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quinta-feira, 12 de agosto de 2021

A “toca de coelho” das teorias conspiratórias - Marcos Rolim (Extraclasse)

 Marcos Rolim se pergunta, estarrecido: como foi possível, a tanta gente, nos EUA e no Brasil, chegar a esse estado de alienação completa, de total desvinculação da realidade? Trump, lá, Bolsovirus aqui, foram os grandes arautos das teorias conspiratórias, e com isso congregaram os doidos que antes estavam dispersos pela sociedade…

Paulo Roberto de Almeida 

OPINIÃO

A toca do coelho 

Alimentados por narrativas cada vez mais descompromissadas com a realidade, há centenas de milhares de bolsonaristas radicais para quem o mundo é uma grande armadilha
Por Marcos Rolim / Extraclasse, 12 de agosto de 2021 
 
 
 
 

“QAnon é o nome de uma teoria da conspiração da extrema-direita dos EUA,
que mobiliza milhões de pessoas em todo o mundo”

Foto: Elvert Barnes/ Visualhunt.com

Alice entrou na toca atrás dele, sem ao menos pensar em como é que sairia dali depois. A toca do coelho, no começo, alongava-se como um túnel, mas, de repente, abria-se como um poço, tão de repente que Alice não teve um segundo sequer para pensar em parar, antes de se ver caindo no que parecia ser um buraco muito fundo

O maior massacre em escolas nos Estados Unidos ocorreu em 2018 na Marjory Stonemam Douglas High School, na cidade de Parkland, na Flórida. O atirador, um ex-aluno de 19 anos que havia sido expulso da escola, usou um fuzil Smith & Weston M&P15, arma com a qual disparou durante seis minutos matando 17 pessoas e ferindo com gravidade outras 15. Nas redes sociais, o jovem manifestava sua adoração por armas, se relacionava com grupos neonazistas e supremacistas brancos e defendia o assassinato de mexicanos, negros e homossexuais.

O massacre produziu a campanha Never Again MSD por uma política de controle de armas de fogo nos EUA, organizada pelos sobreviventes. A campanha chegou ao seu ápice com uma grande marcha (March for our lives), que reuniu entre 1,2 milhão a 2 milhões de pessoas, um dos maiores protestos da história do país.

Um dos meninos sobreviventes da tragédia revelou, recentemente, que uma das piores coisas que ocorreu com ele foi, depois de tudo pelo que passou, ouvir de seu pai a “avaliação” de que a história do massacre não passava de uma farsa. “O fato de meu pai achar que o inferno absoluto pelo qual passamos, onde nove das vítimas estavam em nossa classe, foi um embuste piorou muito a situação. (…) Eu sequer contei isso aos demais, porque essa é uma dor que não quero que eles sintam”, explicou.  “Acho que meu pai ficou louco. Ele sempre foi muito conservador, mas agora QAnon consumiu sua vida a ponto de despedaçar nossa família”, disse. QAnon é o nome de uma teoria da conspiração da extrema-direita dos EUA, que mobiliza milhões de pessoas em todo o mundo.

A questão é: o que pode fazer com que alguém se desvincule de forma tão radical da realidade a ponto de acusar o próprio filho, sobrevivente de um massacre, de participar de um embuste?

Muitos dos integrantes da turba que invadiu o Capitólio em janeiro deste ano para tentar impedir a proclamação dos resultados das eleições presidenciais nos EUA usavam camisetas com a marca “Q”, sinalizando sua confiança em uma das narrativas mais alucinadas já criadas. Segundo QAnon, há uma cabala secreta formada por adoradores de satanás, pedófilos e canibais, que governam o mundo. Eles matariam bebês para injetar seu sangue e rejuvenescer. Donald Trump estaria empenhado em acabar com essa turma, razão pela qual enfrentou tanta oposição do “sistema” ou daquilo que QAnon chama de Deep State  (Estado profundo). A cabala seria liderada pelos comunistas, pela ONU e pelos democratas americanos, claro. Segundo QAnon, os massacres em escolas americanas seriam fake news inventadas pela cabala com o objetivo de acabar com o direito à posse e ao porte de armas de fogo. Quem tiver interesse nessa loucura pode conferir uma série documental na HBO, chamada “Q: Into The Storm”.

As pessoas que mergulharam na narrativa QAnon se perderam. Muitas, talvez, para sempre. Para todos os efeitos, é como se elas tivessem entrado na toca do coelho criada por Lewis Carroll em Alice no País das Maravilhas. Com a diferença de que Alice nunca abdicou de pensar e que, por isso, procurou o caminho de volta ao mundo, cansada das irracionalidades do “País das Maravilhas”.

