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segunda-feira, 30 de outubro de 2023

O Sul Global não existe - Paulo Roberto de Almeida (Crusoé)

 Meu mais recente artigo publicado na Crusoé, do qual transcrevo alguns trechos: 

4491. “O Sul Global não existe”, Brasília, 12 outubro 2023, 3 p. Artigo sobre uma realidade criada por ideólogos que não apresenta consistência suficiente para ser chamado de grupo político. Artigo para a revista Crusoé, publicado sob o mesmo título (n. 287, 27/10/2023, link: https://crusoe.uol.com.br/Colunistas/o-sul-global-nao-existe). Relação de Publicados n. 1530.


O Sul Global não existe

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Artigo sobre um conceito criado por ideólogos que não apresenta consistência suficiente para ser chamado de grupo político.

Revista Crusoé, (n. 287, 27/10/2023, link: https://crusoe.uol.com.br/Colunistas/o-sul-global-nao-existe). Relação de Publicados n. 1530. 

 

Ideias contam, afirmam os historiadores, o que parece ser confirmado pela própria história. Certas declarações de líderes políticos ou militares de peso, ao lado de interpretações de filósofos influentes, acabam ganhando foros de atores e fatores decisivos em determinados processos históricos e passam a ser consideradas como tendo o poder de determinar o curso da história e, assim, de mudar a sua própria trajetória.

Pensem, por exemplo, no conceito de “luta de classes”, um corriqueiro lugar comum dos historiadores franceses no seguimento imediato da grande revolução de 1789, mas que acabou virando o eixo central de todo e qualquer processo histórico depois que dois jovens ideólogos alemães converteram essa interpretação derivada dos três grandes estamentos do Antigo Regime em fator crucial de toda e qualquer mudança politica e social: “proprietários e escravos”, “senhores feudais e servos de gleba”, “burgueses e proletários”, todas essas “lutas” seriam o verdadeiro “motor da história”. Era uma abordagem simplista, mas que teve um extraordinário sucesso nos 150 anos seguintes. Considerem, igualmente, o conceito de “complexo de Édipo”, que Freud generalizou a partir da literatura grega clássica e que passou a ser um dos eixos centrais das interpretações psicanalíticas desde então. 

Marx e Freud foram dois grandes pensadores contemporâneos que marcaram de forma indelével o século XX, e isso não tanto por algum poder político concreto de que dispusessem, mas pela simples força de suas ideias, que impregnaram as mentes e as ações de milhares de outros personagens dotados de influência social.

(...)

Esse conceito, tomado de forma unificada para somente um dos lados, é um completo equívoco acadêmico, político e geográfico, o que não o impede de ser utilizado de forma oportunista por políticos populistas. Mas, de forma alguma, a diversidade de nações nele incluídas e a multiplicidade de interesses nacionais agregados aleatoriamente nos Estados hoje componentes podem ser considerados a expressão de um grupo coeso em suas vontades e disponível para uma ação conjunta em face de um Norte hegemônico e dominador. 

Existe alguma possibilidade de que a Rússia neoczarista da atualidade ou de que a China novamente imperial, e com pretensões hegemônicas, possam ser os aliados de um inexistente “Sul Global” na luta pela construção de uma “nova ordem global” que não mais seria dominada pelo “Norte” do atual Ocidente dominador? A hipótese é inverossímil. Aliás, considerar que o Brics possa representar o tal de Sul Global é mais inverossímil ainda.

Para os saudosistas de um antigo terceiro-mundismo político retardatário, o tal de “Sul Global” já não é mais um simples expediente acadêmico equivocado, e sim uma entidade homogênea capaz de ajudá-los em suas pretensões oportunistas de liderar um suposto “bloco” unificado, mas que é tão diáfano quanto inexistente, para todos os efeitos práticos.

 

Brasília, 4449, 12 outubro 2023; revisão: 24/10/2023.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Política externa de Lula precisa se afastar da ideologia - Editorial O Globo

 Política externa de Lula precisa se afastar da ideologia

O Globo | Opinião do GLOBO
25 de dezembro de 2022

Futuro chanceler prometeu orientar Itamaraty pelo interesse nacional.

Faria bem em cumprir a promessa

As primeiras viagens internacionais de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente serão para Argentina, Estados Unidos e China, revelou ao GLOBO o embaixador Mauro Vieira, que voltará ao comando do Itamaraty. O objetivo imediato da política externa será, segundo ele, reparar ou reconstruir as pontes depois do desastrado governo de Jair Bolsonaro, que virou persona non grata no exterior.

É um objetivo pertinente e necessário. Mas, para que a volta do protagonismo do Brasil tenha chance de sucesso, Vieira precisará adotar uma postura bem mais realista do que transpareceu na entrevista. Para ele, há "sede de ver o Brasil" atuando de novo - um evidente exagero. Há uma diferença entre a sensação de alívio pela saída de Bolsonaro e países ávidos por ouvir a opinião brasileira em tudo.

Desde que Vieira deixou o cargo de ministro das Relações Exteriores no governo Dilma Rousseff, o mundo mudou bastante. Solidificou-se no governo americano a ideia de que a China é o maior adversário estratégico. Na Europa, Vladimir Putin ajudou a unir o Ocidente com a invasão da Ucrânia. Em Washington, a importância relativa do Brasil caiu não apenas pelos erros de Bolsonaro, mas também pelos do PT. As trapalhadas do Itamaraty na tentativa de costurar um acordo de paz envolvendo o Irã não foram esquecidas. Continuam a circular entre petistas idéias de grandeza sem cabimento, como o papel brasileiro numa eventual negociação de paz entre Rússia e Ucrânia.

E evidente que há outras prioridades. Dado o tamanho do Brasil, nossos interesses são diversos. Nas áreas comercial, financeira, tecnológica e militar, a atenção tem de se voltar para as grandes potências, Estados Unidos, China e União Européia (UE). Vieira tem razão em querer retomar o acordo Mercosul-UE, paralisado em retaliação pela política ambiental de Bolsonaro. Mas é um erro ressuscitar a política Sul-Sul dos anos petistas, que resultou na exportação de esquemas de corrupção bilionários com resultados pífios ao país.

A entrevista de Vieira foi reveladora pelo que foi dito, mas também pelo que omitiu. Não está errado, por si só, reativar relações com ditaduras como Venezuela, Cuba e Nicarágua. Se o Brasil só tivesse representação em países democráticos, não estaria em Pequim, Moscou, nem na maioria das capitais africanas. Mas isso não significa fazer afagos nesses governos. Não é verossímil que Vieira desconheça as informações públicas sobre torturas e violações de direitos humanos do regime venezuelano, como afirmou. E incompreensível - e inaceitável - a deferência com que sucessivos governos petistas tratam ditaduras de esquerda.

Questionado sobre a disputa entre chineses e americanos, Vieira foi mais sensato. Lembrou que a China é nosso principal parceiro comercial e que os Estados Unidos são o segundo no comércio e o primeiro em investimentos. "O Brasil tem condições de falar e de (...) defender seus interesses nacionais com cada país", afirmou.

A mesma atitude deveria ser adotada diante de todos os países, sejam os amazônicos na questão do meio ambiente, os andinos em temas de segurança e drogas ou os parceiros do Mercosul na agenda comercial. O que importa em todas as frentes é o interesse nacional, não a cor política do governo local. Vieira afirmou que não guiará o Itamaraty por ideologia, como fez Bolsonaro. Faria bem em cumprir a promessa.


quarta-feira, 27 de abril de 2022

Guerra expõe a força da ala realista do governo - Fernando Exman (Valor Econômico)

 Guerra expõe a força da ala realista do governo


Grupo ideológico dificilmente irá retomar o Itamaraty

Fernando Exman
Valor Econômico, 27/04/2022 

Em 1996, Samuel P. Huntington registrou no livro “O choque de civilizações” o indigesto comentário de um general russo: “A Ucrânia, ou melhor, a Ucrânia oriental voltará em 5, 10 ou 15 anos [para a Rússia]. A Ucrânia ocidental pode ir para o inferno”.

Polêmico, o livro foi produzido a partir de um artigo publicado anos antes pelo intelectual americano com a sua visão do que seria a nova fase das relações internacionais iniciada com o término da Guerra Fria.

