O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador livro. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador livro. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Livro sobre Oliveira Lima, de Paulo Roberto de Almeida e Andre Heraclio do Rego - IAHG-PE, Recife, 13/12, 19hs


Oliveira Lima: um historiador das Américas
Paulo Roberto de Almeida, André Heráclio do Rêgo 
(Recife: CEPE, 2017, 175 p.; ISBN: 978-85-7858-561-7). 

Índice
  
    Apresentação: O maior historiador diplomático brasileiro
       Paulo Roberto de Almeida, André Heráclio do Rêgo

    1. O Barão do Rio Branco e Oliveira Lima: vidas paralelas itinerários divergentes
       Paulo Roberto de Almeida


    2. Oliveira Lima, intérprete das Américas
       André Heráclio do Rêgo

    3. O império americano em ascensão, visto por Oliveira Lima
       Paulo Roberto de Almeida   

Apêndice: O Brasil e os Estados Unidos antes e depois de Joaquim Nabuco
       Paulo Roberto de Almeida   
Notas aos capítulos
Sobre os autores

Apresentação
O maior historiador diplomático brasileiro

Paulo Roberto de Almeida
André Heráclio do Rêgo


O Itamaraty, nos anos finais do século XIX e iniciais do XX, congregava três personalidades cuja atuação se espraiava desde as lides diplomáticas até a área cultural.
A primeira delas, José Maria da Silva Paranhos Júnior, o barão do Rio Branco, era, ademais do negociador e do chanceler que marcou época, historiador, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Brasileira de Letras. O segundo, Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo, além de haver sido o paladino do pan-americanismo e nosso primeiro embaixador em Washington, já na idade madura, após uma juventude em que deixou sua marca na História do Brasil, ao dedicar-se à causa abolicionista, era também historiador e memorialista, considerado por Gilberto Freyre como um dos maiores estilistas da língua portuguesa.
Essas duas primeiras personalidades foram consagradas ainda em vida. Nabuco, desde a campanha abolicionista; Rio Branco, desde as questões de limites. Multidões acorreram aos respectivos enterros, o de Joaquim Nabuco no Recife, em 1910, o de Rio Branco no Rio de Janeiro, ao início de 1912, ocasião na qual inclusive o carnaval teve que ser adiado.
A terceira personalidade não teve consagração em vida, e ainda hoje não alcançou completamente nem a póstuma. Trata-se de Manuel de Oliveira Lima. Pernambucano como Nabuco, Oliveira Lima era bem mais jovem do que os outros dois. Além da diferença generacional, também não compartilhava com eles a formação nos cursos jurídicos de Olinda e de São Paulo. Ao contrário, graduou-se em Lisboa, no curso superior de Letras, tendo uma formação ‘profissional’ nas áreas de História e Literatura. Terá sido, pois, na sua época, o único grande historiador brasileiro que não foi autodidata. Também ao contrário de Nabuco e Rio Branco, foi republicano na juventude e na idade madura flertou com a monarquia.
Entrou no Itamaraty no princípio da última década do século XIX, numa época em que a situação política de Rio Branco e Nabuco não era das melhores. Paralelamente à carreira diplomática, logo se iniciou na escrita da História, tendo publicado ainda nesta década dois livros, que possibilitaram sua entrada na Academia Brasileira de Letras entre os 40 primeiros integrantes, ou seja, como membro fundador, glória que, se não pode ser comparada à de Nabuco, que além de fundador foi o idealizador da instituição, ao lado de Machado de Assis, foi bem superior à de Rio Branco, que teve de esperar a abertura de uma vaga para entrar no grêmio.
Oliveira Lima poderia ter sido um êmulo do barão do Rio Branco, nosso grande chanceler e modelo da diplomacia até hoje, se tivesse mais ‘diplomático’. Sua caracterização como ‘diplomata dissidente’ é adequada; em alguns casos terá sido também um “rebelde com causa”, que foi a de sua luta pelo desenvolvimento social, político e econômico e do Brasil, para ele espelhando, mas apenas parcialmente, os magníficos progressos da nação americana, em cuja capital ele trabalhou como jovem diplomata, mas já totalmente consciente das grandes diferenças que separavam o mundo anglo-saxão do errático universo ibero-americano que ele soube analisar tão bem numa fase já madura de sua vida.
Não sendo muito diplomático e não aceitando ficar à sombra do poderoso barão, voltou-se cada vez mais para os estudos históricos, contando para tanto com a ajuda do próprio chefe desafeto, que lhe propiciava longos períodos de inatividade diplomática. Graças a esses longos períodos em disponibilidade e às longas licenças que tirava – o que certamente não agradava à chefia superior, que paradoxalmente o punia com longos períodos em disponibilidade, teve tempo para pesquisar e escrever, erguendo uma obra historiográfica mais sistemática e consistente que as de Rio Branco e Nabuco. Nela, foi muitas vezes pioneiro e precursor: da história da vida privada, por exemplo, ao indicar a utilização de romances como fonte historiográfica; da utilização das obras de viajantes estrangeiros sobre o Brasil. Sua obra antecipou, de certa forma, os escritos de Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, Raimundo Faoro e José Honório Rodrigues, entre outros. Se passarmos para o campo da patriotada, poderíamos dizer até que ele foi precursor de Norbert Elias e de Lucien Febvre, respectivamente nos conceitos de processo civilizatório e de instrumentos mentais, e até mesmo de Georges Duby, no que se refere à caracterização tripartite da sociedade. Além disso, Oliveira Lima foi pioneiro em estudos comparatistas, e era o historiador brasileiro que mais sabia da história de Portugal, dispondo para tanto de uma capacidade de síntese sem igual.
Ele, como Nabuco e Rio Branco, foi único e incontornável, mas a História lhe foi ingrata, algumas vezes por culpa sua, por ser corajosamente sincero, ao ponto de ser incômodo. Após um começo brilhante, sua vida profissional e intelectual passou a se caracterizar por um ressaibo amargo de incompletude e de frustração, no que se poderia considerar uma trajetória interrompida. Ao contrário de Rio Branco e de Nabuco, ao seu enterro não compareceram multidões, apenas a esposa, que compartilhava com ele o ‘exílio’ em Washington, e mais uns poucos.
Aos 150 anos de seu nascimento, no Recife, em dezembro de 1867, vale examinar alguns dos seus muitos escritos com o objetivo de constatar que ele foi, efetivamente um dos grandes, senão o maior dos historiadores diplomáticos brasileiros, pesquisador incansável dos arquivos, leitor das crônicas dos contemporâneos, colecionador de manuscritos, de livros e de obras de arte, leitor da literatura de cada época, dos jornais do momento e dos grandes historiadores do passado. Sua obra completa excede as possibilidades de um único estudioso e, talvez por isso, temos de nos contentar com uma Obra Seleta, e com vários outros trabalhos, reeditados de forma dispersa e errática, ao sabor do interesse de editores, de admiradores e de alguns poucos acadêmicos devotados ao estudo de uma imensa série de livros, resenhas, notas e artigos de revista e de jornais, que pode facilmente encher mais de uma estante de livros.
Sua biblioteca, depositada na Universidade Católica de Washington, oferece um testemunho de seu voraz interesse por toda a história das civilizações ocidentais desde os descobrimentos, com um grande foco no hemisfério americano, daí o título desta coletânea por dois estudiosos e admiradores de sua obra, que é especialmente relevante no plano pessoal, não apenas pela mesma condição profissional, a de diplomatas de carreira, mas igualmente pelo que ela oferece como interpretação significativa, e ainda válida, a despeito da passagem de um século, sobre o desenvolvimento comparado dos povos das Américas. Oliveira Lima não foi apenas historiador, mas também sociólogo, cientista político, fino psicólogo dos personagens estudados – como D. João VI, por exemplo – e também uma espécie de antropólogo cultural, como tal inspirador de uma outra rica obra construída pelo conterrâneo Gilberto Freyre, que com ele conviveu em sua fase iniciante e já na fase madura e derradeira do grande historiador pernambucano.
Os trabalhos aqui coletados não podem representar a justa homenagem que lhe é devida no 150o aniversário de seu nascimento, mas eles representam, ainda assim, um testemunho de apreço, nos planos sociológico e historiográfico, pelo valor intelectual da produção ímpar do historiador e diplomata Oliveira Lima. Não temos nenhuma dúvida de que nos próximos 150 anos essa obra continuará a ser lida e a servir de inspiração a novos historiadores e sociólogos das civilizações do hemisfério americano.

