaúcho acaba de confirmar definitivamente o dito popular: quem sabe faz, quem não sabe ensina.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Republica Corporativa dos Historiadores Brasileiros

O Brasil, em matéria de educação e de burocracia, só anda para trás, em lugar de se desvencilhar desse fascismo mental que impregna as consciências.
Como não ser pessimista em face dessas evidências.
Prevejo uma lenta, longa, inevitável decadência, diferente da decadência argentina (eles foram e são mais rápidos, mais completos, mais definitivos nos seus recuos) e da chinesa (que durou mais ou menos dois séculos), mas será uma decadência, ainda assim, infelizmente.
Paulo Roberto de Almeida 


Historiadores se dividem sobre lei que regula profissão
Folha de São Paulo, 11/11/2012

Senado aprovou projeto que obriga diploma em história para atuar na área. Texto, que inclui áreas como magistério, pesquisa e organização de documentos, deve ser votado na Câmara.
Aprovado no Senado na semana passada, um projeto de lei que regulamenta a profissão de historiador levanta dúvidas sobre seu alcance e divide os principais interessados na medida. De acordo com o texto, que ainda precisa ser votado na Câmara dos Deputados, apenas quem tem diploma de graduação, mestrado ou doutorado pode exercer a profissão, em atividades como o magistério, a pesquisa e a organização de documentos e informações históricas.

A maior parte dos historiadores ouvidos pela reportagem classifica o projeto de corporativista. Outros, mesmo quando se declaram contrários ao "monopólio do saber", defendem a obrigatoriedade da formação ao menos para os professores de história.

"Isso é um corporativismo inadmissível. Reserva de mercado é algo absurdo. Posso listar grandes historiadores brasileiros que não são formados em história", diz o cientista político e historiador José Murilo de Carvalho, ele mesmo sem graduação na área, mas com pós-doutorado em história.

"Se for para lecionar, faz sentido, porque precisa ter formação na área", diz Carlos Guilherme Mota, professor emérito da USP, que defende a obrigatoriedade do diploma para professores do ensino fundamental e médio. "Para dar aula em universidade eu deixaria em aberto, porque há antropólogos e sociólogos com formação histórica sólida", completa.

O autor do projeto, senador Paulo Paim (PT-RS), afirma que mesmo em faculdades as aulas de história devem ser ministradas por um diplomado. "Naturalmente, não vou querer que arquiteto forme médico, por exemplo. Por que ia ser diferente no caso de historiador?" Para Paim, o projeto não impede que especialistas de outras áreas, como advogados, jornalistas e médicos, deem palestras e escrevam livros sobre história.

Uma das principais críticas é justamente a possibilidade da medida tornar a produção desse tipo de conteúdo exclusividade dos historiadores. "Seria uma limitação à liberdade de expressão", diz Evaldo Cabral de Mello, historiador que não é formado na área, mas tem título de notório saber concedido pela USP. Para Boris Fausto, livre-docente em história do Brasil pela mesma universidade, "há especialistas em áreas técnicas, como arquivo e documentação, com maior capacidade do que o historiador para essas funções".

Historiador? Só com diploma
Coluna de Fernando Rodrigues (FSP, 11/11/12)

Poucos notaram, mas o Senado aprovou um projeto de lei estapafúrdio na última quarta-feira. Eis o essencial: "O exercício da profissão de historiador, em todo o território nacional, é privativo dos portadores de diploma de curso superior em história, expedido por instituição regular de ensino".

Em resumo, se vier a ser aprovada pela Câmara e depois sancionada pela presidente da República, a nova lei impedirá que pessoas sem diploma de história possam dar aulas dessa disciplina. A proposta é de um maniqueísmo atroz. Ignora que médicos, sociólogos, economistas, engenheiros, juristas, jornalistas ou cidadãos sem diploma possam acumular conhecimentos históricos sobre suas áreas de atuação. Terão todos de guardar para si o que aprenderem.

Há sempre a esperança de alguém levantar a mão e interromper essa marcha da insensatez na Câmara. Mas mesmo que seja abortado, o episódio não perderá a sua gravidade. Trata-se de um alerta sobre a obsolescência e a falta de lógica do processo legislativo brasileiro.

A ideia nasceu em 2009. Era um projeto do senador Paulo Paim, do PT gaúcho. Em três meses, o senador Cristovam Buarque, do PDT de Brasília, deu um parecer favorável. Ouviu um chiste de José Sarney: "Você quer me impedir de escrever sobre a história do Maranhão".

Cristovam parece arrependido do seu protagonismo. Indica ter deixado tudo para assessores, sem supervisioná-los como deveria. Erros acontecem. Só que o senador defensor da educação não quis reconhecer o equívoco na quarta-feira. Preferiu se ausentar do plenário.