A obra divide opiniões. Foi criticada pelos entusiastas da globalização e por aqueles que condenam o que consideram generalizações e preconceito contra muçulmanos contidos no texto. Mas até hoje ela é citada, por outro lado, entre os que temem um deslocamento de poder da “civilização ocidental para civilizações não ocidentais”.

Não é diferente no Brasil, onde a guerra na Ucrânia novamente expôs a rivalidade entre pragmáticos e ideológicos que coabitam o governo Jair Bolsonaro.

É antigo o antagonismo entre os dois grupos. Um momento de grande tensão ocorreu em meio às discussões sobre a possibilidade de o Brasil transferir sua embaixada em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, o que criaria severas dificuldades comerciais com parceiros árabes.

O agronegócio estava no centro das preocupações do governo, assim como hoje - a Rússia é importante fornecedora de fertilizantes. Pouco antes de Bolsonaro viajar para Israel, um proeminente representante dos militares chegou a bradar, com o dedo apontado para o rosto de um elemento da ala ideológica, que os interesses do Brasil estavam sendo colocados em risco por causa de uma “molecagem”.

O presidente, como se sabe, recuou: anunciou apenas a abertura de um escritório comercial em Jerusalém, dando fim a uma crise que o próprio governo criou. Com o passar do tempo, a ala ideológica foi acumulando desgastes. Até que perdeu o controle do Itamaraty e parte considerável da influência que tinha no Palácio do Planalto.

Sinais desse processo também foram vistos no início da sangrenta operação militar conduzida pela Rússia.

Bolsonaro chegou a ser criticado pelo ex-chanceler Ernesto Araújo. Sob a ótica do embaixador, a posição correta do país, compatível com valores morais e interesses materiais brasileiros, seria um apoio à Ucrânia e um alinhamento às grandes democracias ocidentais. A neutralidade representaria, na prática, uma preferência pela Rússia. Mais do mesmo: a política externa inaugural do governo Bolsonaro defendia a importância de o Brasil alinhar-se ao “Ocidente”.

No atual momento em que a guerra na Ucrânia completa dois meses, vale, portanto, passar os olhos pelas páginas de “O choque de civilizações”.

De acordo com a teoria de Huntington, os Estados são e continuarão a ser os atores mais importantes nos assuntos mundiais. Porém, seus interesses, associações e conflitos devem ser cada vez mais moldados por fatores culturais e civilizacionais.

Neste contexto, a Ucrânia é um caso a ser observado. Maior e mais importante ex-república soviética - excluindo, claro, a própria Rússia -, a Ucrânia é descrita por Huntington como um país rachado, com duas culturas distintas. A fratura entre o Ocidente e a civilização ortodoxa, diz o cientista político, ocorre através do coração da Ucrânia: em uma linha a leste da capital, Kiev, a qual estaria posicionada do “lado ocidental”.

Em sua história, a Ucrânia ocidental foi parte da Polônia, da Lituânia e do Império AustroHúngaro. Uma grande parcela da população pertence à Igreja Uniata, que pratica ritos ortodoxos, mas, ao mesmo tempo, reconhece a autoridade do papa. Em geral, aponta o autor, os ucranianos ocidentais buscam falar sua própria língua e têm adotado um comportamento nacionalista. Por outro lado, escreve, as pessoas da Ucrânia oriental são predominantemente ortodoxas e falam russo. Não teriam, segundo esta teoria, problemas em ver Moscou como o núcleo de um bloco ortodoxo.

A consolidação desse bloco seria justamente o objetivo russo. Já em 1996 o livro apontava que a situação entre Ucrânia e Rússia estava suficientemente madura para a eclosão de um “surto” de competição por segurança entre os dois países.

A partir dessa constatação, três cenários foram desenhados. No primeiro, o Ocidente apoiaria claramente a Ucrânia em sua defesa. Pelo menos por enquanto, os principais países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) ainda o fazem de forma indireta.

Outra possibilidade, considerada a mais provável pelo autor e que pode estar equivocada, é que a Ucrânia permanecerá, sim, rachada do ponto de vista civilizacional. Mas com seu atual território mantido na íntegra, independente e cooperando de forma estreita com a Rússia. Difícil.

O cenário intermediário seria a cisão da Ucrânia seguindo sua linha de fratura civilizacional. A entidade oriental poderia fundir-se com a Rússia. É sobre isso que falava aquele general citado pelo autor e, de fato, recentes movimentos do exército russo têm se concentrado na parte oriental da Ucrânia - sua área de maior influência cultural.

É preciso aguardar. Enquanto isso, um integrante da ala pragmática do governo explica a transição na política externa e os votos do país na ONU. “O Brasil votou de acordo com aquilo que são os nossos parâmetros, que também são os parâmetros do sistema internacional - o respeito à soberania dos países, a não intervenção e a solução pacífica dos conflitos. O Brasil tem que ser pragmático e também tem que ser flexível nesta situação toda”, diz a fonte.

“Estamos nos dirigindo a um momento que o mundo vai ficar dividido nesses dois polos: o polo democrático e o polo autoritário. Talvez a gente enverede por uma nova Guerra Fria. Tem gente que diz que a Guerra Fria não acabou, que ela sempre continuou. O Brasil é um país continental, democrático, e nós temos negócios com o outro lado. A gente tem que saber como se equilibrar. Nós não podemos queimar pontes.

Vez ou outra circulam informações de que podem ocorrer novas mudanças no Itamaraty até o fim do ano. No Palácio, essas notícias são relativizadas. Outras áreas do governo as classificam de especulações. O que se descarta por todos os lados, contudo, é a reconquista da pasta pela ala ideológica.


Fernando Exman é chefe da redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras
Trabalhou nas redações de “Investnews”, “Gazeta Mercantil”, “Jornal do Brasil”, “Reuters” e “Veja”. Entrou no Valor em 2011, e desde 2013 é coordenador digital
E-mail: fernando.exman@valor.com.br

https://valor.globo.com/politica/coluna/guerra-expoe-a-forca-da-ala-realista-do-governo.ghtml

terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Brasil fora do diálogo China-América Latina, via Celac: ideologia emperra as relações internacionais do Brasil (O Globo)

 SEM DIÁLOGO

O Brasil ficou fora do principal canal de diálogo entre China e América Latina. A terceira reunião ministerial do Foro Celac-China, realizada virtualmente na última sexta-feira (03), teve a participação de todos os países latino-americanos, menos do Brasil. Em janeiro do ano passado, o governo brasileiro decidiu suspender a participação do país na Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), por incompatibilidade ideológica. Tendo em vista que as relações do Brasil com seu principal parceiro comercial não vivem seu melhor momento, a interação no formato multilateral poderia contribuir para uma aproximação e acelerar a solução de problemas bilaterais como o embargo da China à carne bovina brasileira, que já dura mais de três meses. Cabe ao Itamaraty explicar quais os benefícios de rejeitar o convite para a reunião. A reportagem é do jornal O Globo.

O que o Brasil ganha ao ficar fora do diálogo China-América Latina?

Por Marcelo Ninio
06/12/2021 • 14:27

O Brasil ficou fora do principal canal de diálogo entre China e América Latina, em mais um sinal de encolhimento da diplomacia do país em instâncias multilaterais. A terceira reunião ministerial do Foro Celac-China, realizada virtualmente na última sexta-feira, teve a participação de todos os países latino-americanos, com exceção do Brasil. Em janeiro do ano passado, o governo brasileiro anunciou a decisão de suspender a participação do país na Celac, por incompatibilidade ideológica. O então chanceler, Ernesto Araújo, alegou que a organização "dava palco a regimes não democráticos como Venezuela, Cuba e Nicarágua".

A Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) foi criada em 2010 durante o governo Lula num momento de ascensão de governos de esquerda na América Latina, com uma agenda de integração regional e desenvolvimento. Foi a primeira vez que um órgão de articulação política reuniu todos os 33 países da região, sem a presença dos Estados Unidos e do Canadá. Quatro anos depois, por iniciativa de Pequim, foi criado o Foro Celac-China. A virada para a direita na região enfraqueceu a Celac, mas o Brasil foi o único país que formalizou sua saída do grupo.