Brasília, novembro de 2017



quarta-feira, 29 de novembro de 2017

O Plano Real e os ajustes ainda por fazer atualmente - Gustavo Franco no Roda Viva

Assisti, finalmente, à entrevista-sabatina do ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco ao programa Roda Viva da TV Cultura, transmitida na última segunda-feira 27/11/2017, disponível neste link: https://www.youtube.com/watch?v=epUAnK1iLPw&feature=push-u&attr_tag=oEY3mLPaNYI-rCEj-6

Dei uma aula sobre essa entrevista aos meus alunos de doutoramento esta manhã, intercambiando perguntas de jornalistas e respostas do entrevistado com meus comentários, contextualizando certas passagens, comentando políticas econômicas e explicando determinadas medidas de política econômica na sua dimensão própria. Como o próprio entrevistado referiu-se ao filme (Real) e ao livro que lhe deu origem, lembrei-me de antiga resenha que fiz desse livro, que já anunciava um possível filme.
Aqui vai, novamente:


88) Resenha: 3.000 dias no bunker, de Guilherme Fiuza

O bunker voador: a aventura eletrizante do Plano Real

Paulo Roberto de Almeida
(pralmeida@mac.comhttp://www.pralmeida.org/)

Guilherme Fiuza:
3.000 dias no bunker: um plano na cabeça e um país na mão
Rio de Janeiro: Record, 2006, 331 p.; ISBN: 85-01-07342-3

