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domingo, 10 de dezembro de 2023

Lula precisa pensar um pouco no Brasil - Rolf Kutz (O Estado de S.Paulo)

 Lula precisa pensar um pouco no Brasil

O Brasil também precisa de Lula

Presidente poderia mudar o quadro da economia se indicasse, de forma clara e crível, um compromisso de boa gestão fiscal em seu segundo ano de governo

Rolf Kutz

O Estado de S.Paulo, 10/12./2023

Tendo falhado na promoção da paz entre Rússia e Ucrânia e Israel e Hamas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva talvez tenha algum sucesso, enfim, se der maior atenção ao Brasil e a seus vizinhos. O ditador venezuelano, Nicolás Maduro, um democrata, segundo Lula, andou rosnando e ameaçando tomar um pedaço da Guiana. O presidente brasileiro pediu bom senso aos governantes dos dois países. Mais uma vez, tratou vilão e vítima como se fossem equivalentes, como havia feito depois da guerra na Ucrânia. Mas foi mais discreto que em outras ocasiões, evitando, talvez, impor algum incômodo ao companheiro chavista. A diplomacia brasileira também deu atenção, nos últimos dias, à eleição na Argentina. Lula enviou saudações ao povo argentino e ao recém-eleito, Javier Milei, sem, no entanto, mencionar seu nome. O desbocado Milei o havia chamado de corrupto.

Entre o belicismo de Maduro e a grosseria de Milei, o presidente Lula parece ter tido pouco tempo, no início deste mês, para avaliar as condições do Brasil e cuidar das expectativas. A economia brasileira cresceu 3,1% nos 12 meses até setembro, em relação aos 12 meses anteriores. Mas perdeu vigor, no período recente, e no terceiro trimestre a produção foi apenas 0,1% maior que a do segundo. A agropecuária, há muitos anos o setor mais eficiente e mais dinâmico da economia brasileira, desta vez despencou 3,3%.

O resultado geral foi salvo pela indústria e pelos serviços, ambos com crescimento trimestral de 0,6%. Mas de janeiro a setembro a produção do campo, avaliada a preços de mercado, superou por 18,1% a de um ano antes, enquanto a da indústria, medida pelo mesmo critério, avançou apenas 1,2%. Além disso, o desempenho industrial, no período de julho a setembro, foi 8,3% inferior ao de dez anos antes.

Maior e mais desenvolvida economia da América Latina, o Brasil continua incapaz de reverter, de forma segura, a desindustrialização iniciada no final do século passado. O quadro fica mais feio quando se vê o desempenho da indústria de transformação, porque o conjunto da atividade industrial vem sendo sustentado pelas contribuições positivas das indústrias extrativas e daquelas produtoras e distribuidoras de eletricidade, gás e água.

Classificado por instituições multilaterais como economia de industrialização recente, o Brasil talvez seja descrito de modo mais preciso como um país em processo de desindustrialização.

O ministro da Indústria e do Comércio, vice-presidente Geraldo Alckmin, parece reconhecer o enfraquecimento do setor industrial. Já anunciou um esforço de neoindustrialização, mas tem sido difícil, até agora, perceber os avanços dessa política. Com juros muito altos, há pouco estímulo para o investimento em expansão e modernização do sistema empresarial. Mas o custo financeiro, embora seja um problema evidente, é apenas parte dos obstáculos.

Embora prometa a retomada do crescimento, o presidente Lula nunca apresentou um plano de governo bem estruturado e detalhado. Além disso, jamais se comprometeu claramente com a estabilidade fiscal, mesmo depois de seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ter fixado para 2024 a meta de déficit zero. O arcabouço fiscal enviado ao Congresso poderia valer como um contrato de austeridade, mas só se o discurso presidencial indicasse uma disposição inequívoca de buscar esse equilíbrio.

Essa busca deveria incluir, obviamente, a aceitação do corte de gastos. Tanto melhor se essa política incluísse uma racionalização administrativa. Mas isso implicaria, certamente, readequação do pessoal e do aparelho administrativo. São noções incompatíveis com a criação de cargos e até de ministérios para concretizar negociações políticas e acomodar aliados.

Quando se combinam essas acomodações e a evidente resistência à ideia de cortes orçamentários, fica mais difícil apostar num esforço de arrumação fiscal nos próximos meses. Fica mais difícil, portanto, prever uma queda significativa dos custos financeiros no primeiro semestre de 2024. Essa queda vai depender, em parte, das expectativas dos membros do Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central. Dependerá também da avaliação da política fiscal pelo pessoal do mercado financeiro. As avaliações, por enquanto, indicam ceticismo.

As perspectivas poderão ficar pouco mais claras quando o Copom anunciar os novos juros básicos, na quarta-feira, e apresentar a reavaliação das condições econômicas. Por enquanto, o mercado calcula uma redução dos juros básicos de 12,25% para 11,75%, neste fim de ano. O cenário inclui inflação de 3,92% em 2024 e juros de 9,25% no final do próximo ano – uma taxa ainda incompatível com uma economia vigorosa. Mas a ideia de uma economia solta e próspera está fora desse quadro. As projeções apontam expansão econômica de apenas 1,50% nos próximos 12 meses. O presidente Lula poderia mudar esse quadro se indicasse, de forma clara e crível, um compromisso de boa gestão fiscal em seu segundo ano de governo. Com mais confiança, empresas e consumidores cuidariam do crescimento.

terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Crescimento nem sempre é tudo: o paradoxo dos quatro "d"s - Paulo Roberto de Almeida (OESP, 1994)

 Acho que não preciso acrescentar mais nada no que já escrevi em 1994, em Paris, lendo a imprensa econômica francesa, dentro de minhas atribuições como chefe do setor econômico da embaixada do Brasil. O curioso é que na mesma edição do excelente jornal de negócios Les Echos eu tive quatro matérias diferentes, mas cada uma focalizando um aspecto da realidade econômica internacional. Cada uma reproduzia um problema que parecia exatamente do Brasil: só que não era.

Acho que isso destrói um pouco a famosa teoria do Celso Furtado sobre o desenvolvimento, cujas características seriam diferentes nos países ricos e nos países em desenvolvimento. Sempre fui contra isso, dentro dos meus parcos conhecimentos de economia – sou da tribo dos sociólogos – e achava que apenas os resultados eram diferentes, mas que processos, mecanismos e ferramentas do crescimento econômico eram fundamentalmente os mesmos, provocando DESENVOLVIMENTO, e alguns casos, e POUCO desenvolvimento, em outros.

Os nossos desenvolvimentistas rezam pela cartilha furtadiana, o que eu nunca fui, ainda que admirando sua capacidade analítica e explicativa. Mas, como sempre pratiquei o CETICISMO SADIO, sempre mantive um pé atrás em qualquer argumento sociológico e até ECONÔMICO.