Além da renúncia ao papel de líder regional com a saída de uma das principais entidades políticas latino-americanas, a decisão teve um efeito colateral para Brasília. O país ficou sem voz no diálogo da China com a América Latina, que ocorre por intermédio da Celac. Mesmo fora da organização, o Brasil foi chamado a participar da reunião ministerial da última sexta, mas recusou o convite. Em resposta, o governo brasileiro afirmou que está disposto a explorar outros formatos de diálogo.

Para Pequim, no entanto, o formato existente parece satisfatório: o governo chinês deixou clara a importância que dá à Celac. Houve várias sinalizações nesse sentido. A mídia chinesa deu destaque à reunião ministerial, com várias menções nos jornais e nos noticiários da TV estatal. A participação chinesa foi aberta com um pronunciamento do presidente Xi Jinping, que classificou a Celac como a plataforma mais importante de cooperação da China com a América Latina.

Em um balanço da reunião de ministros, o representante especial da China para a região, Qiu Xiaoqi, disse que o encontro mostra que seu país demonstrou ser "um bom amigo da América Latina". Ele lembrou que a América Latina é o segundo destino de investimentos chineses, só atrás da Ásia. Durante a reunião de chanceleres, o ministro do Exterior chinês, Wang Yi, anunciou o estabelecimento de dois fundos no total de US$ 2 bilhões (R$ 11,38 bilhões) para a cooperação com a região, com ênfase na economia digital.

Questionado sobre a ausência do Brasil, Qiu foi diplomático, deixando a porta aberta para o retorno do país à Celac. Ex-embaixador em Brasília, português fluente, ele afirmou que "a China respeita a decisão do Brasil" e "espera sinceramente trabalhar com o país para ampliar a novas áreas a cooperação conjunta da China com a América Latina".

Para Maurício Santoro, professor de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e um estudioso das relações entre Brasil e China, não é por acaso que Pequim tem olhado com atenção para a Celac e que considera a organização sua principal interlocutora no diálogo com a América Latina.

— É o único processo de integração da região que inclui todos os países latino-americanos e deixa de fora os Estados Unidos, em contraste, por exemplo, com a Organização de Estados Americanos (OEA), ou com processos sub-regionais como o Mercosul. Essa combinação torna a Celac muito atraente para os objetivos da China na região, seja levar adiante a Iniciativa do Cinturão e Rota (a chamada "nova rota da seda"), discutir cooperação em vacinas e outros temas, ou disputar o reconhecimento diplomático dos países da América Central. Ao que parece, Honduras será o próximo a romper com Taiwan.

Num momento em que as relações do Brasil com seu principal parceiro comercial não vivem o seu melhor momento, a interação no formato multilateral poderia contribuir para uma aproximação e acelerar a solução de problemas bilaterais como o embargo da China à carne bovina brasileira, que já dura mais de três meses. Enquanto há um prejuízo claro em ficar fora do diálogo regional com Pequim, cabe ao Itamaraty explicar quais os benefícios de rejeitar o convite para a reunião.

Além disso, o multilateralismo é um dos mantras da diplomacia chinesa, reforçado ainda mais como contraste à Presidência de Donald Trump nos EUA, quando o governo americano se retirou de vários tratados e organizações internacionais. Apesar do discurso apaziguador de Qiu em relação à ausência do Brasil na reunião Celac-China, o encolhimento da diplomacia brasileira nos últimos anos causa estranheza em Pequim.

Um exemplo é a recente conferência do clima em Glasgow, a COP 26, onde especialistas habituados a ver o Brasil como um dos países mais preparados e atuantes no assunto se surpreenderam com o papel secundário do país:

— O Brasil parecia invisível — disse Li Shuo, da organização Greenpeace em Pequim, um veterano de conferências climáticas.

Entrevistado com frequência por veículos de imprensa chineses, Maurício Santoro sentiu uma diferença de tom ao falar recentemente com a agência oficial Xinhua:

— Havia perguntas explicitamente críticas ao governo brasileiro, sobretudo pela não participação no fórum da Celac e pela pouca importância que Bolsonaro tem dado às organizações multilaterais. Essa perspectiva crítica por parte da Xinhua é algo raro. Em geral, as entrevistas que dei para a agência foram centradas em oportunidades de cooperação entre Brasil-China. Me pergunto se esse novo enfoque foi algo ocasional ou se sinaliza uma mudança da cobertura da mídia chinesa sobre o Brasil, depois de tantas tensões com Bolsonaro pela pandemia.

Em 2015, quando a China sediou a primeira reunião do Foro Celac-China, o presidente Xi Jinping recebeu os ministros latino-americanos para um banquete em grande estilo, entre eles o chanceler brasileiro, Mauro Vieira, que havia tomado posse dias antes. Quem representou o Brasil na segunda reunião ministerial do grupo, realizada no Chile em 2018, foi o então secretário-geral do Itamaraty, Marcos Galvão, ainda sob o governo Temer. Ouvido na ocasião pela agência Reuters, ele disse que a Celac era "mais um caminho para o Brasil trabalhar com a China". Galvão agora terá a missão de desbloquear caminhos e abrir novos nas relações com a China. Já aprovado pelo Senado, ele assume em breve o posto de embaixador do Brasil em Pequim.

https://blogs.oglobo.globo.com/marcelo-ninio/post/o-que-o-brasil-ganha-ao-ficar-fora-do-dialogo-china-america-latina.html

quarta-feira, 5 de maio de 2021

Postura anti-China dos ideólogos bolsonaristas dificultou combate à pandemia: ex-ministro Mandetta

 Mandetta responsabiliza Eduardo Bolsonaro e Itamaraty por dificuldade em negociar insumos com a China

Na época, o chanceler brasileiro era Ernesto Araújo, que pertencia à ala ideológica do governo
Por Renan Truffi e Vandson Lima, Valor — Brasília
Valor Econômico, 04/05/2021 

O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) responsabilizou o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente da República, e o Ministério das Relações Exteriores (MRE) pelas dificuldades do governo brasileiro em negociar insumos com a China, durante a primeira onda do coronavírus.

Mandetta falou sobre o assunto hoje em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia. Na época, o chanceler brasileiro era Ernesto Araújo, que pertencia à ala ideológica do governo.

"Eu tinha dificuldades, por exemplo, nas relações com a China. Eu tinha um Ministério de Relações Exteriores que eu precisava muito porque eu era dependente de insumos que estavam na China, insumos que eu tinha que trazer para dentro do Brasil. Então, era mais do que necessário que nós tivéssemos um bom diálogo com a China. Tinha dificuldade com o ministro de Relações Exteriores. O outro filho do Presidente que é deputado, o Eduardo, tinha rotas de colisão com a China, através do Twitter, mal-estar", contou.

Segundo Mandetta, os filhos do presidente impediram que ele se reunisse com o embaixador da China, Yang Wanming, no Palácio o Planalto. "Eu fui até certo dia ao Palácio do Planalto, e eles estavam todos lá, os três filhos do presidente, e mais assessores que são assessores de comunicação. Disse a eles: 'Olha, eu preciso conversar com o embaixador da China, eu preciso que ele nos ajude, pedir uma reunião com ele. Posso trazer aqui?'. 'Não, aqui não'. Acabei fazendo por telefone. Eu ia fazer essa reunião na Opas, que é um mecanismo internacional. Isso era difícil", explicou.

Após essa afirmação, o ex-ministro foi questionado pelo vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), se existia uma "oposição" ao diálogo com os chineses. "Existia uma dificuldade de superar essas questões", respondeu Mandetta. Ele deu a entender que essa "dificuldade" foi motivada por influência do ex-presidente norte-americano Donald Trump.

"No início [da pandemia], há uma viagem do presidente para a Flórida, e ele encontra o presidente Trump. Era um momento em que o Trump chamava o vírus de vírus chinês, havia um mal-estar da China com os Estados Unidos, e aqui, de alguma maneira, fazia-se esse tipo de conflitos com a China, que eu achava, naquele momento, que dificultava muito a boa vontade. Por isso eu fui até a Embaixada [da China], por isso eu liguei pedindo pessoalmente que eles ajudassem", complementou.

https://valorinveste.globo.com/mercados/brasil-e-politica/noticia/2021/05/04/mandetta-responsabiliza-eduardo-bolsonaro-e-itamaraty-por-dificuldade-em-negociar-insumos-com-a-china.ghtml

terça-feira, 27 de abril de 2021

A dominância do desenvolvimentismo no caso latino-americano - Paulo Roberto de Almeida

 A dominância do desenvolvimentismo no caso latino-americano

 

Paulo Roberto de Almeida

Professor de Economia Política no Uniceub

 

 

O desenvolvimentismo parece ter sido a doença infantil do processo latino-americano de desenvolvimento numa determinada etapa de sua história. Propagado pela Comissão Econômica para a América Latina, da ONU, desde a segunda metade dos anos 1940, ele se consagrou como a ideologia básica da CEPAL na década seguinte e persistiu como uma espécie de fantasma a pairar sobre as faculdades latino-americanas de economia durante a maior parte das décadas seguintes, mesmo se seus supostos méritos foram postos à prova durante boa parte do último terço do século XX, tendo sido praticamente dissolvido no ecletismo do aperfeiçoamento teórico e metodológico dessas faculdades em tempos mais recentes.

O desenvolvimento, como processo de transformação social e econômica, pode ser aferido com base em dados objetivos, de crescimento e distribuição de seus resultados; já o desenvolvimentismo é um conceito totalmente político, para não dizer uma ideologia. O desenvolvimentismo, como ideologia, está claramente ligado à vertente cepaliana do keynesianismo aplicado na América Latina a partir dos trabalhos de Raul Prebisch na CEPAL.

No seguimento dos trabalhos de Raul Prebisch, na CEPAL, desde o início dos anos 1950, muitos autores partiam do pressuposto de que as políticas teriam de ser necessariamente desenvolvimentistas, de forma apriorística, sem qualquer fundamentação nos dados econômicos e sem qualquer avaliação isenta dos resultados das políticas implementadas. Na verdade, o que se tinha era um processo de substituição de importações, que não é exclusivo da experiência latino-americana, e sim está presente em todas as demais experiências de industrialização, com exceção da original.

Desenvolvimentismo era um conceito de natureza política, inteiramente dependente de como cientistas políticos ou economistas do desenvolvimento manipulavam esse conceito. O historiador econômico, por sua vez, pode no máximo examinar como certas políticas contribuíram, ou não, para um processo de desenvolvimento sustentado, e a isto deveria se resumir seu trabalho de caráter histórico; o conceito em si, porém, não possui qualquer historicidade, e sim o processo real, que precisa ser examinado com base em dados objetivos, não em afirmações.

A rigor, o único processo histórico induzido por um Estado desenvolvimentista explícito foi a construção industrial realizada sob o stalinismo; todas as experiências asiáticas ou latino-americanas foram realizadas pelo setor privado, com o benefício eventual de políticas públicas, geralmente de caráter protecionista ou realizando investimentos setoriais e em infraestrutura. O Brasil, por exemplo, durante 4/5 de sua história econômica, teve seu crescimento sustentado a partir de fora, como fornecedor de produtos primários. Mas, a partir de certo momento, passou-se a privilegiar o mercado interno, e houve crescimento, que por sua vez deixou o Brasil numa situação de total disparidade em relação às médias mundiais relativas a coeficientes de abertura externa, o que é claramente negativo para o seu processo de crescimento, e mais ainda de desenvolvimento.

A América Latina poderia ter se industrializado mesmo na ausência de políticas ativas por parte dos respectivos Estados nacionais, da mesma forma como a Ásia, pois a industrialização corresponde a um processo de diversificação econômica que se reproduz de modos distintos em diferentes contextos societais. O papel do Estado no caso da AL e da Ásia tem sido sobrevalorizado indevidamente, fazendo dele o centro do processo, quando ele é um autor relevante, mas não indispensável. Aliás, a América Latina já vinha se industrializando antes da era das políticas ativas, como a Europa periférica por sinal.

Para vários autores adeptos da ideologia, só o Estado seria capaz, ou teria o dever, de arbitrar estímulos e compensações entre classes e setores da sociedade, sejam estas de que natureza forem; não se concebe que o próprio processo histórico, ou mecanismos de mercado possam ir acomodando diferenças de poder político e econômico, ou alterações patrimoniais, que sempre refletem a estrutura do processo produtivo, com determinadas categorias de produtores ficando mais ricos do que outros, e acumulando poder, portanto; talvez tenha sido o caso da Alemanha e do Japão, para ficar nos casos clássicos, mas provavelmente não foi o caso pioneiro da Grã-Bretanha e logo em seguida dos EUA. Muitos autores assumem a premissa de que esse processo tem que ser guiado por um propósito determinado, e não se pode aceitar a ideia da espontaneidade do processo histórico, que parece ter sido o caso inglês. O Estado é sempre capturado por interesses políticos, sociais e econômicos de determinados grupos que se organizam para conquistar e manter o poder político, ou seja, o governo.

Mas, a história mundial das experiências de industrialização, ou de desenvolvimento, é muito mais diversa do que a suposição de que apenas a regulação estatal de políticas industriais pode superar um suposto atraso, que é sempre relativo. Um economista americano de origem russa, Alexander Gerschenkron, formulou hipóteses bastante interessantes sobre as “vantagens do atraso”, ou seja, o fato que os países retardatários não precisam reproduzir todo o processo dos itinerários originais, e podem partir da tecnologia mais avançada, já disponível quando eles começam seu próprio itinerário de industrialização.

Vários outros exemplos podem ser examinados. Quais são eles? Se conhece a Alemanha do século XIX, o Japão no século XIX, a Coreia a partir dos anos 1960, e o próprio Brasil dos anos do regime militar. No período recente, tivemos mais dois exemplos de impulsos industrializadores mesmo na ausência de uma ideologia desenvolvimentista. Os dois maiores países que parecem se converter em locomotivas do crescimento, a China e a Índia, exibem taxas robustas de crescimento não como um presente do Estado, mas justamente porque se inseriram nas grandes redes produtivas da globalização capitalista, por terem feito reformas internas no sentido pró-mercado, por atraírem investimentos estrangeiros e por terem capitalistas nacionais que se lançam na competição internacional.

Em síntese, não existe um Estado desenvolvimentista, a não ser no discurso dos sociólogos. O que existe são políticas ditas desenvolvimentistas impulsionadas por certos governos durante certo tempo, mas mesmo essa caracterização é enganosa, pois o que existe, de fato, são políticas intervencionistas do governo na economia; se elas são, ou foram, desenvolvimentistas, isto só poderá ser visto ex-post. As fracassadas não entram na categoria, a despeito de terem sido exatamente iguais a outras que frutificaram e receberam essa caracterização; aí é preciso ver quais as fontes reais de crescimento, pois sem ele não existe desenvolvimentismo, e saber se houve políticas coerentes nesse sentido; as experiências bem sucedidas de industrialização da Alemanha no século XIX e do Japão no início do século XX podem ser chamadas de desenvolvimentistas? E as da Coreia a partir dos anos 1960? Certamente as da América Latina, a partir dos anos 1950 entram nessa categoria, mais por autodenominação do que por resultados efetivos, pois parece que a América Latina falhou miseravelmente em seus objetivos, a despeito mesmo de processos dinâmicos de desenvolvimento industrial; olhando a economia mundial, a participação da América Latina no comércio mundial de manufaturas, não apenas é medíocre, como recua ao longo das últimas 4 décadas, com a Ásia Pacífico tomando claramente o lugar da América Latina. Isso é desenvolvimentismo? Se for, foi completamente fracassado e frustrado.

