O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador fracasso. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador fracasso. Mostrar todas as postagens

domingo, 11 de fevereiro de 2024

Cúpula bolsonarista tentou dividir Exército para dar golpe, mas fracassou - MARCELO GODOY (O Estado de S. Paulo)

Cúpula bolsonarista tentou dividir Exército para dar golpe, mas fracassou

MARCELO GODOY 

O Estado de S. Paulo, 08 FEVEREIRO 2024 

A tentativa de desacreditar o Alto Comando do Exército (ACE) era parte fundamental da conspiração nascida dentro do Palácio do Planalto para dividir a corporação, colocar a tropa contra os comandantes que resistiam à ideia, e consumar o golpe de Estado tramado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e ministros militares como expôs a operação realizada pela Polícia Federal.

Após a ação dos policiais nesta quinta-feira, 8, a coluna apurou que generais e coronéis concordaram que houve “traição” e “deslealdade” na atuação da cúpula bolsonarista, formada pelos ex-ministros militares Walter Braga Netto e Augusto Heleno, e do general Estevam Theóphilo, que segundo a PF seria o responsável por operacionalizar o golpe.

Ressaltam, no entanto, que a tentativa de divisão do Exército fracassou e que a instituição não se corrompeu, embora admitam que autoridades importantes foram seduzidas pelo “canto da sereia golpista”.

Dos 16 integrantes do ACE, 11 eram contrários ao golpe e de quatro a cinco, entre eles Theóphilo, tido como o mais bolsonarista dos generais da ativa, eram favoráveis. Dois outros generais que ainda estão na ativa expressaram opiniões favoráveis ao golpe, mas não agiram para que ele se concretizasse.

Sem a adesão do Alto Comando, a conspiração golpista seguiu para o plano B, a “festa da Selma”, como os bolsonaristas chamavam o ato que depois se tornou o 8 de Janeiro: assim como no ocorreu no Sri Lanka, a ideia passou a ser colocar a população na rua, mais especificamente em frente aos quartéis, para incitar uma rebelião nas fileiras do Exército e fazer com que a tropa passasse por cima dos generais.

Uma das frentes dessa estratégia era desacreditar os comandantes os acusando, por meio do gabinete do ódio nas redes sociais de serem “melancias”, verdes e patriotas por fora, mas vermelhos e comunistas por dentro. A investigação da Polícia Federal expôs o bastidor deste processo de fritura ao encontrar mensagens nas quais Braga Netto relata que o então comandante do Exército, Freire Gomes, estava omisso e indeciso sobre o golpe

“Então vamos continuar na pressão e se isso se confirmar vamos oferecer a cabeça dele aos leões”, respondeu o capitão reformado Ailton Barros, que depois foi preso na investigação sobre as fraudes nos cartões de vacina. “Oferece a cabeça dele. Cagão”, determinou Braga Netto em seguida.

Também não passou despercebida a pressão sobre as famílias dos militares. Em dezembro do ano passado, o brigadeiro Carlos Almeida Baptista Júnior, então comandante da  Marinha, procurou interlocutores para dizer que não iria trair os valores militares.

Nas conversas, ele fazia coro ao cientista político Samuel Huntington no livro O Soldado e o Estado: “Sobre os soldados, defensores da ordem, recai uma pesada responsabilidade. Se abjurarem o espírito militar, destroem primeiro a si mesmo e, depois, a Nação”, diz a conclusão da obra.

A coluna apurou que foi Baptista Júnior o responsável por vazar a informação que os comandantes das Forças Armadas pretendiam entregar os cargos antes do fim do governo Bolsonaro para não se submeterem, ainda que brevemente, ao governo Lula. O vazamento acabou frustrando a iniciativa.

“Senta o pau no Batista Júnior. Povo sofrendo, arbitrariedades sendo feitas e ele fechado nas mordomias, negociando favores. Traidor da pátria. Daí para frente. Inferniza a vida dele e da família”, escreveu Braga Netto em uma mensagem obtida pela Polícia Federal.

O descrédito do Alto Comando permitiria o passo seguinte: a quebra de hierarquia tão cara aos militares para consumar o golpe. Então chefe do Comando de Operações Terrestres, o terceiro escalão da corporação, o general Theóphilo passou por cima do comandante do Exército e do ministro da Defesa ao se reunir diretamente com Jair Bolsonaro.

De acordo com a investigação, ele prometeu ao presidente mobilizar seus comandados, conhecidos como “kids pretos”, para prender o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.

Estevam Cals Theóphilo Gaspar de Oliveira integra uma das famílias mais tradicionais do Exército brasileiro, responsável por produzir quatro generais. Entre eles, César Cals, governador do Ceará durante a ditadura, no início dos anos 70, e depois ministro de Minas e Energia no governo de João Figueiredo.

Já Guilherme Teóphilo, irmão de Estevam, chefiou o Comando Militar da Amazônia, se candidatou ao governo do Ceará pelo PSDB em 2018 e depois atuou como secretário nacional de Segurança Pública no governo Bolsonaro.

Estevam Theóphilo foi responsável por causar rusgas entre o governo Lula e o Exército mesmo após o 8 de Janeiro. Após ouvir de Mauro Cid que ele temia ser preso nas primeiras semanas de 2023, o general disse que conversaria com o então comandante do Exército, Júlio César de Arruda. O comandante insistiu em manter Cid na chefia de um batalhão de Operações Especiais após os atos golpistas, o que foi a gota d’água para Lula demiti-lo.

Theóphilo também foi um dos defensores da venda de 450 viaturas do blindado Guarani para a Ucrânia utilizar na guerra contra a Rússia. A negociação opôs o poder civil, por meio do Itamaraty, que defendia a neutralidade no conflito, e os militares, já que o Exército ficaria com parte do valor da venda. Ao fim, a operação foi vetada.

Também no início do ano passado, o Coter, então comandado pelo general Theóphilo, promoveu o 1.º Seminário Internacional de Doutrina Militar Terrestre do Exército Brasileiro para o qual foram convidados EUA, Alemanha, Reino Unido, França, além de outros países da Otan, dos Brics e do Mercosul. Duas ausências, entretanto, eram notáveis: a Rússia e a China.