Fica aqui o artigo de 1994, para conferir se alguma realidade ou problema mudou, no Brasil e em outros países.

Paulo Roberto de Almeida

Brasilia, 29/12/2020

Crescimento nem sempre é tudo

 

Paulo Roberto de Almeida

O Estado de São Paulo, 11/09/1994, Opinião, p. 2.

 

Desenvolvimento, desigualdade, desemprego e desequilíbrio: esses quatro “d”s podem apresentar-se como paradoxos no caso de uma economia em crescimento, como a do Brasil.

Comecemos pelo editorial de um jornal econômico: “É lógico que dirigentes ressaltem dados que demonstram o sucesso de sua política. Os indicadores convergem: o desemprego baixa, a inflação está controlada, o produto bruto está em alta. Mas, eles divulgaram também uma pesquisa sobre a renda das famílias. Descobre-se que um quarto das famílias e uma criança em três vivem hoje na pobreza. Seus recursos não alcançam o limite mínimo fixado pelas autoridades. A renda média progrediu 36% em 15 anos, mas os 20% mais pobres nunca foram beneficiados. Quanto aos 10% mais pobres, a renda média real baixou em 17%. Tal contradição obriga a perguntar qual o sentido da noção de desenvolvimento: esse agravamento das desigualdades traz o risco de uma explosão social sobre a qual os índices de crescimento não dão a mínima ideia”.

Brasil? Não! Trata-se da Grã-Bretanha, que passou à frente dos demais países europeus em crescimento e redução do desemprego. Mas, a combinação de crescimento e de aumento das desigualdades sociais e da concentração de renda apresenta um curioso aspecto “brasileiro”.

Vejamos outra citação: “Se a produtividade de nossos trabalhadores fosse a mesma de seus homólogos americanos, o produto interno bruto poderia ser realizado com uma população ativa de apenas 40 milhões de pessoas, contra 60 milhões atualmente. Ou seja, nós teríamos 20 milhões de trabalhadores sobrando”.

Brasil, novamente? Não, trata-se do Japão. A “Nikkeiren”, federação patronal, publicou uma pesquisa que traz a angustiosa conclusão de que os progressos da produtividade no país podem condenar 1/3 da população economicamente ativa ao desemprego. É apenas uma ameaça, mas ressalta a necessidade de controlar a alta de preços e dos salários para manter a competitividade externa. Os japoneses estão preocupados: a alta do yen e as deslocalizações industriais podem acarretar o fenômeno relativamente desconhecido, para eles, do desemprego.

Terminemos pela luta entre o poder central e governos estaduais para “racionalizar” a divisão da receita: “A divisão proposta entre a União e os estados, visando aumentar os recursos do Governo central, ainda não foi aceita por vários governadores. Os dois estados mais ricos recusam-se a seguir as recomendações do Governo central ou contribuir em favor dos estados mais pobres. Mesmas dificuldades para a reforma das estatais no limite da falência e mantidas graças a subsídios. Todo mundo sabe que será preciso, mais cedo ou mais tarde, desfazer-se dessas empresas, que custam muito caro para o Estado. Mas, todos temem as consequências sociais dessas falências”.

Ah, agora trata-se do Brasil ! Ainda não... Trata-se da China, esse fenômeno mundial. Ela vem passando por altas taxas de crescimento, mas os desequilíbrios regionais vêm acentuando-se a ponto de colocar em risco a unidade política do país. E, claro, nenhum governador quer ceder recursos para o Governo central, que tem a seu encargo algumas pesadas estatais ávidas por subsídios públicos.

Desenvolvimento, desigualdade, desemprego e desequilíbrio: quatro fenômenos paradoxais, ilustrados com exemplos diversos, mas que demonstram, de maneira angustiante, que o crescimento e a produtividade não resolvem problemas de emprego e de bem-estar social.

Esses paradoxos não são exclusivos de países pobres, já que a Grã-Bretanha e a França estão descobrindo agora o fenômeno da exclusão social (que é a pobreza do Norte). A economia pode ir bem e a riqueza aumentar, deixando ao mesmo tempo uma parte da população nos limites da precariedade. O Japão precisa enfrentar os dilemas da produtividade e do pleno emprego. O caso da China, por outro lado, indica que toda reforma econômica é sempre difícil, pois ela implica redistribuir recursos escassos, nem sempre com o assentimento de quem está ficando rico. Em tempo: todos os casos e citações foram retirados da mesma edição do jornal econômico francês Les Echos (22/08/1994). 

 

Paulo Roberto de Almeida é mestre em economia internacional e doutor em ciências sociais pela Universidade de Bruxelas. 

 

450. “O Paradoxo dos 4 ‘d’s”, Paris, 23 agosto 1994, 2 p. Artigo com base em notícias econômicas sobre desigualdade, desemprego e desequilíbrio em outros países. Encaminhado por Alberto Tamer. Publicado, sob o título “Crescimento nem sempre é tudo”, em O Estado de São Paulo (11 setembro 1994, p. 2). Relação de Publicados n. 160.

 

domingo, 18 de outubro de 2020

'A solvência do governo está em risco' - Affonso Celso Pastore (OESP)

'A solvência do governo está em risco'

    Affonso Celso Pastore, economista, ex-presidente do BC

    O Estado de S. Paulo16/10/2020


    Ex-presidente do Banco Central, o economista Affonso Celso Pastore avalia que a forte concentração de vencimentos de títulos do Tesouro Nacional no início de 2021 é um problema "seriíssimo" de administração da dívida pública.

    Ao Estadão, Pastore diz que o presidente Jair Bolsonaro, senadores e deputados têm feito "ouvidos moucos" aos riscos fiscais para a economia.

    l O que está acontecendo no mercado de dívida? A percepção de risco de solvência do governo piorou enormemente. No ano passado, a dívida bruta fechou em 78% do PIB. Ela vai fechar esse ano perto de 100%. O déficit primário vai ser 15% do PIB e o governo vai colocar uns 15% a mais de dívida. E o Tesouro tem de rolar toda a dívida que está vencendo. Como o risco de solvência aumentou, o mercado demanda um prêmio muito alto para comprar os papéis. Quanto mais longo, mais alto o risco.

    Para não aumentar mais o custo e piorar a dinâmica da dívida, o Tesouro está optando por trocar por títulos com vencimentos mais curtos, reduzindo ainda mais o prazo médio de vencimentos.

    l Mas o mercado está demandando cada vez mais prêmios? O mercado está demandando prêmios porque o risco de insolvência do governo cresceu.

    Se ele tivesse colocando títulos com prazos longos, estaria subindo o custo médio da dívida. A opção que fez foi de encurtar o prazo médio da dívida. O prazo médio já vinha encurtando desde que o País perdeu o grau de investimento. Nós já tivemos épocas que a dívida era rolada no overnight (aplicações financeiras de curtíssimo prazo). Lá nas calendas gregas, há muitos anos. Só que aquela dívida era de 30%, 40%. Não de 100%.

    l Por que integrantes do governo e do Congresso não acreditam no que está acontecendo? Nós tentamos explicar, eu tento, todo mundo tenta. Mas eles teimam em não entender.

