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terça-feira, 5 de junho de 2018

Presentes financeiros a Cuba sob o lulopetismo diplomático: alguma surpresa nisso?

Só agora estão descobrindo que os descontos dados a Cuba foram ILEGAIS?
Por que não o foram na época da aprovação dos mesmos?
Não conheciam a legislação? Trataram o caso secretamente?
Discordo do professor que achou que essas imensas facilidades – na verdade presentes, pois Cuba não vai pagar nem a metade do que recebeu – foram o resultado de "ingenuidade".
Não foram, foram propositais. A intenção era mesmo dar esses presentes a Cuba, seja porque iriam receber um pagamento por fora, seja porque os companheiros estavam, ideologicamente e criminosamente, comprometidos com os camaradas cubanos (por velhas razões).
Paulo Roberto de Almeida

Desconto de US$ 68,4 mi que o Brasil deu em juros de empréstimos para Cuba é ilegal, aponta TCU

Dinheiro foi usado na construção do porto de Mariel durante os governos Lula e Dilma

O governo brasileiro concedeu descontos da ordem de US$ 68,4 milhões (cerca de R$ 255,6 milhões) nos juros de empréstimos concedidos pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento) a Cuba.
O governo da ilha caribenha usou o dinheiro para construir o porto de Mariel, inaugurado em 2014, com a presença da então presidente Dilma Rousseff (PT). De acordo com o TCU (Tribunal de Contas da União), estes descontos foram ilegais em pelo menos quatro operações de crédito a partir de 2010 com o BNDES.
Para a realização do empréstimo, foi utilizado um mecanismo financeiro previsto pelo Tesouro Nacional chamado Proex-equalização, que permite baixar os juros de um empréstimo a um país estrangeiro por até dez anos (120 meses).
O objetivo é conseguir competir com outros países que ofereçam condições mais vantajosas, e a União paga a diferença. 
O governo brasileiro decidiu, porém, conceder o benefício por 25 anos (300 meses), o que, afirma o TCU, é ilegal segundo a legislação vigente.
O órgão de controle também constatou que as condições oferecidas pelo BNDES não só foram iguais às disponíveis no mercado internacional naquele momento, mas sim ainda melhores.
Contatados pela reportagem, o BNDES e os ministérios envolvidos nestas negociações afirmam que colaboram com todas as auditorias e investigações (leia mais abaixo).
Se a regra vigente tivesse sido obedecida, o desconto máximo possível nos juros dos empréstimos concedidos a Cuba seria de US$ 54,629 milhões no total —ou cerca de R$ 204 milhões. Com o aumento de prazo, o desconto concedido passou para US$ 123,11 milhões. A diferença (US$ 68,4 milhões) é o valor que foi considerado ilegal pelo TCU. 
A avaliação faz parte de uma auditoria sigilosa, à qual o UOL teve acesso, que o TCU está realizando em todos os negócios do BNDES com empresas envolvidas na Operação Lava Jato.
“Este valor preliminar corresponde a um aumento nos dispêndios com equalização em 125% em relação ao valor que seria gasto caso as operações tivessem seguido as condições regulamentares, uma vez que as aprovações propiciaram a ampliação do benefício da equalização por 15 anos acima do limite máximo legalmente permitido”, afirma o relatório do tribunal de contas.
Os empréstimos do BNDES a Cuba começaram em 2009, no segundo mandato do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (de 2007 a 2010), e continuaram no primeiro mandado de sua sucessora, Dilma Rousseff (de 2011 a 2014).

Empréstimo

Ao todo, o BNDES emprestou US$ 682 milhões, ou R$ 2,55 bilhões, para a construção do porto de Mariel e de projetos de infraestrutura no entorno, como uma rodovia que leva até o local.
As obras foram feitas pela construtora brasileira Odebrecht. A empreiteira diz que colabora com a Justiça do Brasil e dos países onde atua (leia mais abaixo). 
Os órgãos diretamente responsáveis pelas irregularidades apontadas pelo TCU são a Camex (Câmara de Comércio Exterior), que reúne representantes dos ministérios da Fazenda e das Relações Exteriores, entre outros, para formular a política de comércio internacional do Brasil, e o Cofig (Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações), responsável por gerir o fundo da União que garante os empréstimos.
Em março de 2017, a Folha mostrou que o governo brasileiro assumiu riscos altosao apoiar os negócios da Odebrecht em Cuba.
Na visão do governo Lula, o processo de abertura econômica em Cuba criava oportunidades para as empresas brasileiras e a queda do embargo comercial imposto pelos EUA era questão de tempo, tornando necessário que elas se posicionassem antes de rivais de outros países. 
Hoje, mais de quatro anos após a inauguração, a Zona Especial de Desenvolvimento de Mariel caminha a passos lentos e encontra dificuldade de atrair empresas. Até agora, apenas duas empresas brasileiras estão instaladas no local.
A burocracia afugenta os investidores. De acordo com o governo cubano, US$ 1,2 bilhão (R$ 4,5 bilhões) foi investido em Mariel até agora.

Venezuela deu calote

Nesta semana, o UOL mostrou que o governo brasileiro fez outras manobrasfinanceiras irregulares para dar um desconto de R$ 735 milhões no valor pago pelo seguro de empréstimos a países da América Latina, África e Caribe.
No início de maio, foi revelado que a exposição total do fundo que garante estes empréstimos é de R$ 64 bilhões.
Em março, o UOL já havia mostrado que a Venezuela deu um calote de quase R$ 1 bilhão em empréstimos, tomados juntos ao BNDES e ao Credit Suisse, e que o governo brasileiro assumiria a dívida com recursos do FGE (Fundo de Garantia à Exportação).
Após o calote, a Câmara dos Deputados teve que aprovar de maneira emergencial um manejo de recursos do Orçamento da União para cobrir esse prejuízo e outro referente a um calote de Moçambique (ocorrido no ano passado), com recursos do seguro-desemprego.
Depois do calote, o governo federal alterou as regras para a concessão do seguro.
O UOL procurou Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores de 2003 a 2010, no governo Lula, para comentar quais eram os objetivos do Brasil com a política de empréstimos a outros países naquela época.
“Era um objetivo do governo aproximar o Brasil dos países africanos e latino-americanos”, afirmou Amorim.
“Não era uma questão ideológica, era política. Avaliamos que o país tinha muito a ganhar aumentando a presença nestes países, dentro da geopolítica mundial. A aproximação econômica, concessão de empréstimos, era só uma das frentes de atuação”, disse o ex-ministro.

Analista vê ingenuidade

Gustavo Fernandes, professor do mestrado de gestão e políticas públicas da FGV (Fundação Getúlio Vargas), criticou este investimento específico. “No caso do porto de Mariel, acredito que era muita ingenuidade investir lá”, afirma.
“Mesmo que a abertura econômica acontecesse na ilha, eles ficam a cerca de 100 km de distância dos Estados Unidos. Quem você sinceramente acha que seria o principal parceiro comercial da ilha, os EUA ou o Brasil?”, questiona Fernandes.
“Não teríamos a menor condição de competir com eles, construímos um porto para os cubanos e os americanos usarem. Sem falar que a queda do embargo e a tal abertura econômica não vieram até hoje, logo não tem muito o que fazer por lá com aquele porto.”

Ministério da Fazenda e BNDES dizem que colaboram

O Ministério da Fazenda, por meio de sua assessoria de imprensa, afirma que está prestando todas as informações solicitadas pelo órgão de controle para auxiliar as análises das equipes de auditoria.
“Até o momento, a única determinação recebida do TCU foi a elaboração, com o auxílio da ABGF (Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias), de estudos referentes à sustentabilidade atuarial do FGE”, diz a nota enviada ao UOL.
De acordo com a Fazenda, apenas após este estudo será possível dizer se as práticas apontadas pelo TCU comprometem ou não suas finanças. O ministério destaca também que o aperfeiçoamento dos mecanismos do FGE é um objetivo comum com os órgãos de controle.
O BNDES, também por meio de sua assessoria de imprensa, informa que está atendendo a todas as requisições e prazos do TCU e que colabora totalmente com a realização das auditorias sobre as operações de crédito em questão.
O banco público afirma que até o momento não há parcelas em atraso por parte do governo cubano.
Procurado pela reportagem, por meio de sua assessoria de imprensa, o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços não respondeu até a publicação desta reportagem.
O UOL também procurou representantes do consulado de Cuba em São Paulo, por email e telefone, mas não conseguiu resposta.