O Senado tem 81 integrantes. Só dois votaram contra o diploma obrigatório para historiadores: Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) e Pedro Taques (PDT-MT). É muito pouco para impedir que o País se transforme, de lambança em lambança, numa pátria das corporações.

sábado, 9 de julho de 2011

Minitratado das corporações de ofício - Paulo Roberto de Almeida

Minitratado das corporações de ofício
Paulo Roberto de Almeida
(ver toda a série neste link)

Um amigo meu me escreve para dizer que está sendo perseguido por uma poderosa corporação de ofício; enviou-me seu protesto por escrito: “Sou Réu” (até me forneceu o número do processo). Bem, não vou poder ajudá-lo como eu (ou ele) gostaria, pois não tenho esse poder; aliás, nem sou advogado, o que por acaso me lembra que eu tampouco pertenço, profissionalmente, a qualquer uma dessas poderosas organizações dedicadas a preservar o seu monopólio profissional (e, adicionalmente, a achacar consumidores, como eu e você). Sou apenas da modesta tribo dos sociólogos, não tão poderosa nem tão bem organizada quanto a dos advogados, a dos engenheiros, a dos arquitetos, a dos médicos, a dos economistas e as de muitas outras corporações dedicadas ao fechamento dos mercados, de forma a converter todos os demais cidadãos em seus obrigados clientes (mais propriamente em servos indefesos).
Meu amigo é economista e está sendo cobrado por várias mensalidades atrasadas pelo Conselho Regional de Economia da jurisdição onde ele se formou e onde logo em seguida se registrou, no entusiasmo do momento. Acontece que ele nunca se exerceu profissionalmente como economista e, logo depois de formado, foi fazer mestrado e doutorado no exterior; em sua volta, começou a trabalhar em áreas diferentes das que supostamente se exigem habilidades e conhecimentos restritos aos de um economista profissional ou exclusivos dessa “corporação”. Mais do que cobrado, ele está sendo processado, e suponho que o mesmo deva ter acontecido também com outros cidadãos formados e inscritos numa corporação qualquer e que se “esquecem” de pagar a taxa da sua corporação. Este é, portanto, o tema deste minitratado.

