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segunda-feira, 1 de abril de 2024

O governo Lula tem de fazer mais para despolitizar as Forças Armadas brasileiras, porque aqueles que estiveram envolvidos nos planos golpistas permanecem quase todos impunes” - Entrevista Oliver Stuenkel (Visão)

 O governo Lula tem de fazer mais para despolitizar as Forças Armadas brasileiras, porque aqueles que estiveram envolvidos nos planos golpistas permanecem quase todos impunes”

Entrevista Oliver Stuenkel

Revista Visão, 30/03/2024

https://visao.pt/ideias/2024-03-31-o-governo-lula-tem-de-fazer-mais-para-despolitizar-as-forcas-armadas-brasileiras-porque-aqueles-que-estiveram-envolvidos-nos-planos-golpistas-permanecem-quase-todos-impunes/

É um académico que sabe e adora comunicar. Nas redes sociais e em órgãos de comunicação social de referência (The New York Times, Foreign Policy, Americas Quarterly, El País, ZDF, Globo) é capaz de comentar – em português, inglês ou alemão – o que se passa no mundo e também no país onde escolheu viver, o Brasil. Professor e investigador na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, Oliver Stuenkel, nascido há 42 anos em Dusseldorf, especializou-se nos desafios colocados pelos países do chamado Sul Global ao Ocidente.

Escreveu há poucas semanas [na Foreign Policy] que uma das ações menos conhecidas da administração de Joe Biden tem a ver com a forma como se envolveu na disputa eleitoral entre Lula da Silva e Jair Bolsonaro. Os EUA salvaram a democracia brasileira?
Em primeiro lugar, é importante lembrar o papel que alguns outros atores tiveram nesse processo. Em particular, a mobilização da sociedade civil. Essa dinâmica interna tem de ser destacada. Porém, através de uma série de conversas e entrevistas com especialistas em assuntos militares, com políticos e diplomatas brasileiros, começámos a perceber que a pressão dos Estados Unidos ao longo do ano 2022 parece ter sido crucial para dividir e alertar alguns elementos golpistas nas Forças Armadas brasileiras. Os EUA fizeram saber que não aceitavam uma rutura democrática no Brasil. Criou-se um ambiente muito hostil a esse tipo de ação, ao contrário do que se verificou em 1964 [Washington apoiou a conspiração e o golpe contra o então Presidente João Goulart, instaurando um regime militar que vigorou até 1985].

Como se exerceu a pressão americana?
Boa parte ocorreu nos bastidores. Sabemos das viagens dos dirigentes dos EUA. É muito raro que, num período eleitoral, o chefe da CIA, o secretário da Defesa, o conselheiro de Segurança Nacional, entre outros, visitem o mesmo país. Sabemos hoje que, para o setor antidemocrático das Forças Armadas brasileiras, a falta de apoio dos EUA foi um fator-chave. O ex-vice-presidente do Brasil, depois da derrota eleitoral, explicou aos seus seguidores que não havia mais nada a fazer. Ele sabia que uma parte da população desejava que as Forças Armadas dessem um golpe de Estado.

Está a referir-se ao general Hamilton Mourão?
Sim. Ele veio dizer [aos bolsonaristas] que entendia a insatisfação, mas que o ambiente internacional não o permitia. Outra explicação importante. Os EUA não pressionaram para que existisse uma vitória do Lula, pressionaram para que os generais reconhecessem o resultado eleitoral.

Para que houvesse respeito pela vontade popular?
Exato, e isso é muito significativo.

Porquê?
Por norma, vemos o envolvimento dos EUA com muito ceticismo, a perceção é de que só ocasionalmente defendem a democracia. Por terem vários regimes autoritários como aliados. Parece-me que Washington não queria uma rutura democrática no Brasil, talvez por recear um maior ostracismo brasileiro no Ocidente e isso facilitar a atuação chinesa no maior país da América do Sul. A China não se preocupa se os seus parceiros têm governos democráticos ou respeitam os direitos humanos. Com frequência, consolida a sua influência em Estados em situação de isolamento. Vejamos o que aconteceu com a Venezuela, com a Rússia e com uma série de países africanos que estão sob sanções ocidentais…

Interesses estratégicos…
Por um lado, evitar essa abertura estratégica à China; por outro, o fator Trump. Jair Bolsonaro posicionou-se como um dos principais fãs do ex-Presidente americano e questionou a legitimidade das eleições, em 2020. Para a administração Biden era muito importante evitar uma escalada autoritária na maior democracia do subcontinente.

Podemos dizer que a estrutura do Estado brasileiro já está desbolsonarizada? Os generais golpistas foram afastados?
Houve avanços, mas é um processo longo. Há que dizer que o Brasil, desde a sua independência, vive numa tensão permanente entre civis e militares. Vimos como logo no início do século XX – com o tenentismo – se criou a ideia de que os militares são mais patriotas, mais comprometidos com a nação, mais competentes, menos corruptos e que podem envolver-se em aventuras democráticas. Em momentos de crise, quando os civis se comportam de forma irresponsável, permanece essa ideia de que os militares precisam de atuar. É uma visão profundamente paternalista, como se os civis fossem crianças e os militares os adultos que precisam de intervir e supervisionar o que acontece. Isto é algo que um só governo não consegue eliminar.

Como assim?
É preciso demitir generais, afastar quem não denuncia situações graves. Como dizemos no Brasil, “o buraco é mais em baixo”. É uma questão que tem a ver com a educação e a formação dos militares, é preciso mudar os currículos nas academias. As nossas Forças Armadas nunca reconheceram de forma explícita as violações cometidas durante a ditadura [1964-1985] e isso deve-se ao processo de transição para a democracia, que foi excessivamente harmonioso.

Lula gostaria de ser um ator internacional como Modi, que tem um papel-chave na contenção da China. Só que a Índia é uma potência nuclear e tem o espaço de manobra estratégica que falta ao Brasil

Harmonioso?
Não teve nada a ver com o que aconteceu na Argentina, nos anos 80, em que houve um colapso moral das Forças Armadas e uma grave crise económica devido à guerra com o Reino Unido, como retrata o filme Argentina 1985[realizado por Santiago Mitre e protagonizado por Ricardo Darín]. No Brasil foi diferente. Foram os generais que conduziram a transição e ditaram que não haveria aquilo que eles designavam como “caça às bruxas”. Essas exigências foram cumpridas e, 35 anos depois, surge um indivíduo [Bolsonaro] com uma narrativa enviesada e romantizada da ditadura militar.

Que pode então ser feito?
O governo Lula tem de fazer mais para despolitizar as Forças Armadas, porque aqueles que estiveram envolvidos na elaboração de planos golpistas, aqueles que planearam a violência de 8 de janeiro de 2022, permanecem quase todos impunes.

Há processos a decorrer…
São processos simbólicos. Uma coisa é condenar cidadãos que estiveram em Brasília a destruir propriedade pública, outra coisa são os generais. Por enquanto, tudo indica que esses oficiais de alto escalão sairão ilesos. Temos o direito de questionar se algum general, se algum coronel, será expulso, será preso… No Brasil, o controlo civil sobre as Forças Armadas é muito mais recente do que parece. Só se criou um Ministério da Defesa em 1999. Antes, as chefias militares tinham assento no gabinete presidencial e faziam automaticamente parte do governo. O primeiro responsável pela pasta da Defesa com competência direta para decidir, por exemplo, orçamentos militares, foi Nelson Jobim [2007-2011]. Os outros cinco ministros civis que o antecederam não tinham poder nenhum.

Com Lula, a diplomacia brasileira voltou a ser “ativa e altiva”?
Esse conceito concebido por Celso Amorim [ex-ministro dos Negócios Estrangeiros e atual conselheiro do Presidente] voltou a ser recuperado logo a seguir às eleições de 2022. Ainda antes de tomar posse, em novembro desse ano, Lula foi ao Egito, à Cimeira do Clima, anunciar: “O Brasil está de volta.” De certa forma, é verdade, devido ao isolamento internacional causado por Jair Bolsonaro. O país deixou para trás a abordagem trumpista e de abandono do multilateralismo. Está novamente envolvido no combate às mudanças climáticas, regressou ao G-20, recebeu convite para participar no G-7…

Não é estranho que o Brasil tenha três grandes atores na sua política externa – Lula, Celso Amorim e Mauro Vieira [ministro dos Negócios Estrangeiros]? Que nem sempre parecem estar em sintonia…
Do ponto de vista geopolítico, está de volta, está mais ambicioso do que no tempo de Bolsonaro. Neste momento, tem uma abordagem que alguns chamam de não alinhamento, outros de multialinhamento, de neutralidade estratégica, de equidistância face às principais potências. É um caminho cada vez mais difícil num ambiente de grande turbulência geopolítica, com as relações entre os EUA e a China, ou entre a Rússia e o Ocidente, a piorarem. Claro que o Brasil quer manter e fortalecer os laços com o Ocidente, mas é o maior comprador mundial de diesel russo e também um dos maiores importadores de fertilizantes da Rússia. Lula já disse explicitamente que quer que Vladimir Putin esteja na cimeira dos G-20, no Rio de Janeiro, em novembro.

Um anúncio surpreendente…
O Brasil assinou o Estatuto de Roma [acordo que permitiu criar o Tribunal Penal Internacional e que entrou em vigor em 2002] e, portanto, em princípio, terá de prender o Presidente russo se este entrar em solo brasileiro. Isto parece o novo normal do Brasil. Em alguns momentos, parece estar do lado do Ocidente; em outros, não. Creio que existe uma intenção de aparente neutralidade, mas depois há a parte retórica. Lula gosta de falar de improviso, os assessores dele ficam em desespero. As palavras importam, pesam e muitas vezes atrapalham. Já tivemos afirmações dele muito controversas, das quais discordo em absoluto – sobre Zelensky e a Ucrânia, sobre Maduro e a Venezuela, sobre Israel e o Holocausto.

Lula está a comprometer a capacidade do Brasil de mediar alguns conflitos? Ou está a tentar ser o líder do Sul Global?
Ele gostaria de envolver mais o Brasil nas grandes questões. Sem dúvida que as nações do Sul Global têm de se sentar à mesa na hora de debater a reforma das instituições internacionais. O diretor do FMI tem de continuar a ser sempre um europeu? O presidente do Banco Mundial tem de ser americano? Os EUA e o Ocidente ainda ditam demasiadas condições. Porém, o que pode o Brasil fazer pelo futuro da Ucrânia? Conversei recentemente com dirigentes ucranianos e, na perspetiva deles, os governantes brasileiros demonstram ignorância sobre o conflito.

Um comentário que, presumo, lhe tenha sido feito na Conferência de Segurança de Munique [16-18 fevereiro].
Já antes ouvira algo assim. Em Munique não houve sequer uma participação brasileira de alto nível, com ministros e o Presidente [Lula estava na Etiópia, na Cimeira da União Africana]. A perceção na Ucrânia e no Ocidente é de que o Brasil tem simpatia pela Rússia.

Como é que Lula pode contrariar essa perceção?
Um dos países que inspiram o Brasil é a Índia. Narendra Modi [primeiro-ministro da Índia] também se posiciona de forma ambígua, compra armas e energia russas, mas é visto como um aliado do Ocidente. Creio que Lula gostaria de ser um ator internacional como Modi, que tem um papel-chave na contenção da China. Só que a Índia é uma potência nuclear e tem o espaço de manobra estratégica que falta ao Brasil.