Novamente, a diplomacia militar se aproximava do polo liderado pelos EUA, na contramão da neutralidade pregada pelo Itamaraty e pelo assessor especial da Presidência, o ex-chanceler Celso Amorim, que se queixou diretamente com Lula sobre a atuação dos militares na política externa.


quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Uma nova ópera dos três vinténs na Argentina - Paulo Roberto de Almeida

 Um libreto porteño, sem qualidades

Paulo Roberto de Almeida

“Argentinos aceleram compra de dólares; para Milei, peso não vale nem um “excremento”.”

A Argentina se prepara atabalhoadamente para um salto no escruro. Quem tem dólares é a classe média, que ainda sobrevive. A imensa maioria da população não os tem, e vai ficar muito mais pobre com um governo Milei, que seria o caos completo. 

Para o Brasil seria o fim do Mercosul e da possibilidade de qualquer liderança na América do Sul, menos ainda no diáfano Sul Global. Um fracasso partilhado com muitos outros vizinhos.

Para os argentinos, seria o labirinto do Minotauro sem qualquer fio de Ariadne. 

Já se pode chorar antecipadamente pela Argentina, mas isso não vale nem um ópera de três vinténs. 

Brasília, 11/10/2023

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

O fracasso do Brics como ideia e como resultados práticos - Jim O'Neill (The Telegraph)

 Will the BRICS Ever Grow Up?

In the two decades since Brazil, Russia, India, and China were recognized for their unique growth potential, they, along with South Africa, have so far proven incapable of uniting as a meaningful global force. This comes at the expense not only of the bloc, but of better global governance as well.

Jim O’Neill

The Telegraph, Londres – 16.9.2021

 

 Having created the BRIC acronym to capture the collective potential of Brazil, Russia, India, and China to influence the world economy, I now must ask a rather awkward question: When is that influence going to show up? Given today’s global challenges and the enormous issues facing the BRICS (which subsequently became a real-world entity and was expanded in 2010 to include South Africa), the bloc’s ongoing failure to develop substantive policies through its annual summitry has become increasingly glaring.

This November will be the 20th anniversary of the BRIC acronym, which I first used in a 2001 Goldman Sachs paper entitled “Building Better Global Economic BRICs.” At the time, I offered four scenarios for how each country could develop over the next decade, and made the case for why global governance needed to become more representative and include these four rising powers.

That paper was followed by a series of others, starting in 2003, which showed how China’s economy could become as large as the US economy (in nominal dollar terms) by 2040; how India could surpass Japan to become the third-largest economy soon thereafter; and how the BRIC economies together could grow larger than the G6 (the G7 minus Canada).

But the bloc’s economic trajectory since 2001 has been a mixed bag. While the first decade was a roaring success for all four countries, with each surpassing all four scenarios that I originally outlined, the second decade was less kind to Brazil and Russia, whose respective shares of global GDP have now fallen back to where they were 20 years ago.

If it weren’t for China – and India, to some degree – there wouldn’t be much of a BRIC story to tell. Yet, notwithstanding the difficulties the BRICs have faced, China’s growth alone is on track to lift the technical aggregate of all four economies to match the size of the G6.

In terms of global governance, the only notable shift over the past two decades has been the rise of the G20 since it took center stage in the response to the 2008 global financial crisis. Representing the world’s 20 largest economies, the organization seemed immensely powerful at the time, and it managed to implement policies of potentially lasting importance. But since then, it has generally been a disappointment, saying much but achieving very little.

With the world on track to reach 1.5°C of planetary warming by 2040, the Paris agreement’s preferred climate scenarios are slipping out of reach. Countries, cities, businesses, and financial institutions must move quickly to address the increasingly urgent climate adaptation and mitigation challenges. At Building the Green Consensus, distinguished speakers will explore how new regulatory frameworks and public finance can be used to accelerate private-sector investment in the green transition. 

For their part, the BRICs held their first annual meeting as a political club in 2009, in Russia (the first to include South Africa took place in China in 2011). And this year, Indian Prime Minister Narendra Modi hosted the BRICS leaders (virtually) for their 13th summit. Every leader made bold statements about what they had supposedly achieved together, and all discussed avenues for future cooperation. Yet they have accomplished very little; lofty statements are usually accompanied by only scant policy moves.

Nothing in the bloc’s latest joint declaration suggests that anything has changed. Perhaps not surprisingly, most of the attention this year has been on security and terrorism. After all, recent developments in Afghanistan will have serious, direct implications for Russia, India, and China. But this singular focus is disappointing nonetheless, because it highlights the group’s limited joint ambitions.

Modi would seem to agree, saying, “We need to ensure that the BRICS are more productive in the next 15 years.” Beyond creating the BRICS Bank, now known as the New Development Bank, it is difficult to see what the group has done other than meet annually.

Following the bloc’s rather dismal second decade, there are many things that BRICS leaders could do collectively to help revive the kind of economic gains made in the first decade, all of which would be good for the rest of the world, too. In doing so, they could create a much stronger impression of their usefulness alongside the G20, strengthening the case for more substantive reforms to global governance.

For starters, the BRICS need to strengthen trade between themselves. China and India could both gain enormously from a more open and ambitious trading relationship, which would redound to the benefit of the rest of the region, the other BRICS, and the world. In fact, more India-China trade alone would visibly boost global trade.

Moreover, while the BRICS have little in common other than large populations, they also share a significant exposure to infectious diseases. The Review on Antimicrobial Resistance that I led in 2014-16 showed that all of the BRICS were worryingly vulnerable to drug-resistant tuberculosis. And as COVID-19 has shown, most have health systems that are poorly equipped to deal with pandemics. Unless they treat global infectious diseases more seriously, they will never be able to reach their economic potential.

Since the fall of 2020, I have had the privilege of serving on the World Health Organization’s independent Pan-European Commission on Health and Sustainable Development, which is chaired by former Italian Prime Minister Mario Monti. One crucial proposal from our initial Call to Action this past spring, now outlined in detail in our final report, is to establish a Global Health and Finance Board under the auspices of the G20. The reasoning is simple: unless we place global health challenges at the heart of regular economic and financial dialogue, we will remain ill prepared for them. And as the pandemic has shown, global health challenges are also economic and political challenges.

