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sábado, 8 de abril de 2023

Pensando no longo prazo histórico - Paulo Roberto de Almeida

Pensando no longo prazo histórico

Paulo Roberto de Almeida

Uma reflexão à la Gibbon ou à la Toynbee, num sábado de Aleluia. Falta um Homero nessa história, ou talvez um Heródoto ou um Tucídides? Mas, chega de destruição! Feliz Páscoa a todos!

Os romanos do século V não tinham ideia de que a dissolução de seu império iria lançar todos os povos da Europa e adjacências em mil anos de fragmentação política e econômica, recuo cultural e poucos avanços sociais. Mas, estes viviam enviando produtos e riquezas para Roma, de forma que não se preocuparam muito com o enfraquecimento da metrópole.

Tampouco os “romanos” de Constantinopla, que ganharam mil anos de sursis, podiam imaginar que o mundo otomano seria avassalador, até às portas da Europa, e que durasse tanto tempo (mais de 600 anos). Antes já tinham sofrido na passagem caótica das hordas cruzadistas, que devastaram tudo no seu caminho para Jerusalém.

Hoje, a ameaça é mais às liberdades do que ao bem-estar. Um “mundo chinês” terá, provavelmente, mais ordem e segurança, mas ao preço de coisas que julgamos elementares, como escolher o que você vai ler, assistir nas telas de TV, laptops ou celulares, o que você poderá expressar publicamente nas redes.

Seria um Big Brother não tão totalitário e opressor quanto o imaginado por Orwell, mas ainda assim um Big Brother estatal.

Impérios bem-sucedidos são mais longevos e resilientes do que Estados nacionais, que podem sucumbir a impérios predatórios. 

Para as tribos primitivas da Europa continental, o Império romano, por mais predador e escravista que fosse, representou avanços em matéria de segurança, cultura e comércio, ao preço da perda de suas características originais (e de muitos escravos enviados a Roma). 

Estaríamos no limiar de um novo império, vindo do Oriente profundo? 

Outros impérios menores (Mogul, persa, vikings) ficaram pelo caminho, submergidos por forças mais poderosas. O maior império marítimo do mundo, o britânico, encolheu como a peau de chagrin de Balzac; o mesmo pode ocorrer com o maior império terrestre, o russo, ou eslavo-bizantino. 

O Brasil nunca teve a oportunidade real de ser a sede de um grande império marítimo lusitano, e foi melhor assim, mas conservou durante muito tempo a chaga quase incurável do escravismo, que perdura até hoje nas relações contratuais.

Assim caminha a humanidade, certamente melhor hoje do que em qualquer época do passado, mas nunca liberta das paixões e interesses dos seres humanos que somos.

Não estamos tão longe assim da guerra de Troia, mesmo sem algum bardo à vista para cantar novas epopeias.

Pelo menos isso, para deixar aos nossos sempre curiosos descendentes.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 8/04/2023

terça-feira, 14 de março de 2023

Meandros da globalização claudicante - Paulo Roberto de Almeida

 Meandros da globalização claudicante

Paulo Roberto de Almeida 

Como andamos de globalização nesta segunda Guerra Fria, agora econômica e tecnológica (por enquanto), diferente da primeira, geopolítica e radical, na confrontação imperial?


Interessante observar que a despeito da atual confrontação aberta EUA-China, os negócios não conseguem se separar um da outra completamente, o que nunca ocorreu na primeira Guerra Fria (inclusive pela mediocridade econômica da URSS).

Parece impossível, e não apenas aos EUA, contornar a China na atual globalização fragmentada, como muitos já explicaram.

O Brasil fica com a parte menor disso, apenas o fornecimento de commodities para satisfazer, parcialmente, a voracidade da gigantesca máquina industrial chinesa, hoje superior à dos EUA e UE combinadas. 


A China é realmente incontornável, sobretudo economicamente, hoje voltando, com o seu novo imperador, à arrogância do seu antigo Império do Meio até os Qing, superior, científica e tecnologicamente, e até administrativamente, aos “reinos bárbaros” do Ocidente, que viviam se guerreando entre si. Tanto lutaram que acabaram humilhando o Império quase imóvel, que agora promete ser tão poderoso para nunca mais ser humilhado pelos ocidentais. A Rússia atual, decadente e deformada, já é um vassalo menor (mas ainda dotado de mortíferas máquinas de guerra) nesse gigantesco empreendimento que deve levar a China à primazia econômica compartilhada com os EUA.