No Brasil, estamos presenciando um fenômeno semelhante. Alimentados por narrativas cada vez mais descompromissadas com a realidade, há centenas de milhares de bolsonaristas radicais para quem o mundo é uma grande armadilha, em que poderosos interesses econômicos, alinhados com a “imprensa comunista”, com os políticos e o STF, impedem que o presidente governe. Para eles, a pandemia é um exagero, o coronavírus é uma estratégia da China para dominar o mundo, o aquecimento global é uma invenção da esquerda, as eleições em urna eletrônica – as mesmas que registram as eleições de Bolsonaro e de seus filhos há décadas – são fraudulentas; a ditadura militar não existiu, nem houve tortura, estupro de presas políticas, desaparecimento de cadáveres nos “anos de chumbo”. Para esses radicais, vacinas são um perigo e armas de fogo salvam vidas; a Amazônia não está em risco, racismo é “mimimi” e bandido bom é bandido do Centrão.

A partir desse lugar mágico em que confortam suas certezas, o núcleo mais duro do bolsonarismo se radicaliza crescentemente, inspirado por discursos fascistas disseminados pelas redes sociais, por aplicativos e nos “chans” (fóruns anônimos) na deep web, que estimulam a disseminação do ódio.

Uma das questões a resolver é: como desradicalizar pessoas? Temos algumas experiências internacionais, como o programa Exit Deutschland, liderado por Ingo Hasselbach, na Alemanha, inspirado em um programa sueco semelhante de desnazificação, além de metodologias que auxiliam pessoas envolvidas com violência política a deixarem suas organizações, como aquela proposta pela pesquisadora portuguesa Raquel da Silva, da Universidade de Birmingham (UK). O tema merece o estudo e, pela quantidade de pessoas que caíram “na toca do coelho”, teremos muito trabalho no Brasil.

PS – Agradeço à Sofia Rolim, minha filha, que me chamou atenção para a importância desse tema e me indicou a entrevista com o sobrevivente de Parkland.


sexta-feira, 28 de junho de 2019

Gênero, sexo e outras coisas do mesmo gênero: leituras recomendadas

Por acaso, recebo de uma editora uma série de leituras que poderão ajudar a retificar certas ideias malucas que circulam por aí...

digitaisamor é amor

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Educação e Igualdade de Gênero Gênero e SexualidadePolíticas de Gênero na América Latina

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Gênero, Orientação Sexual, Raça e ClasseFeminismos na Imprensa Alternativa BrasileiraGênero na Educação Infantil

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sociedade

Inclusão e DiversidadeRelações de Gênero na Escola Pública de Trânsito Sociedade, História e Relações de Gênero



sábado, 1 de dezembro de 2018

Monica de Bolle sobre a ideologia de genero - Revista Epoca

O Brasil, que encontra-se numa fase de transição para um novo regime – esperemos que para melhor no terreno econômico, pelo menos –, enfrenta hoje um confronto de narrativas sobre diversos elementos daquilo que poderíamos grosseiramente chamar de "panorama cultural".
Também acho que vivemos sob uma espécie de "pensamento único" sob o regime companheiro, entre 2003 e 2016 (e muitas de suas manifestações não cessaram ainda nos meios formadores de opinião).
Mas, isso não quer dizer que temos de cair do outro lado, na rejeição de tudo o que havia e na adoção de uma visão conservadora do mundo.
O que mais preocupa não é nem a consolidação de alguma "ideologia" que sustentaria o novo regime, pois ideologia significa, basicamente, sistematização de algumas ideias em torno de alguma proposta mais ou menos coerente.
Ora, o que temos até aqui é uma grande confusão mental, e na maior parte das vezes a expressão da pura ignorância, se a ignorância consegue se expressar. 
Tenho um problema básico em relação a essa confusão: tenho alergia à burrice. Consigo debater ideias, mas não me sinto confortável em face da confusão mental atualmente reinante.
Monica de Bolle reflete sobre uma dessas confusões mentais, a tal de "ideologia de gênero". 
Eu só gostaria de ver a inteligência prevalecer. Seria pedir muito?
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1/12/2018

Não fossem o gogó e os pés...