Os países avançados, na verdade, sempre tiveram taxas mais modestas de crescimento, o que é absolutamente natural; taxas mais vigorosas só em países emergentes, a partir da segunda metade do século XX, e alguns deles tiveram comportamento errático nessa área, o que é claramente o caso da América Latina, e do Brasil; e isso não tem nada a ver com o liberalismo, pois as crises ocorreram também em governos tidos por desenvolvimentistas. Mas as políticas nacionais de desenvolvimento industrial são completamente diferentes umas das outras: as bases do crescimento da China são completamente diferentes das da Coreia, assim como ambas são diferentes das que foram seguidas na América Latina. No caso do Brasil, TODOS os seus governos, desde a primeira era Vargas, e mesmo antes, tiveram políticas industriais, geralmente de protecionismo aberto, de mercantilismo, de câmbio favorável, e de subsídios a perder de vista, todos! Algumas dessas políticas foram bem sucedidas, outras não.

Em conclusão, o desenvolvimentismo NUNCA foi objeto de um debate relevante na história econômica do século XX; no máximo foi uma construção cepaliana, ou prebischiana, que agitou as mentes de sociólogos, mais do que de economistas, da América Latina. Mas seus resultados efetivos, antes e agora, parecem ter sido frustrantes. Quais são os grandes exemplos de desenvolvimento rápido em função de tal ideologia? Quais os países que mais cresceram nos últimos 20 ou 30 anos? Eles o fizeram por força de ideias e políticas desenvolvimentistas? Duvidoso. Um dos países que mais cresceu desde os anos 1990, e que ingressou no “clube dos ricos”, a OCDE, foi o Chile. Ele o fez por políticas desenvolvimentistas? Depende do que se entende por políticas desenvolvimentistas. O Chile parece ter aderido às formulações da escola liberal de Chicago, mas mesmo isso é questionável. O que ele fez foi aproveitar suas vantagens comparativas para inserir-se no comércio internacional, algo que o velho mestre Eugênio Gudin preconizava para o Brasil desde os anos 1940. Mas, esta é uma história que precisa ser contada em outro contexto e em outra oportunidade.

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 27 de abril de 2021

 

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Depois do “comunavirus”, o “tecnototalitarismo”: o chanceler acidental insiste em hostilizar a China

 Araújo diz que relação com EUA seguirá fortalecimento da liberdade e democracia

O chanceler admitiu que o Brasil, num primeiro momento, teria interesse em participar da "aliança de democracias" proposta pelo presidente americano, Joe Biden

Valor Econômico | 29/1/2021, 13h37

O ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, disse nesta sexta-feira durante painel eletrônico promovido pelo Fórum Econômico Mundial de Davos que a relação do Brasil com os Estados Unidos na gestão Joe Biden seguirá os mesmos princípios já adotados, de fortalecimento da liberdade e da democracia. O chanceler admitiu que o Brasil, num primeiro momento, teria interesse em participar da "aliança de democracias" proposta pelo presidente americano, Joe Biden.

Araújo insistiu durante o debate que a "raiz" da relação entre os dois países é a liberdade, e isso terá impacto para todo o hemisfério, garantindo o combate ao crime organizado e ao que chamou de tentativas políticas de atacar a democracia. 

Ao analisar o contexto da economia mundial, o chanceler defendeu a necessidade de assegurar condições de competitividade, citando o pleito do Brasil para reformas na Organização Mundial do Comércio (OMC).

"Na OMC, o Brasil busca reformas para manter princípios básicos de economia de mercado", afirmou. "Precisamos de um sistema que recompense a democracia".

Questionado no debate sobre o papel da China na economia mundial, Araújo afirmou que a ideia de que a China se aproximaria do modelo de governança do Ocidente não ocorreu, e isso exige "criar condições em que se possa competir, independente dos sistemas sociais".

O ministro participou do debate ao lado de representantes dos governos do Canadá e da Espanha.

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2021/01/29/araujo-diz-que-relacao-com-eua-seguira-fortalecimento-da-liberdade-e-democracia.ghtml

 

 

Brasil e EUA precisam barrar 'tecno-totalitarismo', diz Ernesto Araújo em referência à China

Chanceler não cita país pelo nome em fala na qual evitou discutir cooperação sobre clima e Covid-19

Folha de S. Paulo | 29/1/2021, 13h44

O Brasil de Jair Bolsonaro quer uma aliança com os Estados Unidos e "outros parceiros democráticos" para barrar a ascensão do "tecno-totalitarismo" de países com "diferentes modelos de sociedade" —ou seja, a China.

A afirmação foi feita durante um painel virtual de debate do Fórum Econômico Mundial pelo chanceler brasileiro, Ernesto Araújo.

Ele fez questão de não nominar "nenhum país ou companhia específicos", mas todas suas intervenções foram voltadas a fustigar a China, maior parceiro comercial brasileiro e no centro da chamada guerra da vacina, por ser o principal produtor de insumos dos imunizantes a serem feitos no Brasil.

Ernesto estava acompanhado da chanceler espanhola, Arancha González, e do ministro canadense François-Philippe Champagne (ex-Relações Exteriores, agora Inovação), numa conversa mediada pelo presidente do fórum, Borge Brende.

A ideia era debater o conceito de cooperação internacional ante a realidade da pandemia da Covid-19 e da mudança climática —temas nos quais o negacionismo do governo Bolsonaro, alimentado pela ala ideológica da qual Ernesto faz parte, é notório.

Enquanto os colegas debatiam a necessidade de garantir vacinação equânime e enfrentar os desafios da demanda de imunizantes, Ernesto preferiu falar na necessidade de manter valores como a liberdade nas relações internacionais.

"Qualquer mudança nos EUA é imensa para nós", disse o chanceler, um fã declarado do antecessor do presidente Joe Biden, Donald Trump. "Se o foco é em mudança climática, OK, mas queremos fundamentar relação em liberdades", disse.

Foi uma referência enviesada ao pacote de US$ 2 trilhões na área do clima anunciado pelo democrata, que assumiu na semana passada.

"Um desafio é emergência do tecno-totalitarismo. Não se trata da questão de EUA contra China, mas é uma questão de diferentes modelos de sociedade. Novas tecnologias podem ser ótimas para a democracia, mas podem fornecer meios para um Estado totalitário, e não queremos isso."

"Queremos tratar desse tema com os Estados Unidos e parceiros democráticos", disse, excluindo a ditadura comunista da equação.

"Quem controla o discurso tem um tremendo poder. Não podemos deixar isso na mão de atores, e não falo aqui de países ou companhias específicas, que não são comprometidos com a liberdade", disse o chanceler.

Se não foi um ataque direto à China, como já fez no passado ao lado de expoentes do bolsonarismo com os filhos do presidente, foi uma pouco disfarçada declaração de princípios —ainda que tenha poupado os participantes da maquinações sobre o globalismo maléfico que permeiam suas falas.

"Quando olhamos para os anos 1990 e 2000, a ideia era de que a China iria se tornar parecida com o Ocidente. Isso não aconteceu. O Ocidente se tornou mais parecido com a China. Nós não temos de mudar nossa sociedade", afirmou.

Sobre mudança climática, que Ernesto já chamou de ideologia, ou Covid-19, cuja trapalhada na compra de doses de vacina da Índia custou pressão sobre seu cargo, nenhuma elaboração foi feita.

Seus colegas foram mais cautelosos quando questionados sobre os efeitos da separação ("decoupling", no jargão internacional em inglês) dos modelos tecnológicos dos países encarnada na disputa pela implementação das redes 5G —a chamada internet das coisas.

Como se sabe, a China oferece um produto mais barato e eficaz, mas que é acusado no Ocidente de embutir elementos de espionagem ou roubo de dados. A discussão está viva no Brasil, que teoricamente decide neste ano quem vai poder fornecer equipamentos e operar o 5G no país.

"Não podemos permitir a separação [nas relações internacionais] quando o assunto é a mudança climática. Temos de evitar a todo custo o confronto [entre China e EUA]", disse González ao comentar a posição europeia ante a briga dos gigantes.

Champagne concordou com Ernesto acerca da necessidade de promover a governança democrática, mas disse que a relação com a China é "algo complexo".

Para Ernesto, a única forma de lidar com a questão é deixar as pendências para serem resolvidas em entidades como a Organização Mundial do Comércio, desde que reformuladas —o Brasil compartilha a visão americana de que a China não joga pelas regras ali.

"O sistema internacional tem de premiar a democracia", disse o brasileiro. Reticente acerca de Biden, afirmou que o Brasil quer trabalhar com o novo presidente americano "dentro desse arcabouço de liberdade" e que é a favor do que o democrata chamou de "aliança de democracias".