Investigação continua na Lava Jato

O TCU abriu em maio processos administrativos para apurar responsabilidades individuais de servidores públicos nas ilegalidades encontradas na auditoria.
Os achados também foram enviados para o MPF (Ministério Público Federal) e à PF (Polícia Federal) para serem incluídos nas investigações da Operação Lava Jato.
O principal processo na Justiça que envolve este caso é a denúncia por corrupção passiva e ativa da PGR (Procuradoria-Geral da República) contra o ex-presidente Lula, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), os ex-ministros dos governos do PT Antônio Palocci e Paulo Bernardo e o empresário Marcelo Odebrecht.
Os políticos são acusados de receber US$ 40 milhões de propina da empreiteira.
De acordo com a denúncia, apresentada no final de abril, executivos da Odebrecht contaram em delação premiada que prometeram a propina ao PT em troca de a empreiteira ser beneficiada em contratos e decisões do governo, incluindo nos empréstimos para outros países que contratassem os serviços da Odebrecht.
Em nota, a construtora afirma que “está colaborando com a Justiça no Brasil e nos países em que atua”.
De acordo com a assessoria de imprensa, a Odebrecht  assinou acordo de leniência com as autoridades de Brasil, Estados Unidos, Suíça, República Dominicana, Equador, Panamá e Guatemala.
“[A Odebrecht] implantou um sistema para prevenir, detectar e punir desvios ou crimes. E adotou modelo de gestão que valoriza não só a produtividade e a eficiência, mas também a ética, a integridade e a transparência”, diz a nota.
UOL

sábado, 17 de fevereiro de 2018

Politica externa brasileira recente - Paulo Roberto de Almeida

Política externa brasileira recente: algumas questões tópicas

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: comentários a questões de acadêmico; finalidade: ensaio sobre diplomacia]


Introdução
Encontram-se, abaixo, meus comentários e argumentos em resposta a questões tópicas, ou gerais, apresentadas por acadêmico estrangeiro engajado num ensaio de ciência política sobre a política externa e a diplomacia brasileira desde o início do presente século, quando o Brasil parecia emergir como grande ator internacional, mas teve sua presença internacional e status diminuídos, a partir da recessão e da crise do impeachment, o que refletiu-se na sua imagem e na sua atuação nessas dimensões.
Não pretendo, e esta não é a intenção, que meus argumentos e opiniões, pessoais e subjetivos como eles podem ser, sejam utilizados para compor uma atualização final desse trabalho, cuja discussão central atinha-se ao período pré-2014, pois entendo que eles serão apenas utilizados como subsídios para uma avaliação ex post da análise já feita no trabalho original. Minha visão é puramente pessoal, e não corresponde, como deve ficar claro, à opinião média de um diplomata sobre a política externa do país.

Questões:


PRA: Caberia, em primeiro lugar, estabelecer duas premissas fundamentais para uma correta caracterização da problemática acima, por um lado no contexto do país, por outro lado quanto à dimensão temporal implícita à questão. O Brasil, na condição de país participante da política internacional, enquanto ator regional ou mundial, enquanto membro de diferentes instituições e arranjos da comunidade internacional, no plano multilateral ou em suas relações bilaterais, esse país referido de maneira genérica não existe enquanto entidade uniforme, homogênea, contínua e constante no contexto dessas várias dimensões de sua política externa. O que existe é uma política externa específica e própria de um governo determinado, o que, num sistema presidencialista como é o seu, significa a política externa de um determinado presidente, animada pelas forças atuantes nesse determinado governo, com base numa hegemonia política do partido ou da coalizão de partidos dominantes no mandato presidencial em questão. Por isso não creio ser correto afirmar-se que o Brasil tinha tal e tal política externa até 2014, e passou a ter esta outra política externa a partir desse ano, o que já entra na discussão do segundo aspecto levantado como premissa: o suposto corte temporal em 2014.
A caracterização correta deve ser, em função da história política brasileira entre janeiro de 2003 e maio de 2016, a política externa dos governos do PT, não do Brasil, nesse período, e a política externa desenvolvida desde então. Qualquer observador político dotado de um conhecimento mínimo das características essenciais da política externa brasileira saberia fazer tal distinção, e é a partir dela que podemos responder à questão colocada, a da “inserção e projeção internacional e da visibilidade do envolvimento do Brasil no cenário internacional desde 2014”. Meu comentário, então, passa a ser o seguinte.
Existe uma nítida diferenciação entre a política externa daquilo que eu chamo de “lulopetismo diplomático”, ou seja, a diplomacia e a política externa do Brasil tal como conduzidas pelos governos petistas entre 2003 e 2016, e a política externa do Brasil até 2002 e a partir de meados de 2016 até a presente data, ainda numa fase de transição política a ser marcada pelas eleições presidenciais e gerais de outubro de 2018. Como eu já elaborei diferente análises sobre o “lulopetismo diplomático”, remeto a trabalhos anteriores já publicados ou divulgados sobre essa anomalia política, para depois concentrar-me nas diferenças a partir de 2016.
Eis aqui uma pequena relação de análises feitas ainda em 2016 cobrindo aquele período anterior:
2985. “Política externa e política econômica no Brasil pós-PT”, Brasília, 29 maio 2016, 6 p. Comentários tópicos em um artigo para Mundorama (7/06/2016; link: http://www.mundorama.net/2016/06/07/politica-externa-e-politica-economica-no-brasil-pos-pt-por-paulo-roberto-de-almeida/). Divulgado no blog Diplomatizzando em 8/06/2 (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/06/politica-externa-e-politica-economica.html).

2983. “O renascimento da política externa”, Brasília, 25 maio 2016, 14 p. Artigo publicado na revista Interesse Nacional (ano 9, n. 34, julho-setembro de 2016, link: http://interessenacional.com/index.php/edicoes-revista/o-renascimento-dapolitica-externa/). Reproduzido no blog Diplomatizzando (3/08/2016; link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/08/o-renascimento-da-politica-externa.html).

2982. “Do lulopetismo diplomático a uma política externa profissional”, Brasília, 22 maio 2016, 7 p. Mundorama (23/05/2016, link: http://www.mundorama.net/2016/05/23/do-lulopetismo-diplomatico-a-uma-politica-externa-profissional-por-paulo-roberto-de-almeida/); reproduzido no blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/05/do-lulopetismo-diplomatico-uma-politica.html).

2977. “O Itamaraty e a diplomacia profissional brasileira em tempos não convencionais”, Brasília, 15 maio 2016, 10 p. Entrevista concedida ao blog Jornal Arcadas, sobre aspectos da carreira e do funcionamento do Itamaraty na fase recente. Publicado, sob o título de “Entrevista: a crise e o anarco-diplomata”, no blog Jornal Arcadas (15/05/2016); reproduzido no Diplomatizando (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/05/um-anarco-diplomata-fala-sobre.html).

2969. “Epitáfio do lulopetismo diplomático”, Brasília, 2 maio 2016, 3 p. O Estado de S. Paulo (17/05/2016; link: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,epitafio-do-lulopetismo-diplomatico,10000051687), reproduzido no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/05/epitafio-do-lulopetismo-diplomatico.html).

No período posterior à queda do lulopetismo, uma vez iniciado e completado o processo de impeachment, continuei a elaborar alguns textos que justamente faziam o balanço do lulopetismo diplomático, dentre os quais posso destacar os seguintes:

2988. “Política externa brasileira, 2: o que faria o Barão hoje, se vivo fosse?”, Brasília, 1 junho 2016, 7 p. Blog Diplomatizzando (17/02/2018; link: https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2018/02/politica-externa-brasileira-o-que-faria.html).