A Humanidade espera que não resolvam se confrontar nesse processo.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 14/03/2023

domingo, 3 de julho de 2022

Sobre impérios, estados nacionais e as liberdades democráticas - Paulo Roberto de Almeida

Sobre impérios, estados nacionais e as liberdades democráticas

  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Nota sobre a grande divisão do mundo atual, entre o mundo liberal (Ocidente) e os impérios autocráticos, promovendo uma ordem mundial alternativa.

  

Depois de uma história milenar de impérios sucessivos e formação de Estados nacionais, no fragor das batalhas, propostas pacificadoras de intelectuais iluministas e muitos embates que continuam, chegamos ao estado atual de 200 Estados formalmente ou concretamente independentes — sendo 193 membros da ONU —, com 20 economias dominantes e mais ou menos três impérios e meio: o Império americano, com pouco mais de cem anos, o Império chinês, com uma milenar história atrás de si (atualmente comandado por um partido leninista assessorado por uma eficiente burocracia mandarinesca baseada no mérito), um Império russo, ou neoczarista, com sua psicologia paranoica das ameaças externas, e um meio império europeu, com sua tecnocracia dominada por grandes Estados que se combateram no passado, mas que cansaram de se massacrar mutuamente e decidiram viver em paz numa ordem legal e parlamentar ainda em construção.

O que sobra além disso? Grandes economias, com trajetórias diversificadas: Japão, Índia, Canadá, Brasil, Indonésia e vários outros menores no G20. O resto é o resto, com alguns Estados importantes, mas que não pesam muito na balança.

Os três impérios e meio, mais as potências médias significativas, são responsáveis pela maior parte do PIB mundial, pelo poderio militar e pela produção científica e tecnológica que movimenta o planeta.

Mas o que se tem, em termos de evolução civilizatória e cultural, é uma grande divisão atual entre, de um lado, um império e um meio império que se pautam pelo Estado de Direito e pelo império da lei, com alternância democrática de governantes e o predomínio de liberdades e direitos humanos baseados no indivíduo e não prioritariamente no Estado — que são o Império americano e o meio império europeu —, e, de outro lado, o Império chinês e o império neoczarista, baseados no poder indiscutível do Estado sobre súditos ou cidadãos, que não estão baseados no império da Lei e na alternância democrática de governos obedecendo a partidos ou movimentos democraticamente organizados por cidadãos livres. O conceito de “despotismo oriental” pode até ser inadequado para expressar a complexidade desses dois impérios autocráticos, mas essa é a diferença básica existente atualmente entre o chamado “Ocidente” e os outros dois impérios que buscam uma ordem mundial alternativa a esta, que vem de 5 séculos de dominação europeia sobre o mundo — inclusive humilhando e tentando dominar os impérios chinês e russo — e mais um século de ordem americana por vezes arrogante e brutal.

As Américas são o resultado da colonização e dos imperialismos europeus, mas com uma divisão básica, e dramática, entre o Império da Lei — construído ao longo de uma violenta história que passou pelo feudalismo, pelo absolutismo, pela Magna Carta, por uma cruel guerra civil que teve de decapitar um rei para estabelecer a supremacia do Parlamento, com um Bill of Rights que complementou o “ninguém está acima da lei, nem mesmo o rei”, por um “o rei reina, mas não governa” — e o Império do Estado, que somos nós, latinos, os descendentes do absolutismo ibérico, temperado pelo liberalismo constitucional com dominância oligárquica. 

Nem nós, nem os russos e chineses, assim como a maior parte dos atuais 200 Estados nacionais, formalmente independentes, ainda NÃO CHEGAMOS ainda ao Império da Lei.

Isso vai chegar um dia, mas vai demorar um bocado, para nós e para a maioria dos povos do planeta. 

Desculpem, mas não se trata de “choque de civilizações” e sim de evoluções culturais diferenciadas, que são ainda mais lentas a se manifestarem do que a própria emergência, consolidação e eventual desaparecimento dos impérios (que costumam ser mais longevos do que os Estados nacionais).

Grato pela leitura. 


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4190: 3 julho 2022, 2 p.


terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Ironias da história e dos impérios - Paulo Roberto de Almeida

 Ironias da história e dos impérios 

Paulo Roberto de Almeida

Os EUA salvaram a França e a Grã-Bretanha duas vezes, na primeira metade do século XX, de serem derrotadas pelo militarismo prussiano. Seu império é um dos mais recentes, surgindo no final do século XIX, se espraiando a partir de 1917, e se consolidando em toda a sua preeminência a partir de 1945.

Na segunda metade do século XX, eles salvaram a Europa e metade do mundo da tirania bolchevique. Bem-feito! George Kennan disse como deveria ser feito.

Depois fizeram muitas bobagens, na Ásia, no Oriente Médio, na África e na América Latina, sobretudo no Vietnã, Camboja, no Iraque, pois impérios estabelecidos costumam ser brutais e paranoicos. Mas George Kennan não teve nada a ver com essas besteiras, e sim o tal complexo industrial-militar, de que falou Eisenhower, e dirigentes políticos ineptos e arrogantes.

Agora, no século XXI, pensam que estão salvando o Ocidente e o mundo do “comunismo” chinês. Pensam torto!

O mais alucinante é pensar que alguns dos mais brilhantes acadêmicos das grandes universidades foram contaminados pela paranoia (natural) dos generais do Pentágono e desandaram a proclamar a fantasmagoria irracional da tal “armadilha de Tucídides”, uma leitura completamente errada do grande historiador das guerras do Peloponeso.

Nisto se enganam terrivelmente. Os chineses, sob a condução dos novos mandarins de Deng, só queriam ficar ricos, depois de terem amargado misérias durante milhares de anos. Em segundo e mais importante lugar, não querem mais ser humilhados pelas arrogantes potências ocidentais e pelos militaristas japoneses, como foram desde o século XIX até meados do XX, justamente.

Agora, sob a condução de um imperador impaciente, querem apenas “pacificar” e consolidar o seu império INTERNO, no Tibet, no Xinjiang, em Hong Kong (de maneira brutal) e na província rebelde de Taiwan (talvez aqui, se ocorrer a unificação forçada, de maneira catastrófica). 

Mas nada disso tem a ver com espalhar o “comunismo” no mundo, ou impor sua ditadura modernizante sobre outros povos. Eles só querem ficar ricos e respeitados, e o fazem da maneira como sempre fizeram em 4 mil anos de história: impondo a ordem e garantindo que os negócios se façam.

A China, hoje, é simplesmente a maior economia de mercado do mundo, com um governo autoritário que acredita estar fazendo o melhor possível para o seu povo, e de certa forma está. Mas sua concepção de organização política e social não tem nada a ver com princípios e valores do Ocidente iluminista e moderno, respeitador das liberdades democráticas e dos direitos humanos. 

A “ordem” chinesa obedece a outros parâmetros, que não são universais (como o Ocidente pretende que a sua ordem seja), mas que vale para o seu próprio universo imperial.

Impérios são muito mais permanentes e presentes, na história da Humanidade, do que Estados nacionais, que só têm, em seu formato moderno, 400 ou 500 anos de existência, e agora de maneira mais formal, com a criação da ONU, essa “grande geringonça” (le grand machin, como dizia o general De Gaulle).

Assim como, besteiras à parte, o império britânico foi uma força modernizadora no século XIX — e Marx concordava com essa visão —, assim como o império americano foi uma força pacificadora, progressista e libertária no século XX, o império chinês deveria ser uma força de ordem e de prosperidade tecnológica no século XXI, se os americanos não atrapalharem com a sua paranoia e a defesa idealista e ingênua das “liberdades”. 

Sim, o império chinês não tem muito a ver com democracia e liberdades: isso nunca fez parte de sua história, mas talvez o povo chinês também seja conquistado por essas poderosas ideias em algum momento do futuro previsível.