    Fazem ouvidos moucos. Não estou falando do Tesouro, do BC. Esses sabem. Estou falando dos senadores, dos deputados e do presidente da República, que absolutamente não entendem o problema.

    l Falta uma estratégia de comunicação de saída dessa crise? Além da estratégia de comunicação, falta uma estratégia econômica que até hoje o ministro Paulo Guedes não explicitou qual é.



    Vamos bater no muro? A economia em 2021 - José Roberto Mendonça de Barros (OESP)

     Vamos bater no muro?

    José Roberto Mendonça de Barros

    O Estado de S. Paulo, 18/10/2020


    Do ponto de vista econômico, a resposta brasileira ao coronavírus foi muito robusta, pois algo como 12% do PIB foi transferido para mais de 65 milhões de pessoas, um valor bastante concentrado a partir de junho. Isso provocou um grande salto na demanda das famílias, que ativou parte do comércio e da indústria. Como resultado, a queda do PIB deste ano será menor do que se projetava, ficando entre -4% e -5%.

    Entretanto, boa parte do setor de serviços não viveu essa melhora. Falo aqui de viagens, de toda a cadeia de hospitalidade, da economia criativa e de tudo o que depende de aglomeração. Essa situação não mudará de forma substancial, uma vez que o número de novas mortes e de novos casos vem caindo de forma muito lenta, sem falar no risco de uma segunda onda, como a que ocorre atualmente na Europa.

    Em consequência, o mercado de trabalho vem se recuperando com certa lentidão, até porque muitas empresas quebraram ou encolheram, reduzindo a oferta de empregos permanentes.

    Mais ainda: já dá para perceber que o grande salto do processo de digitalização e da automação que resulta da pandemia também está reduzindo o número de empregos permanentes, processo que se verifica no mundo inteiro.

    Isso mostra a dificuldade de uma recuperação em "V". Para citar um único exemplo: pense em quantas agências bancárias se tornaram desnecessárias como resultado do inacreditável avanço do "home banking" e da digitalização dos meios de pagamento â isso sem falar no sucesso que fará o Pix. O mesmo raciocínio se aplica para inúmeros outros serviços, como venda de carros, assistência técnica, ensino etc.

    Por outro lado, a demanda de consumo deverá se reduzir no início do próximo ano. O fim do programa do coronavoucher deprimirá a renda disponível de muitas famílias, mesmo que a desejada expansão do Bolsa Família consiga ser operacionalizada, porque cairá drasticamente o número de beneficiários. Essa queda de renda, como já argumentado, não será compensada pela criação de novos empregos permanentes. Além disso, a forte elevação do custo da alimentação, que segue crescendo acima de 10%, reduz o poder de compra de muita gente. Apenas a entrada de uma nova safra, em 2021, reverterá essa tendência.

    Em paralelo, não há atualmente qualquer indicação de elevação dos investimentos públicos ou privados. Ao contrário, continuamos a ver uma queda nos investimentos estrangeiros. Alguma surpresa? Basta pensar nos reveses sofridos pelo ambiente regulatório (como no caso da Linha Amarela, no Rio de Janeiro), nos atrasos em projetos que estão no Congresso (Lei do Gás) e nas privatizações que simplesmente não existem...

    Tudo indica que o crescimento de 2021 ficará pouco acima de 2% e que a inflação será maior que a deste ano.

    Além da pressão no preço de alimentos, existem fortes altas em matériasprimas industriais básicas, químicas e metálicas, cujo repasse aguarda apenas alguma recuperação da demanda.

    Por baixo dessas pressões está a desvalorização do real que, dadas as incertezas atuais, tem pouca chance de ser revertida. A taxa de juros será elevada no próximo ano, ou mesmo antes.

    A percepção de que a situação fiscal se deteriorou muito é agora universal.

    Isso mesmo sem os gastos adicionais que o Executivo e o chamado Centrão querem incluir na proposta orçamentária para o próximo ano. Como resultado, a rolagem da dívida pública agora se faz apenas com papéis mais curtos e as taxas mais longas já subiram no mercado quando comparadas a algumas semanas atrás.

    Temos assim um impasse. De um lado, a situação fiscal exige uma resposta: apontar qual a trajetória que se objetiva uma vez passada a emergência do combate ao vírus. De outro, Brasília segue em festa como nos bons tempos, com óbvio apetite por elevar os gastos â e não falo apenas do Executivo, mas também de boa parte do Legislativo e do Judiciário (alguém aí pensou do novo Tribunal Regional Federal em Minas Gerais?).

    No meio disso tudo, o Ministério da Economia, cada vez menor e sem rumo.

    Daí a pergunta título: se o embate crescer, vamos bater no muro? 


    ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALMENTE E-MAIL: JR.MENDONCA@MBASSOCIADOS.COM.

    terça-feira, 18 de agosto de 2020

    Crise, transição, oportunidade - Marcilio Marques Moreira

    Crise, transição, oportunidade 
    Marcilio Marques Moreira
    Rio de Janeiro, agosto de 2020.