Como o antigo refrigerante Grapette ou o atual achocolatado Nescau, este livro tem sabor de aventura. Uma aventura que se prolonga no tempo e que ainda não acabou. Marcos Sá Corrêa, na orelha, resume a trajetória do Plano Real: “Começa num governo desmiolado e sem rumo, o do presidente Itamar Franco. E não acabou ainda em outro governo desmiolado e sem rumo, o do presidente Lula”. O mesmo jornalista também registra que se trata de um livro de repórter, com nenhuma fórmula e muita intriga: “Tem pouco mercado e muito ringue de luta livre. Nenhuma tabela e rasteira de ponta a ponta”. Da maneira como está construído e redigido, o livro daria um bom filme, se planos de estabilização fornecessem roteiros interessantes para a sétima arte.
De fato, a reportagem de Guilherme Fiuza se aproxima mais de um roman à clefs do que de uma história linear do Plano Real, ao estilo, por exemplo, da Real História do Real, de Maria Clara do Prado. O jovem jornalista carioca do NoMínimo retraça, em estilo cinematográfico, as diferentes etapas da concepção, implementação e defesa da nova moeda, sem fazer, em nenhum momento, história monetária. São incursões propriamente teatrais aos episódios mais relevantes de um processo que transcendeu, na verdade, a simples introdução de um novo meio circulante no Brasil, para expor, de maneira viva, toda a trajetória macroeconômica do Brasil nas últimas décadas. Trata-se de uma inside story, que se insere numa great history, cujo cenário principal é dado pelo próprio substantivo que fornece o título ao livro: um bunker.
O conceito militar de bunker é, obviamente, o de uma posição ou posto defensivo, não necessariamente fortificado, mas isolado ou protegido dos ataques inimigos pela sua estrutura de aço e concreto, geralmente escondido ou subterrâneo. Meu adjetivo “voador” se deve a que a capa do livro é a de uma planície desolada com o perfil de Brasília ao fundo e um avião solitário num imenso céu em tonalidade ocre. O bunker a que se refere Fiuza foi de fato voador, ou móvel, e é aplicado à pequena equipe de valorosos combatentes da estabilidade macroeconômica que tomou forma a partir da assunção de FHC como ministro da Fazenda, em maio de 1993. “Como era uma metáfora”, explica o autor, “o bunker podia ser em qualquer lugar. E durante um bom tempo a equipe de Fernando Henrique trabalhou de forma totalmente subterrânea...” (p. 44).
O grupo se decompôs ao longo do tempo, mas seu legado, inegavelmente positivo, está conosco ainda hoje, sob a forma de uma economia menos esquizofrênica do que aquela que conhecemos ao longo das últimas décadas do século passado. Os economistas Pedro Malan, Gustavo Franco, Winston Fritsch, Edmar Bacha, André Lara Resende e Persio Arida, mais o administrador Clovis Carvalho foram os integrantes mais intimamente ligados ao poder político do novo ministro da Fazenda. Eles conceberam, implementaram e defenderam o novo plano de estabilização contra os ataques de vários exércitos inimigos, geralmente políticos fisiológicos, economistas românticos, sindicalistas corporativistas (mas isso é uma redundância) e industriais protecionistas.
Existem vários outros personagens, evidentemente, que interagiram a diversos títulos e em diferentes momentos com o bunker, dentre os quais poderiam ser citados: Sérgio Besserman Vianna, o “comunista” do BNDES convertido às virtudes de uma economia competitiva; Marcelo de Paiva Abreu, que entrou e saiu do governo Collor logo no primeiro dia, ao descobrir que o seu chefe de gabinete, já designado, era um homem de PC Farias; David Zylbersztajn, outro antigo comunista que aprendeu que o socialismo não funcionava e montou o esquema paulista das privatizações e o modelo federal das agências reguladoras; Murilo “Mãos de Tesoura” Portugal, o homem que fechou o caixa do Tesouro ao apetite voraz de gastadores contumazes; José Serra, que chegou, viu, mas não se convenceu, sobretudo pelo lado cambial; além de vários outros, economistas de passagem ou funcionários da burocracia permanente do Estado.
Ator central nessa trama, além de Pedro Malan – o mais longo ministro econômico da história do Brasil, com exceção de Souza Costa, que serviu à ditadura Vargas –, foi o jovem economista da PUC Gustavo Franco, sucessivamente Secretário Adjunto de Política Econômica, diretor de Assuntos Internacionais e presidente do BC. Estrategista econômico, articulador das principais medidas que estiveram na base do lançamento da URV, operador prático – e defensor corajoso – da nova moeda, Gustavo Franco representou, por assim dizer, a verdadeira alma do Plano Real, o que está refletido em seus muitos livros de ensaios e crônicas, desde O Plano Real e Outros Ensaios (1995), até o mais recente Crônicas da Convergência (2006), passando por O Desafio Brasileiro: ensaios sobre desenvolvimento, globalização e moeda (1999), além de várias outras contribuições a livros coletivos ou artigos em periódicos de grande tiragem.
Ademais de um gosto incomum pela história, para um economista, Gustavo Franco tem um dom também incomum para a polêmica e o debate de idéias, este, infelizmente, muito pouco cultivado no Brasil, reduzindo-se, na maior parte das vezes, a uma troca ácida de acusações entre os contendores. Conhece-se, aliás, no Brasil, a ofensiva invulgar deslanchada pelos economistas ditos desenvolvimentistas contra os fundamentos do plano de estabilização, que foi por eles equiparado a nada menos do que uma operação de rendição ideológica e de submissão prática aos ditames de Washington, aos cânones de neoliberalismo e a não se sabe qual, exatamente, das regras do chamado Consenso de Washington, tão desprezado quanto desconhecido nessas hostes. Fiuza reproduz parte da crítica de uma conhecida professora da USP, marxista, a um artigo de Gustavo Franco sobre as virtudes da abertura comercial para o crescimento econômico: ela parte do “capital mundializado” para condenar o “absoluto domínio do credo liberal”, entre outras bobagens. Franco, em resposta, perguntou apenas por que a professora estava tão zangada: ela “fala da ‘atual etapa do sistema capitalista’ com um verdadeiro nojo, como se estivesse segurando um rato nas mãos” (p. 214). Em outros artigos, ele não deixava de fustigar os “parnasianos” da Unicamp, com sua prosa rebuscada, plena de fetichismos e de financeirização.
Mas, esse é o lado prosaico, digamos assim, do combate diário pela sobrevivência da nova moeda, atacada à direita e à esquerda com igual desenvoltura e inacreditável insensibilidade em relação aos cofres públicos. Havia outros aspectos, preocupantes, da sabotagem, consubstanciada, justamente, na gastança generalizada das estatais e das agências públicas de modo geral. Fiuza relata o caso ocorrido com David Zylbersztajn, levado à direção da Eletropaulo: encontrou um fabuloso contrato com uma empresa de vigilância no qual cada hora de trabalho de um vigilante representava o inacreditável valor de 28 dólares. “O responsável explicou-lhe que, infelizmente, não existiam no mercado seguranças confiáveis por um valor inferior àquele. Zylbersztajn não prolongou a conversa: ‘— Não tem mais barato? Ok, então rescinde todos os contratos. Acabou a segurança. Por esse preço, prefiro o ladrão’” (p. 170).
O essencial da reportagem de Fiuza está voltado aos ataques especulativos ao real, no bojo das crises financeiras internacionais. Esses ataques tinham pouco a ver, no entanto, com alienígenas de Wall Street, como gosta de acreditar a esquerda, e sim com os espertos capitalistas nacionais, sempre prontos a arbitrar as pequenas diferenças de cotação no valor da moeda, como resultado das suas próprias operações concertadas. Gustavo Franco, atento ao jogo pesado desses brokers, comandou pessoalmente, das mesas de câmbio do BC, operações defensivas e ofensivas, dobrando o mercado com lances ousados e algumas táticas inesperadas. O real sobreviveu a esses ataques especulativos “clássicos”, mas não foi capaz de resistir a uma operação mais singela, consistindo na suspensão do pagamento, em janeiro de 1999, da dívida estadual de Minas Gerais, determinada pelo então governador, e ex-presidente, Itamar Franco: no espaço de poucos dias as reservas se tinham volatilizado, resultando na saída de Gustavo Franco da direção do BC e na própria mudança do regime cambial. Vários lances dramáticos desses dias estão perfeitamente reconstituídos no livro de Fiuza, numa espécie de crônica dos eventos correntes em tempo real.
Ainda segundo a orelha, 3.000 dias no bunker foi escrito em três meses, quase sempre de madrugada, às vezes virando a noite. Acredito: eu também passei uma madrugada inteira lendo este livro, sem o largar um minuto, com a boca seca e os olhos piscando, impossível largar. A história é muito importante: ela fala do nosso país, como ele foi reconstruído em sua dignidade monetária, que há muito tinha deixado de existir. E não se trata de história documental, insossa, em economês ou juridiquês: é uma história real do real, feita por homens em carne e osso, idéias e sentimentos, conquistas e frustrações. Uma história que estava esperando ser contada.
Poucos sabem, por exemplo, que a inspiração para a URV foi retirada por Gustavo Franco da experiência do rentenmark, a moeda indexada com a qual o “mago das finanças” Hjalmar Schacht salvou a Alemanha da hiperinflação nos anos 1920. Fiuza conseguiu traduzir muito bem os sentimentos do enfant terrible do BC na concepção, montagem e defesa da nova moeda brasileira. Sua obra, o real, ainda está de pé. Seus inimigos de outrora devem a ele o atual sucesso eleitoral. Uma simples palavra de agradecimento, por essa obra de estadista, não seria descabida. Este livro dá todas as razões para esse beau geste...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 10 dezembro 2006