O “Ocidente” — atualmente um falso conceito, pois todo o mundo é, agora, “ocidental”, inclusive a China, o Irã, cada qual à sua maneira — precisa entender que democracia e liberdades não são artigos de exportação; podem ser ideias importáveis, mas pelos próprios povos. 

Impérios impõem a ordem, mas a questão dos valores demora mais tempo. Os romanos acabaram romanizando gauleses, balcânicos, “ibéricos” e alguns outros povos, inclusive alguns ostrogodos, mas não o suficiente. Os chineses até conseguiram sinicizar mongóis e manchus. Os otomanos fizeram menos, pois não tinham as qualidades de alguns povos conquistados. Os conquistadores árabes eram mais rústicos do que os sofisticados persas, por exemplo, e certamente os europeus era muito primitivos em relação aos chineses, quando começaram a fazer o caminho inverso ao das rotas da seda.

Assim é a história, que, nas palavras do historiador Lawrence Stone, é um velho carro de bois, com suas rodas desajustadas e desengonçadas, avançando lentamente por uma estrada esburacada e enlameada.

Impérios não são a pior coisa na história da Humanidade; a coisa mais terrível é quando psicopatas tirânicos querem construir o “seu” império, mas esses são episódios mais raros, assim como são os Estados nacionais militaristas e expansionistas. 

O século XXI continuará a ser americano e ocidental pelas conquistas civilizatórias já alcançadas, pela sofisticação social e cultural europeia e também será “chinês”, pela prosperidade dentro da ordem, com aportes brasileiros na música, na mistura racial e na sensibilidade, mas isso se os malucos — nacionalistas idiotas e intolerantes em matéria de religião, política e futebol — não atrapalharem, o que de vez em quando acontece. 

Gente como Putin, Trump e o nosso idiota do Bozo são mais perturbadores do que realmente destruidores de uma ordem política, econômica e social (as democracias liberais de mercado) que é mais resiliente e expansiva do que comumente se pensa. 

A Humanidade avança, aos trancos e barrancos, como dizia Darcy Ribeiro. De vez em quando, um idiota, cercado por outros idiotas, vem perturbar, mas a maioria é sensata para retomar o caminho de um progresso lento, mas seguro. 

Como dizia Mario de Andrade, pouco depois da Semana de Arte Moderna, cem anos atrás, “progredir, progredimos um pouquinho, pois o progresso também é uma fatalidade”.

Com meu otimismo fatal, me despeço dos que tiveram a paciência de ler todo este escrito, feito na cama, no celular, numa manhã chuvosa.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 11/01/2022

terça-feira, 5 de junho de 2018

Mini-reflexoes sobre tres imperios - Paulo Roberto de Almeida

Mini-reflexões sobre três impérios

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: constatar realidade do mundo atual; finalidade: especulação]

Existem três grandes impérios na atualidade. Dois deles, perfeitas autocracias, sabem perfeitamente o que fazem, o que pretendem, o que querem os seus líderes. Um quer ascender, irresistivelmente. O outro quer apenas evitar de cair mais, mas deve se manter à tona, graças a seus recursos imensos, mais que seu dinamismo competitivo. O terceiro, uma democracia imperfeita, não tem a menor ideia do que pretende do mundo, a não ser a vaga intenção de conservar sua supremacia militar e sua preeminência econômica, enredado que se encontra nas tergiversações, indecisões, contradições, idas e vindas, quando não deve essa situação à ignorância crassa de seu líder do que seja o mundo, ou até o seu próprio país.
Por enquanto, esses impérios, e seus líderes, são só nacionalistas — como se fosse pouco —, mas seria muito pior se eles se tornassem militaristas agressivos, expansionistas, armamentistas, como no início do século XX, o que seria desastroso, mas não creio que cheguemos lá (embora haja uma nova competição naval e espacial).
Não voltaremos a uma Guerra Fria Geopolítica— ou seja, o equilíbrio do terror atômico — mas já estamos na Guerra Fria Econômica, e a China já ganhou essa “guerra”, pois dispõe da estratégia correta. 
E o Brasil, nisso tudo? Nada, o Brasil não importa muito, está fora do mundo. Aliás está até fora de si...

Brasília, 5 junho 2018