O rechaço à chamada ideologia de gênero vem se espalhando na América Latina com o fervor ultraconservador que se alastra como epidemia de fé e de rejeição à ciência

Monica de Bolle, economista e diretora do Instituto de Estudos de Política Econômica, conhecido como Casa das Garças. Rio de Janeiro (Cid.) - Brasil. 12/12/2012. Foto: Stefano Martini / Editora Globo. Foto: Stefano Martini / Editora Globo
Sai a figura oculta que é um cachorro atrás, entra o marxismo cultural. Sai a saudação à mandioca, entra a ideologia de gênero. Ricardo Veléz Rodríguez, filósofo, teólogo e futuro ministro da Educação do governo Bolsonaro, condena a tal da ideologia de gênero, que, segundo ele e todos os ultraconservadores de sua estirpe que hoje pipocam mundo afora, é uma afronta aos valores tradicionais cristãos. Trata-se, segundo ele, de ideologia “destinada a desmontar os valores tradicionais de nossa sociedade, no que tange à preservação da vida, da família, da cidadania, em soma, do patriotismo”. Assim como o novo chanceler de Bolsonaro, o futuro ministro da Educação mantém, desde 2009, um blog em que expõe suas ideias. Apropriadamente, o blog chama-se “Rocinante”, cavalo virtual em que monta Vélez Rodríguez para lutar batalhas quixotescas contra moinhos de vento como a “doutrinação de esquerda nas escolas”. Vélez Rodríguez, quem poderia imaginar, quer estocar o vento da ideologia de gênero, trancando-o num armário bem fechadinho.
Mas o que é ideologia de gênero? De acordo com alguns estudos e análises — sérios — da área de gender studies, a ideologia de gênero condenada por setores ultraconservadores mundo afora seria a visão de que gênero não tem relação com diferenças biológicas e de que pode ser simplesmente fruto de uma escolha individual. Segundo os detratores da ideologia de gênero — expressão cunhada por eles —, ela seria linha de pensamento perigosa que poderia contaminar as crianças e destruir a democracia. O movimento antigênero e anti-ideologia de gênero marcou presença nos ataques à visita da filósofa Judith Butler ao Brasil há pouco mais de um ano, no repúdio ao referendo sobre o acordo de paz do ex-presidente colombiano Juan Manuel Santos com as Farc em 2016, nas campanhas pela reforma da constituição distrital no México em 2017 e durante a votação final sobre a lei que acabaria com a proibição da interrupção da gravidez promulgada por Augusto Pinochet no Chile, também em 2017. Esses são apenas alguns exemplos de como o rechaço à chamada ideologia de gênero vem se espalhando na América Latina com o fervor ultraconservador que se alastra como epidemia de fé e de rejeição à ciência.
Sobre a ciência, não resisti e fui reler trechos do fabuloso livro da antropóloga Margaret Mead publicado em 1935, Sexo e temperamento. Para escrever sua obra, Mead viajou para a Papua-Nova Guiné, espécie de paraíso dos antropólogos devido à imensa diversidade étnica e cultural do arquipélago ao norte da Austrália. Meu interesse pelo país é antigo — o visitei em quatro ocasiões diferentes no ano de 2001 e lá permaneci durante um mês a cada visita. Portanto, passei quatro meses na Papua-Nova Guiné, país que muitos brasileiros provavelmente não saberão localizar no mapa. Fui parar lá pois na época trabalhava no Fundo Monetário Internacional e precisávamos monitorar o empréstimo que havíamos dado ao governo da Nova Guiné. Foi o país mais fascinante que visitei, mas divago. 
Margaret Mead foi para lá no início dos anos 30 e ficou por dois anos para conduzir uma pesquisa pioneira sobre a consciência de gênero. Seu objetivo era descobrir em que medida diferenças de temperamento entre os sexos eram culturalmente, não biologicamente, determinadas.
A Papua-Nova Guiné é o país ideal para estudar culturas isoladas, pois o terreno montanhoso da ilha principal, a densa floresta e a falta de infraestrutura — até hoje, só há estradas num raio de cerca de 20 quilômetros da capital, Port Moresby — tornavam muito difícil o contato entre diferentes povos primitivos. Ao estudar três culturas diferentes, Mead encontrou divergências significativas nos padrões de temperamento observados em homens e mulheres. Em um dos povos, homens e mulheres mostravam-se dóceis, gentis e cooperativos. Em outro, a mulher era agressiva, dominadora, enquanto o homem era submisso e emocionalmente dependente. No terceiro, tanto homens quanto mulheres mostravam-se violentos e agressivos, em luta constante por poder e posição hierárquica. O trabalho pioneiro de Mead revelou as profundas diferenças entre o sexo biológico e a construção cultural do que entendemos por gênero. Desde então, a literatura científica corroborou sua pesquisa e a ampliou enormemente.
Concluo esse artigo com duas reflexões. A primeira: como seria bom se o novo ministro da Educação passasse dois anos na selva da Nova Guiné. A segunda: “Super vitamina dos reflexos, tão complexos de ambos os sexos”. Dá um Close nela.
Monica de Bolle é diretora de estudos latino-americanos e mercados emergentes da Johns Hopkins University e pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics