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segunda-feira, 9 de maio de 2016

A burocracia do Planejamento volta novamente a me incomodar com questoes inuteis

Surpresa: burocratas nunca desistem, nunca abandonam, eles se multiplicam como coelhos nos desvãos da burocracia que eles mesmos criaram e ficam torrando nosso dinheiro com pesquisas absolutamente inúteis, para resultados totalmente inócuos.
Pela segunda vez eles voltam a me irritar com sua pesquisa (distribuída por http://pesquisa.planejamento.gov.br/burocracia) sob esta pegunta idiota:

Servidor: O que te incomoda na burocracia?

Tornei a responder, e tornei a comentar, nestes termos:

O que me incomoda na burocracia?
(Dispensável esse horrível "te": vocês não sabem escrever?)
Como já respondi a este questionário antes, apenas me permito fazer nova consideração qualitativa.
O que me incomoda é justamente a burocracia me incomodar (com o meu próprio dinheiro, diga-se de passagem), com perguntas inúteis, mal formuladas, cujas respostas não servirão para absolutamente nada, a não ser para alimentar mais um pouco essa burocracia burra que fica incomodando burocratas como eu com perguntas inúteis e dispensáveis.
Já que vcs não conseguem fazer nada de útil para a sociedade (como seria, por exemplo, desaparecer da lista de pagamento do funcionalismo público, por absolutamente inúteis), por que vocês não vão catar coquinhos, em lugar de gastar mais dinheiro público com inutilidades?
Como sempre, assino embaixo e assumo total responsabilidade pelo que acabo de dizer.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 9 de maio de 2016

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Noticias que eu preferia NAO ter lido... (seção inutilidades)

Eu leio muita coisa, eu sei, e todos que frequentam este espaço aberto, sabem do volume e da diversidade de informações que eu manipulo cotidianamente, todas as horas, do dia, da noite, e em outros horários também.
Muita coisa do que posto aqui é feita de simples transcrições de matérias jornalísticas, informativas ou analíticas, o que transforma este blog numa espécie de depósito, ou repertório, de notícias úteis para quando alguém, eu no caso, precisar recuperar alguma informação relevante para algum trabalho analítico ou expositivo.
Muita coisa do que leio é perfeitamente inútil, seja porque redundante, seja porque francamente estúpida, inútil ou desinteressante, mas até isso pode ser indicativo de alguma coisa.
Pois bem: estou inaugurando agora, de forma totalmente irreverente, e iconoclasta, como é o espírito deste blog, uma seção especial de matérias que eu preferia NÃO ter lido, seja porque expressam coisas que não deveria estar acontecendo - por equivocadas, inúteis, desperdício de dinheiro público -- ou porque constituem simples bullshits, de governos, de organizacões, de pessoas (e todos sabem como existem personagens que gostam de enganar os outros, ou nos chamar de idiotas, com conversas totalmente furadas, e desnecessárias).
Que vou fazer, se existem essas coisas inúteis, que poderiam não existir, mas que insistem em nos fazer perder um precioso tempo com iniciativas que nunca deveriam ter sido tomadas?
Pois bem, vamos começar nossa seleção de

NOTÍCIAS QUE EU PREFERIA NÃO TER LIDO (22/11/2012):

Brasil defende planejamento regional integrado entre países da América Latina
A ministra do Planejamento, Miriam Belchior (foto), defendeu nesta quinta-feira (22/11) o planejamento regional integrado entre os países da América Latina, como forma de reduzir as assimetrias entre essas nações e impulsionar a inserção dessas economias em um mercado internacional crescentemente competitivo.
 (mais aqui)

Vicentinho vai aprimorar projeto que garante direitos a DJ’s
O deputado Vicentinho (PT-SP) afirmou ontem que está aberto a sugestões para aperfeiçoar o projeto de lei (PL 3265/12), do Senado, que regulamenta a profissão de Disc-Jóquei. A proposta, relatada por ele na Comissão de Trabalho, define dois tipos de profissionais: o DJ ou profissional de cabine de som e o produtor DJ. O texto prevê a exigência de registro profissional para os DJ’s e fixa carga de trabalho em seis horas diárias e 30 semanais para as duas categorias. (...)