domingo, 26 de novembro de 2017

Oliveira Lima: um diplomata pouco... diplomatico - proximo livro - Paulo Roberto de Almeida, Andre Heraclio do Rego

Nosso próximo livro, sobre um colega diplomata de cem anos atrás, pouco diplomático, mas um grande historiador, e pensador, das coisas do Brasil e internacionais:

Manuel de Oliveira Lima
Um historiador das Américas



No Brasil fala-se ou muito bem ou muito mal dos Estados Unidos. Apontam-nos os seus admiradores como o único modelo a seguir... Os seus detratores culpam-nos de todos os crimes, desde a ambição devoradora de terras e de nacionalidades, até a corrupção política e social mais desbragada. […] apenas olhei para os Estados Unidos com olhos de brasileiro, ... buscando o que de aproveitável para nós poderia a meu ver resultar do exame e da confrontação.
Nos Estados Unidos, impressões políticas e sociais (1899)

Ao passo que no vosso país [Estados Unidos], sob tantos aspectos o mais progressivo do globo, [...] permanece premente tal questão [a da segregação], acendendo violências, [...] nós a temos liquidado do modo mais satisfatório, pela fusão.
América Latina e América Inglesa (1913-14)

Desde que, segundo os etnólogos, as raças puras são um erro à luz da história [...] devemos admitir que a solução ibero-americana, isto é, a da fusão das raças, é mais promissora, mais benéfica e especialmente mais humana do que a separação ou a segregação praticada pelos Estados Unidos.
Aspectos da história e da cultura do Brasil (1923)

  
Manuel de Oliveira Lima
25 de dezembro de 1867, Recife, Pernambuco
24 de março de 1928, Washington, D.C., EUA


Sumário: 

Apresentação: O maior historiador diplomático brasileiro
       Paulo Roberto de Almeida, André Heráclio do Rêgo
1. O Barão do Rio Branco e Oliveira Lima: vidas paralelas itinerários divergentes
       Paulo Roberto de Almeida
2. Oliveira Lima, intérprete das Américas
       André Heráclio do Rêgo
3. O império americano em ascensão, visto por Oliveira Lima
       Paulo Roberto de Almeida
Apêndice: O Brasil e os Estados Unidos antes e depois de Joaquim Nabuco
       Paulo Roberto de Almeida

O Itamaraty, ao final do século XIX e início do XX, reunia três grandes nomes diplomáticos e culturais. O primeiro, José Maria da Silva Paranhos Júnior, o barão do Rio Branco, era, ademais de negociador e chanceler, historiador, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Brasileira de Letras. O segundo, Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo, também historiador e memorialista, paladino do pan-americanismo e primeiro embaixador em Washington, deixou sua marca na história do Brasil, ao batalhar duramente pela causa abolicionista.
O terceiro, Manuel de Oliveira Lima, não teve consagração em vida, e ainda hoje não alcançou completamente nem a póstuma. Pernambucano como Nabuco, era bem mais jovem que os outros dois. Além da diferença de idades, não compartilhava com eles a formação nos cursos jurídicos de Olinda e de São Paulo. Ao contrário de Nabuco e de Rio Branco, foi republicano na juventude e monarquista na idade madura. Poderia ter sido um êmulo do barão do Rio Branco, o grande chanceler e modelo da diplomacia, se tivesse sido... mais ‘diplomático’.
Foi um ‘diplomata dissidente’, talvez até um ‘rebelde com causa’, que foi a da luta pelo desenvolvimento social, político e econômico e do Brasil, para ele espelhando, ao menos parcialmente, os magníficos progressos dos Estados Unidos, em cuja capital trabalhou como jovem diplomata, mas já totalmente consciente das grandes diferenças que separavam o mundo anglo-saxão do errático universo ibero-americano, que ele soube analisar tão bem numa fase já madura de sua vida.
Este livro, ademais de traçar paralelos entre os itinerários de Rio Branco e de Oliveira Lima, destaca, justamente, sua obra de historiador das Américas, mas também como intérprete da ascensão do grande império econômico e comercial, que ele analisou no momento crucial em que os EUA, já curados das feridas da guerra civil, flexionavam os músculos em suas primeiras aventuras no Caribe e na América Central, e já se preparavam para adentrar no cenário geopolítico mundial. Um texto final analisa um ensaio de Joaquim Nabuco sobre o papel dos Estados Unidos na ‘civilização’ do início do século XX e segue a trajetória de desenvolvimento do Brasil ao longo do século.

Paulo Roberto de Almeida é diplomata de carreira, doutor em ciências sociais e atual Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI-Funag), do Itamaraty. 
André Heráclio do Rego, também diplomata de carreira, é doutor em história social e autor de diversos artigos e livros nessa área, entre os quais Família e coronelismo no Brasil – uma história de poder.

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Rubens Ricupero entrevistado na TV Brasília - links para os videos

Em Brasília para o lançamento do seu livro "A diplomacia na construção do Brasil, 1750-2016" (Rio de Janeiro: Versal Editores, 2016), o embaixador Rubens Ricupero compareceu, na quarta-feira, 22/11/2017, à TV Brasília, vinculada ao Correio Braziliense (dos Diários Associados), convidado pelos jornalistas Vicente Nunes e Denise Rothenburg, aos quais concedeu, no âmbito do programa CB-Poder, a entrevista constante dos seguintes links:

No dia 23/11, o Correio Braziliense traz uma página inteira com a entrevista ao CB-Poder do dia anterior.
 
Mais abaixo a materia em png.





sábado, 18 de novembro de 2017

Rubens Ricupero: video sobre A Diplomacia na Construcao do Brasil - YouTube

Coordenei a feitura de um vídeo, com fundo musical  (Bachianas Brasileiras n. 7, de Heitor Villa Lobos), contendo imagens e frases do livro de Rubens Ricupero: A Diplomacia na Construção do Brasil, 1750-2016 (Rio de Janeiro: Versal Editores, 2017), elaborado por Maria Luisa dos Anjos (IPRI), sob a coordenação de Paulo Roberto de Almeida, Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, IPRI-Funag/MRE.
Disponível neste link do meu canal no YouTube: https://youtu.be/R3Ijz2KDkEU
Disponível neste link do canal do IPRI no YouTube: https://youtu.be/y3SsC0v_i5Q





sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Rubens Ricupero e a diplomacia brasileira: Casa Thomas Jefferson (Asa Sul), 20/11, 19hs


Rubens Ricupero recebe na Casa Thomas Jefferson para um debate informal, seguido de coquetel, em torno de seu livro: A diplomacia na construção do Brasil, 1750-2016 (Rio de Janeiro: Versal Editores, 2017), que estará disponível na ocasião.


Todos são bem vindos.



quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Rubens Ricupero: A Diplomacia na Construcao do Brasil: IRel-UnB, 20/11, 14h30


Aproveito para divulgar a minha resenha deste livro:

“Construindo a nação pelos seus diplomatas: resenha do livro de Rubens Ricupero”, Brasília, 27 setembro 2017, 3 p. Resenha de A diplomacia na construção do Brasil, 1750-2016 (Rio de Janeiro: Versal Editores, 2017). Encaminhada ao Estado de S. Paulo. Publicado, sob o título “O Brasil segundo a diplomacia”, na versão impressa, no jornal O Estado de S. Paulo (domingo, 8 de outubro de 2017, p. , Caderno Aliás-Política; sob o título, na versão digital, de História da diplomacia no Brasil tem novo livro definitivo”, em 7/10/2017; link: http://alias.estadao.com.br/noticias/geral,historia-da-diplomacia-no-brasil-tem-novo-livro-definitivo,70002030739). Divulgado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/09/cesse-tudo-o-que-musa-antiga-canta.html); novamente, depois de publicada, no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/10/resenha-do-livro-do-ricupero-publicada.html).