2999. “Auge e declínio do lulopetismo diplomático: um depoimento pessoal”, Brasília, 22 junho 2016, 18 p.; revisto: 26/06/2016: 19 p. Blog Diplomatizzando (1/07/2016; link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/07/ufa-um-depoimento-meu-sobre-o.html).

3032. “O lulopetismo diplomático: um experimento exótico no Itamaraty”, Porto Alegre, 4 setembro 2016, 5 p. Blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/09/o-lulopetismo-diplomatico-um.html).

3061. “O Itamaraty e a nova política externa brasileira”, Brasília, 19 novembro 2016, 18 p. Blog Diplomatizzando (15/08/2017; link: https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/08/o-itamaraty-e-nova-politica-externa.html).


3116. “Crimes econômicos do lulopetismo na frente externa”, Brasília, 12 maio 2017, 7 p. Resenha do livro de Fabio Zanini, Euforia e fracasso do Brasil grande: política externa e multinacionais brasileiras na era Lula (São Paulo: Contexto, 2017, 224 p.; ISBN: 978-85-7244-988-5). Blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/05/crimes-economicos-do-lulopetismo-na.html).

3121. Quinze anos de política externa: ensaios sobre a diplomacia brasileira, 2002-2017; Brasília: Edição do Autor, 2017, 366 p. Blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/05/quinze-anos-de-politica-externa-ensaios.html).

3126. “Uma visão crítica da política externa brasileira: a da SAE-SG/PR”, Brasília, 17 junho 2017, 22 p. Mundorama: Revista de Divulgação Científica em Relações Internacionais (2/12/2017; ISSN: 2175-2052; acessado em 03/12/2017; link: http://www.mundorama.net/?p=24308).

3197. “Depois da diplomacia companheira: o que vem pela frente?”, Brasília, 26 novembro 2017, 3 p. Gazeta do Povo (28/11/2017, link: http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/depois-da-diplomacia-companheira-o-que-vem-pela-frente-di5ffopc0ywu56cc29s8s5hsr). Blog Diplomatizzando (28/11/2017; link: https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/11/depois-da-diplomacia-companheira-o-que.html).

3221. “A diplomacia na construção da nação: qual o seu papel?, Brasília, 28 dezembro 2017, 10 p. Mundorama (9/01/2018; link: http://www.mundorama.net/?p=24351).

Feitos os esclarecimentos sobre o que eu penso a respeito do “lulopetismo diplomático”, entre 2003 e 2016, e agregados alguns trabalhos posteriores, venho à resposta de como vejo a “inserção e projeção internacional e da visibilidade do envolvimento do Brasil no cenário internacional”, não desde 2014, mas a partir de 2016. Existe uma clara diminuição da atuação internacional do Brasil desde então, por força da ruptura política ocorrida com o impeachment, feito entre maio e agosto desse último ano, mas também é claro que essa redução do ativismo diplomático já vinha sendo observado desde o terceiro e o início do quarto governo lulopetista, dadas as características desastrosas da substituta do presidente Lula a partir de 2011, notadamente a partir da crise econômica, e política que já se manifestava claramente a partir de 2014 (ano da reeleição de Dilma Rousseff) e que só se agudizou a partir da clara falta de legitimidade de seu mandato político e da grande crise econômica que se exacerbou a partir de então (mas cujas raízes já vinham desde antes, praticamente desde o período final do segundo mandato lulopetista).
A presidente – e isso ficou claro desde seu primeiro mandato – não era apenas inepta, incompetente e errática em suas ações e decisões, como ela também rebaixava a política externa, não tinha nenhuma empatia pela diplomacia profissional, que ela desprezava profundamente, a ponto de humilhá-la seguidamente com suas ações intempestivas e prejudiciais à diplomacia do país. Essa diminuição, portanto, existe, precede ao impeachment, mas se manifestou de forma mais clara desde então, inclusive devido à campanha nacional e internacional viciosa e viciada, mentirosa e mistificadora, conduzida pelos lulopetistas, com certo sucesso desde então, parte da qual está diretamente vinculada à ação do ex-chanceler sob os dois governos de Lula, convertido em ativo membro da tropa de choque de defesa do ex-presidente, criminoso condenado e chefe daquilo que já foi chamado de “organização criminosa”. Tais ações e campanha de propaganda, repercutidas e expandidas com certa eficácia pelos aliados políticos e pelas correias de transmissão identificados com as políticas de esquerda desses grupos teve, portanto, algum resultado em retirar legitimidade internacional ao governo de transição conduzido pelo vice-presidente (presidente pleno a partir de agosto de 2016) Michel Temer, a ponto de o Brasil ter sido “contornado” por diversos líderes políticos de parceiros tradicionais e por representantes diplomáticos desses países, a começar pelos antigos aliados dos governos lulopetistas.
O segundo componente dessa diminuição relativa foi a crise econômica que se desenvolveu com enorme impacto sobre o crescimento e o nível de emprego do país, a maior recessão econômica de toda a história do Brasil: -3,8% do PIB em 2015, -3,6% em 2016, algo em torno de 0,5% em 2017, e mais de 13% de desemprego em relação à população economicamente ativa (mais de 14 milhões de desempregados, o que já representa uma subestimação com respeito aos números reais, bem maiores se levados em conta efeitos das políticas distributivas, tipo “Bolsa Família”, ou o subemprego tradicional no Brasil). Nunca o Brasil tinha conhecido um déficit orçamentário em torno de 10% do PIB, e um descalabro em suas contas públicas da dimensão conhecido nos últimos anos, como resultado das políticas econômicas (macro e setoriais) equivocadas conduzidas a partir de 2011 (com raízes anteriores, como a expansão desequilibrada das despesas públicas e a extensão do intervencionismo estatal desde sempre). Esse dado também afetou a capacidade de projeção internacional do Brasil, dado o enorme esforço de ajuste fiscal e de início de um processo de ajustes tópicos e de reformas estruturais que passaram a ser conduzidos desde então, processos ainda não concluídos de forma exitosa até o presente momento (primeiro trimestre de 2018).
Tanto a tremenda crise econômica, ainda não completamente superada, como a relativa fragilidade do quadro político atual, bem como a campanha mentirosa e viciosa conduzida pelos lulopetista nos planos interno e externo durante os últimos dois anos afetaram, portanto, a política externa e a atuação diplomática do Brasil, o que explica o menor ativismo em relação ao período 2003-2010, que de toda forma foi exacerbado, devido à megalomania conjunta do presidente e de seu chanceler, muito mais baseada em retórica vazia e ativismo superficial do que em fundamentos sólidos de uma política externa que sempre exibiu, em circunstâncias normais, sua solidez doutrinal e adesão ao direito internacional, princípios abalados durante a vigência do lulopetismo político.

2) Como avalia a evolução da política externa e diplomacia presidencial desde 2014?

PRA: Essa evolução deve ser claramente redimensionada em função das fases políticas já definidas acima, quais seja, a dominação lulopetista sobre o Estado e o governo entre 2003 e maio de 2016, e, a partir de então, uma coalizão de forças políticas centristas, em parte integradas pelas mesmas forças que já integravam os governos petistas na fase anterior, com a adição de parte da oposição de direita ou centrista que tinham ficado alijadas do poder anteriormente. A diferenciação fundamental, crucial, essencial a ser feita – e que já está clara nos trabalhos pessoais listados mais acima – é a dominação do lulopetismo, em suas diferentes variantes, sobre a política externa e sobre a diplomacia exercida por apparatchiks do PT sobre essa política externa, e, a partir de 2016, um retorno a padrões mais tradicionais da diplomacia brasileira, tais como vistos e conhecidos até 2003 e novamente reativados desde 2016. A diplomacia profissional brasileira tem métodos de atuação, conceitos fortemente embasados, plena capacitação de seus quadros totalmente adequados para o exercício de uma política externa ativa, embora dependa, como parece claro, de uma liderança presidencial engajada em ações e iniciativas próprias ou suscitadas pela agenda internacional, regional ou multilateral.
Em função do quadro político vigente no Brasil desde a crise do impeachment – de relativa desunião do país, embora sustentado artificialmente e com muita má-fé por parte das forças políticas alijadas do poder – e levando em conta o quadro de pré-campanha eleitoral em vista das eleições de outubro de 2018, parece evidente que a política externa e a diplomacia brasileira atuarão de modo menos ativo na fase atual, embora com pleno controle dos mecanismos e da capacidade de representação com base em seu corpo profissional do setor. Tal situação provavelmente persistirá até o início de 2019, quando um novo governo tomará posse, embora se possa prever continuidade relativa na atuação da diplomacia profissional brasileira, com base no funcionamento adequado do Itamaraty e de seu serviço exterior tradicionalmente.

3) Como avalia o mandado de tropas para a República Centro Africana? Como se integra nas posições do Brasil nas discussões internacionais sobre paz e segurança e participa da visibilidade do Brasil nesses debates e no cenário internacional?

PRA: Existe uma clara demanda externa, notadamente da França, e de outros membros do Conselho de Segurança, para o envio de forças brasileiras de interposição, com base em resoluções dos órgãos multilaterais e determinação das principais potências presentes naquele cenário, que identificam um interesse das Forças Armadas brasileiras nesse tipo de ação, que atende interesses próprios de capacitação operacional e outros objetivos internos a esse corpo profissional. O cenário é contudo diferente daquele que presidiu ao envio de forças brasileiras no quadro da Minustah, ao Haiti, a partir justamente do ativismo exacerbado do primeiro governo Lula em prol de sua projeção internacional, mirando, provavelmente, uma mal calculada ambição de vir a integrar o Conselho de Segurança da ONU, se e quando fosse efetivada a reforma da sua Carta e a ampliação do CSNU. Não há mais ilusões a esse respeito, por parte da diplomacia brasileira, quanto a essa perspectiva – amplamente ilusória, já naquele momento –, daí um ceticismo maior por parte da diplomacia profissional quanto ao interesse ou vantagens advindos dessa participação ainda hipotética. Se ela se efetivar talvez não o seja no corrente ano de 2018, dado o contexto político geral do Brasil, pois uma decisão desse tipo teria de passar pelo crivo do Congresso e por uma adequação de recursos orçamentários, o que possivelmente remeta a decisão ao ano d e 2019.
Se ocorrer definição positiva, pode representar um passo adiante na capacitação das FFAA brasileiras em missões de paz da ONU – mas sempre de interposição, ou seja, de peace keeping, antes que de imposição da paz, ou de peace making –, o que contribuirá para reforçar o papel internacional que o país aspira ter no plano mundial. Mas também é preciso ficar claro que se trata de uma operação que transcende, talvez, o cenário ideal para um país como o Brasil, situada numa região e num contexto político nos quais e com os quais o Brasil possuí vínculos tênues, mesmo ínfimos, se algum. Ou seja, não seria um cenário de atuação escolhido voluntariamente pelo Brasil, ou por sua diplomacia, embora possa ter atrativos, mas puramente operacionais, do ponto de vista de suas FFAA. A perspectiva pode ser positiva, tanto no plano prático das FFAA, quanto na esfera diplomática, mas uma avaliação ponderada terá de ser conduzida com base num exame mais circunstanciado desse possível envolvimento.
No momento atual, e isso precisa ficar claro, não existe um “mandado”, e sim uma demanda externa, que terá de ser cuidadosamente avaliada pelos dois ministérios em esforço de coordenação conjunta – Defesa e Relações Exteriores – e pelo presidente da República. Os imponderáveis são aqueles conjunturalmente oferecidos pelo atual momento de transição política, já referido, e requeridos por uma análise política a ser feita pelas duas instituições em condições concretas do debate mantido pelo Brasil com as potências interessadas e as instâncias da ONU envolvidas nesse processo.

4) Como avalia as políticas comerciais do atual governo: teve efetivamente um movimento de distanciamento da OMC? Qual é a efetividade das iniciativas para fechar acordos bilaterais?

PRA: Não apenas as políticas comerciais, mas todas as demais políticas setoriais do governo anterior, inclusive determinadas orientações da política macroeconômica, foram deformadas por escolhas e preferências claramente equivocadas dos governos lulopetistas, sobretudo a partir do seu terceiro mandato presidencial, políticas que levaram o Brasil à maior recessão de sua história econômica. Tais políticas envolveram igualmente desrespeito a regras multilaterais já aceitas pelo Brasil no quadro de rodadas e negociações comerciais multilaterais adotadas no âmbito da OMC, como foi o caso do “Inovar Auto”, condenado – como já estava claro desde o seu início – pelo mecanismo de solução de controvérsias da OMC, acionado por parceiros comerciais que se sentiram lesados por práticas discriminatórias adotadas pelo governo petista naquele âmbito.
O atual governo de transição efetua um reequilíbrio dessas políticas, que devem ajustar-se aos compromissos e obrigações multilaterais assumidos pelo Brasil, num quadro de relativa fragilidade competitiva do Brasil, cujas indústrias já são penalizadas por distorções internas – sobretudo tributárias – que redundaram numa perda de espaço nos mercados internacionais e numa desindustrialização precoce. O Brasil, sob os governos do lulopetismo, recuou nitidamente em diversos critérios classificatórios de entidades internacionais: ambiente de negócios (Doing Business, do Banco Mundial), competitividade (relatórios anuais do World Economic Forum) e, sobretudo, liberdades econômicas (Fraser Institute), para posições vergonhosas em face da relativa importância de sua economia (ainda entre as dez primeiras no plano do PIB total), mas em classificações mais negativas do ponto de vista do comércio internacional, da inovação e da produtividade. Essa situação exigirá um grande esforço do governo atual e de governos futuros em favor de profundas reformas estruturais e de ajustes internos em prol de uma nova inserção econômica internacional, claramente diminuída em função não apenas da crise como das políticas equivocadas, intervencionistas e também protecionistas e introvertidas.
Os mesmos equívocos foram cometidos no âmbito regional e na esfera das negociações de possíveis acordos de abertura econômica e de liberalização comercial, praticamente inexistentes durante toda a era lulopetista, que deformou o funcionamento do Mercosul e desviou a orientação universalista do comércio internacional do Brasil, em favor de uma orientação “Sul-Sul” de caráter propriamente delirante, pois que não seguida por nenhum parceiro tradicional (no âmbito regional) ou “estratégico” (no Brics, por exemplo) do país, quaisquer que sejam eles. O Mercosul perdeu suas características essencialmente comercialistas para se transformar num palanque de retórica política, utilizado inclusive para objetivos partidários e sectários – como os episódios da suspensão do Paraguai e da aceitação política, equivocada e ilegal, da Venezuela como membro pleno – e perdeu espaço no relacionamento comercial externo do Brasil. O Brasil possui acordos comerciais no âmbito da Aladi, que devem ampliar bastante o acesso aos seus mercados pelos países da região (América do Sul), mas ainda precisa fechar acordo com o México e muitos outros países, uma vez que os acordos feitos na vigência do lulopetismo foram poucos e com impacto medíocre no leque de mercados com relações preferenciais do Brasil e do Mercosul. Mas ainda resta que a dimensão tarifária já é pouco relevante no quadro dos atuais acordos comerciais sendo negociados bilateralmente ou plurilateralmente na presente fase da economia mundial, sendo que na dimensão regulatória e nos demais aspectos – investimentos, serviços, propriedade intelectual e outros – o envolvimento brasileiro é bastante reduzido.

5) O que significa, o que revela o Brasil estar ausente do CSNU até 2022?

PRA: Pode parecer uma diminuição relativa da presença brasileira em termos de projeção externa e oportunidade de participar de debates relevantes nesse plano, mas eu pessoalmente não considero tal afastamento absolutamente prejudicial ao Brasil ou à sua diplomacia. O Brasil poderá participar, se desejar ou puder, de certas operações negociadas no âmbito do CSNU mesmo sem dele participar, bastando manifestar sua intensão nesse sentido. Existe um critério de rotatividade regional, nem sempre seguido, o que pode ser contornado por certo ativismo diplomático, mas não creio que o Brasil resultará diminuído diplomaticamente ao seguir essa rotatividade de modo explícito.