    As crises sanitária e econômica escancararam o legado insepulto de duas manchas de nossa história: a escravidão e o patrimonialismo, isto é, a captura de políticas públicas de interesse geral, por grupos que privilegiam interesses próprios. Esse desequilíbrio acentua-se, ainda, pelo federalismo crescentemente assimétrico e incompleto da estrutura patrimonial do Estado brasileiro, apesar da sua solidez institucional.
    São fatores que contribuem para alimentar brutal desigualdade, não só em termos de renda, se não também de acesso à infraestrutura que as modernas sociedades costumam oferecer aos cidadãos: saneamento, educação, saúde, segurança e transporte público.
    O Brasil, apesar dos incompreensíveis desgoverno, falta de rumo e de empatia das autoridades que deveriam orientar, pelo exemplo e conduta inspiradora, as veredas a seguir, tanto nas áreas da saúde pública, quanto da economia, saiu-se melhor no enfrentamento à COVID-19, do que inicialmente temido: colapso do sistema hospitalar, fome generalizada, desemprego empurrando milhões de pessoas à pobreza absoluta. Mas deixou muito a desejar – a realidade de mais de 100 mil óbitos, em larga escala devidos à ineficaz coordenação entre os setores responsáveis – não nos deixa calar.
    O SUS, embora mal gerido e há décadas saqueado por elementos sem escrúpulo, exerceu papel crítico, dada a resiliência e a dedicação de médicos, enfermeiros e assistentes - homens e mulheres que, mesmo correndo o risco de contaminação, lutaram bravamente. O programa econômico, por sua vez, assegurou renda emergencial de 600 reais por mês, ou mais, a milhões de cidadãos e famílias, apesar da frágil situação fiscal da União, Estados e Municípios. O montante repassado, até aos “invisíveis”, representou considerável alívio e, superando pessimismo às vezes doentio, permitiu a manutenção de um mínimo de emprego e consumo, contribuindo para a sobrevivência de inúmeros empreendimentos, formais alguns, informais a maioria, e o sustento de milhões que, sem essa ajuda sofreriam mais ainda.
    Levantamento do IBRE/FGV, divulgado recentemente, mostra que, ao contrário do esperado, a pobreza absoluta (US $1,9 mensais) caiu em junho deste ano a 3,3% da população, comparado com os 4,2% em maio, o que levou também ao aumento da taxa de poupança. Outra pesquisa, esta do IBGE, revelou que o número de maio já fora o melhor desde a década dos 80, só igualado em maio de 2014, às vésperas da brutal recessão que se seguiu. Enfrentamos, agora, o que parece ser incipiente reversão da pandemia. Estamos mais perto de período de transição, sempre semeado de incertezas e, portanto, de difícil navegação. O novo, para nascer, exige esforço consistente e esperança de um futuro melhor, além de comedimento na formulação de demandas legítimas, naturais em períodos de crise, mas inviáveis no caminho íngreme da recuperação. O velho, por sua vez, sejam cinzas da crise ou problemas estruturais por ela evidenciados, exige abordagem racional e alvo consensuado, além de bússola de como lá chegar. Estamos iniciando período em que a cautela é essencial. Imperdoável seria retrocesso, volta ao velho, tergiversação quanto ao caminho a trilhar.
    Para viabilizar tal objetivo, será crucial construir ideia clara da obra a realizar e do fio condutor a perseguir. O Brasil do Amanhã exige Ética do Futuro, conduzida com rigor e perseverança, virtudes cívicas capazes de aquecer a esperança e evitar ilusões de efêmera viabilidade.
    Para transformar a crise em preciosa oportunidade de consertar crassos erros passados e ainda captar as transformações positivas que o mundo está vivenciando hoje, e prevendo para o amanhã, há que preparar, com senso de urgência, mas sem precipitação, melhoras prioritárias na saúde, educação, desigualdade, pobreza, saneamento, transporte público, cultura, e sustentabilidade ambiental. Há de ser esforço denodado para superar polarização política “desruptiva”, recuperar saúde fiscal, e o respeito internacional, condições sine qua non da capacidade estratégica e operacional do Estado. Temos de nos dedicar aos setores em situação mais grave, o que além de aportes fiscais, exige mais bem focada alocação das verbas orçamentárias, eficaz gestão e repúdio radical a qualquer forma de desperdício e corrupção.
    É indispensável resistir a pressões descabidas e a tentações fora da realidade que, no passado, se revelaram contraproducentes. A fragilidade fiscal é de natureza quase inédita e não permite gastos exagerados. Não deve, entretanto, desviar-nos de prioridades que não podem mais ser ignoradas. Refiro-me ao combate à pobreza, que pressupõe trocar, por respeito e empatia, o prevalecente preconceito contra a pobreza, a informalidade e as favelas. Estas foram construídas pelos pobres por falta de opções e representam, hoje, significativo patrimônio acumulado. Na pandemia, demonstraram insuspeita resiliência e capacidade de mobilização, que lhes pouparam desastre ainda maior. Felizmente, encontraram eco em inesperado surto de solidariedade e filantropia, boa novidade reveladora do surgimento, entre nós, de uma cultura de doação, inclusive por parte de grupos e famílias de maior potencial patrimonial. Não faz mais sentido querer erradicá-las, urge reinventá-las.
    É chegado o momento de nos preocuparmos com o período de transição. Não será possível eternizar a concessão de benefícios extraordinários e a flexibilização de controles fiscais, indispensáveis em ocasiões de crise, mas incompatíveis com restrições orçamentárias incontornáveis em momentos de busca de retorno à normalidade. É da essência, retomar a trajetória das reformas estruturais e de medidas regulatórias infraconstitucionais, que nos assegurem ambiente de negócio atrativo e atividade econômica retomada, inclusive, com segurança jurídica. Não podemos tergiversar nessa busca inadiável, mesmo sabendo que o caminho não será fácil, as medidas a tomar, complexas e os resultados, incertos.
    Em artigo no início deste ano, o casal de professores do MIT e ganhadores conjuntos do prêmio Nobel de Economia no ano passado, Abhijit Banerjee e Esther Duflo, autores do aclamado livro, também de 2019, Uma Boa Economia para Tempos Difíceis, concluíram que inexistindo uma poção mágica para acelerar o desenvolvimento, o melhor é logo “enfocar diretamente aquilo que o crescimento é suposto melhorar, o bem estar dos pobres” 
    De fato, é imperioso redesenhar nosso sistema de proteção social, constituído por conjunto de programas dispersos e mal focados. Há que concentrá-los em um programa só, mais focado nos mais pobres e nas crianças de 0 a 6 anos. Ao mesmo tempo, há que eliminar amplo painel de subsídios e benefícios capturados em favor dos mais aquinhoados, o que liberará recursos para cobrir os custos de novo sistema, mais justo, que teria como chave a agregação de muitos e dispersas formas de proteção social em torno de renda básica universal. É desafio instigante, a ser implementado gradualmente, tanto em cobertura, foco e montante. É importante dissociar, por sua vez, a iniciativa de pressões corporativas e ambições eleitorais, quer dos que a propõem, quer dos que a criticam. O tema vem sendo estudado em muitos países e instituições independentes, sem conotações ideológicas, de esquerda, centro ou direita. Muito  embora possa vir a ter consequências eleitorais, tal sistema não se resume, nem se justifica por elas. É, sim, consistente passo em direção ao Bem Comum, como tem sido crescentemente defendido aqui e no exterior por reconhecidos conhecedores das melhores práticas de construção de políticas públicas de proteção social.
    O que importa neste momento de definição de rumos a trilhar é não desperdiçar a preciosa oportunidade de criar um Brasil renovado, como legítimo legado das cruéis crises que castigaram o povo. Ele, merece um país mais justo e generoso, menos cruel e medíocre, que saiba compatibilizar o nacional com o universal, os valores tradicionais com os inovadores, enfim o Brasil com que todos sonhamos.
    Rio de Janeiro, agosto de 2020.

    quinta-feira, 23 de abril de 2020

    Investimento não é tudo - Ricardo Bergamini, Roberto Campos

    A taxa de Investimento em 2019 foi de 15,4% do PIB. Em 2013 era de 20,9% do PIB. Redução de 26,32% em relação ao PIB. 