Construindo a nação pelos seus diplomatas: o paradigma Ricupero

Paulo Roberto de Almeida


Em meados do século XX, os candidatos à carreira diplomática tinham uma única obra para estudar a política externa brasileira: a de Pandiá Calógeras, publicada em torno de 1930, equivocadamente intitulada A Política Exterior do Império, quando partia, na verdade, da Idade Média portuguesa e chegava apenas até a queda de Rosas, em 1852. Trinta anos depois, os candidatos passaram a se preparar pelo livro de Carlos Delgado de Carvalho, História Diplomática do Brasil, publicado uma única vez em 1959 e durante muitos anos desaparecido das livrarias e bibliotecas. No início dos anos 1990, passou a ocupar o seu lugar o livro História da Política Exterior do Brasil, da dupla Amado Cervo e Clodoaldo Bueno. Finalmente, a partir de agora uma nova obra já nasce clássica: A Diplomacia na Construção do Brasil, 1750-2016 (Rio de Janeiro: Versal, 2017, 780 p.), do embaixador Rubens Ricupero, ministro da Fazenda quando da introdução do Real, secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento nos anos 1990, atualmente aposentado.
O imenso trabalho não é uma simples história diplomática, mas sim uma história do Brasil e uma reflexão sobre seu processo de desenvolvimento tal como influenciado, e em vários episódios determinado, por diplomatas que se confundem com estadistas, aliás desde antes da independência, uma vez que a obra parte da Restauração (1680), ainda antes primeira configuração da futura nação por um diplomata brasileiro a serviço do rei português: Alexandre de Gusmão, principal negociador do Tratado de Madri (1750). Desde então, diplomatas nunca deixaram de figurar entre os pais fundadores do país independente, entre os construtores do Estado, entre os defensores dos interesses no entorno regional, como o Visconde do Rio Branco, e entre os definidores de suas fronteiras atuais, como o seu filho, o Barão, já objeto de obras anteriores de Ricupero.
O Barão do Rio Branco, aliás, é um dos poucos brasileiros a ter figurado em cédulas de quase todos os regimes monetários do Brasil, e um dos raros diplomatas do mundo a se tornar herói nacional ainda em vida. Ricupero conhece como poucos outros diplomatas, historiadores ou pesquisadores acadêmicos a história diplomática do Brasil, as relações regionais e o contexto internacional do mundo ocidental desde o início da era moderna, professor que foi, durante anos, no Instituto Rio Branco e no curso de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Formou gerações de diplomatas e de candidatos à carreira, assim como assessorou ministros e presidentes desde o início dos anos 1960, quando foi o orador de sua turma, na presidência Jânio Quadros.
Uma simples mirada pelo sumário da obra confirma a amplitude da análise: são dezenas de capítulos, vários com múltiplas seções, em onze grandes partes ordenadas cronologicamente, de 1680 a 2016, mais uma introdução e uma décima-segunda parte sobre a diplomacia brasileira em perspectiva histórica. Um posfácio, atualíssimo, vem datado de 26 de julho de 2017, no qual ele confessa que escrever o livro foi “quase um exame de consciência... que recolhe experiências e reflexões de uma existência” (p. 744). Ricupero concluiu o texto principal pouco depois do impeachment da presidente que produziu a maior recessão da história do Brasil, e o fecho definitivo quando uma nova crise “ameaça engolir” o seu sucessor. O núcleo central da obra é composto por uma análise, profundamente embasada no conhecimento da história, dos grandes episódios que marcaram a construção da nação pela ação do seu corpo de diplomatas e dos estadistas que serviram ao Estado nessa vertente da mais importante política pública cujo itinerário – à diferença das políticas econômicas ou das educacionais – pode ser considerado como plenamente exitoso.
A diplomacia brasileira começou por ser portuguesa, mas se metamorfoseou em brasileira pouco depois, e a ruptura entre uma e outra deu-se na superação da aliança inglesa, que era a base da política defensiva de Portugal no grande concerto europeu. Já na Regência existe uma “busca da afirmação da autonomia” (p. 703), conceito que veio a ser retomado numa fase recente da política externa, mas que Ricupero demonstra existir embebido na boa política exterior do Império. A construção dos valores da diplomacia do Brasil se dá nessa época, seguido pela confiança no Direito como construtor da paz, o princípio maior seguido pelo Barão do Rio Branco em sua diplomacia de equilíbrio entre as grandes potências da sua época. Vem também do Barão a noção de que uma chancelaria de qualidade superior devia estar focada na “produção de conhecimento, a ser extraído dos arquivos, das bibliotecas, do estudo dos mapas” (p. 710). Esse contato persistente, constante, apaixonante pela história, constitui, aliás, um traço que Ricupero partilha com o Barão, o seu modelo de diplomata exemplar, objeto de uma fotobiografia que ele compôs com seu antigo chefe, o embaixador João Hermes Pereira de Araujo, com quem ele construiu o Pacto Amazônico, completando assim o arco da cooperação regional sul-americana iniciada por Rio Branco setenta anos antes.
O livro não é, como já se disse, uma simples história diplomática, mas sim um grande panorama de mais de três séculos da história brasileira, uma vez que nele, como diz Ricupero, “tentou-se jamais separar a narrativa da evolução da política externa da História com maiúscula, envolvente e global, política, social, econômica. A diplomacia em geral fez sua parte e até não se saiu mal em comparação a alguns outros setores. Chegou-se, porém, ao ponto extremo em que não mais é possível que um setor possa continuar a construir, se outros elementos mais poderosos, como o sistema político, comprazem-se em demolir. A partir de agora, mais ainda que no passado, a construção do Brasil terá de ser integral, e a contribuição da diplomacia na edificação dependerá da regeneração do todo” (p. 738-9). O paradigma diplomático já foi oferecido nesta obra; falta construir o da nação.

[Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 27 de setembro de 2017]

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Historia da Riqueza no Brasil - livro de Jorge Caldeira

Não concordo em que Geisel e Lula tenham tido "ideologias diferentes", e ainda assim tenham praticado "políticas econômicas semelhantes". Eles tinham ideologias absolutamente idênticas, o mesmo nazismo econômico, o mesmo nacionalismo obtuso, o mesmo intervencionismo idiota, o mesmo estatismo desenfreado, talvez por motivos e caminhos diferentes, mas exatamente iguais em intenções e resultados, ou  seja, o nosso atraso.
Não concordo, tampouco, em que Mao Tsé-Tung tenha decidido lançar a China no comércio internacional. Mao, como Lênin, podia ser um grande líder político, este bom organizador de um partido de revolucionários profissionais e ousado líder de um putsch, o primeiro o condutor de homens em armas para a conquista violenta do poder pela guerra civil, mas ambos foram absolutamente estúpidos em matéria econômica, fechando mercados, liderando um processo de escravidão moderna, praticando deformações econômicas monstruosas.
Mas, preciso ler o livro de Caldeira, para opinar sobre suas ideias, argumentos, demonstrações, mas desde já afirmo que não considero Piketty digno de citação como metodologia econômica.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 27 outubro 2017

HISTÓRIA DA RIQUEZA NO BRASIL
AUTOR: Jorge Caldeira
EDITORA: Estação Brasil (622 págs.)
QUANTO: R$ 69,90

...” a proximidade do ponto de vista econômico do governo Geisel, na década de 70, e do segundo mandato de Lula, na segunda metade dos anos 2000. Para Caldeira, no intuito de reforçar o mercado interno, ambos reduziram o contato da economia do Brasil com o exterior, levando o país à recessão.”...

...”Com as mudanças implantadas por Ruy Barbosa, em 1890, começa uma onda de crescimento gigantesca. Em 1906, a política de valorização do café contribuiu para o grande desenvolvimento econômico. O país crescia perto de 6% ao ano, às vezes mais. Houve ainda uma modernização acelerada do Brasil. Em 1929, a indústria já era do tamanho da agricultura no PIB brasileiro."...
...Em 1973, o PIB do Brasil era maior que o da China. Foi neste momento que esses dois países tomaram decisões opostas.
Mao Tsé-Tung decidiu lançar a China ao comércio internacional, o que ocorreu também com Japão e Cingapura. 
No Brasil, Ernesto Geisel interpretou o momento de modo diferente. Decidiu aumentar o isolamento do país porque o mercado interno parecia para o governo dele muito melhor do que as oportunidades no mundo. Pegou, então, dinheiro emprestado no exterior para investir em estatais. 
Houve uma recessão brutal, ou seja, o Brasil perdeu a aposta contra a globalização." ...


