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quarta-feira, 28 de maio de 2014

Brasil: quanto pior melhor? - Marcelo de Paiva Abreu

O pior terá fim?
Marcelo de Paiva Abreu
O Estado de S.Paulo, 28/05/2014

É sabido que a tradição nacional do jogo do contente tende a etiquetar visões críticas da realidade como pessimistas. Mas está impossível de ser otimista. Há disseminado alarme quanto à combinação de desacertos governamentais com distúrbios da ordem pública. Sucedem-se episódios de mini "bogotazos" fantasiados de demandas sindicais e tentativas de extração de favores custeados pelos cofres públicos. Em parte, a busca de benefícios despropositados tenta explorar as fragilidades decorrentes de vexames na organização da Copa. Mas as raízes são mais profundas.
A análise objetiva da atual situação do Brasil inclui inúmeros casos que configuram morosidade, insensibilidade ou inépcia de diversas instâncias do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Por economia, talvez seja preferível dedicar-se a detectar virtudes, em vez de buscar defeitos. O que anda bem? Mesmo os feitos de sucessivos governos na área social estão mostrando certa fadiga e tendo implicações difíceis de equacionar, como a demanda por serviços adequados, especialmente nos grandes centros urbanos.
No Brasil, é frequente a afirmação, diante das crises, de que a situação está tão ruim que não há possibilidade de que se deteriore. Será? Os italianos, e particularmente os sicilianos, que têm sobre o assunto experiência ainda maior do que a dos brasileiros, preferem o ditado "Il peggio non c'e mai fine", o pior não tem fim. E, a julgar com base em desenvolvimentos recentes por aqui, parecem ter razão. O que está ruim pode piorar.
Dois episódios recentes merecem destaque, entre muitos outros. Referem-se aos adicionais por tempo de serviço pretendidos pelo Poder Judiciário e a aportes governamentais a fundos de pensão de estatais bem além dos limites preestabelecidos.
Segmentos do Poder Judiciário já beneficiados por direitos trabalhistas mais generosos do que os usufruídos pelos demais cidadãos estão pleiteando que seja retomado o adicional por tempo de serviço, extinto em 2005 (PEC 63, ora em tramitação no Senado). Isso excederia por larga margem o atual teto que limita as remunerações dos funcionários públicos. A inevitável generalização dessa concessão ao Legislativo e ao Executivo levará as contas públicas à ruína.
Fundos de pensão de estatais, entre os quais o do BNDES, arranham os cofres da União pleiteando transferências de recursos que viabilizarão o pagamento de generosas aposentadorias e pensões cuja manutenção se demonstra inviável atuarialmente.
Será possível reverter essas iniciativas que depredariam ainda mais as já abaladas finanças públicas brasileiras? Para que o pior tenha fim, no Brasil ou na Sicília, é essencial combater o imobilismo.
O caminho não é fácil. Leonardo Sciascia, comunista siciliano que se tornaria uma das glórias da literatura italiana, nos anos 1950 criticou Il Gattopardo, a obra-prima de Lampedusa, pelo seu ceticismo quanto à possibilidade de mudanças na Sicília, imóvel em meio à corrupção, à iniquidade e ao banditismo. Não ajudou muito que Lampedusa colocasse na boca do príncipe Salina, personagem central do livro, menção a Marx como o "ebreuccio tedesco", o hebreuzinho alemão, de quem não se recordava o nome.
Muitos anos depois, Siascia rendeu-se ao pessimismo de Lampedusa: "Quando foi publicado Il Gattopardo, rebelei-me quanto ao modo que Lampedusa descrevia a Sicília, uma abstração geográfico-climática na qual nada acontecia, nada podia mudar... Agora, com distância dos anos, devo constatar que ele tinha razão... Mas o fato que tivesse razão não me leva a negar que as ideias movem o mundo. Apenas alimenta um pouco o meu ceticismo".
O Brasil necessita acreditar que as ideias movem o mundo e que é vital que um choque de seriedade enfrente o assalto de minorias bem organizadas a recursos que deveriam ser utilizados para o interesse coletivo.