This proposal already has the support of several key governments, notably those of the United Kingdom, the United States, France, Italy, and the European Union. Yet for reasons I fail to understand, the BRICS, especially China, seem to be opposed to it. Such resistance makes no sense and will have dire consequences for the rest of the world. It gives me and other longtime champions even more reason to doubt the group’s collective potential. (P.S.)

 

Jim O’Neill, a former chairman of Goldman Sachs Asset Management and a former UK treasury minister, is a member of the Pan-European Commission on Health and Sustainable Development.

quarta-feira, 31 de março de 2021

Ditadura militar: nota zero em democracia, e zero também em economia - Felippe Hermes

 Felippe Hermes

Não há pontos positivos na ditadura – nem mesmo a economia no período

Período marca o início de um intervencionismo sem fim, responsável por produzir a ilusão, que reina até hoje, de que gerou evolução ao país, ao menos no campo econômico

sexta-feira, 13 de julho de 2018

O fardo do Homem Branco: por que sou contra ajuda assistencial - livro de William Easterly

Book review:

The White Man’s Burden: Why the West’s efforts to aid the rest have done so much ill and so little good
William Easterly 
Oxford University Press (2006)


Review by Simon Maxwell, Director of Overseas Development Institute
https://www.odi.org/sites/odi.org.uk/files/odi-assets/events-documents/961.pdf

Bill Easterly has been criticised – by no less an authority than Amartya Sen – for being ‘swept up by the intoxicating power of purple prose’. Unkind, I think. This book is a hoot from start to finish. Whether he is poking fun at UN jargon on donor coordination, describing his experience with an electric blanket, or citing the ‘bons mots’ of his small children, Easterly is nothing if not entertaining. Add the fact that he segues rapidly from history to statistical analysis to anecdote and back again, and Easterly has delivered a classic page-turner. This is one you can take to the beach. Whether you will want to bring it home from the beach is another matter. There are some readers – foremost among them Jeff Sachs – I would expect to bury the book in the sand or hurl it furiously into the waves. The book is a polemic. It will make most development specialists squirm at some point and require them to wander off for a calming ice cream. 
The argument is laid out over eleven chapters which set out to expand the proposition implied by the subtitle – ‘Why the West’s efforts to aid the Rest have done so much ill and so little good’. The simple answer is that the West – from colonial days through to the modern era of aid – has favoured ‘planners’ rather than ‘searchers’. Planners have optimistic, over-arching goals (‘eliminate world poverty’) and are insensitive to the cultural and political underpinning of long-term development. 
Searchers respect context and empower individuals, especially through markets. Accountability is at the heart of it: ‘The tragedy of poverty is that the poorest people in the world have no money or political power to motivate Searchers to address their desperate needs . . . To make things even worse, aid bureaucrats . . . have the incentive to satisfy richcountry vanity with promises of transforming the Rest rather than simply helping poor individuals.’ (Pgs 146-7) 
It is easy to see where this leads. Easterly is scathing about the Millennium Development Goals as a project, about the Big Push theory which underpins both the UN Millennium Project and the Africa Commission, about the hubris which leads outside experts to think that functioning markets can be created at the stroke of a pen, about the failure to deal adequately with ‘gangsters’ who run some developing countries, and about the ineffectiveness of the international financial institutions (acting as ‘repeat lenders to deadbeat governments’). These problems are not new, we are told. They are deeply rooted in the West’s conceptualisation of the Rest, and have been played out throughout the colonial experience. 
Chapter 8 reviews experience in Africa, Palestine, and the Indian sub-Continent, with a number of ice-cream moments, especially about British incompetence and perfidy. Light relief is provided by a table which counterposes quotations from Robert Owen in 1857 and Jeff Sachs in 2005 (Pg 17). ‘Utopia’, as Easterly argues, ‘is making a comeback’ (ibid). What might be better? That’s a question which Easterly is pre-disposed not to answer: ‘if you think I will now offer a utopian blueprint to fix aid’s complex problems, then I have done a really bad job in the previous chapters at explaining the problems with utopian blueprints’ (Pg 321). However, it is indicative that a whole chapter (Ch 10) is devoted to ‘homegrown development’, with panegyrics on Japan, Hong Kong, Singapore, China, India, Turkey, Botswana and Chile. And when it comes to aid, it turns out that the way forward is not to stop giving it, but rather to make agencies specialise and then use independent evaluation to hold them to account. 
It would also be worth giving vouchers to individuals that they can redeem for services provided by NGOs or aid agencies: market creation from the bottom up. Is this enough? I’m afraid it is not. The reason has little to do with whether it is right to rely on positive description and eschew normative prescription. It is more that the paucity of prescription (markets, vouchers, independent evaluation) is a direct consequence of incomplete analysis. The core argument, though a caricature, is fine as far as it goes. Easterly is not the first to be sceptical about the value of international development targets as more than mobilising slogans. He is not the first to evince cynicism about the way in which the idea of participation has been appropriated by technocrats. 
He is not the first to question whether PRSPs and the apparatus of spending frameworks which follow are quite the panacea proponents once believed. He is certainly not the first to point out that IMF and World Bank conditionality are ineffective tools. And he is not even the first to observe that donors have found it difficult to deal with bad governance and corruption. Heavens, some have even dared to challenge Jeff Sachs - on Russia, on the Big Push, and, most recently, on the Millennium Villages Project. On these themes, Easterly probably has more supporters in his attack on cant than he might imagine, especially within the European development community. However, because these are not unfamiliar themes, it is also the case that there is more to say about them than Bill Easterly might imagine. Take four examples. 