Daí os entendimentos nos BRICS?
Os BRICS tornaram-se um instrumento-chave da política externa brasileira. Até Bolsonaro, que se apresentou como o candidato pró-EUA e anti-China, acabou por abraçar os BRICS – estava tão isolado no Ocidente, que se virou para os BRICS como uma espécie de seguro de vida diplomático. Mas a única coisa que une esse grupo é o incómodo com a liderança internacional dos EUA. Só que o Brasil possui uma visão reformista, não revolucionária, das organizações internacionais existentes. Por isso se opôs ao alargamento dos BRICS. Lula não quer pertencer a um clube antiocidental. Na próxima cimeira, em outubro, na Rússia, Putin pode ter a seu lado os presidentes do Irão, da Síria, da Bielorrússia…

O que pensa do fracasso das negociações entre a UE e o Mercosul?
Uma oportunidade perdida para todos. Parte das preocupações ambientalistas europeias em relação ao acordo é um protecionismo velado, porque não o assinar não vai preservar um centímetro de floresta no Brasil. Pelo contrário. O Brasil teria de adotar padrões ambientais muito mais exigentes. A alternativa é que o Brasil amplie agora o seu comércio com a China, que se importa muito menos com as questões ambientais.


sábado, 20 de janeiro de 2024

O Brasil que não deveria ter voltado - Editorial Estadão

 O Estadão é implacável com a imbecilidade ruinosa de Lula ecdis petistas: querem refazer o desastre: (PRA)

O Brasil que não deveria ter voltado

Editorial, O Estado de S. Paulo (19/01/2024)

No momento em que nenhuma petroleira no mundo ousa investir em novas refinarias, Lula pretende apostar suas fichas na retomada das obras de Abreu e Lima para reescrever o passado

O presidente Lula da Silva decidiu retomar as viagens pelo interior do País. O roteiro passou por Ipojuca (PE), para celebrar as obras de ampliação da Refinaria Abreu e Lima. Para Lula da Silva, não há melhor local para anunciar aos quatro ventos que “o Brasil voltou”. O problema é que o Brasil que está de volta é o Brasil que jamais deveria ter voltado.

Na ânsia de ampliar investimentos e gerar empregos, Lula, em seus dois primeiros mandatos, decidiu que faria da Petrobras um braço a serviço do governo para a execução de grandiloquentes (e caríssimos) planos para supostamente impulsionar o desenvolvimento nacional. Vários projetos ambiciosos foram anunciados, como o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), as Refinarias Premium I e II, no Maranhão e no Ceará, e a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco.

A ideia era obter a autossuficiência na produção de combustíveis e reduzir seus preços, aproveitando-se da posição dominante da companhia nesse mercado. O que o governo deliberadamente desconsiderava é que os derivados de petróleo flutuam conforme a cotação do barril no exterior e o comportamento do câmbio, fatores fundamentais para definir a viabilidade econômica de cada projeto.

Como uma empresa de capital misto, a Petrobras submeteu as propostas ao Conselho de Administração, que teria condições de avaliar seus custos e benefícios e o enquadramento na estratégia de atuação da empresa. O governo, no entanto, abusou de sua participação majoritária na companhia para impor suas vontades aos acionistas privados.

Lembrar esse contexto é extremamente relevante no momento em que o governo tenta reescrever a história recente. Na versão petista, não fosse a operação liderada pelo juiz Sérgio Moro, todas as obras da Petrobras teriam sido concluídas e o País estaria em outro patamar de desenvolvimento econômico.

Na delirante versão petista, Moro teria usado a Lava Jato para minar o crescimento do País e da petroleira para atender a interesses norte-americanos. Dado que a investigação caiu em total descrédito, nada mais justo que retomar os planos originais. A fábula de Lula ignora o fato de que a Petrobras já estava em maus lençóis antes mesmo da criação da malfadada força-tarefa de Curitiba.

A desaceleração da economia chinesa a partir de 2009 derrubou os preços das commodities, inclusive do petróleo, e corroeu boa parte do retorno dos projetos da Petrobras. Como se não bastasse, a companhia passou a ser usada como instrumento para controle da inflação, vendendo combustíveis a preços inferiores aos cobrados no exterior. A desvalorização do câmbio agravou os prejuízos e levou seu endividamento a níveis insustentáveis. Sem condições de se financiar, as faraônicas obras começaram a atrasar, e algumas nunca foram iniciadas.

Não havia como a Petrobras conciliar as duas funções que o governo esperava dela – ser um braço dos investimentos e um instrumento da política monetária – sem perder muito dinheiro. Nessa toada, entre 2011 e 2014, a Petrobras acumulou prejuízos da ordem de R$ 100 bilhões, muito mais que as perdas reconhecidas em balanço em razão das descobertas da Lava Jato, de cerca de R$ 6 bilhões.

No caso de Abreu e Lima, houve outras agravantes. A parceria com a venezuelana PDVSA, anunciada em 2005 por Lula e o caudilho Hugo Chávez, nunca foi formalizada, e o ônus da refinaria ficou todo com a Petrobras. O custo de construção explodiu, as obras se arrastaram por nove anos e os executivos das construtoras relataram superfaturamentos e propinas a diversos partidos no esquema do petrolão.

Por fim, a capacidade instalada foi reduzida à metade do projeto original, o que fez de Abreu e Lima uma das refinarias mais caras e menos produtivas do mundo – tanto que a Petrobras, quando quis se livrar do ativo, não conseguiu vendê-lo a ninguém.

Agora, quando nenhuma empresa no mundo ousa investir em novas refinarias, é nesta obra que o governo pretende apostar suas fichas. Seja porque pretende se vingar da turma da Lava Jato, seja porque quer reescrever a história, Lula retoma um projeto que deveria custar US$ 2,5 bilhões, consumiu quase US$ 18,5 bilhões, deveria ficar pronto em 2011 e permanece inacabado, tornando-se símbolo da húbris lulopetista que arruinou o País.

sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Lula e os riscos do imobilismo - Roberto Amaral (comentário inicial Paulo Roberto de Almeida)

 Raramente concordo com Roberto Amaral e quase nunca partilho de suas análises eivadas de recomendações ingenuas tipicas da esquerda estatista, mas permito-me transcrever seu artigo mais recente (9/11/2923), apenas para sinalizar o grau de apreensão nas hostes favoráveis ao governo lulooetista em torno da gravidade da situação, que ele sinaliza como “imobilismo”, e eu como ausência completa de consciência sobre o que fazer, além de mais do mesmo, que no caso quer dizer intervenção estatal no mais alto grau. Vsmos a pique?

