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sábado, 19 de setembro de 2020

O Brasil e o Abolicionismo Tardio, Nunca Completado - Paulo Roberto de Almeida

 O Brasil e o Abolicionismo Tardio, Nunca Completado

 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

Publicado em O Veterano (Rio de Janeiro: periódico semanal estudantil da FGV EPGE; no aniversário da abolição da escravidão: 13/05/2020; link: https://medium.com/o-veterano/coluna-o-brasil-e-o-abolicionismo-tardio-nunca-completado-paulo-roberto-de-almeida-b0807425fd32). 

Relação de Publicados n. 1347.


 

Sumário: 

A escravidão na história humana e o comércio de escravos

O Brasil: relutante em extinguir o tráfico

O lento e delongado processo abolicionista

Um país notável pela ausência de qualquer sentido de política de capital humano

 

Família brasileira sendo servida por escravos no século XIX: Pintura por Jean-Baptiste Debret.

 

 

O presente ensaio tem o objetivo principal de argumentar que a eterna relutância do Brasil em abolir o tráfico e, depois, a escravidão, constitui um dos mais poderosos fatores que podem explicar, ainda hoje, a persistente dificuldade do país em elevar os padrões e o próprio ritmo de um processo sustentado de crescimento econômico, com destaque para a área da produtividade do capital humano. Essa delonga na adoção de reformas sociais também está na raiz do grau anormalmente elevado das desigualdades sociais e da distribuição de renda, que estão vinculadas, por sua vez, à ausência de reforma agrária, ainda no século XIX, e em especial a completa ausência de uma política de educação de massa, uma deficiência permanente, praticamente desde antes da independência, que atravessa toda a fase monárquica e que se prolonga por boa parte do regime republicano. O tráfico negreiro e a escravidão foram formalmente abolidos em 1850 e em 1888, respectivamente, mas seus efeitos delongados na estrutura econômica e no tecido social nunca foram efetivamente superados em toda a trajetória da nação independente. A ausência de políticas consistentes nos terrenos da propriedade fundiária e da educação de massas é responsável, por sua vez, pelos baixos níveis de renda per capita, pela persistência da pobreza, assim como da enorme concentração de renda. 


 (...)


Ler a íntegra na plataforma Academia.edu; link:

https://www.academia.edu/44123455/3667_O_Brasil_e_o_Abolicionismo_Tardio_Nunca_Completado_2020_

terça-feira, 17 de julho de 2018

A questao mais importante da nacionalidade: a qualidade de sua mao de obra - Paulo Roberto de Almeida

A questão mais importante da nacionalidade: a qualidade de sua mão de obra

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: subsídios a capítulo sobre a escravidão; finalidade: livro FDE-2]

Introdução
A questão mais importante, até mesmo crucial, da vida de uma nação é aquela relativa à dotação produtiva de sua população, ou seja, a qualidade de sua mão de obra, que representa a condição primordial, ou vital, de sua prosperidade e bem-estar. Mais do que quaisquer recursos naturais, ou seja, a dotação de fatores dada pela própria natureza, é a proficiência de seu capital humano que se traduzirá em níveis maiores, ou menores, de desenvolvimento humano, medido pelos indicadores de renda per capita, de esperança de vida, assim como de qualidade geral nas condições de vida (sanidade, atendimento básico em saúde, longevidade).
A questão mais importante de diplomacia econômica, no decorrer das seis décadas de existência do Império do Brasil, objeto do livro Formação da Diplomacia Econômica no Brasil, foi, indubitavelmente, a da mão de obra, ou mais exatamente, a da força de trabalho, não exatamente pela via de sua qualidade, mas simplesmente pelo expediente de sua disponibilidade. Tráfico e escravidão, ademais de serem questões centrais no Brasil do século XIX – como aliás já tinham sido nos três séculos anteriores de colonização –, constituíram duas das questões mais relevantes da diplomacia econômica do Império, a serem confrontadas pelas classes dirigentes e pelas elites governantes, a ponto de provocarem inclusive ruptura de relações diplomáticas com a principal potência daquele século, a Grã-Bretanha. 
Durante o regime colonial, tráfico e escravidão não constituíam problemas de relações internacionais ou de diplomacia econômica, a não ser residualmente. Desde a constituição da nação independente, contudo, eles se tornam questões relevantes na construção da nação, da sua organização política, de sua estrutura social, de sua base econômica, e igualmente de suas relações exteriores, ocupando parte não insignificante do trabalho de seus diplomatas e dirigentes políticos, ao provocar fricções e conflitos com o mesmo Estado que havia protegido a coroa portuguesa contra as investidas de Napoleão e depois protegido e assegurado a independência do novo Estado latino-americano surgido na terceira década do século XIX. 
Desde antes da independência, seja no âmbito das negociações dos tratados de 1810, que representaram o prêmio dado à Grã-Bretanha pela ajuda concedida no processo de transmigração da corte para o Brasil, seja depois, no quadro dos arranjos que se faziam à margem do Congresso de Viena, a diplomacia portuguesa já tinha sido obrigada a aceitar compromissos formais no sentido de encerrar o tráfico em prazo de tempo razoável, ou pelo menos a limitá-lo ao Atlântico Sul, para evitar a criação de um contencioso mais duro com a potência que se havia convertido ao anti-escravagismo pouco tempo antes, sob pressão de grupos religiosos e de precoces representantes de defesa dos direitos humanos dentre a sua opinião pública. De fato, a questão do tráfico negreiro, no Brasil essencialmente agrário do século XIX
configurou a mais perene e profunda tensão diplomática do Império, na medida em que condicionou duradouramente as relações com a maior potência da época. Através de um percurso repleto de incidentes, o Estado imperial defendeu os interesses do conjunto do escravismo brasileiro, logrando manter o tráfico até meados do século. O apego da Coroa à atividade negreira está acima de qualquer suspeita: em 1810, D. João VI [sic] curvou-se ao compromisso genérico da abolição gradual do tráfico apenas para evitar retaliações mais duras; em 1815, sacrificou o comércio negreiro ao norte do Equador em nome de uma relativa tolerância britânica no Hemisfério Sul; a partir de 1822, o governo imperial travou uma verdadeira guerra de posição, trincheira por trincheira, a fim de conferir sobrevida inesperadamente longa ao lucrativo negócio. (Magnoli, 1997: 86)