    O PAC da Dilma colocou a taxa de investimetos no pico histórico do Brasil de 20,9% do PIB, porém como não houve retorno econômico desses invstimentos (todos com projetos elaborados nas coxas), como afirma o Hélio Beltrão na “live”, com 5.000 obras paralizadas ao custo perdido de US$ 100,0 bilhões, e por esgotamente da capacidade de investimentos do Brasil a taxa em 2019 estava em 15,4% do PIB. Redução de 26,32% em relação ao PIB. 

    Apesar de muito boa a “live”, estando todos de parabéns, mas a minha dedicação à leitura de Roberto Campos me deixou com dificuldades de encontrar algo de novo em todos os debates que assisto, visto não haver mais nada a acrescentar após leitura do meu mestre, “tudo se tornou um museu de grandes novidades” - CAZUZA, assim sendo envio abaixo artigo do mestre Roberto Campos, que é por si só explicativo, sobre o tema do debate na “live”.

    São sempre soluções fáceis para problemas complexos e difíceis, assim sendo tudo tem como destino garantido: o fracasso. Em economia não há milagres.

    Minha proposta baixo tem como destino a lixeira.

    Tirando dos 10% que detêm 43,1% da renda, o governo teria em torno de R$ 861,3 bilhões para bancar a crise do coronavirus, mas na realidade vai estourar na mão dos 10% que detêm 0,8% da massa salarial. Quem no Brasil está interessado nessas bobagens?

    O artigo abaixo é um orgasmo de saber e conhecimento. 

    Ricardo Bergamini


                   Não basta investir 

    126417*Roberto de Oliveira Campos (30/01/2000)


    Até o fim da II Guerra pouco se falava em desenvolvimento econômico. A questão mais quente era como controlar as flutuações cíclicas da economia, os ciclos de prosperidade e depressão. Depois da guerra, no entanto, tudo mudou, e depressa.

    Tinha havido uma enorme transformação do ambiente. Depois de 10 anos de depressão e mais seis da guerra, todos os povos queriam recuperar o tempo perdido. A palavra-chave era "reconstrução".

    Isso queria dizer políticas, programas e projetos que só pareciam factíveis com recursos e liderança do setor público. Em 1936, Keynes havia feito a cabeça dos economistas - deixando sem graça, por um quarto de século, os neoclássicos tradicionalistas - com uma ideia surpreendentemente simples: a de que, numa conjuntura recessiva, em que há ociosidade de mão-de-obra e de máquinas e equipamentos, pode-se aumentar a demanda real simplesmente pela injeção de recursos para aumentar a demanda monetária. Criando dinheiro, o governo conseguiria provocar um aumento efetivo da renda e, graças a isso, reduzir o desemprego da força de trabalho.

    No pensamento de Keynes, isso só ocorreria em situações recessivas, mas a tentação de esquecer esse "detalhe" seria grande demais para os políticos.

    Outra novidade teórica de um brilhante economista soviético dos anos 20, N. Kovalesky, que passaria despercebida durante muito tempo, foi o uso da relação capital/produto para projetar o crescimento do país. Essa ideia manipulada décadas mais tarde por dois economistas ocidentais - R. Harrod e E. Domar - se transformou num famoso modelo, que se popularizou de modo fulminante entre os planejadores desenvolvimentistas.

    Depois da guerra, todas as regiões coloniais queriam ficar independentes. Alguns partiram para a luta armada contra as metrópoles mais renitentes, como Bélgica, Holanda, França e Portugal. Outros colonizadores, Inglaterra e Estados Unidos, tiveram mais bom senso. No final de três décadas, perto de uma centena de novos Estados havia surgido, todos sequiosos por rápido desenvolvimento.

    Receitas simples têm grandes vantagens. E foi o que aconteceu com o modelo Harrod-Domar. Naquele momento, era razoável supor-se que: 1) havia grande redundância de mão-de-obra na agricultura; 2) o capital (máquinas, equipamentos) era o fator mais escasso; e que 3) seus rendimentos eram lineares, isto é, diretamente proporcionais à quantidade disponível. Tornou-se irresistível a tentação de um modelo fácil: com um coeficiente capital/produto de 3, para o país crescer a 7% ao ano, digamos, bastaria ao governo promover um investimento líquido de 21% do PIB - dele próprio, dos investidores privados e de fontes estrangeiras.

    Inutilmente Domar, algum tempo depois, renegou sua fórmula por simplista demais. Era exatamente esse simplismo que a popularizava. Os teóricos sérios sempre souberam que a realidade era muito mais complexa, incluindo complicadores tais como a distribuição dos recursos naturais, a posição geográfica, a tecnologia, a cultura, os valores sociais, as instituições, a segurança e estabilidade das leis, a liberdade de iniciativa e o direito aos frutos da atividade econômica. Max Weber chegou mesmo a explicar o êxito histórico do desenvolvimento capitalista do centro-norte europeu pelos valores individualistas do protestantismo.

    O simplismo de Harrod-Domar fez esquecer um princípio econômico elementar, que o professor W. Easterly formulou da seguinte maneira: "As pessoas respondem a incentivos".

    Em 1960, W.W. Rostow publicou um best-seller, Os Estágios do Crescimento Econômico, em que classificava cinco estágios econômicos até se chegar à "decolagem" para o desenvolvimento autossustentado. Este dependeria do aumento da formação de capital. E se tornaria mais ou menos automático, quando atingida uma relação adequada entre investimentos e o PIB. No contexto da Guerra Fria, quando os Estados Unidos pareciam estar perdendo a corrida tecnológica e econômica contra a falecida União Soviética, surgiram os grandes planos de ajuda externa para subsidiar o crescimento econômico. Era preciso fazer alguma coisa para ganhar a guerra, e a fórmula de crescimento automático pela intensificação de investimentos era uma arma disponível para os países ricos exportadores de capital.

    Solow, cujo modelo foi o sucessor do de Domar, chamou atenção para o princípio que ficou conhecido como "produtividade total dos fatores". Ou seja, a produção não é função apenas do capital e do trabalho, mas também da tecnologia. Disso tirou o resultado surpreendente de que o crescimento em longo prazo é função apenas das mudanças tecnológicas e não da taxa de investimento, a qual determina só o nível do produto. Ultimamente, houve uma inovação teórica importante. A lei dos rendimentos decrescentes só se aplicaria aos setores convencionais. Nos setores de alta tecnologia, como a Internet, os rendimentos seriam crescentes, pois a ampliação indefinida dos usuários reduziria os custos de transação, aumentando a produtividade global.

    Dois exemplos ilustram a importância da qualidade e eficiência do investimento. Um deles é o da União Soviética, que experimentou estagnação econômica na década dos 80, apesar de taxas de investimento da ordem de 30% do PIB. Outro é o do Brasil em seus investimentos sociais. Nossos gastos sociais são bastante elevados como proporção do PIB, mas os resultados são pífios, colocando-nos em posição desonrosa em matéria de índice de desenvolvimento humano.