Paulo Roberto de Almeida (10/11/2023)


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Lula e os riscos do imobilismo

Roberto Amaral*

Há exatamente um ano a república afastava de sua intimidade a ameaça do projeto protofascista, representada pela possibilidade concreta da reeleição do capitão Bolsonaro.  Como a república de 1946 com seu liberalismo weimariano era a resposta lógica da democracia à ditadura do “Estado Novo”, o retrocesso encaminhado em 2018 (desdobramento, por seu turno, do golpe de 2016), seria o reverso da plenitude democrática oferecida pelo regime da Constituição de 1988, vencidos os 21 anos da ditadura militar instaurada em 1º de abril de 1964, cuja ideologia, contudo,  renascera como chorume.

Em 2022 o fantasma que nos rondava como presságio de uma tragédia iminente era a promessa do aprofundamento do regime autocrático, de índole militar e reacionária, intrinsecamente autoritário e antinacional que haviam sido os quatro anos do bolsonarismo, doravante – e isso nos atordoava os democratas de todos os matizes – referendado pelo pronunciamento da soberania popular. E sabemos todos como foi difícil transpor o Rubicão do dia 30 de outubro de 2022!  Ao fim e ao cabo logramos proclamar  a vitória da  institucionalidade democrática (que assim muito fica a dever à esquerda brasileira), e ao invés da conservação autoritária temida, no 1º de janeiro quem subiu a rampa foi a promessa de um governo nascido nas lutas sociais e marcadamente comprometido com a centro-esquerda brasileira  que começou a se articular a partir das memoráveis jornadas  de 1989.

Temos, pois, o que comemorar, mas esta não é a história toda, pois na difícil vitória eleitoral, fecho de uma campanha despolitizada em país já naquela altura tanto ou mais polarizado quanto em 1964, não houve espaço para o debate ideológico, de modo que não se ensejou às forças socialistas e de esquerda em seu painel mais amplo a exposição de suas críticas ao sistema capitalista e a defesa de suas teses fundamentais. Pôde assim  disputar o voto (a despolitização foi a um tempo uma imposição das condições da campanha e uma opção tática), e fê-lo bem, mas não lhe foi possível conquistar “corações e mentes”. O objeto, afinal, não era a construção de uma nova sociedade, mas impedir a continuidade do bolsonarismo na presidência. E, certificaram os fatos, não se tratava de tarefa fácil. Ademais, os sucessos eleitorais a partir de 2002  se mostraram mais concretos e desfrutáveis que as vitórias políticas, como a de 1989, e logo a esquerda trocou o proselitismo de longo prazo pelos frutos do imediato ensejados pelo eleitoralismo.

Por todas as razões demonstráveis, o fato objetivo que se oferece à análise é que, vencidos o pleito, a intentona de janeiro e as primeiras tentativas de desestabilização do novo governo, e nada obstante o que as investigações policiais e judiciárias vêm revelando da domesticidade do bolsonarismo, a direita fascista e golpista, seu campo, permanece forte, organizada e politicamente ativa, mantendo  vínculos os mais estreitos com a caserna, a Faria Lima, o agronegócio e o neopentecostalismo atrasado, enquanto partilha o controle do Congresso com o Centrão e todas as catervas de assaltantes do erário, e por seu intermédio manipula o Orçamento da União. Governa Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Nada menos de 67%do PIB nacional! (Dados do IBGE para 2020). Esta é a república em que se transformou o sonho dos constituintes de 1988, e, nas contingências presentes, ponderadas as ilusões e os pesadelos,  ainda devemos  saudar sua sobrevivência e protestar o compromisso de defendê-la.

Eleito, Lula é jungido a governar em um regime transformista, que, se não é mais o presidencialismo da ordem constitucional, ainda não é um parlamentarismo de fato, ou  consensual (como foi o do Segundo Reinado), embora o presidente da república de hoje, para governar ou simplesmente conservar a faixa,  seja obrigado a compartilhar o poder executivo com o presidente da Câmara dos Deputados, como se fôra este um primeiro-ministro, funções nas quais se investe (exercendo-as de fato), diante da fragilidade parlamentar da base  governista. Mas não o faz por espírito republicano, senão para mercadejar votos de curral inominável  em troca do acesso à máquina pública que enseja ao administrador desonesto o acesso às tetas  do erário. 

Como lembrava o sábio Conselheiro Acácio, as consequências  vêm depois, mas, em nosso caso, elas já marchavam a galope no rasto das negociações dos feiticeiros do Planalto. Incumbidos de adquirir votos na câmara e no senado ao preço da cessão de ministérios (e verbas) e bancos sociais como a Caixa Econômica Federal ao Centrão, terminaram pondo em jogo a própria alma do governo, mergulhado em crise existencial.  

O ministério de hoje – um caleidoscópio de forças de esquerda, centro, direita e uma caterva de parasitas dos mais diversos matizes e especialidades  é, já, um ministério velho e envilecido pelas aquisições bastardas. Sem unidade política, ideológica ou programática, sem unidade de princípios, será sempre um ministério pro tempore, aberto a implantes e transplantes sempre que uma votação decisiva atiçar o ânimo chantagista do Centrão e seu Capo dei capi, que acumula essas relevantes funções com as de presidente da Câmara dos Deputados.

Na insegurança tática, a alternativa presente parece ser adiar as decisões estratégicas. Fica para outros tempos menos severos, por exemplo, a decisão hamletiana entre arrocho fiscal ou déficit zero (cobrado pela banca e seus porta-vozes na grande imprensa),  ou o investimento visando ao desenvolvimento econômico, de cujo pleito Lula fez uma razão de vida.

Este é o lado mais visível da crise do poder institucional, mas o presidente precisa ouvir, e ouvir com muita atenção, e em seguida ceder  generosos espaços de interesse a outros agentes consócios do sistema, embora alheios à soberania popular: a caserna, a Faria Lima,  o Banco Central e os grandes meios de comunicação, aparelhos ideológicos do grande capital. Ou seja, o Palácio do Planalto repousa tão-só naqueles dias em que deveria receber as centrais sindicais, os movimentos sociais de modo geral. Mas se esse vácuo enseja um pouco de distensão, consideradas as pautas sempre pesadas do dia a dia, a ausência dos trabalhadores, ademais de indicar as limitações de nosso pacto democrático, deixa o presidente mais distante das forças populares, o único instrumento de que dispõe para vencer o círculo de giz caucasiano no qual o sistema pretende retê-lo, como se a correlação de forças hoje desfavorável fosse ora uma fatalidade decretada pelo Olimpo, ora  um determinismo histórico, em todo caso irremovível pela forca humana. Quando não é nem uma coisa nem outra, senão uma contingência que sempre pode ser enfrentada por um governo originário da mobilização das grandes massas poulares.  