 Tal resistência explica-se pela importância do tráfico negreiro, e adicionalmente da própria escravidão, para a economia geral da colônia e do Estado independente, mobilizando capitais importantes no comércio exterior e nos ativos da economia produtiva de forma geral. Ambos constituíam uma das principais fontes de riqueza e de “acumulação primitiva” para parte substantiva da classe dominante ao final do regime colonial e no início da vida independente, os “homens de grossa aventura”, de que falou o historiador João Luis Fragoso em trabalho sobre a praça mercantil do Rio de Janeiro (1998). Segundo cálculos de outro historiador trabalhando sobre o mesmo tema, 30% dos comerciantes estabelecidos naquela mesma praça era constituída por traficantes (Florentino, 1997: 178). Não surpreende, assim, que, numa primeira etapa, a questão da supressão do tráfico – que foi, segundo Delgado de Carvalho, “um problema interno que se tornou internacional” (1959: 105) – tenha encontrado tremenda resistência no momento de organização da ordem política e social do novo Estado. 
Em sua “Representação à Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil”, sobre a escravatura, o “pai da Independência” José Bonifácio de Andrada e Silva propôs, em 1823, uma “Lei sobre os escravos”, baseada na legislação da Dinamarca e da Espanha, incluindo inclusive medidas destinadas à “civilização” dos indígenas: 
Como Cidadão livre e Deputado da Nação dois objetos me parecem ser, fora a Constituição, de maior interesse para a prosperidade futura deste Império. O 1º é um novo regulamento para promover a civilização geral dos Índios no Brasil… 2º Uma nova Lei sobre o Comércio da escravatura e tratamento dos miseráveis cativos… objeto da atual Representação. Nela me proponho mostrar a necessidade de abolir a escravatura, de melhorar a sorte dos atuais cativos e de promover a sua progressiva emancipação. (…) É tempo, pois, e mais que tempo, que acabemos com um tráfico tão bárbaro e carniceiro… (Silva, 1840: 1-3).

As preocupações de José Bonifácio, ademais de serem profundamente humanitárias, eram igualmente econômicas. Dizia ele que “imensos cabedais saem anualmente deste Império para África; e imensos cabedais se amortizam dentro deste vasto País, pela compra de escravo, que morrem, adoecem, e se inutilizam...” (idem: 5). Mais adiante, na Representação, Bonifácio enfatizava: “Este comércio de carne humana é pois um cancro que rói as entranhas do Brasil, comércio porém, que hoje em dia já não é preciso para aumento da sua agricultura e povoação” (12). Bonifácio tinha perfeita consciência de que não seria possível libertar imediatamente os escravos, pois isso significaria a paralização da agricultura e dos demais serviços. 
Para emancipar escravos sem prejuízo da sociedade, cumpre fazê-los primeiramente dignos da liberdade: cumpre que sejamos forçados pela razão e pela lei a convertê-los gradualmente de vis escravos em homens livres e ativos. Então os moradores deste Império, de cruéis que são em grande parte neste ponto, se tornarão cristãos e justos, e ganharão muito pelo andar do tempo, pondo em livre circulação cabedais mortos, que absorve o uso da escravatura: livrando as suas famílias de exemplos domésticos de corrupção e tirania; de inimigos seus e do Estado; que hoje não têm pátria e que podem vir a ser nossos irmãos, e nossos compatriotas (13).