 O BNDES da América do Sul nasce em março com US$ 7 bi de capital e sede em Caracas
 O secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda anunciou nesta quarta-feira (21/11) o início do Banco do Sul, ao informar que os ministros de finanças de Argentina, Brasil, Bolívia, Equador, Paraguai, Uruguai e Venezuela vão reunir-se, em março, para definir a diretoria e os procedimentos de abertura da conta para o aporte de recursos dos sócios. A instituição de fomento, que terá sede em Caracas, capital venezuelana, e subsidiária em Buenos Aires, capital argentina, contará com capital inicial de US$ 7 bilhões.
(mais aqui

Tombini faz prognóstico positivo da economia em audiência na Câmara
Ao traçar para deputados e senadores um raio-X da atividade econômica brasileira, o presidente do Bando Central (BC), Alexandre Tombini, disse na quinta-feira (22) durante audiência pública na Câmara, que a economia do País vive um ritmo mais intenso de crescimento neste semestre, impulsionada, sobretudo, pela demanda doméstica. (...)
“O nível de confiança do empresariado está elevado”, afirmou. A melhoria da competitividade, explicou Tombini, tem relação direta com algumas políticas de governo, como a desoneração a folha de pagamento, que reduziu o custo do emprego para os empregadores, e a já anunciada redução das tarifas de energia, uma dos grandes vilãs da competitividade industrial.

Meu comentário (PRA) a esta última notícia enganosa:
Mas como pode ter melhorado a competitividade geral da economia se a desoneração da folha de pagamentos se aplica apenas e tão somente a um número muito limitado de setores e ainda nem entrou em vigor? Como, por outro lado, o simples anúncio de uma redução de tarifas de energia, que não se sabe se e quando vai entrar em vigor, tem o poder de já melhorar a competividade industrial?
Enfim, uma notícia que certamente eu preferia NÃO ter lido...
Paulo Roberto de Almeida   

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Triste fim das cupulas das Americas (diminuidas)...

Uma comédia de erros, como diria Shakespeare, essa última (ou a mais recente, mas creio que será a última, mesmo, e ainda bem) cúpula das Américas, com todos os direitos a ridicularias, superfluidades e inutilidades.
Nem sei como assessores presidencias permitem que seus chefes de Estado se desloquem para coisas tão sem sentido, pura perda de tempo.
Abaixo a excelente síntese feita pelo ex-prefeito Cesar Maia: 



CÚPULA DAS AMÉRICAS! OU UM CORSO, COMO DISSE MUJICA!
    
1. Não houve documento final.
    
2. Presidentes do Equador e Nicarágua não foram porque Cuba não participou. Chávez alegou doença.
    
3. Não se tratou da flexibilização das drogas, nem da participação de Cuba. Morales discursou sobre Cuba e não sobre problemas da Bolívia.
     
4. Brasil tratou de protecionismo e Argentina foi quem colocou a carapuça.
     
5. Ninguém quis tratar das Malvinas e Cristina Kirchner rodou a polaina, abandonou a reunião e voltou para Buenos Aires.
      
6. Presidente dos EUA disse que a época da guerra fria e de xingar os yankees já passou há muitos anos.
       
7. No meio do "baile" o presidente do Uruguai, José Mujica, declarou: "Isso não é uma Cúpula: é um Corso. Que papelão vieram fazer".

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Comentário (longo) recebido de um leitor anônimo (mas que deve entender do assunto):

sobre a Cupula das Americas e o exercício das cúpulas.
Elas eram relativamente raras no contexto latino-americano, diferentemente das reuniões diplomáticas de nível ministerial. Destas tivemos várias, do sistema interamericano, algumas famosas, como a do Rio de Janeiro, de janeiro de 1942, que hipotecou solidariedade aos EUA, depois dos ataques de Pearl Harbor.
Depois houve a de 1947, em Petropolis, quando se firmou o TIAR, com direito a discurso do presidente Dutra. Eisenhower visitou o Brasil, mas foi bilateral, como tinha sido Roosevelt, durante a guerra.
A outra grande conferência de chefes de Estado do hemisfério foi em 1967, em Punta del Este, quando Lyndon Johnson perguntou a um assessor, já dentro do avião presidencial, "para onde mesmo estamos indo?" (bem isso pode ser apenas um joke...).