First, Easterly is rightly scathing about the burden of multiple goals (he cites 449 targets in the Sachs Millennium Report) and makes interesting points about responsibility for complex goals being too diffuse. He is also excellent on the intellectual dishonesty of global goals to make HIV/AIDS drugs available to all, ignoring all questions about opportunity cost and the costeffectiveness of prevention versus treatment. He recommends that each aid agency should specialise in one thing only, and avoid the ‘Yosemite Sam’ syndrome of firing in every direction to try and reach all the goals agencies find themselves forced to pursue by the pressure of politicians and NGOs. He could have gone further, drawing on literature in both developed and developing countries about perverse incentives and the negative impact of over-simplified quantitative targets on the public service ethos. If he had looked at the wider literature, he would have discovered that these well-known problems have spawned discussion and experimentation with alternatives. 
He might have explored different ways of raising the level of public control over public agencies (‘voice’) and the idea of contestability in public service delivery (‘choice’). Vouchers may be a part of the answer, but there are other options. Second, on principal-agent problems, the limits to conditionality and the problem of moral hazard, leading to repeat bail-outs of failing governments, Easterly’s preferred solution appears to be the kind of tough love characteristic of US social policy, in which benefits are strictly time-limited. This works for some, no doubt, but not for all, and is an especially risky strategy when whole countries are on the edge of anomie. 
There’s a discussion to be had about whether international human rights legislation would allow the poorest to be abandoned in this way. There is also a literature on both aid and non-aid related alternatives: collective action clauses in debt agreements, chapter-11 type bankruptcy agreements for countries, how to deploy different kinds of aid instruments which reach the poor directly. Some of the instruments about which Easterly is most scathing (for example, the IMF Poverty and Growth Facility, described in the book as ‘Orwellian’ (Pg 206)) were designed specifically to try and tackle principal-agent problems without killing people in the process. To use the kind of purple prose which Easterly himself might adopt, to walk away from incremental improvements of this kind is like saying that rifles should not have safety catches, because if enough people shoot themselves, the survivors will learn to be more careful. Third, on fragile states and poorly governed or corrupt countries, again Easterly is right that there is a problem, but behind the curve on analysis and prescription. Indeed, political analysis, studies on ‘drivers of change’, attempts to come to grips with ‘fragile states’, all these are growth areas in development. Between the limp platitudes of exhortation (‘please don’t shoot your opponents’) and the risky (though not always futile – see Sierra Leone or the Solomon Islands) recourse to armed intervention, there is beginning to be a constructive discussion about direct and indirect support to democratisation and greater political accountability: support for human rights commissions and a free press; investment in audit offices and freedom of information; incentives provided by membership of regional ‘clubs’; even, despite Easterly’s ten-line dismissal of the concept (Pg 129), peer review. Again, Easterly would do well to look at European experience, for example the value of prospective membership of the EU as an incentive to reform in Eastern Europe. And, by the way, the OECD makes extensive use of peer review, with demonstrably positive results. Finally, it is also worth saying that the market paradigm which underpins what prescription there is in Easterly’s thinking is also a topic on which there is more to say. He writes warmly about how ‘markets emerge everywhere in an unplanned, spontaneous way, adapting to local traditions and circumstances . . . (as a result of) the bottom-up emergence of complex institutions and social norms’ (Pgs 53-4). Market reformers fail to take account of the need to build trust over time, of the importance of networks and of indigenous property rights. That’s why ‘you can’t plan a market’ (the title of Ch 3). Perhaps you can’t, but you can certainly ask who gains and who loses from markets, what the market failures might be, and what kinds of public good might be needed for markets to work. Market based development is of course central to all current thinking. However, it is instructive that there is no discussion of market failure in this book that I can find. The index has 22 separate topic entries under markets, including ‘consumer choices reconciled by’, ‘feedback in’, ‘innovation fostered by’, and ‘positive bottom-up market trends’. There is some material about ‘cheating’, as in whether or not traders sell quality goods, but the solution there is again institutional, especially trust and network pressure. So, no risk of monopoly or oligopoly, no coordination failures, no social exclusion problems – and no need for competition policy, trading standards or strategic investment programmes. And we thought the market fundamentalism of the Washington Consensus was dead! 
Bill Easterly would no doubt deride these attempts to move the discussion forward as inconsistent with the central argument: when you’re in a hole, he says, stop digging (Pg 322). However, he himself is in favour of learning by doing and cites with approval Lindblom’s work on ‘disjointed incrementalism’. He also, as it happens, cites many examples of successful aid, ranging from micro-credit, to polio, to water and sanitation. Quite right. Stop sniping, Bill. Come home. You know you belong with us. 