Ele propunha, então, sob a forma de artigos, que cessasse o tráfico em 4 ou 5 anos, e que se desse, aos homens “forros” uma “pequena sesmaria de terra para cultivarem”, incluindo os “socorros necessários para se estabelecerem, cujo valor irão pagando com o andar do tempo” (16). 
A verdade é que a representação, já pronta e preparada para ser apresentada, não chegou a sê-lo, pelo fato de o Imperador, em 23 de novembro de 1823, ter dissolvido a Assembleia Constituinte e cuidado, depois, de propor uma nova Carta, enquanto seu autor, aliás o primeiro ministro dos Negócios Estrangeiros do novo Estado, era preso e deportado. A exortação final de Andrada aos “generosos cidadãos do Brasil” – ao mesmo tempo em que invectivava os “traficantes de carne humana, senhores injustos e cruéis”– vinha datada de Paris, em 4 de outubro de 1825. 
A essa altura, o Chile já havia decretado a abolição total, em 1823, sem indenização, e no ano seguinte era a vez da América Central (Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua e Costa Rica), com promessa de indenização, que no entanto não ocorreu. A Argentina já tinha concedido a liberdade aos filhos de mães escravas desde 1813, ao passo que a Grã-Bretanha já tinha abolido o tráfico desde 1807. Na França, o Diretório já tinha decretado, em 1794, a liberação total do sistema escravo nas colônias, medida revogada em 1802 por Napoleão (Sodré, 1939: 339-40). O Brasil preservou, como se sabe, o nefando comércio até meados do século, e foi um dos últimos países do hemisfério americano a abolir a escravidão, 
Diferentes tentativas foram feitas, ao longo do regime monárquico, seja para abolir o tráfico, numa primeira etapa, seja para abolir o sistema escravo, na segunda metade do século. Em 1852, uma proposta da Sociedade contra o tráfico de africanos e promotora da colonização e civilização dos escravos visava obter da Assembleia um “sistema de medidas para a progressiva e total extinção do tráfico e da escravatura”. Em 1865, Benjamin Fontana publicava um panfleto com “ideias, lembranças e indicações para extinguir a escravidão, salvar a propriedade e educar os libertos, afim de serem cidadãos úteis”. As sociedades maçônicas também se uniram aos abolicionistas, empenhados em extinguir a escravidão, mas “sem dano para a nação”. Uma Sociedade Brasileira contra a Escravidão lança, em 1880, um manifesto em favor da abolição, “endereçada aos fazendeiros, agricultores, ao Imperador, aos partidos constitucionais em geral, especialmente ao Partido Republicano, à juventude, aos filhos de senhores de escravos”, e à cidadania em geral. A maior parte dos abolicionistas demandava a eliminação imediata do trabalho escravo, sem indenização, embora esta fosse conduzida por etapas: a lei do Ventre Livre, de 1871, proposta pelo Visconde do Rio Branco, a que seguiu, anos depois, a dos sexagenários, considerada hipócrita, pelos emancipacionistas. 
Joaquim Nabuco foi, sem sombra de dúvida, um dos maiores tribunos contra a escravidão, tendo publicado seu livro sobre o abolicionismo em Londres, em 1883, uma obra de natureza mais sociológica do que propriamente política, na qual ele propunha não apenas a libertação dos escravos, mas também medidas para integrá-los à nação, pela via da reforma agrária e da educação. De volta ao Brasil, empreende diversas palestras e manifestações públicas em favor da causa, enfrentando a oposição dos escravistas mais renitentes, que não aceitavam sequer o princípio da abolição mediante indenização da propriedade escrava. Rui Barbosa também juntou-se ao movimento, apoiando a “Confederação Abolicionista” no sentido de exigir a aplicação da lei regencial de 1831, que declarava livres os escravos entrados no Brasil, impondo penas aos infratores. Quando a Lei Áurea foi finalmente promulgado, a monarquia caminhou para o seu ocaso. 
  
Referências: 
Almeida, Paulo Roberto, Formação da Diplomacia Econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império. 3ra. edição, revista; Brasília: Funag, 2017, 2 volumes; Coleção História Diplomática.
Magnoli, Demétrio, O Corpo da Pátria: imaginação geográfica e política externa do Brasil, 1808-1912. São Paulo: Unesp-Moderna, 1997.
Silva, José Bonifácio de Andrada e, 1763-1838Representação à Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, sobre a escravaturaPropõe à Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil uma "Lei sobre os escravos", baseada na legislação da Dinamarca e Espanha. Rio de Janeiro : Typ. de J.E.S. Cabral, 1840 (disponível na Biblioteca do Senado Federal: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/174487; acesso em 16/07/2018).
Sodré, Nelson Werneck, Panorama do Segundo Império. São Paulo: Nacional, 1939.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 16 de julho de 2018