* Doutor em economia pela Universidade de Cambridge e professor titular no departamento de economia da PUC-Rio.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Fim do populismo na politica brasileira? - Ricardo Velez-Rodriguez

Ricardo Vélez-Rodríguez
Blog Rocinante, 23 Junho 2013

Se vivo fosse, o general Golbery, o engenheiro da abertura nos anos oitenta do século passado, teria escrito no seu diário, após assistir pela TV às enormes manifestações dos jovens no Rio e em outras cidades brasileiras, neste final de outono e início de inverno de 2013: “é o fim do populismo”. Lembremos que o esclarecido militar escreveu no seu diário, após as passeatas e assembléias que se desenvolveram por todos os cantos do Brasil pedindo as Diretas Já: “é o fim do regime militar”. Só um louco poderia fazer ouvidos moucos diante dos milhões de pessoas protestando nas ruas, de forma pacífica, como tem acontecido nas últimas semanas pelo país afora. O Brasil custa a acordar. Mas, quando acorda, vira gigante que deixa no ar as suas mensagens, esquecidas pelos políticos e pela burocracia governamental. Aconteceu isso no movimento das “Diretas Já” (nos anos oitenta), nas manifestações populares que colocaram para fora o corrupto governo Collor e sua gangue (nos anos noventa). E está acontecendo a mesma coisa neste movimento pacífico de jovens de classe média, que percorrem alegremente praças e avenidas das cidades brasileiras, portando mensagens que, segundo os manifestantes, permanecem distantes dos partidos políticos. Manifestações multitudinárias que se caracterizam pela tranqüilidade e que terminam levando às ruas a pessoas de todas as idades. É importante e essencial para a sobrevivência de quem faz política ter o esclarecimento necessário para escutar a mensagem das ruas. O que é que a sociedade brasileira tem a dizer nas suas passeatas?

Os novos "caras pintadas" se organizaram nas redes sociais para mostrar ao governo que nem tudo está aparelhado pelos petralhas neste país. Gilberto Carvalho, no início do ano, dizia que "o bicho vai pegar". E está pegando. Só que está pegando no pé de quem esperava se beneficiar espertamente com a força das ruas e dos movimentos sociais. Militantes de partidos de esquerda e alguns sindicalistas simpáticos ao governo tentaram se somar à onda cívica, mas foram colocados para fora como oportunistas. Uma minoria de alucinados, que a polícia está identificando e prendendo, tentou desmoralizar com a sua barbárie a pacífica manifestação do milhão e meio de brasileiros que saíram às ruas. Mas foram identificados e isolados. São lamentáveis as cenas de vandalismo que essa minoria protagonizou. Contudo, isso não conseguiu silenciar as legítimas reivindicações dos manifestantes. O movimento ficou fora do controle dos estrategistas do governo e está dando ensejo às reivindicações da classe média, esquecida pelo Palácio do Planalto, do alto da prepotência de um partido que imaginou ter carta branca, ao longo destes dez anos, para colocar o partido acima do Brasil.

A voz das ruas, explicitada nos cartazes e na alegre voz dos manifestantes, tem deixado clara a sua mensagem. Chega de “bolsa-tudo-que-é-coisa” paga sem transparência com o dinheiro do contribuinte! Chega de corrupção! Chega de vigarice de políticos profissionais que não representam os interesses do eleitor, mas que se beneficiam com o dinheiro público! Chega de gastança federal, estadual e municipal com essas obras para eventos esportivos que nunca acabam e que custam cada vez mais! Chega de péssimos serviços públicos de transporte, educação, segurança pública, saneamento e saúde! Chega de um regime tributário injusto, que penaliza os que trabalham e criam empregos! “Chega de pão e circo"! Assim rezava o cartaz de um jovem manifestante em Belo Horizonte. Chega das tentativas do partido do governo para tentar inviabilizar a atividade do Ministério Público, na vergonhosa Proposta de Emenda Constitucional 37! Essas parecem ser as principais reivindicações. Certamente são lamentáveis os atos de vandalismo, causados por baderneiros infiltrados, que estão sendo enquadrados pelas autoridades. São lamentáveis, também, os excessos das forças policiais em algumas cidades. Mas as manifestações massivas estão aí e, certamente, conduzirão a mudanças profundas na política brasileira. Após este movimento de fim de outono o Brasil não será mais o mesmo.

Para além das reivindicações de serviços públicos de qualidade, a voz dos manifestantes explicitou um grito de patriotismo, que ficou preso nas gargantas dos cidadãos ao longo destes anos de cinismo oficial. “O meu partido é o Brasil”, rezava o cartaz de um jovem manifestante. O entusiástico coro dos que cantavam o Hino Nacional contrastava com o silêncio perplexo dos políticos que foram surpreendidos com a manifestação cívica das ruas. A classe média tornou-se porta-voz desse grito engasgado que clama por decência e que apregoa a volta aos valores do patriotismo, esquecido nas negociatas de políticos com empreiteiras e de governantes corruptos que se vangloriam dos seus malfeitos e que, cinicamente, reconduzem à vida pública, figuras condenadas pela Justiça. A era do lulopetismo, contaminada pelo modelo da antiética do herói sem nenhum caráter, foi colocada no pelourinho da crítica cidadã. Os jovens manifestantes querem sentir orgulho do seu país. Essa classe média, vilipendiada por intelectuais chapa-branca como refém do autoritarismo e do atraso, saiu às ruas apregoando o seu orgulho de ser brasileira.