sábado, 10 de novembro de 2012

O fracasso da ajuda ao desenvolvimento, Deutsche Welle


Documentário alemão reflete sobre erros da ajuda ao desenvolvimento

Jochen Kürten
Deutsche Welle, 10/11/2012
Exibido no 20° Festival de Cinema de Hamburgo, o filme “Doce veneno – Ajuda como negócio” registra as consequências da ajuda ao desenvolvimento equivocada na África, no decorrer das últimas décadas.
Süsses Gift– Hilfe als Geschäft (Doce veneno – Ajuda como negócio) é um documentário que deverá desencadear muitas reações adversas na Alemanha, pois ataca diretamente a ajuda estatal ao desenvolvimento. E, para tal, não propõe teses críticas, nem levanta polêmicas contra a inflação desse tipo de iniciativa, mas simplesmente deixa falarem as pessoas in loco. O resultado é uma maior proximidade e verosimilhança.
Peter Heller trabalha há 40 anos com documentários. Na África, já rodou 30 filmes sobre os mais diversos assuntos, do colonialismo aos problemas sociais do continente. Em seus filmes, porém, o diretor sempre manteve o olhar também voltado para seu país, explorando a relação dos alemães com a África.
50 anos de independência
Essa experiência anterior do diretor é um dos trunfos de Doce veneno. Heller, que já esteve em função de seus outros filmes no Quênia, Tanzânia e Mali, pôde recorrer a muito material de seus trabalhos anteriores. Sendo assim, Doce veneno se tornou uma espécie de documentação de longo prazo, que trata do assunto “ajuda ao desenvolvimento” num contexto histórico mais amplo.
Mas o que inspirou o diretor a retomar o tema exatamente agora? “Há 50 anos, muitos países africanos se tornaram independentes”, contou o diretor depois da estreia de seu filme em Hamburgo. “Sempre me incomodaram a dependência e a letargia em que as pessoas caíam, devido á ajuda ao desenvolvimento.”
Mas o que há de errado na ajuda ao desenvolvimento? O que há de errado com a meta de ajudar às pessoas in loco? Heller esclarece não ter nada contra, por exemplo, a ajuda emergencial em caso de catástrofes naturais, embora também aponte irregularidades nestas doações internacionais. “Muitas empresas na UE, nos EUA e no Canadá fazem bons negócios com isso”, afirma. Em Doce veneno, contudo, Peter Heller aborda sobretudo a ajuda de longo prazo concedida pelos países ocidentais, com base em três exemplos.
No Lago Turkana, norte do Quênia, o diretor se deparou com um caso evidente de ajuda ao desenvolvimento mal conduzida. Lá organizações norueguesas tentam há anos auxiliar as vítimas da seca, através de um programa de relocação. Os nômades turkana foram removidos do interior seco para a região do lago e “treinados” para serem pescadores.
Os noruegueses investiram muito dinheiro no projeto e mandaram construir enormes fábricas altamente tecnológicas para a indústria da pesca. “Eles tinham boas intenções”, ressalta Heller, “e queriam inserir os turkana no mercado internacional, muito antes da globalização”. Só que deu tudo errado.
Vitória do calor africano
A fábrica hipermoderna era grande demais, e não adaptada às necessidades da população local. Além disso, não havia energia elétrica suficiente para manter os frigoríficos gigantescos em constante funcionamento. Depois de apenas seis semanas a fábrica foi fechada.
Outro erro cometido pelos mentores noruegueses da ajuda ao desenvolvimento foi subestimar a mentalidade, os costumes e as tradições dos nativos. Pois tão logo os homens e mulheres iam ganhando um pouco de dinheiro com a pesca, investiam o que tinham em gado e retomavam seus hábitos nômades. Três anos mais tarde, os noruegueses também abandonaram o local.
Como mostra o filme de maneira impressionante, hoje os habitantes tornaram-se permanentemente dependentes da ajuda vinda dos países ocidentais. “Quando os noruegueses brancos vão voltar e trazer para cá o progresso?”, pergunta um ancião camponês no filme. A fábrica, hoje uma ruína enorme e monstruosa, é usada como depósito para peixe seco. Apenas recentemente os investidores voltaram a demonstrar interesse pelas instalações.
Fome “made in Germany”
Outro exemplo drástico foi pesquisado por Peter Heller no Mali. Décadas atrás, empresas alemãs lá construíram uma represa enorme, a fim de garantir o fornecimento de água para a agricultura. As intenções eram as melhoras, mas também aqui o tiro saiu pela culatra: 34 povoados foram inundados e muitas pessoas foram desalojadas para regiões menos férteis.
O projeto foi feito para durar de 10 a 15 anos, mas acabou sendo interrompido depois de três anos. Na Alemanha, ocorreu uma mudança de governo e os novos políticos no poder tinham outras prioridades. Hoje, a maioria dos homens deixou a região para migrar para a Europa, enquanto mulheres e crianças passam fome.
Outro projeto documentado por Doce veneno é uma plantação de algodão na Tanzânia, no fim dos anos 70. Heller presenciou quando tudo começou. “Era um projeto-modelo com tratores alemães e bombas de aplicação de agrotóxicos. Falava-se de uma ‘revolução verde’ na época”, recorda. “Revolução verde”, no caso, tinha um significado muito diferente do que tem hoje. Naquele momento, ainda não se falava em proteção ambiental.
“Diziam para simplesmente colocarmos um lenço de papel duplo sobre o nariz, enquanto os africanos espalhavam a substância tóxica”, lembra o diretor. Mas já nos anos 80, o projeto começou a decair. E nos anos 90, a queda nos preços internacionais do algodão puseram um fim à história. A ideia era produzir em grande escala para o mercado mundial, desde o início – um erro fatal.
Pelo fim da ajuda estatal ao desenvolvimento
No filme, Heller não defende de maneira explícita o fim da ajuda estatal ao desenvolvimento, deixando que isso seja, antes, dito através dos comentários e posições tomadas pelos africanos in loco. Em entrevista à Deutsche Welle, no em tanto, ele citou diversos argumentos contra o procedimento.
A ajuda ao desenvolvimento é, em primeira linha, um negócio para empresas ocidentais; há muito dinheiro envolvido; muitos grandes projetos de ajuda ao desenvolvimento não são ajustados às condições locais, argumenta Heller. Dever-se-ia investir recursos sobretudo no setor agrícola; o certo seria plantar e vender alimentos no local, em vez de importá-los dos países ocidentais; e é preciso apoiar as diversas pequenas ONGs, que têm experiência prática nesse campo.
Por fim, o filme de Heller questiona por que os estimados 600 bilhões de dólares de ajuda ao desenvolvimento investidos nos últimos 50 anos não contribuíram para um progresso visível das regiões em questão. As respostas são dadas por encarregados de ajuda ao desenvolvimento, intelectuais, ativistas políticos e comerciantes.
“A ajuda ao desenvolvimento cria uma espécie de letargia”, diz um jornalista africano, que considera o auxílio internacional nocivo e muito perigoso. Segundo ele, a ajuda destrói toda motivação, por vir de fora e não incentivar o esforço próprio. Um exportador africano de algodão conclui: “Cinquenta anos depois da independência dos países africanos, chegou a hora de assumirmos a responsabilidade, e não só esperar até que a ajuda chegue”.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

O terceiro fracasso do Mercosul - Thiago Marzagao

Dispenso-me de comentários, para evitar ter de ser cruel com os governos que nos governam (eufemismo, claro).
Paulo Roberto de Almeida

O terceiro fracasso do Mercosul
Thiago Marzagão
O Estado de S.Paulo, 05 de fevereiro de 2011

Muito já se escreveu sobre o fracasso do Mercosul em alcançar os dois principais objetivos de uma união aduaneira: liberalizar o comércio entre seus países-membros e adotar uma tarifa comum sobre as importações oriundas de terceiros países. O comércio intrabloco segue limitado por um sem-número de barreiras (das quais se destacam as crescentes restrições argentinas a produtos brasileiros) e alguns estudos estimam que a tarifa supostamente comum, na verdade, só é aplicada a cerca de metade das importações do bloco (a outra metade continua submetida a tarifas nacionais, diferentes em cada um dos países-membros). Quando de sua criação, porém, pretendia-se que o Mercosul cumprisse ainda um terceiro objetivo: o de assegurar que a abertura comercial dos anos anteriores não viesse a ser desfeita no futuro. Uma análise do bloco ao longo dos últimos anos mostra que, também nesse aspecto, o Mercosul falhou. Precisamos saber por quê.