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Luiz Gama: um intelectual negro no Brasil escravagista - Ligia FonsecaFerreira (Pesquisa Fapesp)

HUMANIDADESEscravo e abolicionista
Depois de ter sido vendido pelo pai, Luiz Gama transformou seu drama pessoal em luta pela Abolição e pela República
EDUARDO NUNOMURA |
Pesquisa Fapesp,  Edição 219 - Maio de 2014

Luiz Gama foi um personagem tão extraordinário quanto complexo, a começar por suas qualificações: abolicionista, republicano, poeta, advogado, jornalista e maçom. Pertenceu a uma geração que preparou a derrocada do Segundo Império no Brasil, no século XIX. Com a pena e a oratória, embrenhou-se na luta contra os conflitos da época, tais como as relações entre Igreja e Estado, Monarquia e República, raça e nação. Tomava o partido das causas libertárias e havia um sentido pessoal nessa escolha: Gama foi escravo, que tinha sido vendido por seu pai quando criança. Quase adulto, conseguiu conquistar a liberdade. Autodidata, extraiu de sua dramática e épica história de vida força e obstinação para libertar mais de 500 escravos.
Esse personagem batiza logradouros por todo o país, sobretudo em São Paulo, onde foi maior a sua atuação, mas ainda é pouco conhecido. Conhecê-lo, estudá-lo e iluminá-lo tem sido uma tarefa de pesquisadores como Ligia Fonseca Ferreira, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Autora de uma tese de doutorado sobre a vida e obra do ex-escravo defendida na Universidade de Paris III – Sorbonne Nouvelle, Ligia é negra e assume a responsabilidade de estudar um personagem com quem guarda relações mais complexas que a de um pesquisador neutro diante de seu objeto. “Às vezes, minimiza-se, quando não se invisibiliza, o trabalho dos pesquisadores negros a respeito de personagens históricas negras que afirmaram esta condição”, afirma.
A contribuição de Ligia para a compreensão de Luiz Gama é ímpar. Ela organizou a reedição crítica das Primeiras trovas burlescas & outros poemas de Luiz Gama(Martins Fontes, 2000) e Com a palavra, Luiz Gama. Poemas, artigos, cartas, máximas (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2011). De formação em letras, com ênfase na área de língua e literatura francesa, Ligia tomou conhecimento do abolicionista quando realizava pesquisa na Sorbonne sobre a literatura negra no Brasil entre 1987 e 1988. Gama era ninguém menos que o pioneiro. Mas diante da fragmentada documentação sobre o poeta, e já mirando um doutorado, a solução foi percorrer bibliotecas, centros de estudos e até sebos de livros. O que encontrou não foi pouco.
As Primeiras trovas burlescas de Getulino foram publicadas em 1859, em São Paulo, àquela altura uma província de poucos leitores, escassos escritores e parcas tipografias e livrarias. O livro continha 22 poemas de sua autoria e três do político e professor de direito José Bonifácio, o Moço. A escolha do pseudônimo “Getulino”, derivado de “Getúlia”, território do norte da África, já indicava o posicionamento de um autor de origem africana, adentrando o restrito círculo de letrados, privilégio de brancos. Dois anos mais tarde, ele reedita a obra no Rio, na mesma gráfica que imprimia romances de José de Alencar. Na segunda edição, “correcta e augmentada”, publicou 39 poemas, dos quais 20 inéditos.
No Brasil escravocrata, escrever e ser lido eram duas formas de se manter próximo do poder. Procure se colocar no lugar de um ex-escravo, no início dos anos 1860. Imagine então usar seus escritos para satirizar os políticos e os costumes, parodiar as instituições arcaicas, criticar os “doutores” e trazer à tona os temas da corrupção, do preconceito racial, do embranquecimento dos mulatos que renegavam as raízes e do anticlericalismo. Segundo a pesquisadora, Luiz Gama fez isso com essa obra. Ao publicar em 2000 uma versão compilada com a produção poética integral do abolicionista, Ligia abriu um frutífero campo de estudos.


No periódico Cabrião, Luiz Gama empunha a bandeira dos liberais dissidentes que não aceitam a República sem o fim da escravidão; no destaque
Luiz Gama nasceu em 21 de junho de 1830 em Salvador, filho de uma africana livre, a “altiva” Luiza Mahin, e de um fidalgo de origem portuguesa e membro de uma importante família baiana. O abolicionista jamais revelou o nome do pai que o vendeu como escravo. Foi entregue ao negociante e contrabandista Antônio Pereira Cardoso, que, sem conseguir revendê-lo, acabou ficando com o garoto de 10 anos. Gama aprendeu a ser copeiro, sapateiro, a lavar e engomar, e a costurar. Sete anos mais tarde, conviveu com o estudante Antônio Rodrigues do Prado Junior, que lhe ensinou as primeiras letras. Em 1848, “havendo obtido de forma ardilosa e secretamente provas inconcussas de sua liberdade”, segundo seu próprio relato, foge da casa de Cardoso.
Apenas dois anos antes de sua morte, em 25 de julho de 1880, Luiz Gama envia carta a Lúcio de Mendonça, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, revelando fatos inéditos de sua biografia. Ligia encontrou esse documento na Biblioteca Nacional, no Rio. “É um dos poucos relatos da vida de um ex-escravo no Brasil. Na história dos negros e das letras brasileiras, não há equivalentes das memórias de escravos, tão frequentes nos Estados Unidos”, diz. Esse texto é fundamental para compreender como Gama se tornou uma voz influente nos movimentos abolicionista e republicano.
A esse documento se soma uma carta anterior, de 26 de novembro de 1870, também na Biblioteca Nacional e publicada por Ligia no livro Com a palavra, Luiz Gama. Poemas, artigos, cartas, máximas – obra que traz uma seleção de mais de 40 textos de Gama, vários inéditos, e também cerca de 30 ilustrações, além de seis ensaios da autora. O destinatário da carta era José Carlos Rodrigues, fundador de O Novo Mundo, primeiro periódico em português publicado nos Estados Unidos. O abolicionista fala sobre o movimento republicano no Brasil e sobre a loja maçônica América, fundada por ele e um grupo de liberais que contava, entre seus membros notáveis, com Rui Barbosa e Joaquim Nabuco. “Asseguro-te que o partido republicano, graças à divina inépcia do sr. D. Pedro II, organiza-se seriamente em todo o império”, escreveu. Mas, segundo Ligia, defendia que a instauração de uma República deveria vir acompanhada da Abolição. A convicção era tamanha que ele abandonou a Convenção de Itu (1873), ao encontrar cafeicultores contrários à emancipação dos escravos na fundação do Partido Republicano Paulista.


Anúncio em que Luiz Gama oferece sua mão de obra
Naquele momento, Luiz Gama já era uma personalidade. Em 1864, havia fundado, ao lado do caricaturista italiano Angelo Agostini, o Diabo Coxo, primeiro periódico humorístico ilustrado da capital paulista. Dois anos depois, colaborou no semanário Cabrião, também com Agostini e Américo de Campos. Em polêmicos artigos, criticava com veemência o regime escravocrata e passava a sofrer perseguições políticas. Sua ira se voltava contra o uso abusivo do Poder Moderador e o próprio imperador dom Pedro II, cuja imagem havia sido abalada na Guerra do Paraguai (1864-1870).
Em 1869, Luiz Gama obteve autorização para exercer a profissão de advogado em primeira instância, mesmo ano em que funda o Clube Radical Paulistano com outros membros da Loja América. Com sólidos argumentos, Gama revela a fragilidade do sistema judiciário. De acordo com a pesquisadora, além das críticas, tratou de inovar no plano jurídico, como quando desenterrou a Lei de 7 de novembro de 1831, que extinguiu o tráfico negreiro, para conseguir libertar africanos comercializados depois dessa data. Em um processo de 1869, entrou em choque com um dos principais juízes da capital, Rego Freitas, a quem exigiu que “respeita[sse] o direito e cumpri[sse] seu dever, para o que é pago com o suor da nação”. O discurso de Gama continua atualíssimo.
Foi também proprietário e redator do semanário político e satírico O Polichinelo(1876). A imprensa e a maçonaria foram fundamentais para o ativismo de Gama, porque lhe franquearam espaço para defender os ideais republicanos e o apoiaram na libertação dos escravos. No século XIX havia outros negros abolicionistas, como os jornalistas Ferreira de Menezes e José do Patrocínio ou o engenheiro André Rebouças, mas nenhum deles vivenciou o drama da escravidão. Pode-se comparar o brasileiro só a abolicionistas americanos, como os ativistas Frederick Douglass, autor de The life of an american slave (1845), ou Booker T. Washington, autor de Up from slavery (1901).
Gama manifestava admiração pelos Estados Unidos, para ele “o farol da democracia universal”. Um modelo exemplar: república federativa, de cidadãos livres e iguais, e ancorada nos ideais iluministas da liberdade, igualdade e fraternidade. Incomodava ao abolicionista o fato de que o Brasil se mantinha como única monarquia das Américas e última nação escravagista do Ocidente. A pesquisadora não deixa de questionar, no artigo “Representações da América nos escritos de Luiz Gama”, a ser publicado na Revista de Estudos Afroasiáticos, a ausência de alusões por parte de Gama aos conflitos raciais e à segregação dos negros nos Estados Unidos pós-escravista.
Ligia chama atenção para o fato de ele jamais ter mencionado Joaquim Nabuco em seus escritos, numa recíproca quase verdadeira. Isso decorreria do fato de que o também líder na luta antiescravista era filho de Nabuco de Araújo, ex-presidente da província de São Paulo e denunciado por Gama por sua conivência com a escravização ilegal de africanos. Gama, provavelmente cansado de esperar pela libertação dos africanos, defendia a incitação de um movimento popular, já que, para ele, se a insurreição é um “crime”, a “resistência” afigura-se como “virtude cívica”. Já Joaquim Nabuco estava convencido de que a Abolição deveria ser feita pela via parlamentar.
Luiz Gama morreu em 1882, antes de testemunhar a libertação dos escravos e o fim do Império. Para a pesquisadora, ele foi poupado de ver a República nascer de um golpe militar, constatar que os ideais de igualdade entre os homens não foram aplicados e que a campanha imigrantista tinha, entre seus propósitos, embranquecer o Brasil para eliminar os traços da estigmatizada e incômoda presença africana no país.
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quinta-feira, 16 de maio de 2013

Escravidao moderna?: como requisitar e enviar ao exterior dois regimentos de especialistas?

Perguntar não ofende: 

Que tipo de Estado, que tipo de governo, que país é este, capaz de chegar para um outro e dizer?

-- Ei! Por acaso você não quer receber seis mil médicos, prontos para o consumo, muito baratinhos? Pode pegar e usar, quando quiser, e fazer o que quiser, enfiar onde quiser, e pagar o que quiser, desde que seja para mim...

Pois é, é com países assim que os companheiros gostam de se relacionar: chamemo-los de escravagistas contemporâneos...

E ainda tem gente que acha isso normal, e diz: 
-- Tudo bem, eles estão mesmo à disposição, depois a gente devolve...
Pois é, eu pensava que pessoas normais não fariam esse tipo de coisa...
Paulo Roberto de Almeida 

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Connecticut contra a escravidao, e contra o Lincoln de Spielberg...

Já que estou morando no Connecticut, agora, me solidarizo com o protesto dos cidadãos contra a falta de correção histórica do filme de Spielberg.

Mr. Spielberg, Connecticut Objects!

A scene from David James/Dreamworks and 20th Century Fox A scene from “Lincoln.”
8:43 p.m. | Updated Steven Spielberg has said he was hoping for a high degree of authenticity with “Lincoln,” and certainly his production team worked hard on their antiquing. But there is at least one place where the movie diverts from the historical record, as a Connecticut congressman, Joe Courtney, noted. In the film, two of Connecticut’s representatives are shown voting against the 13th Amendment – voting, in effect, for slavery to continue.
“How could congressmen from Connecticut — a state that supported President Lincoln and lost thousands of her sons fighting against slavery on the Union side of the Civil War — have been on the wrong side of history?” Mr. Courtney wrote in a letter to Mr. Spielberg and DreamWorks this week. After a check of the Congressional Record, Mr. Courtney discovered, that in fact all four House members from his state voted for the 13th Amendment. “Even in a delegation that included both Democrats and Republicans, Connecticut provided a unified front against slavery,” he writes.
Below the Line
Bringing Light to ‘Lincoln’
Lincoln
Janusz Kaminski, the director of photography on “Lincoln,” discusses his work on the film.
In the letter, available here, Mr. Courtney, a Democrat and senior member of the Armed Services Committee who represents the state’s 2nd district (covering Enfield, New London and Old Saybrook), asks Mr. Spielberg for a correction.
“I understand that artistic license will be taken and that some facts may be blurred to make a story more compelling on the big screen,” he writes, “but placing the state of Connecticut on the wrong side of the historic and divisive fight over slavery is a distortion of easily verifiable facts and an inaccuracy that should be acknowledged, and if possible, corrected before ‘Lincoln’ is released on DVD.”
(Not to mention before it graces the Oscar stage.)
Team “Lincoln” did not immediately reply to a request for comment, but the Bagger will update you if Mr. Spielberg or the screenwriter Tony Kushner weighs in to explain what they had against the Nutmeg State.
Update: Is something other than the purity of the historical record – or the sanctity of the Academy Awards – at play here? Over at Awards Daily, Sasha Stone notes that none other than Ben Affleck once campaigned for Mr. Courtney, urging students to vote for him at an appearance at the University of Connecticut in 2006. (Mr. Courtney won the election by 83 votes, according to Salon.) And, Ms. Stone suggests, Mr. Courtney’s plea, delivered in a public statement rather than a private message to the filmmakers, may be as crass as politicking.
“A classy person would have simply sent an email to Tony Kushner but no, it’s Oscar season,” she writes. “Time to puff up like an angry peacock and defend the honor of your state! Or maybe try to give back to someone who once helped you win an election. Someone should tell him Affleck needs no help winning at this point.”
It’s unclear what Mr. Courtney’s position on “Argo” is, but in an interview with the Hartford Courant, the congressman notes that overall, he did like Mr. Spielberg’s movie.
“The portrayal of Lincoln and Thaddeus Stevens is brilliant, and to the extent that people maybe are thinking about how members voted, that’s a healthy thing for our culture to be focused on — our history — as opposed to the other content in movies,” he said.
He makes no mention of Mr. Affleck (who has also campaigned for or donated to Democratic candidates like Elizabeth Warren, Al Gore and John Kerry). In a statement late on Thursday, Mr. Kushner defended his adapted screenplay.
“We changed two of the delegation’s votes, and we made up new names for the men casting those votes, so as not to ascribe any actions to actual persons who didn’t perform them,” he writes. “In the movie, the voting is also organized by state, which is not the practice in the House. These alterations were made to clarify to the audience the historical reality that the 13th Amendment passed by a very narrow margin that wasn’t determined until the end of the vote. The closeness of that vote and the means by which it came about was the story we wanted to tell. In making changes to the voting sequence, we adhered to time-honored and completely legitimate standards for the creation of historical drama, which is what Lincoln is.”
Read his full statement after the jump.