Muitas podem ser as razões do erro, do nosso governo,  nas relações com o castro,  que por fim estimulam a indisciplina e favorecem   o espírito de corpo que  caracterizam o papel do militar brasileiro, desafeito aos seus deveres constitucionais e funcionalmente desaparelhado para a única função que justifica o alto custo da caserna: a defesa nacional. Mas é difícil entender a decisão política de legitimar o abominável art. 142 da Constituição, ao invocá-lo para uma vez mais levar as forças armadas  – repetindo erros crassos – a atuarem no Rio de Janeiro como auxiliares da polícia fluminense no combate ao crime organizado, no contrapelo de sua destinação precípua, que é a defesa da soberania nacional. E o faz em momento o mais grave do cenário internacional, conturbado pelas disputas hegemônicas que acentuam a crise geopolítica internacional, com guerras localizadas, guerras de conquista e violações de soberania que podem estar anunciando um conflito generalizado, em face do qual as forcas armadas de hoje, peças do Estado brasileiro, não têm condições, sejam politicas e ideológicas (é notória a dependência do pensamento de nossos oficiais em relação ao Pentágono), sejam de treinamento, qualificação e domínio tecnológico de armas e munições

O fascismo cresce no mundo. No Brasil, avança contando com o apoio das instituições estatais, da omissão das esquerdas de um modo geral, o que se revela na renúncia à ação e ao combate ideológico, tendência que se vem consolidando desde os avanços eleitorais de 2002, que ainda hoje servem de defesa para os fracassos políticos de 2016 e 2018,  que tanto contribuíram para o desastre eleitoral que foram as últimas eleições proporcionais, levando o atual governo  pagar o preço que se conhece e o preço que se pode  estimar.

 O quadro conhecido de nosso continente -- vivemos as angustiantes dúvidas quanto ao pleito argentino --  indica uma quase reversão de expectativas, se considerarmos o mapa político contemporâneo face os dois primeiros governos Lula e o mandato de Dilma. Vale lembrar o desastre que foi Pedro Castillo no Peru, e o fiasco que vai se mostrando o governo do jovem e promissor Boric, um e outro exemplos fracassados de tentativa de composição pelo alto com a direita vencida nas urnas, o que parece ser, até aqui,  nossa perigosa estratégia, mais que uma contingência. Em contraste, Petro vai se firmando na Colômbia com uma postura de enfrentamento, mesmo sem maioria no Congresso. A inclinação pela direita indica o curso presente   do Uruguai, do Equador e da Bolívia, sugerindo dificuldades para o Mercosul, para o BRICS e para a política integracionista de Lula e Amorim, da maior relevância para nosso país. 

É importantíssimo participar do processo eleitoral (até porque trata-se, igualmente, de um processo político que abre espaço à politização), mas seu objetivo não pode esgotar-se na pura e simples disputa do voto, pois seu objeto é enfrentar a batalha política e ideológica.

Assim deve ser entendida a memorável eleição de 2022, e assim se coloca para os socialistas a defesa do governo Lula: o contingente necessário que não encerra a luta toda, que deve ser a revolução social, o objetivo que não pode ser descartado.
 
 
* Com a colaboração de Pedro Amaral

 
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sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Depois das guerras da Ucrania e Hamas-Israel, Venezuela-Guiana é o novo desafio da diplomacia brasileira

 Depois da agressão de Putin à Ucrânia, do Hamas contra Israel, Maduro cria novo foco de tensão, e possível guerra, com a diplomacia brasileira tendo de se manifestar OBRIGATORIAMENTE a respeito de um território que já foi brasileiro em parte.

Conflito na América do Sul: Nova crise na mesa de Lula: Venezuela ameaça anexar a Guiana
Veja.com, 02 de novembro de 2023
Lula está diante de uma nova e grave crise diplomática: Nicolás Maduro, ditador da Venezuela, deslocou tropas para a fronteira com a Guiana e ameaça anexar dois terços do território desse país depois do domingo 3 de dezembro, quando pretende legitimar em referendo a criação de um "Estado da Guiana Esequiba".
O governo da Guiana pediu na segunda-feira (30/10) a intervenção imediata da Corte Internacional de Justiça, conhecida como Corte de Haia, organismo das Nações Unidas com jurisdição sobre conflitos entre Estados.O primeiro-ministro de Guiana, Mark Anthony Phillips, esteve em Washington nesta quarta-feira (1/2) e obteve garantia de apoio do governo Joe Biden. Em seguida foi à sede da Organização dos Estados Americanos onde apresentou evidências de que a Venezuela está concentrando tropas e construindo um aeroporto militar na fronteira.
Phillips ouviu do embaixador brasileiro na OEA, Benoni Belli, uma oferta de mediação lastreada na experiência secular do Itamaraty de solucionar conflitos pela via diplomática.A disputa territorial Venezuela-Guiana começou há 134 anos.
Até agora, a Guiana venceu o caso em praticamente todas as instâncias internacionais de arbitragem.O declínio político e econômico do regime ditatorial venezuelano levou Maduro a adotar uma postura de confronto aberto inspirado no "modelo" da Rússia de Vladimir Putin na tentativa de anexação da Ucrânia, por enquanto sem êxito.Maduro marcou para 3 de dezembro um "referendo consultivo" que, na prática, levará a Venezuela a abandonar formalmente o processo de arbitragem em curso na Corte de Haia, abrindo caminho para ações unilaterais, eventualmente com invasão militar.
Entre as questões previstas no "referendo" estão a afirmação da soberania da Venezuela sobre a maior parte da bacia do rio Essequibo, ou seja, sobre quase dois terços do território da Guiana estabelecido em 1899 e, desde então, reconhecido em acordos.A consulta de Maduro prevê, ainda, aprovação da criação do "Estado da Guayana Esequiba", em território do país vizinho, com imediata emissão de carteiras de identidade venezuelana à população local.Por trás da manobra está a ambição do regime da Venezuela na apropriação da maior parte de um território onde foram descobertas grandes reservas de petróleo.
Os dados mais recentes indicam disponibilidade comercial reconhecida de nove bilhões de barris de petróleo, equivalente a 60% da reserva brasileira no pré-sal.Foi no Natal de 2019 que os 782 mil habitantes da Guiana receberam a confirmação de um grande prêmio da loteria geológica: o petróleo começou a jorrar no campo de Liza-I, a 120 quilômetros da costa, em frente à capital Georgetown.Mudou a sorte do país mais pobre da América do Sul, vizinho do em 1.605 quilômetros de fronteira com Roraima. O petróleo produzido renovou a perspectiva de futuro de uma sociedade construída por migrantes indianos e africanos nas colonizações holandesa e britânica até 1966.
A ditadura venezuelana, provavelmente, não deve ir além das ameaças. Faltam-lhe apoio doméstico e externo e, sobretudo, dinheiro para uma aventura do gênero em área de interesse primordial dos Estados Unidos, a exploração das reservas de petróleo da Guiana.
O estrago, no entanto, já está feito: Maduro conseguiu aumentar a instabilidade política na América do Sul. América do Sul.