A mania de cúpulas começou mesmo com os espanhóis, que queriam a todo custo celebrar condignamente os 500 anos da viagem inaugural de Colombo.
As celebrações de Sevilha em 1992 deram a partida para as reuniões ibero-americanas, que o Embaixador Seixas Correa, ex-SG do MRE, ex-embaixador em Buenos Aires, Mexico e Madrid, já definiu como um envelope em busca de um conteúdo. Não apenas na ocasião tivemos várias iniciativas anti-colonizadoras, mas as ibero-americanas sempre foram marcadas por reclamações indiretas de parte e outra, e o Brasil nunca gostou muito do que considera, talvez, uma hispanidad excessiva.
Diferente foi a Cúpula das Américas, inaugurada por Clinton em dezembro de 1994 em Miami, e que visava dar uma roupagem mais densa à Iniciativa para as Américas que tinha sido proposta por Bush pai, em 1990. Os propósitos eram grandiosos, e além da Alca-FTAA, vários outros temas foram sempre mobilizados pelos diplomatas e estrategistas americanos, inclusive alguns que não foram muito bem acolhidos pelos latino-americanos (como integração financeira, serviços e propriedade intelectual). As negociações da Alca corriam paralelamente, com suas reuniões ministeriais e de negociadores diplomáticos, mas as cúpulas de chefes de Estado tinham certa importância cerimonial, embora pouca relevância prática. Os chefes de Estado deveriam, a rigor, pressionar seus ministros e negociadores a avançarem na agenda de cooperação e de liberalização comercial, na linha do que pretendiam os EUA, mas vários países se opunham a essa agenda, entre eles o Brasil (desde sempre, seguido mais tarde pela Venezuela chavista e pela Argentina a partir de 2003). Foram estes tres que sabotaram, conscientemente, a Alca na V Cúpula das Américas, quando Kirchner quis contentar seu amigo e unico financiador Hugo Chavez, permitindo a realização de uma contra-cúpula das Americas, num momento em que cubanos e venezuelanos já se decidiam pela Alca.
Tanto o Brasil se sentia desconfortável com as iniciativas americanas que ele propos, na virada de conceitos de América Latina para América do Sul, a partir de 1993, sobretudo com Celso Amorim na chancelaria, uma Alcsa, que nunca foi muito bem aceita pelos demais países.
As ibero-americanas foram se fazendo de modo muito burocratico e as cúpulas das Américas também não conseguiram realizar o que os EUA pretendiam, daí a adoção de uma estratégia minilateralista pelos EUA, desde a chegada de Bush filho, abordando os países individualmente, e não mais em grupo. As próprias ofertas dos EUA na Alca foram diferenciadas entre países, sendo Mercosul ficava claramente desfavorecido.
Em 2000, para concretizar a ideia da sul-americanidade, que tinha ficado praticamente sem elaboração desde o início da década, FHC reúne seus contrapartes da América do Sul, mas já na conferência a Argentina sabotou nossas propostas, continuando a falar de América Latina, o tempo todo, e recusando-se a aceitar a convocação de uma segunda reunião de chefes de Estado um ano depois, que só foi ser feita no Equador dois anos depois. 
Não é preciso dizer que a tropa dos companheiros, Lula, JD e MAG, e mais Samuel e Amorim, nunca gostaram da Cúpula das Americas, da Alca, das ibero-americanas e mesmo do Grupo do Rio, excessivamente ligado aos problemas centro-americanos e caribenhos. Sabotaram umas e desenvolveram outras, começando pela ideia da Comunidade de Nações Sul-Americanos, também sabotados pelos vizinhos, por uma questão de arrogância diplomática brasileira sob os companheiros.
Toda a politica externa de Lula, de Chavez, de Kirchner, e dos bolivarianos menores, foi no sentido de sabotar e enterrar todas as iniciativas e organizações de que participasse o "império", criando outras, exclusivamente sul-americanas ou pretensamente latino-americanas, como a Alba de Chávez, uma esquizofrenia completa (basta ler o tratado constitutivo para constatar). 
Como a proposta brasileira não foi aceita pelos demais, acabamos descambando na Unasul, que tem um tratado tão vago que permite qualquer coisa, mas não realiza nada de concreto.
Quanto às cúpulas das Américas, era inevitável que fossem sabotados pelos bolivarianos. Mas é ridículo que outros paises também aderissem a essa campanha em favor de Cuba, que não tem interesse nenhum de participar desse tipo de exercício, assim como tampouco teve interesse em reingressar na OEA, depois da patetica reunião ministerial de 2009 que suspendeu a "suspensão" de 1962, adotada em Punta del Este, sob patrocínio dos EUA e da Venezuela.
Não creio que esses gestos pro-cubanos -- alias ratificados até pelo Tom Shannon, quando ficou na ministerial da OEA em substituição a Hillary Clinton -- tenham qualquer importância real; pura política, da mais baixa qualidade.
Enfim, não há muito a fazer nessas cúpulas, senão endossar declarações insípidas, e sem qualquer significado prático. Nem mesmo os valores democráticos são respeitados, e seria melhor, para todos, dar o exercício por encerrado.
Os latino-americanos já tem cúpulas suficientes, varias delas de iniciativa do Brasil, entre as quais a CALC, convertida em Celac em dezembro passado.
Tudo isso constitui um balé diplomático sem qualquer importância real, pois já se caiu na enfermidade do cupulismo, reuniões para se reunir, não para decidir algo realmente importante.
Nunca foram tão grandes as diferenças reais entre os países, e nunca os chefes de Estado se reuniram tantas vezes, com discursos absolutamente hipócritas.
Mas a própria OEA é um exercício político altamente hipócrita, e caro para o contribuinte americano.
Talvez esteja na hora de repensar todos esses exercícios. 
Mas como as burocracias diplomáticas são todas conservadoras, lentas e desprovidas de imaginação, e como os chefes de Estado adoram se reunir, esses jamborees inúteis vai continuar a ser realizados.