Here is Mr. Kushner’s entire statement:
Rep. Courtney is correct that the four members of the Connecticut delegation voted for the amendment. We changed two of the delegation’s votes, and we made up new names for the men casting those votes, so as not to ascribe any actions to actual persons who didn’t perform them. In the movie, the voting is also organized by state, which is not the practice in the House. These alterations were made to clarify to the audience the historical reality that the 13th Amendment passed by a very narrow margin that wasn’t determined until the end of the vote. The closeness of that vote and the means by which it came about was the story we wanted to tell. In making changes to the voting sequence, we adhered to time-honored and completely legitimate standards for the creation of historical drama, which is what Lincoln is. I hope nobody is shocked to learn that I also made up dialogue and imagined encounters and invented characters.
I’m proud that Lincoln’s fidelity to and illumination of history has been commended by many Lincoln scholars. But I respectfully disagree with the congressman’s contention that accuracy in every detail is “paramount” in a work of historical drama. Accuracy is paramount in every detail of a work of history. Here’s my rule: Ask yourself, “Did this thing happen?” If the answer is yes, then it’s historical. Then ask, “Did this thing happen precisely this way?” If the answer is yes, then it’s history; if the answer is no, not precisely this way, then it’s historical drama. The 13th Amendment passed by a two-vote margin in the House in January 1865 because President Lincoln decided to push it through, using persuasion and patronage to switch the votes of lame-duck Democrats, all the while fending off a serious offer to negotiate peace from the South. None of the key moments of that story — the overarching story our film tells — are altered. Beyond that, if the distinction between history and historical fiction doesn’t matter, I don’t understand why anyone bothers with historical fiction at all.
I’m sad to learn that Representative Courtney feels Connecticut has been defamed. It hasn’t been. The people of Connecticut made the same terrible sacrifices as every other state in the Union, but the state’s political landscape was a complicated affair. The congressman is incorrect in saying that the state was “solidly” pro-Lincoln. Lincoln received 51.4 percent of the Connecticut vote in the 1864 election, the same kind of narrow support he received in New York and New Jersey. As Connecticut Civil War historian Matthew Warshauer has pointed out, “The broader context of Connecticut’s history doesn’t reflect what Courtney had said in his letter. The point is we weren’t unified against slavery.” We didn’t dig into this tangled regional history in Lincoln because a feature-length dramatic film obviously cannot accommodate the story of every state, and more to the point, because that’s not what the movie was about.
I’m sorry if anyone in Connecticut felt insulted by these 15 seconds of the movie, although issuing a Congressional press release startlingly headlined “Before The Oscars …” seems a rather flamboyant way to make that known. I’m deeply heartened that the vast majority of moviegoers seem to have understood that this is a dramatic film and not an attack on their home state.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

As diferenças entre Racismo e Escravismo - José Augusto Conceição

Encontrei este texto postado como comentário a um outro texto sobre racismo, no blog da Revista Espaço Acadêmico, com a qual colaboro regularmente.
Encontrei o texto particularmente esclarecedor e por isso o estou transcrevendo aqui, como informação e como formação sobre duas questões igualmente importantes na história e no presente da sociedade brasileira.
Não consegui contactar o autor, para pedir sua autorização, mas admito que ela está dada implicitamente, já que o texto se encontrava num espaço público, ao alcance de qualquer leitor.
Paulo Roberto de Almeida