Aproveitou e repetiu a narrativa usual do bolsonarismo de que o Brasil vinha "de uma situação em que estávamos longe das democracias", em relação à política Sul-Sul da era Lula, que já havia sido parcialmente revertida nas gestões Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/01/brasil-e-eua-precisam-barrar-tecno-totalitarismo-diz-ernesto-araujo-em-referencia-a-china.shtml

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Vice-presidente preocupado Mourão com as ideologias - Patrick Camporez, Terra Notícias

 Se o General Mourão está realmente preocupado com as ideologias, ele deveria tentar diminuir o componente ideológico extremamente exacerbado — com perdão do pleonasmo — que existe no governo do qual ele faz parte, em especial no terreno da política externa, onde o que existe é uma diplomacia olavista inspirada nos piores fundamentalistas ideológicos movidos por teorias conspiratórias sobre um fantasmagórico globalismo.

Paulo Roberto de Almeida

Mourão: Jovens têm sido vítimas de "intérpretes ideológicos"

Para o vice-presidente, ao longo das últimas quatro décadas juventude brasileira vem sendo alvo de 'visão deformada'


Patrik Camporez

Terra Notícias, 22/12/2020


BRASÍLIA - O vice-presidente Hamilton Mourão disse nesta segunda-feira, 21, que a juventude brasileira tem sido "vítima de uma visão deformada" da história, nas últimas quatro décadas, período que praticamente coincide com o fim da ditadura militar. Em evento promovido pelo Instituto General Villas Boas, do qual participou de forma virtual, Mourão afirmou que "os grandes autores desapareceram" e, no lugar deles, entraram "intérpretes ideológicos".


"Ao longo das últimas quatro décadas, nossa juventude tem sido vítima de uma visão deformada, que, esquecendo os valores onde foi assentada a nossa nacionalidade, buscou pura e simplesmente apagar a riqueza da história do Brasil", disse o vice-presidente. "Os grandes autores simplesmente desapareceram, substituídos que foram por intérpretes ideológicos dos 520 anos em que essa Nação foi esculpida."


A um público composto majoritariamente por militares, Mourão disse que o instituto com o nome do ex-comandante do Exército assumiu um papel de vanguarda e elogiou o ministro da Educação, Milton Ribeiro, que também participou do lançamento da coleção de livros "Pensadores do Brasil".


"As ideias conformam uma percepção da realidade mais ou menos correta, representando um esforço efetivo para captar e desenvolver o seu potencial. As ideologias, não. Exteriorizam o desejo de alterar realidades, razão pela qual as tentativas de aplicá-las correspondem sempre a um fracasso. As ideias constroem. As ideologias destroem", argumentou Mourão.


Ao finalizar sua participação, o vice-presidente parabenizou o instituto pela iniciativa. "Com a grandeza da alma, (o projeto) faz justiça ao nosso passado histórico e oferece às novas gerações um conhecimento diferenciado sobre os problemas nacionais", observou.

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Condutas dos servidores na campanha eleitoral: ironias do Itamaraty bolsolavista - chanceler acidental; Paulo Roberto de Almeida

Conduta dos servidores na campanha eleitoral: ironias do Itamaraty bolsolavista

 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

[Objetivoesclarecimento públicofinalidaderessaltar a contradição]

 

O boletim diário do Itamaraty, instrumento básico de informação dos diplomatas, ao lado do Boletim de Serviço – que publica os atos oficiais de movimentação de pessoal e medidas correlatas –, que deveria ser complementado pelos clippings diários de notícias nacionais e internacionais – perversamente suprimidos pela atual gestão, provavelmente porque a “grande mídia” trazia muita matéria contrária à política externa bolsolavista –, publicou a seguinte nota nesta quarta-feira, 9/09/2020:

 

"Eleições Municipais 2020 – Orientações sobre condutas vedadas aos Agentes Públicos Federais em eleições | Última atualização - 31/08/2020 às 09:51

Com o objetivo de orientar a ação dos agentes públicos, a Plataforma +Brasil disponibiliza cartilha com informações básicas acerca dos direitos políticos e das normas éticas e legais que devem nortear a atuação dos agentes públicos federais no ano das eleições municipais de 2020 http://plataformamaisbrasil.gov.br/ajuda/manuais-e-cartilhas/condutas-vedadas-aos-agentes-publicos-federais-em-eleicoes-2020.

Além disso, a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República também publicou normas sobre veiculação de publicidade governamental no período de eleições municipais, disponíveis no endereço http://www.secom.gov.br/eleicoes-municipais-2020-orientacoes-ao-sicom."

 

Existe aqui uma suprema ironia para quem conhece a história do chanceler acidental. Essa mesma Cartilha, distribuída a todos os “agentes públicos federais” a cada eleição, já estava em vigor nas eleições presidenciais de 2018, da qual o então ministro de primeira classe recém promovido pela administração Temer-Aloysio Nunes, participou com grande entusiasmo, ainda que clandestinamente ao início. Quando descoberto, numa famosa matéria da jornalista Patrícia Campos Mello, do dia 30 de setembro de 2018, o militante até então secreto da causa bolsonarista, foi pedir perdão ao titular do Gabinete, por meio da Secretaria Geral do Itamaraty; recebeu permissão para continuar, e por isso até fez uma postagem, no dia 2 de outubro, agradecendo a deferência: 

Quero aqui agradecer e enaltecer as altas chefias do Itamaraty por seu compromisso com a liberdade de expressão e com o pluralismo, que me dá a oportunidade de compartilhar estas reflexões. Não sei se esses princípios sobreviverão se o PT “tomar o poder”.

 

Pretendo destacar aqui algumas pérolas do comentarista desconhecido, até quase a véspera do primeiro turno de 2018, agregando alguns exemplos ao longo do período eleitoral que vai de meados de setembro até a realização do segundo turno. O fato é que ele estava empenhado na campanha desde 2017, quando se revelou por meio de um famoso artigo, “Trump e o Ocidente”, que foi publicado na revista do IPRI, que eu dirigia, Cadernos de Política Exterior (embora o artigo não tivesse muito a ver com a natureza da publicação).

Os interessados em conhecer o “pensamento” – se o substantivo se aplica – do chanceler acidental podem acessar o seu blog (enquanto existir) que se chama – num título que remete aos círculos wagnerianos pré-nazistas – Metapolítica 17 - contra o globalismo (neste link: https://www.metapoliticabrasil.com/blog/), do qual retiro apenas alguns tópicos, para refrescar a memória de alguns responsáveis pelo Comitê de Ética da PR sobre como se pode burlar impunemente as regras de conduta que eles recomendam aos “agentes públicos”. 

 

1) Na primeira postagem, em 22 de setembro de 2018, Ernesto Araújo, enalteceu as virtudes do povo: 

Os ignorantes e os instruídos

Ernesto Araújo O povo é muito mais são e sábio do que a classe instruída. Talvez justamente por não passarem por uma escolarização emburr...

Na campanha eleitoral brasileira, hoje, vemos os instruídos preocupados unicamente com duas ou três frases pronunciadas por Bolsonaro ou pelo General Mourão. Repetem essas frases nos seus restaurantes e teatros e competem para ver quem mais se indigna. (Só não se dão ao trabalho de analisar o contexto das frases, é claro, porque analisar uma expressão no seu contexto é tarefa complexa, a exigir as faculdades cognitivas que os vários níveis de educação lhes retiraram.) Dizem que jamais votariam num candidato que disse isto ou aquilo sobre "as mulheres" ou "os gays". Para eles, mulheres ou gays não são indivíduos realmente existentes, mas categorias políticas, personagens chapados numa novela esquerdista com um enredo absolutamente primário, que jamais satisfaria qualquer pessoa dotada de boa-fé e curiosidade intelectual.

 

2) Logo em seguida, no dia 23/09/2018, ele enaltece a polarização em curso: 

Viva a polarização

Toda a realidade, seja humana ou natural, está estruturada de maneira polarizada, com dois polos binários, que se resolvem no logos incar...