sábado, 22 de outubro de 2011

Minitratado das inutilidades burocráticas - Paulo Roberto de Almeida


Minitratado das inutilidades burocráticas

Paulo Roberto de Almeida
  
Saindo do trabalho além da hora, cruzei com um colega no corredor, ele numa direção, eu na oposta. Trocamos apenas as palavras habituais de cortesia, sem parar a não ser por um rápido aperto de mão, “olá, como vai?, trabalhando muito?”; “Pois é, é o jeito!”, ele disse, acrescentando ao final: “Vamos esperar pela aposentadoria”, ou algo do estilo (sou péssimo para memorizar certas coisas, além de edições de livros). Havia, evidentemente, certo sentido de cansaço naquelas palavras, algo de desalento ou coisa do gênero. Enfim, nos despedimos e fui para casa sem pensar mais naquele encontro. Mas de alguma coisa serviram aquelas palavras, retidas em minha consciência, aparentemente.
Chegando na garagem do edifício, encontrei-me com outro colega, também voltando tarde do trabalho, provavelmente não pelos meus motivos, mas ainda assim fiz aquelas perguntas habituais e trocamos as palavras esperadas nessas circunstâncias: “Olá, voltando tarde, fazendo hora extra?”; “Pois é, e o pior que não adianta muito...”; “Muita coisa para fazer?”, perguntei enquanto subíamos de elevador para o mesmo andar; “São coisas sobre as quais não há nada a fazer”, disse ele, acrescentando logo em seguida: “Sabemos que não vai adiantar nada, que não há nada a fazer, ainda assim, precisamos responder, para constar...”, terminou ele; enquanto eu virava a chave do meu apartamento, ainda tive tempo de dizer a ele: “Inutilidades burocráticas...”, ao que ele assentiu, disse boa noite e também girou a sua chave.