Lula e Geisel tomaram rumo semelhante na economia, diz autor

NAIEF HADDAD
DE SÃO PAULO 
Autor de obras relevantes para a compreensão da história econômica do país, como "Mauá, Empresário do Império" (1995) e "Nem Céu Nem Inferno" (2015), o escritor e jornalista Jorge Caldeira, 61, lança "História da Riqueza no Brasil", um de seus livros mais ambiciosos. 
Mestre em sociologia e doutor em ciência política, ambos pela USP, Caldeira reavalia parte expressiva dos rumos econômicos trilhados pelo país. 
Ele diverge da historiografia tradicional, por exemplo, nos capítulos dedicados ao Brasil colônia. De acordo com os autores clássicos, nesse período só o latifúndio produzia riqueza, que era enviada ao exterior em sua quase totalidade. Caldeira, contudo, escreve que a colônia tinha um mercado interno forte, muito além das grandes propriedades, e uma economia mais dinâmica que a da metrópole. 
Para alcançar conclusões como essa, ele recorreu intensamente à antropologia e à econometria, que aplica a matemática e a estatística à teoria econômica. 
"A história econômica do país está em processo de mudança. Basta ver o sucesso que o Piketti tem feito no Brasil", diz Caldeira.
O francês Thomas Piketty é autor do best-seller "O Capitalismo no século 21", que reúne novas informações sobre a economia mundial partir da comparação de dados estatísticos de dezenas de países. 
"Quando você tem esses dados no computador e consegue comparar as informações, é possível chegar a um retrato espetacular. Os livros que faço são filhos dessa mudança tecnológica", afirma o autor, que não critica a historiografia tradicional. 
"Informações como as que eu obtive, a partir da econometria, simplesmente não estavam ao alcance dos clássicos", afirma.
Nos capítulos finais de "História da Riqueza no Brasil", que tem mais de 600 páginas, ele indica a proximidade do ponto de vista econômico do governo Geisel, na década de 70, e do segundo mandato de Lula, na segunda metade dos anos 2000. Para Caldeira, no intuito de reforçar o mercado interno, ambos reduziram o contato da economia do Brasil com o exterior, levando o país à recessão. 
"É difícil entender como, a partir de ideologias opostas, Lula e Geisel tenham tomado rumos semelhantes na economia. Essa é uma pergunta sobre a ideologia para a qual não tenho respostas. O livro traz perguntas, não respostas", diz ele, que estuda a história econômica brasileira há mais de três décadas. 
* 
BRASIL COLÔNIA
"A ocupação antes da chegada dos portugueses é definida pela historiografia tradicional por meio do conceito de economia de subsistência, segundo o qual povos que não têm um grau de desenvolvimento alto produzem apenas o mínimo necessário para manter a existência vital. Agora, [há uma nova visão] que indica uma economia produtiva, capaz de reagir a novidades.
Já sobre o Brasil colônia, os autores clássicos dizem que, nesse período, a riqueza foi para fora do país, e só o latifúndio produzia riqueza. Pela definição atual [baseada em estudos de econometria], a economia da colônia se tornou mais dinâmica que a da metrópole, mesmo com o governo central mandando dinheiro para fora do país. Esse é o retrato do Brasil em 1800.
Faço comparações possíveis com o resto do mundo. A essa altura, o Brasil tinha aproximadamente a mesma dimensão da economia dos EUA."
IMPÉRIO
"Segundo a historiografia tradicional, esse é o período em que o Brasil começou a ter algum progresso. Pelos dados recentes da econometria, porém, foi uma economia que permaneceu estagnada durante 70 anos. Nessa fase, o crescimento da renda per capita foi zero. 
Isso ocorreu justamente quando as economias do Ocidente começaram a crescer. Ao fim desse período, a economia brasileira passou a representar menos de 10% da economia dos EUA" 
A PRIMEIRA REPÚBLICA
"A visão tradicional é de um período agrário, em que o Brasil não progrediu muito. Prevalecia a política dos coronéis. De fato, a política era ruim, mas a economia não, como mostra a econometria. 
Com as mudanças implantadas por Ruy Barbosa, em 1890, começa uma onda de crescimento gigantesca. Em 1906, a política de valorização do café contribuiu para o grande desenvolvimento econômico. O país crescia perto de 6% ao ano, às vezes mais. 
Houve ainda uma modernização acelerada do Brasil. Em 1929, a indústria já era do tamanho da agricultura no PIB brasileiro."
A PARTIR DE 1930
"No período que vai de 1930 ao regime militar, há coincidência entre a interpretação tradicional e a econometria. A economia continua crescendo em ritmo acelerado, e os outros países, em geral, não.
Considerando o intervalo entre 1890 e 1970, a economia brasileira foi a que mais cresceu no mundo, um desempenho excepcional.
O que mais interessa, no entanto, é o que aconteceu dos anos 70 em diante. Em 1973, o PIB do Brasil era maior que o da China. Foi neste momento que esses dois países tomaram decisões opostas. 
Mao Tsé-Tung decidiu lançar a China ao comércio internacional, o que ocorreu também com Japão e Cingapura. 
No Brasil, Ernesto Geisel interpretou o momento de modo diferente. Decidiu aumentar o isolamento do país porque o mercado interno parecia para o governo dele muito melhor do que as oportunidades no mundo. Pegou, então, dinheiro emprestado no exterior para investir em estatais.
Houve uma recessão brutal, ou seja, o Brasil perdeu a aposta contra a globalização." 
ÚLTIMOS 30 ANOS
"[A partir da redemocratização], os governos Collor, Itamar e Fernando Henrique tentaram refazer essas ligações internacionais para aproveitar as oportunidades. O Lula inicialmente também. 
Mas depois o Lula teve a brilhante ideia de nacionalizar o pré-sal. Imaginava-se que os royalties resolveriam os problemas do país.
A aposta vai no mesmo sentido do que fez Geisel, para quem apostar no que está aqui dentro é muito melhor do que manter a integração com os demais países. À parte a corrupção e outros problemas, esse erro estratégico do Lula, apoiado pelo Congresso e por empresários, resultou nessa recessão recente. Foi, portanto, uma segunda aposta perdida contra a globalização." 
RECESSÃO
"Tenho a impressão de que a recessão que se seguiu à renúncia de Dom Pedro 1º, em 1831, foi maior que a crise econômica dos anos recentes. Houve uma destruição social, que resultou, por exemplo, na Cabanagem, no Pará, e acabou em prostração econômica. Mas digo isso intuitivamente, não há dados econométricos para comprovar isso. 
Com os números em mãos, podemos dizer que essa de 2015 e 2016 foi mais grave que a de 1929 e também que a dos anos 1980". 
IDEOLOGIAS
"É difícil entender como, a partir de ideologias opostas, Lula e Geisel tenham tomado rumos semelhantes na economia. Essa é uma pergunta sobre a ideologia para a qual não tenho respostas. Esse livro traz perguntas, não respostas. 
Me pergunto também se essas ideologias que nós vemos como opostas não são apenas sobras de uma era que ficou no passado. E me pergunto também se o Fla-Flu ideológico dos dias de hoje não é só um modo de manter vivo algo que não explica mais o Brasil. 
Sobre o governo Dilma, tenho a seguinte impressão: quando já havia indícios suficientes de que essa condução da economia não daria certo, em 2012, 2013, Dilma ainda tinha convicção de que era o melhor caminho. Até o ponto que não deu mais, depois da reeleição dela. 
Por outro lado, é preciso entender que a situação é sempre difícil para quem dirige a nação. Passado o tempo, é fácil julgar a história. Quanto mais perto do presente, mais complicado é fazer isso".
ALTOS E BAIXOS
"Se pensarmos no longo período de que esse livro trata, 520 anos, o Brasil tem cerca de 400 bons anos. Portanto, não é o fim do mundo.
O que há em comum nessas fases ruins, que somam 120 anos, é tratar uma peculiaridade local como se fosse boa para o universo. O Brasil não é o centro do mundo. 
Quando a economia brasileira deixa de olhar para o resto do mundo, oportunidades são perdidas"
- 
HISTÓRIA DA RIQUEZA NO BRASIL
AUTOR: Jorge Caldeira
EDITORA: Estação Brasil (622 págs.)
QUANTO: R$ 69,90