6) Como avalia a decisão de retomar as discussões para o acordo entre a UE e o Mercosul? Quais serão os benefícios? Qual é a probabilidade de fechar acordo?

PRA: Trata-se de processo antigo, que remonta aos anos 1990, quando ainda existia a perspectiva de um acordo hemisférico de libre comércio, um projeto dos EUA do início daquela década, que despertou os ânimos da UE no sentido de não ser prejudicada pela disposição latino-americana de entrar em acordos preferencias com a grande potência hemisférica no horizonte de 2005. Apenas por isso tiveram início negociações concretas entre a UE e o Mercosul, que no entanto nunca contaram com efetiva disposição liberalizadora por parte dos parceiros integrantes dos dois blocos. Como as novas lideranças de esquerda na América Latina – Lula no Brasil, Chávez na Venezuela, Kirchner na Argentina – decidiram implodir o projeto americano da Alca, o processo inter-regional UE-Mercosul padeceu os atrasos que se conhecem. Persistem obstáculos setoriais importantes – agrícolas, do lado europeu, industrial e de serviços, do lado do Mercosul – ainda que existam, a partir de novas lideranças políticas no Brasil e na Argentina, nítida boa disposição para fechar esse acordo. Não sou muito otimista quanto a isso, e ainda que ele venha a ser fechado, concluído e aprovado, sua implementação será provavelmente bastante longa (dez anos ou mais), para uma abertura efetiva de setores atualmente protegidos. Mesmo quando, e se, ele seja concluído, o acordo terá um impacto global marginal para o comércio da UE, um pouco mais para o Mercosul, embora possa ser setorialmente, e de um ponto de vista microeconômico, importante para alguns setores e empresas envolvidas no comércio.

7) Teve efetivamente um redirecionamento das relações para o eixo norte? Se for o caso, como se traduz de forma concreta? Qual é a relevância dos BRICS para o governo atual? Como avalia a decisão de entrar na OCDE? Quais são as implicações simbólicas?

PRA: Essa distinção Norte-Sul já não faz mais nenhum sentido para o governo atual, embora fizesse parte para os governos lulopetistas anteriores e para boa parte da academia, que vivem de símbolos, por mais inúteis que eles sejam no plano prático. Os governos lulopetistas se orgulhavam de praticar uma diplomacia Sul-Sul e de ter uma orientação geral de sua diplomacia para um hipotético, e inexistente, “Sul global”, uma fantasmagoria que só pode frequentar a cabeça de amadores, de sectários e de espíritos desconectados das realidades da economia mundial. O Brasil sempre teve uma política externa universalista, apenas deformada durante o lulopetismo diplomático por essa miopia fundamental dos companheiros e seus aliados acadêmicos, sem qualquer sentido para a boa condução da diplomacia brasileira, muito embora esta sempre tenha tido uma orientação política voltada para países em desenvolvimento, como caracterizada nessa divisão – que eu considero em grande medida artificial – típica da ONU entre os grupos regionais e o pertencimento clássico do Brasil ao G77.
O BRICS, uma construção também artificial favorecida pelo lulopetismo por razões claramente políticas, permanece no espectro da movimentação diplomática brasileira, um pouco por inércia diplomática, um pouco pelo avanço em determinadas áreas – como o New Developement Bank, por exemplo – mas encontra-se, segundo a minha percepção, numa fase de reavaliação, em vista da diminuição das expectativas exageradamente otimistas da década anterior e da clara assimetria estrutural que é dada pela enorme dimensão econômica e política da China nesse grupo.
A decisão de demandar ingresso pleno na OCDE já está atrasada vinte ou trinta anos, no plano objetivo do potencial econômico e político internacional do Brasil, mas é claro que o lulopetismo diplomático, e político, sempre teve objeções de princípio ao que ele considerava, de modo totalmente equivocado, como sempre, um “clube de países ricos”, o que a OCDE claramente não é mais desde o fim do socialismo e a adesão de diversos outros países em desenvolvimento, a começar, mais recentemente, pelo Chile no âmbito regional. Considero esse ingresso, se efetivado, como um passo importante para a “normalização” do Brasil no que respeita suas principais políticas macroeconômicas e setoriais, podendo reforçar e consolidar um padrão de qualidade nessas políticas que ele deveria já ter alcançado desde o início do Mercosul e do plano de estabilização macroeconômica de 1994-94, sob sua nova moeda, mas que se frustraram devido à deformação lulopetista do Mercosul, e a própria fragmentação do processo de integração regional e das políticas econômicas nacionais.
A dimensão simbólica desse possível ingresso é, para mim, muito menor do que o atribuído no plano jornalístico pelos observadores, e desimportante para todos os efeitos práticos. O mais importante é o efeito que ele possa ter, como já afirmado, no plano da qualidade das políticas econômicas e demais políticas públicas setoriais, no plano interno, mas também como alavanca, necessária e importante, para reforçar um necessário processo de reinserção internacional do Brasil. Espero, apenas, que o Brasil, por força de todo o seu passado protecionista, intervencionista, dirigista, nacionalista, não venha a assumir, nesse ingresso, uma postura defensiva, que delongue, tolha ou torne imperfeito esse processo de abertura econômica do Brasil ao mundo, que é hoje o país mais fechado de todo o G-20 financeiro, no que se refere ao coeficiente comercial.
Alguns veem esse ingresso como complementar ao BRICS; eu, pessoalmente, vejo isso como totalmente contrário ao BRICS, um grupo ainda muito distante do conceito que considero necessário ao Brasil: democracia de mercado com pleno respeito aos direitos humanos e adesão a padrões elevados de governança responsável.

8) O que foi decidido sobre o fechamento de embaixadas e a retirada do Brasil de algumas instituições internacionais? O que revela?

PRA: Ocorreu, nos governos lulopetistas, um pouco por demagogia e por uma visão completamente equivocada do impulso lulopetista para reforçar a candidatura a uma cadeira permanente no CSNU, um sobre-dimensionamento da presença brasileira no exterior, com a abertura de missões diplomáticas em muitos países (praticamente em toda a América Latina, e em muitos países africanos), em claro descompasso com nossas possibilidades orçamentárias e de pessoal. A decisão de retraimento é sempre difícil, por envolver custos materiais e diplomáticos, e suponho que a retirada será muito gradual. A retirada de algumas instituições internacionais, por sua vez, também é muito limitada, e tem sido determinada mais por razões orçamentárias – ou seja, praticamente imposta pela área orçamentária do governo – do que por considerações diplomáticas. Não creio que revela nenhuma grande sinalização política especial, apenas um readequação das possibilidades do Brasil no cenário internacional, que foi excessivamente ampliada nos anos eufóricos, quase delirantes, do lulopetismo.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 17 de fevereiro de 2018
  

domingo, 6 de agosto de 2017

Existiu uma diplomacia lulopetista? Certamente, os proprios assim quiseram - Paulo Roberto de Almeida