Entrei em casa ensimesmado com as duas conversas, e imediatamente tive a ideia de escrever este minitratado, o primeiro que me é inspirado diretamente por um evento corrente, um fato concreto, não um divertimento do espírito, como ocorreu com todos os demais desta série. Não tenho palavras, aliás, nem imaginação, apenas impressões vazias, como numa verdadeira inutilidade burocrática. Que coisa mais inútil escrever sobre uma total inutilidade, sem ter perspectiva de avançar nenhum argumento inteligente, alguma palavra significativa sobre alguma realidade efetiva, la verità effetuale delle cose, como dizia meu amigo Niccolò, há muito tempo atrás, muito tempo mesmo.

O que pode haver de interessante em certas inutilidades burocráticas, tarefas das quais é preciso se desempenhar mesmo sabendo que elas não servem para literalmente nada, apenas para alimentar o próprio processo burocrático? O que poderia significar de produtivo adentrar num roteiro kafkiano, no qual não se sabe sequer para que servem todos aqueles papéis que se movem de um lado a outro para, ao final, não produzir sequer um grama de valor agregado na formação do PIB nacional?
Enfim, um burocrata verdadeiro pode até ficar excitado, até quase ter um estado orgástico, com esse tipo de inutilidade inútil – com perdão pela redundância – mas imagino que um racionalista paretiano, como este que aqui escreve, só pode sentir-se incomodado com certos exercícios de pura transpiração burocrática, sem qualquer inspiração produtiva, numa total ineficiência administrativa. Por que a burocracia deveria ser produtiva, ou eficiente, se a sua razão essencial de existência é apenas... existir? Por que deveria ela servir para algo quando a razão burocrática tem como única razão e justificativa servir a si própria e justificar-se pelo simples fato de continuar fazendo sempre as mesmas coisas, sem que alguém pergunte para que, exatamente?

Kafka é, de fato, o melhor autor para tratar de “inutilidades burocráticas” como essas incidentalmente enfocadas aqui; seu romance – de ficção burocrática, se ouso dizer –, O Processo, é o melhor resumo da (des)razão burocrática jamais construído nos anais da literatura mundial. A trama, perfeitamente burocrática, se passa numa capital indeterminada da Europa central e deixa um cidadão comum, Josef K., em estado de estupefação surrealista ante a convocação autoritária de autoridades movidas por propósitos completamente desconhecidos – um crime jamais identificado – e guiadas por códigos de procedimento nunca explicitados para o “acusado”. Ao tratar de maquinações sem sentido que a máquina do Estado pode criar, de maneira perfeitamente anódina, para o homem comum, o romance póstumo de Kafka passou justamente a simbolizar absurdos burocráticos que elevaram o nome do autor a sinônimo do caso em espécie.
O mais curioso é que li o romance, pela primeira vez, na própria cidade de Kafka, Praga, em meio a procedimentos e administrativos do então socialismo real, que me deixaram em estado de torpor burocrático ante a máquina surrealista do Estado autoritário. Mais curioso ainda: se tratava de uma tradução para o espanhol, publicada pela Casa de las Américas, uma editora depois fechada pelo socialismo burocrático cubano, provavelmente o segundo regime mais kafkiano da história mundial do socialismo, depois do campeão absoluto, o regime totalitário norte-coreano. Este merece, não um minitratado, mas um tratado inteiro de interpretação, como a expressão máxima do stalinismo surrealista em toda a história humana conhecida.
Existiria algo equivalente a Kafka na literatura que trata das realidades latino-americanas, aparentemente tão pouco burocráticas e excessivamente desorganizadas? Só consigo pensar agora num romance de ficção burocrática, que se passa nas selvas da Amazônia peruana, mas cuja trama é bem mais interessante do que a selva urbana de Kafka: Pantaleão e as Visitadoras, de Mario Vargas Llosa. De fato, a busca da perfeição administrativa na organização de serviços de “conforto sexual” para soldados servindo em postos recuados da floresta, inclusive cronometrando o tempo dedicado à prestação, em si, é absolutamente kafkiana, embora num sentido bem mais satisfatório do que a acusação indefinida que atinge o pobre Josef K. do romance original. Pode-se inclusive arguir que Vargas Llosa é perfeitamente realista – não socialista, obviamente – em relação a um drama recorrente em certas situações que confrontam as bravas forças armadas ante premências das paixões humanas.: Kafka na selva amazônica pode ser tão surrealista quanto seu equivalente da selva urbana da Europa central e oriental, mas os procedimentos seguidos não exibem o mesmo rigor burocrático do estranho mundo do escritor de Praga.