Até 1990 a indústria nacional praticamente não enfrentava competição estrangeira alguma: importar só era permitido quando a mercadoria a ser importada não tinha similar nacional e, mesmo nesses casos, as tarifas eram usualmente proibitivas, em especial para bens de consumo. Em 1990, como é amplamente sabido, o governo Collor promoveu substancial alteração desse quadro, reduzindo tarifas e eliminando a necessidade dos infelizes "exames de similaridade" para um grande número de mercadorias. A indústria brasileira foi obrigada a inovar e reduzir custos e passou a poder importar máquinas e equipamentos antes inacessíveis; como resultado, a produtividade da economia brasileira deu um salto - após uma década de estagnação, passou a crescer cerca de 7% ao ano a partir de 1991. Mas como garantir, à época, que essa abertura não viesse a ser revertida? Como garantir que os atores prejudicados pela abertura - empresários e trabalhadores ineficientes, avessos à inovação e à concorrência - não viessem a convencer futuros governantes a restabelecer o regime comercial praticamente soviético que vigia até 1990? O Mercosul foi, em parte, uma resposta a esse problema.

Ao constituir o Mercosul, o Brasil abdicou do direito de decidir seu próprio regime comercial: em 1.º de janeiro de 1995 o Brasil passou a depender da aprovação de Argentina, Paraguai e Uruguai para poder alterar suas tarifas de importação. Dessa forma o Mercosul foi, ao menos parcialmente, uma tentativa de cristalizar e proteger a abertura que havia sido empreendida até então - estratégia a que os cientistas políticos dão o nome de lock in e é adotada por governos do mundo todo, em diversas arenas (estratégias desse tipo podem ser empregadas na consolidação de reformas financeiras, políticas, etc.). No caso do Mercosul, porém, essa estratégia não tem funcionado: a tarifa de importação média aplicada pelo Brasil vem aumentando, resultado da crescente captura do governo pelo lobby protecionista de fabricantes de brinquedos, calçados, têxteis e diversos outros setores. Parte da abertura levada a cabo em 1990 foi desfeita. Por que falhou o Mercosul em prevenir esse retrocesso?

A resposta é que a estratégia de lock in só dá certo quando se amarra a política comercial própria à política comercial de vizinhos interessados em aprofundar (ou ao menos em não reduzir) seu grau de integração à economia mundial. Certamente não é o caso da Argentina, que a todo instante descobre em sua indústria doméstica um novo "setor estratégico" a ser agraciado com formas diversas de proteção comercial (tarifas, dificuldades na emissão de licenças de importação e medidas compensatórias contra supostos casos de concorrência desleal, para citar os instrumentos mais comuns). O último "setor estratégico" identificado pelos argentinos é a fabricação de toalhas e lençóis, o que não nos permite outra conclusão senão a de que nosso principal sócio no Mercosul está disposto a replicar o regime comercial semiautárquico que vigorou no Brasil até 1990. Um sócio desses, naturalmente, não tem o menor interesse em bloquear as invectivas protecionistas do Brasil - ao fazê-lo, estaria deslegitimando suas próprias ações. Prevalece, portanto, a lógica da acomodação: o Brasil não se opõe ao protecionismo argentino, a Argentina não se opõe ao protecionismo brasileiro e, assim, ambos os sócios ficam livres para ceder à pressão de seus respectivos setores ineficientes por tarifas maiores. É uma espécie de pacto da mediocridade.

Uruguai e Paraguai, é verdade, são mais moderados e por vezes relutam em ratificar propostas argentinas e brasileiras que resultem em mais protecionismo. Com frequência cada vez maior, porém, essa relutância é apenas um jogo de cena para extrair benesses do Brasil e da Argentina em outras esferas. Por meio do Fundo para a Convergência Estrutural e Fortalecimento Institucional do Mercosul (Focem), estabelecido em 2005, por exemplo, o Brasil destina anualmente US$ 70 milhões a "projetos de desenvolvimento" paraguaios e uruguaios. Iniciativas como essa dão ensejo ao toma-lá-dá-cá bilateral: é fácil obter o assentimento de Uruguai e Paraguai a qualquer alteração tarifária quando se tem tamanho saco de bondades à disposição. O cidadão brasileiro fica no pior dos mundos: arca com as consequências de tarifas maiores, como consumidor, e com o custo de aprovação dessas tarifas, como contribuinte. Leva o tiro e ainda custeia a bala.

O Mercosul, portanto, fracassou em seus três objetivos fundamentais. A adesão da Venezuela, caso seja ratificada pelo Parlamento do Paraguai (já o foi pelos Parlamentos dos outros três sócios), em nada contribuirá para a reversão desse quadro. Nesse cenário, não há justificativa para a permanência do Brasil no bloco.

DOUTORANDO EM CIÊNCIA POLÍTICA PELA UNIVERSIDADE DO ESTADO DE OHIO, PERTENCE À CARREIRA DE ESPECIALISTAS EM POLÍTICAS PÚBLICAS E GESTÃO GOVERNAMENTAL DO GOVERNO FEDERAL, DA QUAL ESTÁ TEMPORARIAMENTE LICENCIADO. E-MAIL: THIAGOMARZAGAO@GMAIL.COM

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

A "nova geografia comercial", finalmente, não deu em nada...