    Na ânsia de descobrirem o milagre do desenvolvimento, os economistas vêm sempre acrescentando novas variáveis explicativas. No final, talvez aprendam que não podem prever trajetórias tão exatas como a física permite em relação aos foguetes. Voltamos sempre aos velhos fundamentos conhecidos desde Adam Smith: governo pequeno e honesto, tributação moderada, respeito ao direito de propriedade e melhoria do agente econômico pela competição e pela educação. Não basta investir. É preciso investir bem.


    *Defensor apaixonado do liberalismo. Economista, diplomata e político também se revelou um intelectual brilhante. De sua intensa produção, resultaram inúmeros artigos e obras como o livro A Lanterna na Popa, uma autobiografia que logo se transformou em best-seller. Foi ministro do Planejamento, senador por Mato Grosso, deputado federal e embaixador em Washington e Londres. Sua carreira começou em 1939, quando prestou concurso para o Itamaraty. Logo foi servir na embaixada brasileira em Washington, e, cinco anos depois, participou da Conferência de Bretton Woods, responsável por desenhar o sistema monetário internacional do pós-guerra.

    quarta-feira, 3 de julho de 2019

    Desigualdade no Brasil: um problema histórico, macroestrutural e político - Pedro H. G. Ferreira de Souza

    Concordo em que a questão da desigualdade é uma das mais graves características do Brasil, desde sempre, e assim continuará sendo durante muito tempo ainda.
    Não concordo, porém, em que os governos devam focar na desigualdade, e passar a redistribuir o estoque existente de riqueza – grande parte dela nas mãos, nos cofres, bolsos, patrimônio e contas externas dos muito ricos, disso estou consciente – pois isto não me parece sustentável e pode até diminuir o crescimento medíocre que já temos desde os anos 1980.
    Acredito que o governo, qualquer governo, em qualquer época e regime político, deve se fixar nos ganhos de produtividade, que é o que faz a diferença no longo prazo, e é a única coisa sustentável, desde que atuando nos focos corretos da produtividade: formação de capital humano, infraestrutura e ambiente de negócios, num ambiente de máxima liberdade econômica.
    Políticas distributivas "vingativas" não são sustentáveis e como mostra o exemplo da China, a desigualdade pode até aumentar desde que a taxa de crescimento mantenha um aumento constante da renda absoluta – não a relativa – dos mais pobres, trazendo-os para patamares maiores e melhores de bem-estar. Com esse crescimento, que é absolutamente necessário, os mais pobres deixarão de ser mais pobres, e sua progressão na escala de renda permitirá, e até impulsionará o aumento da produtividade, base da melhoria na distribuição de renda.
    O livro pode registrar um retrato dramático, e realista, de nossa desigualdade, e até pode concordar com os dados de Piketty, mas não acredito que as prescrições desse economista francês, estritamente distributivas, sejam a melhor fórmula para corrigir estruturalmente o problema.
    Resumindo: a despeito de toda a comoção nacional – basicamente política – em torno da questão, certamente dramática, da desigualdade no Brasil, mantenho minha convicção que antes da solução do problema social da desigualdade está o problema macroestrutural das bases efetivas de um processo de crescimento sustentado da economia, com transformação tecnológica e distribuição social dos seus resultados via mercados, não via Estado, que é no Brasil um dos principais fatores de desigualdade distributiva. Isso significa focar numa agenda da produtividade (sobretudo capital humano, infraestrutura e ambiente de negócios), antes do que numa agenda distributiva.
    Paulo Roberto de Almeida
    Brasília, 3 de julho de 2019

    LIVRO SOBRE DESIGUALDADE É O MELHOR EM ANOS, DIZ CELSO ROCHA DE BARROS!

    (Celso Rocha de Barros - Ilustríssima - Folha de S.Paulo, 30/06/2019) “Uma História de Desigualdade” é o melhor trabalho produzido pelas ciências sociais no país nos últimos anos. Caso seja sinal de uma tendência de conciliar rigor quantitativo com discussões teóricas historicamente relevantes, talvez estejamos prestes a assistir a uma grande era na reflexão sobre a sociedade brasileira.

    O livro é fruto de tese de doutorado em sociologia defendida na Universidade de Brasília. O autor, Pedro H. G. Ferreira de Souza, pesquisador do Ipea, venceu com essa pesquisa prêmios conferidos pela Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais (Anpocs) e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

    Por isso o livro é, fundamentalmente, uma tese. Tem gráfico, tem tabela —e grande parte de seu atrativo vem disso. Para quem estuda sociedade brasileira, trata-se de uma leitura obrigatória, embora a discussão sobre dados possa afastar alguns leitores.

    O Brasil é um caso de grande interesse para os estudos sobre desigualdade. Já fomos o país mais desigual do mundo e continuamos no pelotão da frente em todas as medidas nesse quesito. Ao nosso lado nessa nada honrosa lista estão outros países da América Latina e países africanos extremamente pobres e/ou afetados por guerras civis.

    Quando a desigualdade russa disparou nos anos 1990, lembro-me de pessoas dizendo: “se continuar assim, vai ficar igual ao Brasil”. Quando um pesquisador estrangeiro fala de “brasilianização”, o mais provável é que esteja se referindo a algum cenário de desigualdade crescente.

    Nada disso é novidade, mas é raro o assunto ser tratado com dados novos e procedimentos estatísticos rigorosos.

    O trabalho de Souza e de seu orientador Marcelo Medeiros (também pesquisador do Ipea) ganhou notoriedade, inicialmente, como contestação da reivindicação petista de que a desigualdade havia despencado na era Lula. A tese mostra uma notável estabilidade na fração da renda controlada pelo 1% da população mais rica.

    Sem a utilização dos dados obtidos por Souza, o quadro anterior indicava grande queda da desigualdade, causada pela redução (aí sim, bem grande) da distância entre os pobres e a classe média, ou entre os pobres e os não tão pobres.

    Na verdade, é possível resumir o lulismo em um gráfico com os dois resultados. Os pobres conseguiram se aproximar do meio da distribuição da renda, mas os governos petistas não encostaram na renda dos mais ricos. É a redistribuição sem conflito, bem descrita nos trabalhos de André Singer.

    Se Souza e Medeiros tivessem só ajudado a compor metade desse quadro, já seria uma bela contribuição. Mas o livro é bem mais que isso.

    Sob um certo aspecto, é a história de uma proporção: a parte da renda nacional que está nas mãos dos ricos. Souza foi atrás de dados de tabelas do Imposto de Renda que refletem melhor a renda dos ricos que as pesquisas domiciliares por amostragem, base dos estudos anteriores. Os ricos —e, em especial, os muito ricos— aparecem pouco nessas pesquisas, que, portanto, tendem a subestimar a desigualdade total.

    De posse dos dados e após reconstruir a história da taxação da renda no Brasil, Souza reconta a evolução da proporção da renda dos brasileiros controlada pelos ricos, com atenção especial ao 1% mais rico, de 1926 a 2013.