Um elemento é comum aos dois universos acima identificados: a perfeita inutilidade de toda máquina burocrática para resolver problemas reais das pessoas e das sociedades. As burocracias, nas selvas ou nas cidades, enredam os cidadãos numa teia de obrigações e atividades as mais diversas sem trazer necessariamente avanços para as sociedades em causa, apenas movendo pessoas, coisas, papéis de um lado a outro, criando uma aparência de ativismo, quando tudo se move em círculos, sem sair do lugar, como na armadilha do moto perpétuo. A burocracia é feita para repetir-se, para perpetuar-se, para criar sua própria razão e através dela legitimar-se, por procedimentos que ela mesma cria e das quais se alimenta sem quebra de rotina (ou ela é sua própria rotina).
Não que as burocracias vivam inteiramente de suas próprias inutilidades, mas é que, à diferença do mundo real da produção, do comércio, da produção agrícola, ou dos serviços vinculados a qualquer uma dessas atividades, as burocracias suscitam o surgimento, permitem a expansão e levam ao auge de sua expressão irracional as inutilidades que elas criam, alimentam e multiplicam em todos os escalões do aparelho de Estado. Burocracias, e suas inutilidades, também existem no mundo corporativo, talvez até mais desenvolvidas e muito melhor nutridas, com roupas mais vistosas e salários mais polpudos. O próprio das inutilidades corporativas, porém, é que elas têm prazo de validade e data de vencimento de curtíssimo prazo, praticamente no espaço do ciclo de vida de produto ou serviço, que precisa produzir resultados efetivos sob risco de colocar no vermelho os retornos financeiros da corporação em causa.
Em contraste, as inutilidades da burocracia de Estado tendem a crescer e se estabilizar no seu próprio movimento circular, criando uma aparência de movimento, mas na verdade girando em círculos em torno de alguma razão desconhecida, se não é a da própria burocracia estatal. Nada a demove de seus movimentos habituais, sincronizados a códigos de procedimento tão obscuros quanto velhos manuais de alquimia renascentistas. Os movimentos se repetem, incansáveis, os papéis se acumulam, os editais se multiplicam e os dispêndios acontecem, mas nada acontece de verdade, a não ser a própria transpiração burocrática, muito pouco inspirada, de fato, mas produzindo cada vez mais transpiração, como convém a uma legítima inutilidade burocrática, das grandes.
Que outra prova da perfeita inutilidade da burocracia estatal que sua notória e imensa faculdade de continuamente rabiscar papéis, de compor longos memorandos, de redigir minutas, de numerar notas e ultimar relatórios, chegando inclusive a propor inteiros tratados, e até alguns minitratados, sem se importar com o resultado final ou com o valor de mercado e a significação social de toda essa agitação?
Incansáveis e inconscientes esses redatores de minitratados, que poderiam estar produzindo algum ensaio de qualidade para elevar os padrões intelectuais da humanidade, mas que passam o tempo, e ocupam um pouco do tempo alheio, redigindo minitratados que não possuem qualquer outro objetivo senão o puro divertimento pessoal, na mais clara definição do que representa uma inutilidade burocrática. Vale!
Brasília, 9 de outubro de 2011