CRÍTICA 

Amparado em números, Caldeira explica cinco séculos de Brasil

 O jornalista e historiador Jorge Caldeira


NAIEF HADDAD
DE SÃO PAULO 
Não faltassem dois meses para o arremate de 2017, seria possível cravar: "História da Riqueza no Brasil" (ed. Estação Brasil), de Jorge Caldeira, é o grande lançamento de não ficção do ano no país. 
O livro representa o ápice até aqui da carreira do escritor e jornalista Caldeira, 61, em seus estudos de mais de três décadas sobre a história econômica do país. 
É o 16º livro dele, cuja bibliografia é composta por obras de prestígio como "Mauá, O Empresário do Reino" (1995), "O Banqueiro do Sertão" (2006) e "Júlio Mesquita e seu Tempo" (2015). 
Para a concepção de "História da Riqueza no Brasil", Caldeira não abandonou os métodos usuais dos historiadores, como a consulta aos documentos de época. Mas a excelência do projeto se deve sobretudo a duas outras iniciativas, ambas em ascensão, embora ainda sejam incomuns no ambiente acadêmico brasileiro. 
A primeira foi lançar mão da antropologia para uma leitura mais completa da história econômica, especialmente do período que antecede a chegada dos portugueses e do Brasil colônia. 
Mestre em sociologia e doutor em ciência política, ambos pela USP, o autor se valeu de uma variedade de estudos de campo, entre os quais se destacam as pesquisas da cultura guarani pelo antropólogo francês Pierre Clastres (1934-1977). 
A segunda, e mais importante, decisão de Caldeira foi usar a econometria, como, aliás, tem feito nos seus livros mais recentes. Grosso modo, trata-se de um método estatístico de análise de dados econômicos, que só se tornou plenamente viável graças ao avanço da tecnologia nas últimas quatro décadas. 
Caldeira não é o primeiro historiador brasileiro a recorrer às fontes da antropologia e da econometria. O caráter pioneiro da sua obra está, na verdade, na combinação exaustiva desses novos conhecimentos e técnicas de pesquisa para montar um retrato tão abrangente, ou seja, mais de cinco séculos dos rumos econômicos do país. 
Em geral, a historiografia clássica descreve o Brasil colônia como período em que só os latifúndios produziam riqueza, e todo o excedente seguia para Portugal. Não existia dinamismo mercantil.
O livro recém-lançado reavalia, para dizer o mínimo, essa abordagem tradicional. 
"Com a acumulação dos dados, ficou cada vez mais evidente que, no final do século 18, a economia colonial brasileira era pujante, e pujante em decorrência do crescimento do seu mercado interno. Mais ainda, era uma economia bem maior que a da metrópole", escreve Caldeira no capítulo 19.
Também redimensiona outros períodos, como o Império e a Primeira República. 
Ao comparar dados do Brasil e de outros países, como os Estados Unidos, Caldeira mostra onde caímos do bonde da história –ou deixamos de pegá-lo. 
Por volta de 1800, a economia brasileira tinha porte equivalente à dos EUA. Ao fim do período imperial, nos últimos anos do século 19, o peso econômico do país representava menos de 10% do ostentado pelos americanos.
Amparado em números, "História da Riqueza no Brasil" poderia resultar em um inextricável compêndio de estatísticas. Não é o que acontece graças à capacidade de Caldeira de escrever como um jornalista faz –ou como deveria fazer. Prevalecem no livro a clareza, a fluência e a atenção ao contexto e às boas histórias. 
Outro cuidado do autor é, à luz das divergências, não soar desrespeitoso com os clássicos. Afinal, o acesso às comparações entre bancos de dados é muito recente. 
Caldeira nos faz crer que seu livro é só um passo inicial de um longo trabalho de reescrever o passado.