Eu costumo falar de uma "diplomacia lulopetista", ao passo que muitos, colegas ou acadêmicos, acham que estou exagerando, distorcendo os fatos, e que a diplomacia da era Lula não foi assim tão diferente da tradicional, e que, finalmente, o Brasil ganhou prestígio e projeção internacional, o que agora se perdeu, com a crise política em curso.
Contesto e reafirmo, existiu, sim, uma diplomacia lulopetista, pois os companheiros assim o quiseram, desde o início. Começaram, aliás, por acusar terem recebido uma "herança maldita", dada a deterioração de quase todos os indicadores econômicos, o que é de uma famigerada mistificação e constitui uma mentira deslavada. Os números tinham melhorado sensivelmente depois dos ajustes introduzidos em 1999 - metas de inflação, flutuação cambial e superávit primário, mais a Lei de Responsabilidade Fiscal, introduzida em 2000 -- e tudo estava pronto para retomar o crescimento em novas bases, quando sobrevieram o apagão elétrico de 2001, a crise argentina no mesmo ano, e sobretudo a campanha presidencial de 2002, a principal responsável pela profunda crise de DESCONFIANÇA gerada pelas promessas irresponsáveis de economistas do PT.
Logo ao início do novo regime, os responsáveis por sua diplomacia fizeram questão de acusar a anterior de submissa aos ditames do Consenso de Washington, de alinhada com o império e de subordinação à globalização assimétrica, entre outras bobagens criadas por eles para denegrir a imagem dos responsáveis precedentes. Em tudo, e para tudo, o slogan preferido dos companheiros para denegrir seus adversários políticos -- que eles consideravam como seus inimigos -- era o de “regime neoliberal", o que é por si mesmo absolutamente ridículo, uma vez que o Brasil jamais foi liberal, em qualquer sentido que se pretenda.
Eles fizeram questão de demarcar a "ruptura diplomática" desse modo, para melhor realçar a preeminência gloriosa da “diplomacia ativa e altiva”, que foi o título dado por eles em causa própria.
Por que, então, a minha designação de “diplomacia lulopetista” seria um termo mais ideológico do que aquele utilizado pelos companheiros, durante todos os anos de sua dominação cultural? 

Para sustentar minha análise das políticas seguidas durante o regime companheiro na vertente externa, resolvi reunir meus trabalhos sobre a diplomacia brasileira escritos durante o período companheiro e oferecer aos curiosos e interessados um volume organizado de forma cronológica com essas análises e debates. 
O que é interessante de registrar, neste momento, é que ao início do regime companheiro, acompanhando justamente as grandes promessas d/o nouveau régime, eu fui bastante simpático às orientações proclamadas pelos dirigentes da diplomacia companheira. Isso durou mais ou menos dois ou três anos, até que o escândalo do Mensalão veio a revelar uma faceta da política companheira que não conhecíamos muito bem: um regime altamente corrupto, capaz de desviar dinheiro do Estado (ou seja, de todos nós) para instalar um monopólio de poder à base de compra de parlamentares ou de inteiras bancadas partidárias. 
Pouco depois revelou-se também o lado mais abjeto da diplomacia companheira, capaz de devolver à ditadura cubana dois refugiados do regime comunista, com aviões encomendados rapidamente a um outro regime caudilhesco, o populista chavista, e se aliando a várias outras ditaduras que por acaso simulassem qualquer atitude anti-hegemônica. 
A coleção de ensaios reflete exatamente essa evolução analítica, como refletida neste volume:
3121. Quinze anos de política externa: ensaios sobre a diplomacia brasileira, 2002-2017; Brasília: Edição do Autor, 2017, 366 p. Volume de ensaios compilados na área das relações internacionais. Disponibilizado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/33186849/QUINZE_ANOS_DE_POLITICA_EXTERNA_ENSAIOS_SOBRE_A_DIPLOMACIA_BRASILEIRA_2002-2017). Informado no blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/05/quinze-anos-de-politica-externa-ensaios.html; twittado neste link: https://shar.es/1Rvapr).


Também pode ser consultada a longa entrevista que concedi não só sobre o lulopetismo diplomático, mas também sobre as políticas econômicas em curso no período (https://youtu.be/fWZXaIz8MUc). Os que pretendem obter respostas para os seus questionamentos dispõem, portanto, de amplos argumentos sobre o que é esse tal de “lulopetismo diplomático”, uma das grandes mistificações no mais amplo exercício de destruição da economia e da política brasileira por uma organização que não hesito em classificar de criminosa, com base, objetivamente, em todos os relatórios, denúncias, indiciamentos e condenações já registrados.
Por fim, repito o que já disse em outras ocasiões: nada tenho contra aqueles que defendem o socialismo, o estatismo, um regime de intervencionismo e de controle dos mercados, ainda que eu ache essas pessoas profundamente equivocadas, em bases pragmáticas e objetivas. Apenas acho que pessoas honestas deveriam se resguardar de apoiar criminosos comprovados, e mentirosos confirmados, em suma, desonestos subintelequituais.

Paulo Roberto de Almeida  
Brasília, 6 de agosto de 2017

domingo, 30 de julho de 2017

Do lulopetismo diplomatico a uma politica externa profissional - Paulo R. de Almeida

Jovens que nasceram ontem (maneira de dizer), e que não tiveram tempo de ler materiais mais interessantes, cresceram e se criaram (por assim dizer) com certa versão da história, aquela que foi servida triunfalmente nos anos de glória do lulopetismo delirante, quando estavam sendo lançadas as bases materiais daquilo que eu chamo de A Grande Destruição, o terrível colapso econômico do Brasil, feito de muita inépcia administrativa e uma imensa, gigantesca, dose de corrupção.
Foi a ação incompetente e corrupta (e corruptora) dos companheiros -- com seus aliados em outros partidos e instâncias do poder político e econômico nacional -- que nos levaram a dois anos seguidos de retrocessos no PIB (uma recessão que arriscava converter-se em depressão), a mais de 14 milhões de desempregados e a uma perda de credibilidade externa extraordinária.
Como, particularmente na política externa, esses jovens foram moldados no festival de mentiras sistematicamente despejados sobre eles por um gicantesco e custo aparelho de propaganda governamental, e pela ação voluntária de centenas de acadêmicos gramscianos, eu tenho me dedicado, nas últimas duas décadas a restabelecer a balança da informação objetiva, através de análises fundamentadas e dados aferíveis nos meios de comunicação e em relatórios especializados.
Eis um exemplo de um desses trabalhos.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 30 de julho de 2017

Do lulopetismo diplomático a uma política externa profissional

Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org; http://diplomatizzando.blogspot.com)
Mundorama (23/05/2016; link: http://www.mundorama.net/2016/05/23/do-lulopetismo-diplomatico-a-uma-politica-externa-profissional-por-paulo-roberto-de-almeida/)