    A despeito dessa façanha, o livro é bem mais do que um bom trabalho de sistematização de dados. O que os números revelam é interessantíssimo. Não há espaço aqui para discutir todos os resultados, nem mesmo os mais interessantes, mas vale a pena citar ao menos um, com seus desdobramentos.

    A desigualdade brasileira caiu nos períodos democráticos (tanto no período de 1945 a 1964 quanto na fase atual) e subiu durante as ditaduras (tanto no Estado Novo quanto no regime militar). Souza é o primeiro a dizer que não se deve interpretar esse fato apressadamente.

    É possível que a democracia tenha reduzido a desigualdade, dando voz aos pobres que exigiram redistribuição; também é possível que as ditaduras tenham levado a um crescimento da desigualdade, pois reprimiram movimentos sociais pró-redistribuição, como os sindicatos. Mas em cada uma das conjunturas-chave (as transições para a democracia e para regimes autoritários), vários outros fatos também podem ter sido decisivos.

    Enquanto lia, ocorreu-me uma hipótese bem mais pessimista: talvez a democracia brasileira só tenha sido capaz de se sustentar enquanto foi possível redistribuir renda. Espero que as descobertas de Souza inaugurem um bom debate sobre o tema.

    O livro oferece ainda apoio parcial às teses do economista Jeffrey Williamson, que mostrou que a desigualdade na América Latina não era tão mais alta do que a europeia, no final do século 19. Nossa excepcionalidade está no fato de que perdemos a “grande equalização” que ocorreu nos países ricos durante o século 20. As comparações internacionais, a propósito, são um dos pontos fortes do livro.

    Os resultados de Souza nos fazem pensar sobre o quanto a falta de democracia nos fez perder a grande equalização. Está claro, porém, que não se trata apenas disso. Afinal, a Europa passou por grandes calamidades no século 20 que acabaram por reduzir a desigualdade. As guerras mundiais, as crises econômicas e a inflação destruíram uma quantidade imensa de riqueza.

    Souza chama de “Jencks-Piketty” a hipótese de que a desigualdade só cai bruscamente pela ação de grandes reviravoltas históricas (em geral, desastres). O nome é uma homenagem aos pesquisadores Christopher Jencks e Thomas Piketty.

    Souza, por sinal, parece inclinado a interpretar seus resultados à luz de Jencks e Piketty, relacionando os grandes movimentos da desigualdade às grandes crises brasileiras que causaram sucessivas mudanças de regime político.

    Faz sentido e é consistente com os dados, mas ainda acho que se deva dar mais uma chance à hipótese de que a democracia foi crucial para derrubar a desigualdade, tanto aqui quanto nos países ricos.

    O século 20 foi uma era de calamidades, mas também dos espetaculares ganhos sociais obtidos pela social-democracia e suas variantes onde ela teve chance de se desenvolver. As duas coisas aconteceram ao mesmo tempo. É difícil isolar os efeitos da democracia e os das calamidades, mas vale a pena continuar tentando.

    De qualquer forma, parece claro que precisaremos levar a sério a ideia de Mangabeira Unger de que “a imaginação antecipa o trabalho da crise” e começar a pensar em soluções para o problema da desigualdade que sejam compatíveis com alguma estabilidade institucional.

    Supondo, é claro, que ainda estejamos, enquanto país, interessados em reduzir nossas desigualdades. Isso já foi mais certo.

    sábado, 27 de abril de 2019

    24 ENERI: palestra de Paulo Roberto de Almeida: notas para desenvolvimento oral


    Desafios Globais de Desenvolvimento: Igualdade, Sustentabilidade e Crescimento no Século XXI

    Paulo Roberto de Almeida
     [Objetivo: notas para palestra; finalidade: 24ª edição do ENERI, Uberlândia.]

    1. Introdução: invertendo a ordem dos conceitos e o seu significado
    Peço permissão para revisar completamente os termos sugeridos para minha participação nesta 24ª. edição do ENERI. Em primeiro lugar não existem desafios globais de desenvolvimento. A despeito da preeminência avassaladora da globalização neste século, aliás desde a pré-história, o desafio do desenvolvimento é, continua sendo, e será ainda por muito tempo, eminentemente nacional, quase que exclusivamente nacional. Existem poucos exemplos de países no mundo, se algum, que se tenha desenvolvido pelas mãos de outros países, a não ser que se considerem colônias dominadas por certas metrópoles exemplos de processos globais, ou transplantados, de desenvolvimento. E, de fato, algumas colônias conseguiram galgar alguns degraus no caminho do desenvolvimento pelas mãos das metrópoles que as dominaram, mas entendo que não é este o conceito exatamente pensado pelos organizadores deste encontro, ao sugerir o título que me foi encaminhado para tema desta minha palestra.
    Da mesma forma, permito-me alterar a ordem do subtítulo: “igualdade, sustentabilidade e crescimento”, embora aceite o final, “no século XXI”, pois é nele que nos encontramos, objetivamente. Igualdade não é necessariamente um desafio global do desenvolvimento, que ocorre de modo diferenciado entre povos e nações, num formato profundamente assimétrico – como são todos os processos nacionais conhecidos de desenvolvimento – e sequer deveria fazer parte dos objetivos nacionais nesse sentido, mas vou explicar porque mais adiante.
    Sustentabilidade, por sua vez, virou o que se poderia chamar de “catch word”, um clichê, a que se recorre desde pelo menos a segunda conferência da ONU sobre o desenvolvimento sustentável, e que se tornou um conceito incontornável, obrigatório e até indispensável em qualquer discurso oficial de burocratas internacionais e de políticos nacionais. Ele serve para tudo: merchandising politicamente correto, sinal de que se está alinhado com a modernidade, respeito pela preservação do meio ambiente e todas essas palavras bonitas que precisam entrar nos discursos de todos e cada um: diplomatas em primeiro lugar, ecologistas obviamente, empresários com certeza, artistas e intelectual alinhados ao politicamente correto, enfim, gente bacana. Virou uma mania, até o ponto de perder qualquer significado concreto: tudo precisa ser sustentável, sob risco de ser execrado, condenado, abjurado, recusado, conspurcado, relegado ao limbo das más intenções, enfim, expurgado dos belos discursos recheados de bullshit.
    Quanto ao crescimento, finalmente, esta é uma realidade concreta, com a qual podem trabalhar os economistas, pois ele pode ser medido, mensurado, quantificado, estimado, projetado, colocado numa série histórica, transformado em números e valores, pois que denotando uma realidade que existe como agregação de valor monetário e que se traduz, concretamente, em renda, riqueza, bem-estar, prosperidade, e até felicidade. Sem crescimento não há desenvolvimento, pelo menos no sentido mais prosaico dessa noção mais política do que econômica, pois que denota um processo de acréscimo nas opções abertas à satisfação das pessoas, na sua longevidade, na liberdade de poder dispor de bens e serviços que antes, sem crescimento, estavam mais ou menos tolhidas.
    Vou me estender sobre cada um desses conceitos para me deleitar um pouco no meu exercício preferido como acadêmico, ou como simples cidadão consciente: o fato de ser um contrarianista profissional, ou seja, aquele que está sempre encontrando um motivo para contrariar o senso comum prevalecente, para introduzir um pouco de ceticismo sadio, apenas pelo prazer de ser um contestador daquelas verdades estabelecidas, o que Gustave Flaubert chamava de “idées reçues”, ou seja, fatos tidos como de entendimento corrente, mas frente aos quais eu ouso levantar o meu dedinho interrogativo para dizer: “Não é bem assim”. Ou então: Think Again, ou seja, pense duas vezes e revise seus conceitos aceitos até aqui. Não se intimidem em romper o consenso, desde que tenham argumentos bem fundamentados em dados empíricos, em um amplo conhecimento histórico, assim como em sólidas bases teóricas e lógicas.