Muita coisa deverá ser feita no âmbito do Estado, para colocar em sintonia a voz das ruas com as instituições republicanas. Quem se recusar a fazê-lo, colherá resultados negativos nas próximas eleições. A primeira coisa é renovar a representação. A reforma política é essencial e deve ser colocada em pauta. Sem a esperteza gramsciana de dirigir todo o esforço para fazer do partido do governo o ator hegemônico da vida republicana.

domingo, 28 de abril de 2013

Neopopulismo na América Latina - um ensaio de Ricardo Velez-Rodriguez

Um excelente texto, longo, mas rico e denso em sua abrangência analítica, disponibilizado aqui apenas em sua introdução.
Leiam a íntegra em: http://pensadordelamancha.blogspot.com/2013/04/consideracoes-acerca-do-conceito-de.html


Ricardo Vélez-Rodríguez
Blog Rocinante, 24 de Abril de 2013

O fenômeno do populismo está na crista da onda, não apenas na América Latina, mas pelo mundo afora também. As incertezas geradas pela globalização do mercado de trabalho nos países desenvolvidos (pondo em risco a antiga política do welfare state); a inclusão na economia de mercado de nações até há pouco tempo dependentes de regimes totalitários (como no Leste europeu); a onda de regimes democráticos surgidos na América Latina nos últimos vinte anos e que não conseguiram responder a contento aos reptos crescentes das suas sociedades; as reformas de inspiração liberal, feitas nas economias dos países sub-desenvolvidos, ao longo das últimas décadas, à luz do “Consenso de Washington”, reformas que, se bem reduziram a inflação de modo geral, no entanto não tiveram os resultados esperados do ângulo da produtividade, ainda muito sufocada pelas tradições estatizantes e familísticas na gestão da coisa pública; a democratização sui generis (com forte presença de uma liderança tradicional e carismática), em países do mundo islâmico (Síria, Líbia, Irã); a entrada das nações africanas no período pós-colonial (ao longo da segunda metade do século passado) no caminho da regularização da vida democrática, (num contexto ainda marcado fortemente pelo tribalismo); a desaceleração da economia estadunidense e os freios que esse fenômeno está a produzir em outras economias, particularmente no nosso Continente, essas seriam algumas das variáveis que têm contribuído para o surgimento do populismo, que pode ser considerado como uma espécie de doença que afeta às democracias no momento em que se encontram em crise (de crescimento ou de desgaste).

 Nações desenvolvidas, como a França, viram surgir, nos pleitos eleitorais dos últimos dez anos, sucessivamente, figuras de caráter populista, situadas em vários parâmetros do espectro ideológico, como Jean-Marie Le-Pen, Michel Bové ou Ségolène Royal. Na Itália, às voltas com a dramática redução do crescimento econômico nos últimos dez anos e com a endêmica instabilidade parlamentar, vemos ressurgir o populista Berlusconi como novo chefe do governo. A própria campanha para indicação dos candidatos democratas à sucessão estadunidense não tem estado vazia de aspectos de coloração populista, presentes nos discursos dos dois aspirantes desse segmento político, na disputa por um eleitorado insatisfeito com os rumos tomados pela superpotência americana. Na América Latina, é rica a plêiade de líderes populistas que chegaram ao poder nos últimos anos: o casal Kirschner na Argentina, o coronel Chávez na Venezuela, o presidente Correa no Equador, Evo Morales na Bolívia e, nas últimas semanas, o bispo Lugo no Paraguai. No Brasil, o populismo carismático de Lula, já está na sua segunda rodada e ameaça com se prolongar num messiânico “terceiro mandato”, que é insinuado ao ensejo de pesquisas de opinião favoráveis ao governo e encomendadas por sindicatos com forte presença estatal.

Fenômeno tão amplo merece ser estudado com detalhe. Não me deterei numa caracterização do Populismo, nas suas várias manifestações ao longo do século XX. Isso exigiria um trabalho de mais fôlego, só para dar conta de populismos tradicionais como o varguista, no Brasil, o peronista, na Argentina, o gaitanista (seguido, depois, pelo rojas-pinillista ou anapista), na Colômbia, ou o encarnado por ditadores militares como Juan Vicente Gómez ou Pérez Jiménez, na Venezuela.  Fixarei a atenção no denominado neopopulismo, que acompanha as reações das sociedades hodiernas perante a globalização econômica. Tratarei, portanto, de fenômeno atual, que se circunscreve às duas últimas décadas do século passado e que abarca, obviamente, os anos transcorridos do presente século XXI. Pretendo, neste artigo, desenvolver dois aspectos: I) o conceito de neopopulismo; II) de que forma esse fenômeno afeta a vida democrática da América do Sul, atualmente e no futuro próximo?