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Governo e oposição da Venezuela criticam líder da OEA por postura sobre Guiana
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02 de novembro de 2023

O governo e a oposição da Venezuela, normalmente com posições antagônicas em tudo, concordaram, nesta quinta-feira (2), em condenar a postura do secretário-geral da OEA, Luis Almagro, sobre a centenária disputa com a Guiana pelo território de Essequibo, zona rica em petróleo.

Almagro, um crítico ferrenho do governo do presidente Nicolás Maduro e aliado natural da oposição, advertiu na quarta-feira a Venezuela por "provocar" a Guiana com uma "linguagem preocupante" e a convocação de um referendo sobre a disputa.

"As expressões deste nefasto personagem, uma desgraça para a história latino-americana e caribenha, correspondem a uma linha vergonhosa de provocação que tenta desestabilizar a região", informou um comunicado do Ministério das Relações Exteriores.

"O ódio do senhor Almagro pela Venezuela leva-o novamente a colocar-se à margem da legalidade internacional."

A Venezuela convocou para 3 de dezembro este referendo consultivo, não vinculativo, que propõe a criação de um estado (província) nessa região e a nacionalização de seus habitantes.

"O regime (da Venezuela) deve respeitar os princípios de paz e evitar qualquer confusão e mensagem lesiva", disse Almagro, que alertou sobre "provocações" e sobre os movimentos de tropas na fronteira.

"Seu silêncio sobre as concessões em território em disputa e inclusive em águas que são da Venezuela e não estão em discussão é grave. Seja pelo menos imparcial", declarou Gerardo Blyde, membro da delegação da oposição em negociações com o governo de Maduro mediadas pela Noruega.

"O Essequibo é um assunto de Estado que envolve todos os venezuelanos, além de quem exerça o poder", disse Blyde.

- "Campanha contra o referendo" -

Biagio Pilieri, outro porta-voz da coalizão oposicionista Plataforma Unitária Democrática (PUD), disse durante uma entrevista coletiva na quarta-feira que os partidos agrupados neste bloco defendem que "o Essequibo é território venezuelano".

"Disso não pode haver dúvida, não a houve, nem a há, nem a haverá jamais", destacou Pilieri, que apontou que a PUD fixará posição sobre se a consulta "ajuda ou não" a causa venezuelana pelo Essequibo.

"A Venezuela tem um ponto de unidade em torno da defesa do território e do Essequibo, que não se deve confundir a defesa dos venezuelanos ao Essequibo com um apoio político a ninguém", disse aos jornalistas o consultor político Luis Vicente León, diretor da Datanálise.

No entanto, seguindo essa tradição antagonista, Maduro acusou a oposição venezuelana de liderar uma campanha contra o referendo consultivo organizado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) venezuelano.

"Começaram uma campanha contra o referendo consultivo, denuncio a campanha da ultradireita da Plataforma Unitária que viola os acordos de Barbados e que ofende o povo da Venezuela e que faz o trabalho da Exxon Mobil", afirmou Maduro na segunda-feira mostrando um suposto panfleto.

* AFP

quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Resposta do governo Lula a atentados terroristas do Hamas expõe influência de Celso Amorim no Itamaraty - Felipe Frazão (OESP)

Resposta do governo Lula a atentados terroristas do Hamas expõe influência de Celso Amorim no Itamaraty

Felipe Frazão

O Estado de S. Paulo11 de outubro de 2023 | 20:30

A reação do governo aos atentados terroristas do Hamas contra Israel e às mortes de dois cidadãos brasileiros nos ataques se tornou nos últimos dias alvo de críticas nas redes sociais e em círculos políticos e diplomáticos em virtude da hesitação em condenar o grupo terrorista palestino. As notas de pesar divulgadas pelo Itamaraty sobre as mortes de Ranani Nidejelski Glazer e Bruna Valeanu, ambos de 24 anos, também provocaram ruído por um tom considerado frio e insensível.

Diplomatas e especialistas consultados pelo Estadão apontam que as posições ideológicas do assessor de assuntos internacionais Celso Amorim sobre política externa e diplomacia muitas vezes se sobrepõem à linha mais técnica do Itamaraty em muitas questões. É o caso da Guerra da Ucrânia, do alinhamento ocasional do Brasil ao eixo Rússia-China e, agora, da crise em Gaza. No caso do Oriente Médio, sobretudo, Amorim já demostrou publicamente, em diversas ocasiões, uma simpatia pelo lado palestino no conflito.

Segundo um embaixador que acompanha as discussões internas do Itamaraty, e pediu para não ter o nome divulgado, houve uma involução no posicionamento da chancelaria desde o início da crise em Israel no sábado, 7.