As mesmas pessoas que dizem detestar a polarização querem apelar a um certo moralismo puramente verbal no atual debate político. Sustentam que algumas frases que Bolsonaro pronunciou a respeito de mulheres, gays ou negros, transformam a eleição numa questão moral. O saque da Petrobras, o mensalão, o achincalhamento das instituições, o assassinato de Celso Daniel e a tentativa de assassinato de Bolsonaro, nada disso acaso são questões morais? (...)

A esquerda não quer polarização porque não quer nenhuma concorrência ao seu polo totalizante, que ocupa todo o espectro do centro moderado até o stalinismo (veja-se, para exemplificá-lo, a perspectiva de uma aliança do PT, cuja candidata a vice-presidente pertence ao PC do B stalinista, com o PSDB liberal reformista, cuja candidata a vice-presidente pertence ao PP, partido herdeiro da ARENA: assim, o centro moderado no Brasil vai de Stalin a Geisel, passando por Lula e FHC).

 

3) Dois dias depois, em 25/09/2018, o elogio é ao povo, que “se interessa por política externa”, contrariamente ao que acreditaria a esquerda: 

O que está em jogo

Ernesto Araújo É um equívoco dizer que o eleitor brasileiro não se interessa por política externa e que por isso as relações internaciona...

O sistema não quer que o brasileiro saiba que o Brasil está, hoje, chamado a participar de uma gigantesca luta mundial, que se desdobra em vários aspectos: (...)

A luta pela soberania econômica e política dos países, contra o domínio das cadeias produtivas de bens e contra o monopólio da circulação de informações por uma elite transnacional niilista, contra uma economia globalizada maoísta-capitalista centrada na China.

A luta pela democracia efetiva e contra a reemergência do bolivarianismo na América Latina, o sistema regional de implantação do "Socialismo do Século XXI".

As opções reais de política externa são: ou aliar-se aos países e forças que lutam contra o globalismo, ou deixar que o Brasil, junto com todas as nações, desapareça na geleia geral de um mundo desnacionalizado e desespiritualizado (a nação é a casa do espírito!) e torne-se uma província da "pátria grande" socialista.

A esquerda, juntamente com o centro..., usa o seu controle da mídia e da academia para ocultar ao brasileiro o que está em jogo nas eleições, em relação à nossa inserção internacional: se o Brasil combaterá por um mundo de nações e de pessoas livres, ou se continuará deixando-se levar para um império global sem amor e sem apego, onde impera um programa de controle político-mental que aniquila a personalidade de pessoas e povos para melhor dominar.

 

4) No dia seguinte, 26/09, os ataques ao PT emanam naturalmente do “povo”: 

O povo contra o sistema

Ernesto Araújo No final dos anos 70 e primeira metade dos anos 80, o debate esquerda-direita no Brasil era um debate político entre liber...

O PT assumiu assim, sem maior dificuldade, o completo controle do país. Atribuiu ao PSDB o papel de "direita" e governou confortavelmente por 13 anos. (...) Esse regime tão eficiente e popular só se esqueceu de colocar uma coisa em sua equação: o povo. (...)

Dessa agenda do povo brasileiro nasceu a candidatura de Bolsonaro. Todos sabem que Bolsonaro é o único candidato anti-sistema. (...) Na verdade, sua candidatura é o único projeto político que atende ao anseio mais profundo do povo brasileiro.

Trata-se de uma candidatura de direita, certamente, e não poderia ser de outra forma já que todo o espectro político do sistema foi ocupado pela esquerda. (...)

Tudo o que é decente e bom, hoje, está na direita, simplesmente porque a direita é, hoje, o único lugar que acolhe tudo o que é bom e decente. (...)

Por isso, muitas pessoas que se consideram centristas e muitos políticos autênticos estão abandonando os candidatos presidenciais ditos de centro e entendendo que a única casa sob cujo teto podem abrigar suas ideias e suas esperanças é a campanha de Bolsonaro.

 

5) Imediatamente após, em 27/09, confiando na sua “clandestinidade”, Ernesto se permite criticar o discurso do presidente Temer, na abertura dos debates na Assembleia Geral, quando o presidente se refere à “nossa Venezuela” (ele coloca o vídeo do discurso para provar), e logo em seguida transcreve um trecho do discurso do presidente Trump atacando de forma veemente o governo de Maduro: 

"Nosso país, a Venezuela"

Do discurso do Presidente Michel Temer na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas (Nova York, 25/10/2018): “Na América do Sul, os ...

Mas sabemos que a solução para a crise virá quando, na verdade, o nosso país, a Venezuela, reencontrar o caminho do desenvolvimento. (https://www.youtube.com/watch?v=1nYdOEM6D1M).

Do discurso do Presidente Donald Trump na mesma ocasião: (...)

 

6) No mesmo dia, ele ainda encontra tempo para atacar o candidato do PT e seu projeto, provavelmente numa alusão à linha de transmissão que transporta eletricidade da Venezuela a Roraima, destacada da rede nacional de energia.: 

Linha de transmissão

Haddad é o poste de Lula. Lula é o poste de Maduro, atual gestor do projeto bolivariano. Maduro é o poste de Chávez. Chávez era o poste d...

Haddad é o poste de Lula.

Lula é o poste de Maduro, atual gestor do projeto bolivariano.

Maduro é o poste de Chávez.

Chávez era o poste do Socialismo do Século XXI de Laclau.

Laclau e todo o marxismo disfarçado de pós-marxismo é o poste do maoísmo.

O maoísmo é o poste do inferno.

Bela linha de transmissão.

 

7) No dia seguinte, em 28/09, sempre atarefado em sua missão secreta de angariar votos para o seu candidato, ou mais provavelmente em consolidar sua candidatura ao cargo de chanceler do futuro presidente, ele conclama os conservadores a se mobilizarem: 

Acorda e luta!

Acorda, liberal! Sai da cama, conservador! Você pretende ficar neutro, assistindo à batalha pelo futuro do Brasil e comendo pipoca, como ...

Acorda, liberal!

Sai da cama, conservador!

Você pretende ficar neutro, assistindo à batalha pelo futuro do Brasil e comendo pipoca, como se estivesse vendo Croácia x Dinamarca?

Você tem algo mais importante a fazer do que salvar o seu país?

Quem se diz liberal e não está com Bolsonaro é porque não se importa com a liberdade, mas apenas com a sua própria imagem.

Quem se diz conservador e não está com Bolsonaro é porque só quer conservar sua própria convicção de superioridade moral.

O PT (Partido Terrorista) está se preparando para tomar o poder no Brasil.

Na véspera da I Guerra Mundial, o Secretário do Exterior britânico, Edward Grey, prevendo a catástrofe, disse a um amigo: “As luzes estão-se apagando em toda a Europa. Não as veremos novamente em nossas vidas.”

No Brasil, se o PT ganhar, vai extinguir todas as luzes da decência e da liberdade, e não as veremos acesas novamente em nossas vidas. (...)

Fascista é o nome dado pelos comunistas a qualquer inimigo do regime de terror que o PT pretende instaurar ou reinstaurar no Brasil.

A sobrevivência do Brasil depende de você perder o medo de ser chamado de fascista. 

Acorda, sai da cama e vem para a luta! É o Brasil que está jogando o jogo mais importante da sua vida.

 

8) Depois de mais uma postagem atacando a esquerda no dia 29, no próprio dia em que sua identidade seria revelada na reportagem de Patrícia Campos Mello na FSP (30/09), como o único diplomata a apoiar ativamente o candidato da direita, ele novamente conclama o povo a vir em apoio ao candidato, revelando seus sentimentos com uma grande carreata pró-Bolsonaro em Brasília: 

Mas se ergues da justiça a clava forte

Algumas reflexões sobre a carreata pró-Bolsonaro em Brasília, com 25.000 carros, em 30 de setembro: Não vi ódio em ninguém, em nenhum ins...