Durante oito anos, para disfarçar um pouco -- mas apenas um pouco -- a forte inclinação anti-ricos e a opção preferencial pelos pobres (entenda-se, países pobres), ou seja a famosa "diplomacia Sul-Sul", inventou-se uma expressão, tirada do bolso do colete, que parecia ajustar-se às maravilhas nas necessidades legitimadoras desse forte penchant pelo Sul e desse desprezo pelo Norte: a expressão era "nova geografia do comércio internacional".
Por trás dessa infeliz trouvaille, estava uma realidade que na verdade era uma miragem, mas que parecia existir na cabeça dos seus proponentes: a mudança nos eixos do poder mundial pela alteração nos fluxos de bens e serviços, do sentido Norte-Sul (e vice-versa, mas com as inevitáveis conotações coloniais), para um sentido Sul-Sul, ou seja, entre países em desenvolvimento. Essa descoberta "genial" só era uma descoberta para os seus proponentes brasileiros, pois no resto do mundo as realidades eram outras.
Por um lado, os países dinâmicos da Ásia oriental, os emergentes exportadores do Pacífico, já tinham feito a sua própria "nova geografia comercial": eles exportavam aceleradamente produtos manufaturados -- primeiro com marcas e tecnologias ocidentais, depois com suas próprias marcas -- para os países desenvolvidos, no sentido Sul-Norte, portanto, aproveitando -- sem qualquer conotação ideológica, como aqui no Brasil se tentou dar -- todas as oportunidades oferecidas por mercados dinâmicos, consumidores vorazes, e solventes, ou seja, sem problemas de linhas de crédito não honradas, calotes bancários ou comerciais, etc.
Por outro lado, os mercados emergentes dinâmicos também passaram a exportar cada vez mais para outros mercados emergentes e mesmo alguns sub-emergentes, enfim, países em desenvolvimento que se integravam cada vez nos circuitos internacionais (também sem qualquer vezo ideológico).
Só o Brasil insistia no seu arsenal de bobagens: desprezou a promoção comercial nos países ricos, e direcionou todos os seus recursos para os países em desenvolvimento, tentado construir a sua tal de "nova geografia".
Ela acabou surgindo, mas não por obra do governo, que em princípio não exporta nada, pois são os empresários que tem de sair a vender.
Mas a nossa "nova geografia", afinal, não tem nada a ver com a política comercial do governo.
Os outros países mais compraram do Brasil do que este vendeu a eles, e esta é uma realidade elementar, bastando olhar a composição e o direcionamento do nosso comércio de exportação: o Brasil foi comprado, não vendeu commodities, que são cotadas internacionalmente e tem compradores onde quer que existam atividades industriais de transformação, que é exatamente o que fazem os asiáticos, que se alimentam com nossos produtos agrícolas e produzem manufaturados com nossos minérios de ferro e outros primários.
Quando se contar a história real -- não a propaganda, como faz o governo -- de todas as políticas implementadas ao longo dos últimos oito anos, com base em dados fiáveis, não em montagens publicitárias, se poderá separar fato da ficção, e assim superar a nuvem de otimismo delirante que foi despejada sobre nós durante todo esse tempo. Estará então na hora de enterrar as bobagens que nos foram servidas impunemente durante tanto tempo, entre outras, a tal de "nova geografia do comércio internacional".
Paulo Roberto de Almeida

O Brasil e o comércio mundial
ALDO FORNAZIERI
O Estado de S.Paulo, 16 de janeiro de 2011

Uma nação adquire condições de se constituir em potência e de ocupar espaços e funções de hegemonia na medida em que se habilita a exportar excedentes. Esses excedentes podem ser de diversas ordens, mas os principais são: militar, comercial, financeiro, político, diplomático, religioso, populacional, cultural, industrial e tecnológico. O excedente religioso já cumpriu um papel importante nos processos expansionistas, mas as duas formas preeminentes foram a militar e a comercial. Com o fim da 2.ª Guerra Mundial, com o equilíbrio nuclear (ex-União Soviética e Estados Unidos da América) e com a afirmação do Direito Internacional, o expansionismo militar ficou cada vez mais comprimido a partir da segunda metade do século 20. O fim da guerra fria e a interdependência econômica relativizaram ainda mais as possibilidades de uso e de êxito do expansionismo militar. Sua função subsidiária de outras formas de expansionismo, contudo, permanece muito relevante. E nada indica que no futuro não possa vir a ser novamente uma forma prioritária de expansionismo.

A forma por excelência de expansionismo que se foi firmando no século 20 e, particularmente, no pós-guerra fria foi a comercial. Essa estratégia já estava inscrita de maneira consciente no processo de fundação dos Estados Unidos como nação independente e foi ratificada de modo eficaz na transição do século 19 para o século 20, com a preparação de uma poderosa diplomacia comercial.

Definido este preâmbulo e tomando como recorte apenas os últimos 20 anos, quando se iniciou a abertura econômica e comercial brasileira, cabe perguntar: o Brasil tem uma estratégia de expansão comercial? A resposta, stricto sensu, é não. Em que pese a triplicação das exportações nos últimos oito anos, nem mesmo no governo Lula foram dados passos significativos para a constituição dessa estratégia.

Durante o governo Lula o Brasil, certamente, ganhou mais peso e relevância internacionais. Isso, contudo, se deveu mais à exportação de um ativismo político-diplomático e à diplomacia presidencial, o que foi muito importante, do que a uma coerente, objetiva e realista política comercial. Mas se fazer uso do protagonismo de um estadista carismático é um instrumento expansionista válido, a força e a grandeza de uma nação perante as outras precisam se fundar na evidência interna e externa de seu poderio. O fato é que, no que tange ao comércio, o Brasil tem pouco peso, estando sua participação global em torno de 1% apenas.

Outro fator que vem projetando relevância do Brasil no mundo é o dinamismo interno de sua economia e a adoção de políticas macroeconômicas prudentes. Mas, tendo em vista que a expansão da economia pelo dinamismo interno não é infinita - ela se define pelo processo de superação da pobreza e ampliação do consumo -, o País não pode negligenciar a ocupação de espaços externos de comércio e de multinacionalização de empresas - que é um fator que o dinamiza. Uma das regras da globalização mostra que os Estados e as economias que não se internacionalizam passam a sofrer impactos estratégicos negativos do sistema interdependente.

Em certo sentido é possível dizer que as exportações brasileiras cresceram, nos últimos anos, apesar da política externa, contaminada por um viés ideológico. O Brasil cresceu como exportador a partir daquilo que a natureza lhe dá como possibilidade imediata de potência: commodities, agricultura, agroindústria. A proporção de produtos exportados de alta, média e baixa intensidade tecnológica vem caindo, o que indica que o País não se está habilitando no que diz respeito à competitividade baseada no conhecimento e na tecnologia.

Em termos comparativos, a China vem se tornando um gigante exportador perfazendo um caminho diverso: adota uma crescente estratégia de inserção global desde o início da década de 1980, vem criando um sistema sino-cêntrico de comércio mundial e exporta produtos com valor agregado, mesmo que sejam intensivos em mão de obra barata. Nesses termos, sabendo que existe um grau de autonomia entre política comercial e política externa, pode-se estabelecer que, se um dos objetivos centrais do Brasil no mundo globalizado deve ser sua expansão comercial, a política externa deve estar a serviço desse objetivo, e não o contrário - a subordinação da política comercial à política externa.