As diferenças entre Racismo e Escravismo
José Augusto Conceição

O escravismo (moderno) e o racismo nada têm em comum.
As razões porque se adotou o regime de trabalho escravo foram de ordem econômica e, repousaram, basicamente no custo da empresa colonizadora. Assalariar a mão-de-obra a inviabilizaria dado o contingente necessário a sua realização.
Convém lembrar que nas Américas espanhola e portuguesa a primeira opção foi recorrer a mão-de-obra indígena que, já disponível no lugar, poupava o valor da compra, do transporte e da tributação. No entanto, especialmente em razão da tributação, se optou, sobremaneira na América portuguesa, pela importação de mão-de-obra africana.
A questão tributária parece explicar, inclusive, a defesa que fez a Igreja contra a escravidão dos indígenas. Visto que de todo tributo pago à Coroa a Igreja obtinha uma parcela (a redízima). O africano, sendo um “produto” importado era tributado; o ameríndio (já disponível na colônia) não o era.
Não houve, pois, nenhuma razão racial nisto, mesmo porque a ideologia racial ainda não se havia desenvolvido. Até, então, os principais elementos de distinçao se fundavam na religião e no estatudo do sangue.
O racismo se liga à consolidação dos Estados nacionais e à II Revolução Industrial, posto que o primeiro evento consolidou o princípio das nacionalidades (cada povo uma nação, cada nação um território), seguido do princípio da não-intervenção (nos assuntos internos dos Estados estrangeiros). Ao passo que o segundo evento, correspondente ao espraiamento do industralismo para a Europa continental e EUA, impôs a estes povos a necessidade de novos mercados de matérias-prima, mão-de-obra e consumo o que, no limite, obrigava (como continua obrigando) a que um invadisse os domínios do outro, em franca ofensa aos princípios expostos acima.
As teorias do chamado racismo científico serviram de fundamento preciso à intervenção dos “mais capazes” sobre os domínios territoriais e, via de consequência, econômicos, dos “menos capazes”, sob argumentos salvacionistas.
Em países como o Brasil, o racismo científico pavimentou o caminho para a reestruturação da pirâmide social no pós-abolição. Com ele se pode retardar, em coisa de 50 anos, o impacto que a igualdade legal concedida aos ex-escravos teria sobre a estratificação social, mais especificamente sobre a distribuição de benefícios sociais, renda e riqueza.
A questão mais importante para as populações negras na atualidade se situa precisamente neste ponto que trato agora. Já a partir da década de 1920 se vêem sinais de esgotamento das teorias racistas. A publicação de Macunaíma é um exemplo disto. Porém, de 30 em diante este processo ganha vigor, de um lado pelos trabalhos de Gilberto Freyre e seus pares, de outro pela política getulista, notadamente a que se desenvolveu durante os anos do Estado-Novo.
Já em fins da década de 50, especialmente em virtude do desfecho da guerra racial que consumiu o mundo entre 1939 e 1945, o racismo já havia perdido quase que totalmente sua força como demarcador social.
Ocorre que somado os séculos que o escravismo impediu os negros de participar do processo de acumulação primitiva de capitais, com o século que o racismo obstou ao negro o mesmo empreendimento, o tempo de que dispomos para tanto foi muito curto. A bem dizer, se restringe ao período que se inaugura em 1960 e que se estende aos dias de hoje. Isto explica a exclusão social do negro, sua ausência dos postos de comando do setor público e privado, sua recente ascenção à classe média etc.
Com isso, estou a afirmar que não é mais o racismo o que oblitera a mobilidade social ascendente das populações negras. O racismo é, sim, um problema que persiste no âmbito do imaginário social brasileiro exigindo, pois, instrumentos psicossociais para seu enfrentamento. Por exemplo, ações educativas e culturais como a inclusão, no currículo escolar, de conteúdos sobre a história da África e dos negros no Brasil. No entanto, o problema da mobilidade social das populações negras não se vai resolver com medidadas anti-racistas, posto que tal problema já não se relaciona mais com o racismo, desde os fins da década de 50. Tal problema só se resolverá quando completado o processo de acumulação primitiva de capital por parte desta população que por 4 séculos dele ficou excluída.
Sem termos clareza da distinção destes dois problemas que ora enfrentam as populações negras brasileiras, tendemos a propor soluções inócuas. Pior de tudo isso, tem sido acreditar que soluções bem-sucedidas em países estrangeiros serão, igualmente, bem-sucedidas no Brasil. Sem se considerar, por exemplo, que os EUA (de onde vem a idéia de affirmative action [ação efetiva]) teve, até o movimento dos direitos civis, um racismo de natureza institucional (jurídico/legal); enquanto o Brasil, desde sempre tem um racismo de natureza estrutural (psicossocial/cultural).
Por fim, devemos ainda atentar para o dado de que as populações negras já se encontram bastante diversificadas em classes, o que implica em variações expressivas de demandas sociais. Pois que a toda evidência, as demandas dos negros proletários não são as mesmas da classe média negra.

José Augusto Conceição