“ Tínhamos que ter uma posição mais firme. O Itamaraty decidiu condenar os ataques (na nota de 7 de outubro) e depois eles voltaram atrás, provavelmente sob pressão do PT e outras agremiações de esquerda”, disse a fonte. “Neste caso tem de condenar e transmitir apoio, apesar do histórico de equidistância. O Hamas sempre desejou impedir o processo de paz”.

O Itamaraty e Amorim foram procurados, mas até a última atualização desta reportagem não enviaram resposta. O espaço está aberto.

‘Antiamericanismo infantil’

Amorim participou de uma reunião no Palácio do Itamaraty no domingo, 7, com o ministro da Defesa, José Múcio, e a chanceler interina, Maria Laura da Rocha, para discutir os atentados do Hamas e a situação dos brasileiros na região.

Após os atentados, Celso Amorim condenou os ataques, mas disse que eles eram consequências da violência de Israel contra o povo palestino. “O atual conflito não é um fato isolado. Vem depois de anos e anos de tratamento discriminatório, de violências, não só na própria Faixa de Gaza, mas também na Cisjordânia”, disse o assessor, que foi chanceler durante os primeiros mandatos de Lula.

Para o ex-embaixador Paulo Roberto de Almeida, que serviu em Genebra, Paris e no Leste Europeu, a visão de Lula, Amorim e do PT se sobrepõe à do Itamaraty e, hoje, resulta na execução de uma política externa que contesta a liderança dos Estados Unidos no cenário global.

“Lula, Amorim e o PT consideram essa liderança contrária aos interesses de longo prazo do Brasil”, disse. “Eles padecem de um anti-imperialismo anacrônico e de um antiamericano infantil”.

Na avaliação do diplomata, a atuação da chancelaria na crise em Gaza é reflexo dessa influência de Amorim sobre a política externa. “O Itamaraty, parte submissa dessa coalizão primariamente esquerdista, tem de se submeter à vontade de seus controladores, e tem feito um papel lamentável tanto na emissão de declarações externas, quanto na publicação de notas patéticas, nas quais o principal objetivo é escamotear a realidade”, completa.

Condenação x cautela

Na terça-feira, o chanceler Mauro Vieira voltou a defender um fim da violência em Gaza, mais uma vez sem condenar o terrorismo do Hamas. “A posição do Brasil é a de que os atos violentos devem ser interrompidos e deve haver cessação de hostilidades. Evidente que condenamos a violência e o derramamento de sangue, mas achamos que, sobretudo com o Brasil na presidência do Conselho de segurança, precisamos trabalhar para o fim das hostilidades e uma negociação de paz”, disse o chanceler à Voz Brasil.

Diplomatas reconhecem que a posição histórica de equidistância do Brasil em relação ao conflito no Oriente Médio, aliada ao fato de o País estar no comando temporário do Conselho de Segurança da ONU aumentam a necessidade de a chancelaria se manifestar com cautela. Ao mesmo tempo, a morte de cidadãos brasileiros nos atentados e a possibilidade de haver reféns nascidos no País nas mãos do Hamas exigem uma condenação mais firme.

Críticas

“Uma nota do Itamaraty chega ao ridículo de falar do “falecimento” de brasileiro em Israel, o que é uma ofensa à família e um atentado à verdade objetiva dos fatos”, lembra Paulo Roberto de Almeida. “O que vale para a comunidade internacional são as notas do Itamaraty, que significam posição de governo, e estas até agora têm descurado completamente as expressões terrorismo e Hamas”.

André Lajst , cientista político e presidente-executivo da StandWithUs Brasil, uma ONG pró-Israel, defende que o governo precisa ser mais enérgico, especialmente com relação a morte de brasileiros. E citar nominalmente o Hamas, que atacou Israel, ao condenar o terrorismo.

“Por algum motivo, que a gente ainda não sabe qual é, o governo brasileiro insistentemente prefere não mencionar o Hamas, fala em ataque, fala em terrorismo, se solidariza com as vítimas de ambos os lados”, aponta Lajst. “Sem querer — ou querendo — faz uma equivalência de solidariedade e, claro que deve haver solidariedade a todas as vítimas civis, mas a situação não é equilibrada. Tem um país que está se defendendo e um grupo terrorista que está atacando”.

A posição de Lula

No dia dos atentados, no entanto, o petista condenou os ataques do Hamas. “Fiquei chocado com os ataques terroristas realizados hoje contra civis em Israel, que causaram numerosas vítimas. Ao expressar minhas condolências aos familiares das vítimas, reafirmo meu repúdio ao terrorismo em qualquer de suas formas”, disse o presidente.

Nesta quarta, Lula fez um apelo direcionado para ao secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, e para a comunidade internacional, pedindo a liberação de crianças palestinas e israelenses sequestradas e mantidas como reféns durante o confronto entre Hamas e Israel.

Amorim e os palestinos

Quando comandava o Itamaraty, em 2010, Amorim foi um dos entusiastas do reconhecimento da independência da Palestina como independente pelo Estado brasileiro, atendendo a um pedido do presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas.

Na apresentação da edição brasileira do livro Engajando o mundo: a construção da política externa do Hamas, escrito pelo pesquisador britânico Daud Abdullah, Amorim chegou a elogiar o grupo terrorista palestino.

“Como firme defensor dos direitos palestinos e defensor de uma solução por meios pacíficos, fiquei muito encorajado com as palavras finais do autor: através de maiores esforços diplomáticos e alianças globais, ‘o Hamas pode desempenhar um papel central na restauração dos direitos palestinos’”, diz o assessor na apresentação do livro, publicado no começo deste ano.

Felipe Frazão/Luiz Raatz/Estadão

segunda-feira, 12 de junho de 2023

Como a Economia global pode ajudar novamente o governo Lula - Luiz Guilherme Gerbell (OESP)

 Como a Economia global pode ajudar novamente o governo Lula

Por Luiz Guilherme Gerbelli
O Estado de S. Paulo, 11/06/2023

O início da nova gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem tido uma ajuda inesperada da economia global. Na virada do ano, o que boa parte dos analistas esperava era uma atividade mundial bem mais fraca do que os últimos indicadores têm revelado.