A ausência de uma estratégia de expansão comercial pode ser percebida em outro lugar: a precária infraestrutura e os custos portuários e de logística. Não existem no País plataformas logísticas modernas de exportação. A própria legislação é, em vários casos, um entrave às exportações. E apesar de o Brasil ter sido um dos mais ativos demandantes de investigações na Organização Mundial do Comércio (OMC), é possível dizer que não existe uma sólida política de defesa comercial.

O Brasil não patrocinou tratados de livre-comércio, bilaterais ou multilaterais, nos últimos 20 anos. O nosso vizinho Peru é um caso prolífico e bem-sucedido na aplicação de tratados de livre-comércio. Chama a atenção também a forma pouco prática como o nosso país vem tocando suas relações com a América do Sul e a América Latina. O Mercosul é um ente que se vem arrastando ao longo dos anos, com poucos avanços. Em relação à América do Sul, não há uma aposta efetiva e coordenada no sentido de integrar a região em termos comerciais, energéticos, infraestruturais, de investimentos, serviços e mercado de capitais. Já quanto à América Central e ao México, as relações vão pouco além da declaração de intenções. Com os Estados Unidos passamos à condição de deficitários. O México tem mais de 100 milhões de habitantes e o nosso comércio bilateral gira em torno de apenas US$ 5 bilhões. A América Latina tem mais de 500 milhões de habitantes, o que faz da região um mercado global considerável.

Enquanto a China está cada vez mais presente com objetivos claros nos países da região, não se vê o Brasil fazendo o mesmo.

DIRETOR ACADÊMICO DA FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO (FESPSP)

==============

Comércio exterior do País depende de cinco produtos
O Estado de S.Paulo, 15 de janeiro de 2011

O jornal Valor mostrou há poucos dias como as exportações do Brasil dependeram de um número reduzido de commodities e também do mercado chinês: cinco commodities (minério de ferro, petróleo bruto, complexo soja, açúcar e complexo carne) representaram no ano passado 43,3% do total das exportações, compradas essencialmente pela China.

O Brasil virou exportador de commodities, enquanto durante muitos anos procurou criar uma indústria capaz de substituir os produtos manufaturados importados - o que, nos últimos anos, parecia uma tentativa bem-sucedida. Ora, o que aparece é um crescimento constante da participação de cinco commodities no total das exportações. Tais produtos, em 2004, eram responsáveis por 20,04% das exportações, e essa participação mais que dobrou até 2010.

O minério de ferro é o grande responsável por essa evolução, e seu preço em dezembro de 2010 era 142,2% maior do que no mesmo mês de 2009, e o volume exportado, 27,2% maior. O mercado chinês é o maior comprador do minério, cuja exportação, que cresceu regularmente nos últimos anos, representou 4,53% das exportações totais em 2004 e 14,3% no ano passado.

Convém notar que a China está comprando minas de minério de ferro ao redor do mundo, para assegurar seu abastecimento, ao mesmo tempo que está constituindo estoques com a perspectiva de forçar uma baixa dos preços dessa commodity no futuro, uma vez que a sua produção de aço deverá se estabilizar em um prazo não muito longo.

Um outro produto que teve forte elevação de preço foi o açúcar, mas com flutuação ao longo do período, indicando que a sua exportação é muito ligada às condições climáticas.

O petróleo bruto também exibiu um forte aumento nas exportações: sua participação no total passou de 2,62% em 2004 para 8,48% no ano passado. Podemos imaginar que essa participação vai aumentar com a exploração do pré-sal, mas é provável que seu preço cairá.

O Brasil apresenta uma diferença dos outros países exportadores de commodities: tinha realizado com sucesso uma política de substituição das importações de produtos manufaturados, mas desde o ano passado a sua produção industrial estagnou, enquanto aumentavam os componentes importados na sua produção, e a participação de manufaturados no total das exportações caía de 44,0%, em 2009, para 39,4%, no ano passado, crescendo apenas 17,7%, para um crescimento total de 31,4%.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Falencia da Assistencia Oficial ao Desenvolvimento

Lendo o jornal The Guardian, nesta véspera de eleições britânicas, deparo-me com um artigo sobre o papel da política externa na campanha, ou melhor, no cenário político governamental inglês.
O autor, Dennis MacShane, argumenta, em "We ignore foreign policy at our peril" (May 4, 2010), que muitas coisas estão erradas na diplomacia britânica, o que como sempre ocorre, pode provocar um artigo prefeitamente contrário, defendendo a atual politica e recomendando maior ativismo internacional.
Destaco, porém, apenas um trecho desse artigo, para demonstrar um ponto que me ocupa, atualmente. Ele se refere à cooperação internacional para o desenvolvimento, um dos temas "nobres" da diplomacia do New Labour (e provavelmente também dos Conservadores), já que todo parece estar de acordo em que se deve "aumentar os esforços e a transferência de recursos para os países em desenvolvimento".
Eis o trecho:

It is 50 years since Harold Macmillan's Wind of Change speech and France, too, is celebrating the half-century of granting nominal independence to all its African colonies. Now China is recolonising Africa as Beijing scrambles to buy raw and precious materials and put African leaders on its payroll.
The Department for International Development (DfID) was set up with great fanfare 13 years ago and now has the lion's share of UK spend on international policy. But poverty, corruption and malnutrition has gone up not down in the countries where DfID operates. Meanwhile the BBC World Service faces a 25% cut in its budget as funds are diverted to pay for Adam Smith's overseas operation from the swollen DfID budget. Will Britain continue to replace statecraft by aidcraft?


Como estou lendo atualmente o livro de William Easterly, The White Man's Burden, sobre o fracasso da ajuda oficial ao desenvolvimento, permito-me reforçar esta frase, que concorda com os argumentos de Easterly sobre a inocuidade, e talvez o malefício da AOD: "...poverty, corruption and malnutrition has gone up not down in the countries where DfID operates."

William Easterly certamente concordaria: dos US$ 2,3 trilhões transferidos para os países em desenvolvimento, nos 20 anos de 1985 a 2005, provavelmente uma boa parte acabou em contas privadas, talvez em bancos suíços, ou simplesmente foi gasta inutilmente. Os países que receberam essa ajuda não estão melhor do que os que se viram por conta própria.
Voltaremos ao assunto...
Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 5 de maio de 2010)