A questão central é esta: o que são, o que fazem, e qual o impacto para os cidadãos da atuação dessas corporações de ofício que aprisionam seus “associados” e submetem todos os demais cidadãos ao seu poder monopolístico? Seria possível escapar de suas reservas de mercados, subtrair-se à ditadura corporativa, eliminar o seu jogo monopolístico, que tem óbvias implicações em termos de transferência de renda?
As modernas corporações são o que restou, no mundo contemporâneo, das antigas ordens profissionais medievais, quando artesãos e trabalhadores especializados estavam reunidos numa comunidade legalmente reconhecida de profissionais dotados de uma autorização superior que os habilitava a explorar legalmente uma reserva de mercado (mediante um pagamento qualquer à autoridade concedente). Em contrapartida, eles tinham o monopólio exclusivo – o que parece uma redundância, mas neste caso é justificado – de não apenas oferecer seus serviços e produtos à comunidade colocada sob a jurisdição daquela autoridade, como também de impedir qualquer outra pessoa de também oferecer esses mesmos bens e serviços fora da comunidade assim registrada.
Todas as cidades medievais da Europa ocidental (e mesmo em Estados organizados do Oriente, como na China, por exemplo), tinham suas corporações de ofícios, eventualmente divididas em seções ou corpos especializados. Mesmo os acadêmicos, os intelectuais universitários, constituíam (e de certa forma ainda constituem, hoje em dia) uma comunidade fechada, uma casta de monopolistas do saber e do conhecimento especializado. Novas corporações iam surgindo – por exemplo, os impressores, com a invenção da imprensa móvel – e as mais velhas tratavam de preservar seus monopólios mesmo quando o ofício se mostrava defasado tecnologicamente (fabricantes de velas, ou se chapéus, ou qualquer outra atividade superada pelo tempo).
A Revolução francesa mudou um pouco, mas só um pouco, esse panorama, ao abolir as corporações fechadas e ao começar a regular as relações de trabalho e entre agentes econômicos por meio dos códigos modernos (civil, de comércio, etc.). As antigas corporações foram substituídas por essas ordens que nos mantêm aprisionadas aos seus monopólios privados (oficialmente sancionados). De certa forma, elas se disseminaram tremendamente no mundo moderno, em especial em países que não se libertaram, de verdade, do passado medieval ou da centralização absolutista.
Portugal, por exemplo, manteve durante muito tempo esse mesmo sistema, que se estendia além da vida civil e cobria o próprio Estado, através da venda de ofícios públicos (uma das fontes mais rendosas de recursos para os cofres do rei, até o surgimento de monopólios oficiais sobre produtos “estratégicos” e metais e gemas preciosas, como ouro e diamantes). O Brasil republicano pode ter eliminado alguns desses monopólios, mas conservou alguns dos velhos e criou vários novos monopólios.
Médicos e advogados constituem, claramente, as duas espécies mais antigas de uma categoria que abrange hoje diversas outras profissões fechadas, e que dispõem de privilégios “medievais” ao limitar a concorrência e ao impor suas próprias regras ao conjunto da sociedade. A justificativa usada para legitimar o monopólio legal é sempre a de que essas “ordens” contribuem para elevar a qualidade da formação e da prestação de serviços à população e que estabelecem padrões uniformes de atendimento aos mercados de usuários. Na sombra dessas corporações mais antigas foram surgindo outras, como a dos engenheiros e arquitetos (hoje separadas), a dos contabilistas, da qual saíram os economistas, além de uma infinidade de outras que pretendem também exercer o monopólio sobre o exercício de determinadas atividades.
O debate é obscurecido pela confusão entre o reconhecimento profissional – o que geralmente se faz no âmbito da formação acadêmica – e a regulamentação profissional, que obviamente visa ao fechamento do mercado, com restrições legais aos não reconhecidos. Era, por exemplo, o que existia em relação aos jornalistas, seres perfeitamente normais – como eu e você, que sabemos ler e escrever – mas que se pretendiam (e ainda pretendem) exercer o monopólio sobre qualquer atividade que implique redação e publicação de algum pasquim ou veículo de comunicação. Você acredita realmente, caro leitor, que um boletim de uma categoria profissional qualquer – digamos até mesmo uma nobre profissão, de cidadãos perfeitamente alfabetizados, como a dos diplomatas – necessita de um jornalista profissional, credenciado pelo Ministério do Trabalho para ser montado, publicado e distribuído?
Esse talvez seja o menor dos abusos perpetrados contra os interesses dos cidadãos por essas modernas corporações de ofícios, ainda que todas elas contribuem para fechar os mercados e impor preços extorsivos aos consumidores compulsórios, que somos todos nós. Pior, a qualidade dos serviços nem sempre é garantida: quem pode assegurar, por exemplo, que é melhor ter um jornalista generalista escrevendo um pouco sobre todos os assuntos, em lugar de economistas, administradores e outros especialistas atuando como jornalistas? A sociedade sempre estará melhor com a maior competição possível, não com restrições e sistemas fechados. A abolição da reserva de mercado para jornalistas – que o lobby dos próprios e de alguns representantes políticos está tentando restabelecer – representou um enorme progresso social, e um passo na boa direção.
Meu amigo me informa que está sendo processado: “Recebo agora uma comunicação de que estou sendo processado. Querem de mim as mensalidades atrasadas. Na verdade, os valores são modestos, muito menos do que vale o meu tempo e o do advogado para lidar com essa briga. Mas sou teimoso. Por princípio, não quero pagar.” Imagino que, como ele, outros profissionais – economistas, advogados, arquitetos – também estariam melhor se pudessem exercer seus talentos à margem de qualquer regulamentação profissional. Se eles precisam pautar-se pelas normas e padrões estabelecidos por uma máfia organizada, o leque de serviços que eles poderiam oferecer livremente à sociedade diminui significativamente.
Alguns desses serviços, aliás, são impostos compulsoriamente à sociedade. Por que, por exemplo, dois adultos, atuando em legítimo consenso para lograr um simples divórcio corriqueiro, necessitam ainda assim dos serviços de um advogado imposto legalmente para certificar que eles o fazem no pleno domínio da razão? Por acaso a OAB pensa que todos os adultos em instância de divórcio são perfeitos idiotas, a necessitar de “aconselhamento legal” mesmo na ausência do que aconselhar? Ou seria apenas uma maneira legal, aliás compulsória, de extorquir dinheiro dos cidadãos.
Será que seria possível a um advogado processar a OAB por extorsão legal? Um advogado, hipoteticamente, que pretendesse atuar à margem da OAB, e deixar de pagar suas mensalidades extorquidas, poderia processar a OAB por coação abusiva? Sei que a OAB – assim como o Conselho de Economistas, ou outras corporações mafiosas – tem o direito de processar advogados que não pagam o pedágio exigido, mas por que não poderia ser o contrário?
Por que a sociedade brasileira não começa a desmantelar suas máfias corporativas e outras associações de extorsão legal? Por que não podemos libertar profissionais e cidadãos das castas organizadas para exercer monopólios abusivos? Poucas profissões são capazes de “matar”, literalmente, os cidadãos se as práticas forem liberadas: elas são efetivamente em número muito reduzido. Todas as outras, incapazes de prejudicar os cidadãos – mas que os estão de fato prejudicando mediante regulamentos absurdos – deveriam ser desregulamentadas e liberalizadas. Estaríamos muito melhor sem monopólios e reservas de mercado. Libertem-se desses grilhões, cidadãos!

Brasília, 9 de julho de 2011