Algumas reflexões sobre a carreata pró-Bolsonaro em Brasília, com 25.000 carros, em 30 de setembro:

Não vi ódio em ninguém, em nenhum instante. O movimento popular por Bolsonaro não se nutre de ódio, mas de amor e de esperança. As pessoas sorriem e celebram. Há um clima de congregação, uma energia coletiva impressionante, uma presença. Só me lembro de uma atmosfera cívica desse tipo em duas ocasiões: a campanha das Diretas Já em 1984 e o movimento pelo impeachment em 2016. É a primeira vez, portanto, que este oceano profundo, obscuro, poderoso de sentimento coletivo, ruge desta maneira em uma situação eleitoral. Isso significa que se trata de muito mais do que uma eleição, de uma escolha entre diferentes projetos para a pátria. Trata-se de uma luta pela sobrevivência da pátria.

O hino nacional fala de bosques e campos floridos e de uma vida serena, mas em certo ponto interrompe todo esse aconchego e proclama: “mas se ergues da justiça a clava forte, verás que o filho teu não foge à luta”. A mão fazendo o gesto de atirar é a pátria-mãe erguendo a clava forte! E não esqueçamos que Jesus, o príncipe da paz, disse em alto e bom som: “não vim trazer a paz, mas a espada”.

Arma só é símbolo de violência na mão de bandido. Na mão de pessoas de bem, arma é símbolo de orgulho, confiança, determinação e justiça.

Vi pessoas de todos os níveis de renda, de todos os tons de pele. Vi homens e muitas mulheres, se bobear mais mulheres do que homens. Pensei na cena final do Fausto de Goethe: Das Ewig-Weibliche zieht uns hinan. “O eterno feminino nos eleva ao alto.” A Virgem e a pátria-mãe gentil estão conosco.

Alegria por poder participar de algo tão grande, angústia por saber que não temos a opção de perder diante de um inimigo tão pérfido, confiança na justiça e no poder mais alto. A carreata continua até salvarmos o Brasil.

 

9) No dia seguinte, 1/10/2018, mas com uma postagem que já devia estar preparada antes, ele ainda ataca o candidato da esquerda em especial e o marxismo em geral: 

Teses sobre Fernando Haddad

Em 1998, o então professor de Ciência Política da USP Fernando Haddad publicou, na revista Estudos Avançados, um breve texto intitulado "...

O marxismo é um projeto para destruir o cristianismo, não o capitalismo. O capitalismo é visto por Marx simplesmente como um meio capaz de acelerar, pela desagregação que promove na sociedade tradicional, seu projeto anticristão. (...) A tarefa então é aniquilar a família humana, destruir o homem, para poder aniquilar o salvador que é Deus. Isto não está em alguma nota de pé de página ou em algum rascunho de Marx, está no centro do texto que os marxistas consideram a essência de sua obra. Esse é o marxismo ou o socialismo que, com Haddad, pretende tomar o Brasil.

 

10) Finalmente, provavelmente constrangido por ter sido revelado, ele vai pedir compreensão ao Gabinete, no dia 2/10, e até se permite elogiar a postura aberta das “altas chefias”, personalidades que ele atacaria de forma acerba depois, com munição fornecida pelo “Gabinete do Ódio”;

Um registro

Quero aqui agradecer e enaltecer as altas chefias do Itamaraty por seu compromisso com a liberdade de expressão e com o pluralismo, que m...

Quero aqui agradecer e enaltecer as altas chefias do Itamaraty por seu compromisso com a liberdade de expressão e com o pluralismo, que me dá a oportunidade de compartilhar estas reflexões.

Não sei se esses princípios sobreviverão se o PT “tomar o poder”.


11) Nos dias seguintes, e durante todo o intervalo entre o primeiro e o segundo turno, EA faz diversas postagens, praticamente uma a cada dia, sempre atacando a esquerda, o PT e o seu candidato. Quase na véspera do segundo turno, em 20/10, ele recrudesce: 

Eu vim de graça

Não há nada que o PT odeie tanto quanto a liberdade: liberdade econômica, liberdade de pensamento, liberdade de expressão. Isso porque o ...

Não há nada que o PT odeie tanto quanto a liberdade: liberdade econômica, liberdade de pensamento, liberdade de expressão.

Isso porque o PT, fiel ao “belo ideal socialista”, odeia o ser humano.

Deixado a si mesmo, o ser humano cria e produz, ama e constrói, trabalha e confia, realiza-se e projeta-se para a frente.

Então não pode. O PT (que aqui significa não apenas “Partido dos Trabalhadores”, mas também Projeto Totalitário ou Programa da Tirania) não pode deixar o ser humano a si mesmo. (...)

A única coisa que o Projeto Totalitário não criminaliza é o próprio crime e os próprios criminosos. Ou seja, o PT criminaliza tudo, menos a si mesmo.

Agora querem criminalizar o Whatsapp.

O ideal do PT (já expresso por alguns ecologistas radicais) é que a espécie humana não existisse. Já que existe, ainda, vamos fazer dela o pior possível, para que a humanidade se odeie tanto a ponto de um dia cometer suicídio. Sim, o Projeto Totalitário, do qual o “Partido dos Trabalhadores” faz parte integralmente até a medula dos seus ossos e até o fundo do buraco que tem no lugar do coração, é levar a humanidade ao suicídio. Para isso precisa destruir a alegria de viver, que depende da liberdade. Censurar o Whatsapp é mais uma tentativa.

 

12) Finalmente, o triunfo, devidamente comemorado em 24 de outubro de 2018:

Todo o poder emana

Nunca é demais lembrar o que diz o Artigo 1º, parágrafo único, da Constituição Federal: “Todo o poder emana do povo.” Em todos os 114 art...

O povo vem criando um novo Brasil. Já criou ao menos a imagem de um novo Brasil – um Brasil sem PT, sem crime, sem falsidade – e agora se prepara para alcançar essa imagem, para tocá-la e começar a vivê-la.

 

13) Seguiram-se uma dezena de postagens altamente ideológicas, como pode ser verificado no site Metapolítica 17, e isso a despeito de o presidente, que o escolheu em 14/11/2018 (sob provável injunção do guru expatriado e dos dois olavistas que o controlam de perto, em Brasília), ter prometido uma política externa “sem ideologia”. Uma dessas postagens consistiu num artigo, “Contra o consenso da inação”, com críticas acerbas ao ex-ministro Rubens Ricupero e ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que foi objeto de uma postagem conjunta, que fiz em meu blog na madrugada do dia 4/03/2019, e que motivou minha exoneração poucas horas depois.

 

14) Nos meses seguintes, as postagens amainaram, mas todas elas tinham um sentido altamente ideológico, como aquela famosa que defendia a tese – imediatamente rejeitada até pela embaixada da República Federal da Alemanha em Brasília – segundo a qual o nazismo era um “movimento de esquerda”, em 30/03/2019: 

Pela aliança liberal-conservadora

A esquerda fica apavorada cada vez que ressurge o debate sobre a possibilidade de classificar o nazismo como movimento de esquerda. Dá a ...

 

15) Raras foram as postagens no restante do ano de 2019, sendo que uma delas, em 19 de julho, defendia a “liberdade religiosa, religião libertadora”, até que finalmente chegamos à apoteose ideológica da famosa reunião dos impropérios, no dia 22 de abril de 2020, durante a qual o presidente recrudesceu contra a Polícia Federal e seus demais inimigos no governo e fora dele, ao passo que o chanceler acidental, defendendo o grande papel do Brasil de Bolsonaro na reorganização do poder mundial, cunhou o famoso slogan do “comunavirus”, o terrível inimigo que surgiu na China para dominar o Ocidente: 

Chegou o Comunavírus

O Coronavírus nos faz despertar novamente para o pesadelo comunista. Chegou o Comunavírus. É o que mostra Slavoj Žižek, um dos principais...

 Žižek revela aquilo que os marxistas há trinta anos escondem: o globalismo substitui o socialismo como estágio preparatório ao comunismo. A pandemia do coronavírus representa, para ele, uma imensa oportunidade de construir uma ordem mundial sem nações e sem liberdade.


Querem mais, querem se divertir, querem lamentar? Basta acessar o site do chanceler acidental – que não sei quanto tempo dura, mas tenho tudo registrado –, embora outras formidáveis bobagens figuram em entrevistas e artigos que podem ser acessadas nos sites do Itamaraty e da Funag. Creio que bastam as pérolas acima...

 


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3750, 9 de setembro de 2020