A conjuntura mais positiva deve fazer com que o Brasil colha um novo ano de bom resultado da balança comercial. Uma parte dos bancos e consultorias prevê um superávit acima de US$ 70 bilhões em 2023, o que marcará um recorde se confirmado.

O estágio atual da economia está longe de ter como pano de fundo a forte expansão observada na primeira década dos anos 2000, fundamental para sustentar o crescimento econômico nos dois primeiros mandatos de Lula (2003-2010). Mas o fato de o mundo ter se mostrado resiliente neste início de ano pode ajudar a repetir, ainda que em uma escala menor, o ambiente internacional favorável enfrentado pelo petista no passado.

“Há sinais de desaceleração na atividade global, mas não é um colapso”, afirma Julia Passabom, economista do Itaú Unibanco.

Os analistas ainda tentam entender o que explica essa força acima do esperado na atividade global. O mundo lida com um cenário pouco comum. Enquanto a confiança de consumidores e empresários está em queda - o que indica uma menor propensão para investir e comprar –, os dados de atividade, sobretudo no setor de serviços, ainda não apresentaram uma desaceleração tão acentuada.

“Há sinais de desaceleração na atividade global, mas não é um colapso”, afirma Julia Passabom, economista do Itaú Unibanco.

Os analistas ainda tentam entender o que explica essa força acima do esperado na atividade global. O mundo lida com um cenário pouco comum. Enquanto a confiança de consumidores e empresários está em queda - o que indica uma menor propensão para investir e comprar –, os dados de atividade, sobretudo no setor de serviços, ainda não apresentaram uma desaceleração tão acentuada.

A economia brasileira começou a registrar robustos resultados comerciais no início dos anos 2000, quando o gigante asiático ingressou no comércio internacional e passou a crescer de forma mais acelerada - em alguns anos, o avanço do PIB superou 10%. De 2001 a 2022, as exportações de produtos básicos do Brasil cresceram de US$ 23,8 bilhões para US$ 158,9 bilhões, de acordo com dados tabulados pela Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex).

Hoje, os sinais de desaceleração da economia global levam a uma queda nos preços, que subiram de forma acelerada depois de superada a fase mais aguda da crise sanitária. O Brasil, no entanto, tem conseguido compensar essa redução com o aumento na quantidade de produtos vendidos. O País colheu uma supersafra de grãos e é dono de um agronegócio que se destaca pela sua elevada produtividade.

“O Brasil está performando bem por conta própria, pelos próprios méritos”, afirma Fabio Akira, economista-chefe da BlueLine Asset. ”Houve um choque de oferta no setor exportador. É o que chamo de milagre de multiplicação. Consegue dar uma turbinada no PIB, simultaneamente alivia a inflação e beneficia as contas externas.”

Nos últimos anos, a subida da cotação das commodities ajudou a colocar o comércio internacional do País em outro nível. Um estudo feito pelo Bradesco mostra que o peso da corrente de comércio (soma da importação e exportação) no Produto Interno Bruto (PIB) ultrapassou a marca de 30% desde 2021, o maior patamar desde o início da série histórica, em 1960 - em média, essa relação sempre rondava os 20%.

“É verdade que esse movimento foi fruto do efeito da explosão de preços na pandemia, mas o fato é que houve um efeito multiplicador no crescimento da economia”, avalia Honorato, do Bradesco. “Parte importante da surpresa de crescimento tem a ver com o fato de a força do preço das commodities ter sido subestimada.”

Setor externo melhor
Os resultados da balança comercial devem contribuir para melhorar o resultado do setor externo brasileiro como um todo. Nas contas do Itaú, o déficit em conta corrente do País deve recuar dos atuais 2,7% do PIB no acumulado em 12 meses para 1,7% do PIB ao fim de 2023. “É um número melhor do que a média recente. Nos últimos três anos, ficou ao redor de 2,5% do PIB”, afirma Julia, economista do banco.

O setor externo brasileiro também se beneficia de uma situação confortável no volume de investimentos diretos no País (IDP). Em 12 meses até abril, o IDP somou US$ 82 bilhões (ou 4,17% do PIB), um pouco abaixo do apurado em março (US$ 89,7 bilhões ou 4,57% do PIB), mas muito superior ao verificado em abril de 2022 (US$ 54,3 bilhões ou 3,12% do PIB).

“Bem ou mal o Brasil se livrou dos desequilíbrios externos há algum tempo”, diz Barbosa, do Bradesco. “Hoje, o nosso déficit, comparativamente aos países da América Latina, não chega a chamar tanta atenção.”

O Brasil é um nova Suíça?
Nas últimas semanas, os resultados da balança comercial levaram o economista-chefe do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês), Robin Brooks, a afirmar que o Brasil caminha para se tornar “a Suíça da América Latina”.

“Está surgindo um enorme superávit comercial, diferente de qualquer outro país da região. Isso vai dar ao Brasil estabilidade externa e uma moeda forte”, publicou o economista no Twitter.

Os números positivos mais recentes do setor externo não apagam o início confuso da gestão Lula na economia. Os ataques do governo ao Banco Central e a incerteza fiscal assustaram os investidores. A nova gestão petista ainda tentou rever o marco do saneamento e questionou a privatização da Eletrobras, o que não foi bem visto. No diálogo com o agronegócio, também houve entraves, com os atos do Movimento dos Sem Terra, que culminaram numa Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). O ministro da Agricultura foi desconvidado da Agrishow, a maior feira do setor.

Do lado positivo, os fatores que ajudam a mitigar essas preocupações e ainda colocam o Brasil no radar do comércio internacional vêm da aprovação na Câmara dos Deputados do arcabouço fiscal - que reduziu o temor com o forte aumento do endividamento do País nos próximos anos -, a investida na reforma tributária, e o discurso ambiental.

“É um governo percebido pela comunidade internacional como tendo um compromisso com o meio ambiente e que tem falado mais da agenda de transição energética. Para o fluxo futuro, isso deve ser importante”, diz o economista-chefe do Bradesco.