Dura lex, sed lex: os padrões da diplomacia profissional
Diplomatas costumam ser, salvo as exceções de praxe, discretos e disciplinados. Típicos servidores de Estado, eles pautam sua conduta por servir, indistintamente, com igual proficiência, proverbial discrição e sentido de responsabilidade, os governos que, legitimamente ou não, ocupam temporariamente as rédeas do poder político (espera-se, contudo, que seja na saudável alternância das democracias consolidadas). Apenas essas características explicam que o Itamaraty e seus funcionários tenham atravessado os anos turbulentos do lulopetismo, tendo sabido preservar de modo relativamente incólume sua reputação de qualidade, em face de tantos problemas acumulados pelo modo bizarro de fazer política – e “negócios” – que caracterizaram quase três lustros de anomalias funcionais e de disparates políticos em praticamente todas as áreas da administração.
Também com as poucas exceções de praxe, os diplomatas sempre procuram conciliar a qualidade técnica de seus serviços especializados com algumas anomalias na política externa que por vezes destoam, e muito, do modo de ação diplomática que sempre distinguiu a Casa de Rio Branco. Confesso não ter sido um membro da maioria, constituindo antes uma dessas exceções de praxe. Como sabem meus colegas, e muitos de fora da carreira também, todo diplomata que pretenda escrever em outras áreas que não contos, romances ou poesia – isto é, produtos habituais da literatura e das belas artes, que não precisam passar pelos controles políticos da instituição –, defronta-se com dois instrumentos (e com dois problemas de consciência) regulando o que ele teria a dizer sobre o seu objeto próprio de trabalho. O primeiro deles é a Lei do Serviço Exterior, que, entre outros objetivos, disciplina o comportamento funcional do “autor” que pretenda discorrer sobre temas que integram a agenda de trabalho da instituição. Devo dizer, de imediato, que considero esta lei basicamente correta, e tenho me esforçado para cumprir os seus termos tão completa e fielmente quanto possível.
O outro instrumento é a famigerada “lei da mordaça”, uma circular restritiva, emitida no final de 2001 com o intuito de reforçar os controles existentes na lei, e que reforçou negativamente qualquer manifestação pública hipoteticamente considerada pelos funcionários do quadro, introduzindo o que se poderia chamar de censura prévia na eventualidade de se pretender vir a público para discorrer sobre quaisquer assuntos da pauta oficial. Não sei se essa circular, deletéria sob qualquer padrão de circulação e de debate de ideias que se considere, foi ou não revogada, mas conheço dois diplomatas que foram por ela censurados, até com consequências funcionais num dos casos. O primeiro – e creio que a circular foi feita especialmente para ele – foi o antigo diretor do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais, que costumava insurgir-se contra as negociações da Alca e contra o Mercosul neoliberal e que, demitido e transformado em vítima do ancien Régime tucanês, tornou-se um dos principais arquitetos da política externa dos companheiros, ao ser guindado à posição de Secretário Geral do Itamaraty durante quase todo o decorrer dos dois mandatos do demiurgo do lulopetismo enquanto governo. O segundo é este mesmo que aqui escreve, censurado por uma entrevista às Páginas Amarelas da Veja, não por contradizer qualquer política oficial do governo, mas simplesmente por ter falado sem o nihil obstat dos barões da Casa. Um crime!
O mais curioso é que a censura, e a advertência (feitas ao abrigo da “lei da mordaça”), ocorreram também sob o reinado do ancien Régime tucanês, isto é, quando o Brasil e seu Estado ainda não tinham sido dominados pelo pensamento único dos companheiros, e por todas as suas preferências militantes e ideológicas, especialmente em matéria de política externa. (Isto porque, numa primeira fase, a política econômica continuou a ser dominada pelo espírito “neoliberal” dos tucanos, que teriam deixado, segundo as acusações mentirosas e maldosas dos companheiros, uma “herança maldita” na passagem ao novo regime salvador.) Em matéria de política externa, como todos se lembrarão, fomos bafejados por uma “diplomacia ativa e altiva”, e também “soberana”, como se encarregavam de lembrar seus principais promotores. Como eu nunca fui de aderir a modismos, ou de me curvar às verdades do momento, continuei a fazer minhas análises, que sempre entendi objetivas e de espírito puramente acadêmico, e a publicar ocasionalmente artigos em revistas e ensaios em livros, que nunca sofreram, esclareço, qualquer sanção formal do “comitê central” do nouveau Régime companheiro.
A sanção, na verdade, veio sob outra forma: um veto não declarado, mas real e mesquinho, a qualquer trabalho na Secretaria de Estado, o que significou, na prática, uma longa travessia no deserto funcional, que redundou em ostracismo administrativo e total bloqueio na carreira. Esse foi o preço pago por ousar desafiar o adesismo em vigor, uma situação patética na qual todo o Itamaraty foi colocado a serviço do “guia genial dos povos”, e suas preferências políticas orientadas pelos apparatchiks do partido e seus mestres em outras esferas. Durante esse longo período, publiquei algumas matérias de atualidade, e até alguns livros de pesquisa, mas deixei muitos outros trabalhos – que poderiam, eventualmente se enquadrar na esfera da Lei do Serviço Exterior, que sempre procurei não infringir – dormitando em minhas pastas de “working files”, aguardando publicação em alguma ocasião mais propícia. Parece que este tempo finalmente chegou.

Nunca antes na política externa: os crimes diplomáticos dos companheiros
Agora que se encerra um capítulo – certamente um dos menos memoráveis – da história política brasileira, com uma mudança sensível no comando supremo da nação, pode-se tentar fazer um balanço do que representaram os anos loucos do lulopetismo na frente diplomática e no terreno da política externa, começando justamente por fazer essa necessária distinção entre diplomacia e política externa. A primeira é simplesmente uma técnica, uma modalidade de ação estatal, que congrega recursos humanos e capacitação especializada na interface do relacionamento do país com o mundo exterior, nos planos bilateral, regional ou multilateral. A segunda é o conteúdo que se imprime a essa ação, feita de opções políticas legitimadas pelas escolhas básicas feitas pelos eleitores, em função de sua percepção sobre os interesses nacionais e as prioridades sociais.
Não é incorreto dizer que a área da política externa é uma das menos exploradas nos embates eleitorais, tanto pela sua aparente distância em relação aos problemas mais prementes da cidadania – geralmente de caráter econômico e social – quanto pela complexidade da agenda internacional aos olhos da cidadania. A política externa, com, também, exceções de praxe, geralmente passa ao largo dos debates nas campanhas presidenciais, e assim costuma permanecer ao longo de um exercício político qualquer. O Itamaraty raramente aparece nas polêmicas políticas e nos embates eleitorais. Não foi o caso nos anos bizarros do lulopetismo, e não apenas no Brasil, mas extravasando regionalmente também, como sabem todos os que acompanharam as campanhas presidenciais em vários dos países vizinhos. Ignorando por completo preceitos constitucionais quanto à não ingerência nos assuntos internos de outros países, o grande demiurgo apoiou (com poucos insucessos, o sortudo), quase todos os companheiros bolivarianos candidatos (ou até mais do que isso, embora, infelizmente, não se pode dispor de registros adequados a respeito dessas ações, conduzidas por outros canais).
Ao lado dos vários crimes comuns cometidos por grão-petistas que se exerceram no governo – nem sempre devidamente sancionados pela justiça – e dos muitos “crimes econômicos” cometidos por uma gestão particularmente inepta na condução dessa área, daí a Grande Destruição – que deixou fundas marcas em termos de baixo crescimento, de recrudescimento da inflação, de desequilíbrios e irregularidades nas contas públicas, e da exacerbação do dirigismo estatal e do protecionismo comercial –, o lulopetismo diplomático representou uma séria deterioração dos padrões habituais da atuação do Brasil na frente externa. O Itamaraty só não foi aparelhado e assaltado por uma horda de militantes da causa petista – como ocorreu em praticamente todas as demais agências públicas – por injunções da legislação que obsta esse tipo de invasão exótica. Mas a política externa não ficou imune ao festival de bobagens cometidas pelos petistas em quase todas as demais esferas da administração pública.
Já examinei, em meu livro Nunca Antes na Diplomacia: a política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Appris, 2014), os principais exemplos das bizarrices lulopetistas nesse terreno especializado da ação estatal, mas convém neste momento chamar a atenção para alguns aspectos que tiveram de ser discretamente abordados nesse livro, em função justamente da discrição que os diplomatas devem manter quando se pronunciam sobre temas da política externa corrente. Começaria por destacar o próprio rótulo que tentaram pespegar à essa política externa, feita de gestos histriônicos conduzidos pelo “guia genial dos povos” no cenário internacional, com a assessoria de alguns diplomatas profissionais convertidos em fieis servidores da causa: ela teria sido “ativa, altiva e soberana”, como não se cansava de repetir um dos chefes dessa diplomacia feita de muita publicidade em causa própria e de poucas explicações sobre as razões de determinadas ações jamais explicadas ao Congresso ou à cidadania.
Quando se tem a preocupação de grudar um ou dois rótulos à diplomacia – que geralmente dispensa qualificações quando é exercida dentro dos parâmetros normais da ação estatal –, é porque, no plano psicológico, já se sente a necessidade de justificar as escolhas feitas, provavelmente pelo pressentimento de que elas não se moldam ao que se tinha habitualmente como padrão de um relacionamento externo normal. Esta foi justamente a atitude dos lulopetistas – diplomatas ou não – em relação a temas que deixaram cicatrizes no estabelecimento diplomático, a começar por uma estranha “diplomacia Sul-Sul”.
Essa miopia partiu, não de um exame tecnicamente isento da agenda externa do país, mas de uma escolha prévia, deliberada e totalmente ideológica, por alianças internacionais, ditas “estratégicas”, que premiavam parceiros considerados “anti-hegemônicos”, em contraposição às posições tradicionais do Itamaraty. A Casa de Rio Branco sempre se pautou por um relacionamento externo não discriminatório nos planos geográfico e político, em função unicamente dos interesses do país, não de uma tentativa ingênua e canhestra de “mudar a relação de forças no mundo”, ou de criar uma também bizarra “nova geografia do comércio internacional”, geralmente com resultados frustrantes e sempre patéticos. Os países previamente escolhidos de maneira enviesada pelos lulopetistas para serem “parceiros estratégicos” devem ter ficado satisfeitos de contar com esse apoio unilateral e preventivo, adotado sem qualquer negociação a respeito. Toda ação gera uma reação: o que podem ter pensado determinados parceiros tradicionais, sobretudo na Europa, quando um país candidato a uma cadeira permanente no Conselho de Segurança adota a posição que se conhece em relação, por exemplo, ao caso da Criméia invadida pela Rússia? Ou a costura improvisada de um acordo sobre o programa nuclear iraniano, ao arrepio do que pensavam os países do P5+1?
A soberania do país foi exatamente ainda mais comprometida por uma série de escolhas que invariavelmente primavam por um anti-imperialismo infantil e por um antiamericanismo anacrônico, ou por um apoio indisfarçável a uma das ditaduras mais longevas na região e no mundo, sem mencionar os regimes populistas-autoritários, ideologicamente beneficiários da tradicional postura diplomática, aliás consagrada num dos mais sagrados princípios constitucionais – o da não intervenção nos assuntos internos dos demais países – que sempre levou o Itamaraty a nunca fazer considerações de natureza política sobre escolhas eleitorais. Por ocasião de campanhas presidenciais em países vizinhos, como já se mencionou, o demiurgo condutor da nação nunca deixou de emprestar apoio político – quando não o dinheiro da nação – aos candidatos que ele próprio julgava merecedores dessas bizarras “alianças estratégicas”, invariavelmente complementadas por financiamentos ultra-favorecidos raramente questionados pelo corpo parlamentar. Vários, aliás, nunca foram devidamente esclarecidos, até aqui.
O Mercosul, um projeto basicamente de abertura econômica e de liberalização comercial, e de formação de um espaço integrado com os vizinhos do cone sul, foi desviado de seus objetivos essenciais, e convertido num empreendimento político que serviu unicamente de palanque para a retórica vazia dos lulopetistas e bolivarianos, com um recuo notável nos seus padrões de funcionamento, uma vez que a administração petista condescendeu com todas as violações cometidas contra o livre comércio e a união aduaneira que deveriam servir de regras fundamentais para a sua existência.
Não se descobrirá, por outro lado, qualquer iniciativa na frente externa que tenha descontentado as lideranças castristas ou bolivarianas, invariavelmente beneficiadas pelo apoio político ou financeiro do lulopetismo diplomático. Certamente que o Itamaraty por si próprio não teria apoiado determinadas escolhas – na Bolívia, em Honduras, na Venezuela, ou no Paraguai – que foram decididas exclusivamente no círculo restrito dos apparatchiks petistas, sem o devido registro nos expedientes diplomáticos e nos arquivos da Casa. Este é um dos aspectos que reputo mais nefastos em toda a trajetória do lulopetismo diplomático: não contentes em se desviar dos padrões de uma política externa simplesmente sensata, eles também transformaram determinados episódios em “buracos negros” nos anais da Casa: não há registro sobre como algumas iniciativas foram tomadas, ou como se conduziram certas ações.