    2. Crescimento: um processo basicamente nacional e endógeno
    Gostaria, antes de qualquer outro comentário, de formular duas sugestões de leitura para aqueles interessados em aprofundar o conhecimento teórico e comparado sobre o processo de crescimento econômico, esse objetivo obsessivo de todo e qualquer estadista digno desse nome. A primeira é o manual para iniciantes de qualquer curso de economia nas faculdades americanas, de Robert Barro e Xavier Sala-i-Martin: Economic Gowth (várias edições pela MIT Pess), que discorrem sobre como taxas cumulativas de crescimento, mesmo em valores modestos, podem fazer diferença no longo prazo. O segundo é o livro de James Robinson e de Daron Acemoglu, Why Natins Fail, que examina os fatores responsáveis pelo desenvolvimento de algumas nações e não conseguem mudar a situação em outras.

    3. Igualdade: uma aspiração que costuma representar uma aberração
    Desde Rousseau, a igualdade é a palavra que mais causou confusão no mundo da política, e das lutas sociais, a partir de meados do século XVIII. Consagrada na Revolução francesa como um dos objetivos máximos do novo regime político e social – liberté, égalité, fraternité –, a igualdade foi igualmente incorporada aos supostos objetivos de qualquer programa econômico de governança no decorrer do século XX, inclusive no tocante aos programas das agências internacionais onusianas, ademais, é claro, de a palavra estar integrada a dez de cada dez discursos políticos em qualquer lugar do mundo. No entanto, esse não deveria ser o objetivo de estadistas responsáveis, uma vez que produzir igualdade pode ser, ou revelar-se, a iniciativa mais violenta que possa existir na face da terra, se esse objetivo é realizado por métodos compulsórios.
    Poucos anos atrás, fez relativo sucesso o livro do economista socialista francês Thomas Piketty, O Capital do século XXI, uma evidente referência à obra magna do filósofo social Karl Marx, que tentou dar ares de cientificidade às suas duvidosas elucubrações sobre o capital no século XIX. O livro tenta provar, com o acúmulo de estatísticas rigorosamente selecionadas, que o capital financeiro tende a aumentar mais rapidamente do que os ganhos dos trabalhadores, e até a se multiplicar acima e além da própria taxa de crescimento geral da economia, segundo uma fórmula supostamente mágica, ao estilo da famosa equação einsteiniana (emc2), segundo a qual r > g. Trata-se de uma metodologia questionável, ao considerar unicamente como uma das fontes de riqueza o capital financeiro, que parece pairar acima das sociedades e através dos tempos como um ente metafísico, independente das formas variáveis de criação de riqueza e ao descartar os ativos intangíveis, que também são uma forma de riqueza. Mais grave ainda, as prescrições corretivas apontam todas no sentido da taxação vingativa da riqueza acumulada pelos mais ricos – os megabilionários, os culpados de sempre – e sua redistribuição aos menos ricos, como se essa fosse a forma correta de tornar todos os indivíduos igualmente ricos.
    Não é: ao repartir a riqueza acumulada por todos os pobres do planeta, haveria um modesto quinhão adicional de algumas centenas de dólares para cada um, que seriam consumidos em compras imediatas de produtos de primeira necessidade e depois não sobraria mais nada, nem poupança, nem investimento, nem estímulo para que os megarricos, ou os simplesmente ricos, colocassem sua riqueza para operar em novos negócios. A função mais nobre do economista deveria ser enriquecer os mais pobres, não empobrecer os mais ricos...

    4. Sustentabilidade: um ideal que mobiliza, e que pode obstruir o crescimento
    Trata-se do conceito mais usado e abusado da história das relações internacionais desde várias décadas, praticamente desde os anos 1970, logo após a primeira conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento. É um catch-word, ou um saco de gatos, onde cabe tudo e qualquer coisa: tudo precisa ser sustentável hoje em dia, do contrário não vende ou não pode ser apresentado ao distinto público. Na verdade, a melhor sustentabilidade é aquela determinada pelo mecanismo de preços dos mercados livres, que consegue aferir, imediatamente e precisamente, a raridade relativa dos bens e ativos disponíveis para consumo humano ou incorporação ao processo produtivo. Nenhuma determinação de preços e valores por burocratas governamentais ou internacionais consegue se sobrepor à clareza, transparência e fiabilidade dos preços de mercado.

    5. Crescimento: sustentado, competitivo, com alto capital humano e abertura
    Volto ao conceito chave de crescimento, e apenas a ele. As sociedades avançam, progridem, se desenvolvem, se conseguem manter um processo de crescimento sustentado (não sustentável, pois essa condição vem automaticamente numa economia de livres mercados), com transformações produtivas e distribuição social dos benefícios desse crescimento pela via dos mercados, não por indução estatal.
    Para que ele se realize, esse crescimento tem de estar mais ou menos baseado em cinco grandes pilares, ou alavancas operacionais: estabilidade macroeconômica, competição microeconômica, boa governança, alta qualidade dos recursos humanos e abertura econômica, liberdade ao capital estrangeiro, sobretudo sob a forma de investimentos diretos estrangeiros, e liberalização comercial, eventualmente até sob a forma de redução tarifária unilateral.
    Quanto tivermos esses cinco pilares bem estabelecidos como políticas públicas teremos o desenvolvimento, em bases nacionais, num regime de plena inserção econômica internacional, ou seja, com globalização e globalismo, quaisquer que sejam as restrições que certos gurus e sofistas, totalmente ignorantes em economia, tenham quanto a este último termo. Globalismo não existe, mas se quisermos aceitá-lo como conceito absolutamente normal na atividade diplomática, ele nada mais é do que a vertente propriamente política do processo de globalização.

    Paulo Roberto de Almeida
    São Paulo, 27 de abril de 2019