O estado policial que vem rapidamente erodindo a democracia no Brasil cumpre mais um capítulo nefasto. A Polícia Civil do Rio de Janeiro abriu um inquérito para investigar Leandro Demori pela ousadia de fazer jornalismo e de questionar a própria Polícia Civil. Em uma inversão total de prioridades éticas e funcionais, a polícia decidiu agir contra o jornalista mensageiro em vez de investigar a grave denúncia feita pelo editor-executivo do Intercept. Em uma newsletter enviada a nossos assinantes no dia 8 de maio (e que vocês podem ler abaixo), Demori elenca evidências apuradas com fontes sobre a possível existência de um grupo de matadores agindo no coração da corporação.

O jornalista mostra que diversas ações da Core, a Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia Civil (a mesma que foi protagonista no massacre do Jacarezinho no mês passado), resultaram em dezenas de mortes seguindo o mesmo roteiro. “A Polícia Civil do Rio mantém um grupo de assassinos?”. Essa foi a pergunta inicial do artigo jornalístico publicado na news do Intercept, seguida de fatos públicos e notórios que deveriam mover as instituições para que se investigue a Core.

Em democracias saudáveis, a polícia estaria preocupada com a pilha de mortos que a Core vem deixando em suas operações. No Brasil dos nossos tempos, a polícia quer intimidar e pressionar o mensageiro. Demori foi intimado a comparecer na Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática na próxima quinta-feira, às 14h. A DRCI é a mesma que intimou Willam Bonner, Renata Vasconcellos e Felipe Neto, em casos com evidente viés político. Tudo indica que a DRCI se tornou uma delegacia de repressão política. O Intercept não vai se curvar a isso, nunca.

Precisamos reagir agora. No Brasil de 2021, jornalistas são investigados por fazer seu trabalho, mas isso não vai parar o Intercept. Contra o arbítrio, continuaremos investigando, denunciando e revelando tudo o que eles querem esconder. O jornalismo independente está sob ataque e nós precisamos de ajuda para resistir. Nosso trabalho é custoso: envolve produtores, redatores, jornalistas, mas também um amplo aparato jurídico. Seu apoio faz a diferença nessa batalha. → Faça parte do TIB.

A facção da Core

Paira no ar a ideia de que o massacre do Jacarezinho enfraquece o poder do Comando Vermelho para favorecer as milícias. Está longe de ser uma ideia descabida, diga-se. Em uma cidade cada vez mais dominada por gente como Adriano da Nóbrega e pelos comparsas do “cara da casa de vidro”, é natural que se faça a ligação entre uma coisa e outra. De modo simbólico, sim, é possível que as milícias aplaudam o massacre. Mas eu quero dar um passo em outra direção.

Antes: até poucos anos atrás, acreditava-se que seria impossível que a milícia entrasse na Cidade de Deus, por exemplo. A favela é muito cobiçada e, hoje se sabe, está sendo comida pelas bordas pelos milicianos. No Jacarezinho é diferente. O Comando Vermelho é muito forte em toda a região: Manguinhos, Arará, Mandela, Urubu, Mangueira, Alemão, Penha, Maré.

Então se não existe, até hoje, movimentação evidente de que grupos milicianos estejam ativamente tentando invadir o Jacarezinho, o que sobra? Evidências de que a Polícia Civil do Rio de Janeiro está mantendo impune um grupo de assassinos.

Policiais que participaram do massacre de quinta-feira – 24 mortos ainda sem nome – são conhecidos à boca pequena como “facção da Core”, a Coordenadoria de Recursos Especiais. A história cresce quando juntamos outros fatos: a “facção” está envolvida no caso João Pedro (menino de 14 anos, morto durante uma operação), na chacina do Salgueiro (oito mortos) e no caso do helicóptero da Maré (oito mortos). São 41 homicídios somente nesses casos. Quantos mais?

É preciso que se investiguem as circunstâncias e os responsáveis dessas operações assassinas. Mas não só isso. É preciso apurar as intenções desses massacres. Não parece que tudo isso possa ficar na conta de seguidas trapalhadas. A PGR precisa devassar a vida dos delegados que comandaram a ação. São agentes públicos. Precisamos saber se ainda somos nós – que pagamos seus salários – os seus verdadeiros patrões.