Rumo à normalidade na diplomacia profissional: algum balanço possível?
Fico imaginando como os futuros historiadores interpretarão, se puderem, certas decisões tomadas nesses anos loucos, na ausência de um processo diplomático de exame circunstanciado da cada ação empreendida na frente externa. Como e por que, por exemplo, se decidiu suspender o Paraguai do Mercosul, na ausência completa de uma estrita observância dos rituais próprios ao Protocolo de Ushuaia, relativo à cláusula diplomática do bloco? Como, e sob quais justificativas, se decidiu admitir politicamente a Venezuela no mesmo bloco, se ela, simplesmente, jamais conseguiu cumprir qualquer um dos requisitos técnicos e das normas conducentes à sua adesão à união aduaneira do Mercosul (sem mencionar o lado bem mais grave da observância de padrões aceitáveis no plano da democracia)? Que tipo de acordo foi feito com a ditadura cubana para repassar um volume expressivo de recursos para aquele regime, se o parlamento não foi chamado a dar a sua chancela a esses “encargos gravosos” no plano externo, como aliás determinado pela Constituição?
Esses são apenas alguns dos muitos casos nos quais não foram respeitados dispositivos legais em vigor no Brasil, bem como padrões habituais do acatamento do Itamaraty às regras do direito internacional que sempre pautaram a atuação da Casa de Rio Branco ao longo de sua história. Num momento em que uma diplomacia normal, sensata, sem rótulos bizarros, começa a ser novamente estabelecida, não apenas em benefício do próprio Itamaraty, mas em função dos reais interesses da nação, caberia refletir sobre o volume inacreditável de deformações impostas pelo lulopetismo à ação externa do Brasil. Não tenho certeza de que tal avaliação seja integralmente possível.
Um balanço feito a partir dos registros disponíveis certamente revelaria um número bem maior de bizarrices diplomáticas que conviria examinar, e corrigir, para que a política externa do Brasil retorne aos seus padrões habituais de atuação, e de equilíbrio, sem mais aventuras exóticas e escolhas francamente deletérias do ponto de vista dos interesses nacionais. Pode-se temer, no entanto, que algumas grandes lacunas persistam no plano dos registros devidos, uma vez que o demiurgo, ao que parece, não tinha o hábito de ler, e na verdade exibia verdadeiro horror a qualquer texto que lhe fosse apresentado para leitura. Lembro-me, por exemplo, que ano após ano, nas datas habituais de comemoração do “Dia do Diplomata” – oficialmente a cada 20 de abril, mas muitas vezes delongado no calendário, e invariavelmente atrasado nos horários – o demiurgo em questão desdenhava, aberta e acintosamente, a “maçaroca” de papeis que lhe passavam diplomatas ciosos da “boa palavra” numa síntese regular do que se tinha feito no ano decorrido, para discorrer improvisadamente sobre todas as glórias da sua diplomacia triunfante, seja no confronto com os poderosos do mundo, seja no total entendimento com os companheiros regionais. Lições memoráveis, no YouTube...
Mesmo que um balanço rigoroso desses anos bizarros não seja feito pela própria Casa, espera-se que membros da academia não contaminados pelo pensamento único dos companheiros possam conduzir uma análise mais serena da diplomacia e da política externa da nossa “década infame”, embora eu duvide muito disso. Pelos contatos que mantenho na academia, pelos pareceres que sou chamado a dar anonimamente a artigos submetidos a revistas e publicações dessa área, pelo acompanhamento de discussões que se processam nas chamadas redes sociais, percebo que o espírito do lulopetismo ainda é amplamente majoritário entre os gramscianos de academia que se dedicam aos temas de política internacional e de diplomacia brasileira.
Durante esses três últimos lustros fui uma das poucas vozes dissonantes – talvez apenas seguido por veneráveis porta-vozes do chamado “partido da imprensa golpista” – na avaliação das bizarrices diplomáticas do lulopetismo em vigor. Agora que ele perdeu suas alavancas de poder, bem como muitas das correias de transmissão na chamada sociedade civil (na verdade “movimentos sociais” e blogueiros “sujos” mais assemelhados a mercenários do que a aderentes voluntários), pode ser que algo mude nesse terreno. Como já escrevi algumas vezes – a última neste artigo do Estadão, um dos jornais reacionários, “Epitáfio do lulopetismo diplomático” (17/05/2016; disponível: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,epitafio-do-lulopetismo-diplomatico,10000051687) –, já não era sem tempo...

Paulo Roberto de Almeida
[Anápolis, 2840: 11 de julho de 2015; Brasília, 2982: 22 de maio de 2016]; Academia.edu (https://www.academia.edu/25639710/Do_lulopetismo_diplomatico_a_uma_politica_externa_profissional).