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domingo, 4 de agosto de 2019

Política externa na era bolsonarista: video de palestra na UERJ (3/4/2019)

Recebi hoje, de meu amigo Hugo Rogelio Suppo, coordenado do NEIBA, Núcleo de Estudos Internacionais Brasil-Argentina da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, o jornal relativo ao primeiro semestre, contendo o link do vídeo gravado em Facebook de minha palestra feita no começo de abril último.
Eu havia preparado algumas notas, que transcrevo novamente abaixo, mas estou agora vendo pela primeira vez minha sofrível apresentação nesta gravação de qualidade também sofrível. Não li essas notas, pois elas já estavam disponíveis no meu blog, e fiquei respondendo diversas perguntas formuladas na ocasião. Devo ter guardado essas perguntas escritas, e vou verificar se consegui responder satisfatoriamente a todas elas, do contrário retomarei os temas.
Mas está registrada a palestra, conforme registro abaixo: 

3445. “De uma diplomacia a outra no Itamaraty: conceitos e práticas”, Em voo, Brasília-BH-Rio de Janeiro, 3 março 2019, 4 p. Notas para palestra no programa de pós-graduação em RI da UERJ, a convite do prof. Hugo Rogelio Suppo. Postado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/04/de-uma-diplomacia-outra-palestra-na.html); disseminado no Facebook (link: https://web.facebook.com/paulobooks/posts/2390788537651249). Divulgado no InfoNEIBA, jornal informativo do Núcleo de Estudos Internacionais Brasil-Argentina, ano VII, n. 1, 2º. Semestre de 2019, p. 9 (disponível no Facebook do Neiba, link: www.facebook.com/421490077895591/videos/833245283679185/). 

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4 de agosto de 2019

De uma diplomacia a outra: palestra na UERJ (3/04/2019) - Paulo Roberto de Almeida

De uma diplomacia a outra no Itamaraty: conceitos e práticas
Paulo Roberto de Almeida
(3445. Em voo, Brasília-BH-Rio de Janeiro, 3 março 2019)
 [Objetivo: Notas para palestra no programa de pós-graduação em RI da UERJ; finalidade: atender a convite do prof. Hugo Rogelio Suppo]

No contexto da verdadeira revolução cultural que parece atingir – este é o termo que cabe explicitar– tanto a diplomacia quanto a política externa no Brasil do governo Bolsonaro, tudo indica existir uma perfeita identidade entre conceitos e práticas. Nem sempre foi assim, tendo em vista as fronteiras nem sempre muito claras entre o discurso oficial e a prática concreta, tanto nos temas da política doméstica, quanto nos assuntos de política externa. Em geral os discursos das autoridades pretendem uma perfeita consonância com os interesses mais amplos da população, da nação como um todo, quando na verdade os dirigentes estão agindo sob influência de interesses partidários – ou seja, de apenas uma parte da sociedade –, quando não numa colusão com o poder econômico, isto é, os tradicionais lobbies setoriais, que financiam os mesmos políticos em atuação no governo. Em outros termos, fala-se uma coisa, pratica-se outra.
No quadro atual, no governo da Bolsofamiglia, podemos até afirmar a existência de uma identidade não perfeita, mas bastante coerente, entre ideias (se existem), crenças (certamente existem), preconceitos (são os mais abundantes) e muito amadorismo e alguma ignorância (também presentes), ou seja, conceitos, e as práticas, praticamente inéditas, certamente inusitadas, no âmbito do que passa por política externa nacional, mas que é apenas uma manifestação prática da metafísica olavista (ou bolsonarista) em ação. De fato, como antecipado no parágrafo precedente, a despeito da dissociação esperada entre discursos otimistas e realidades mais prosaicas, como é normal em todos os governos normais, no governo diferente da Bolsofamiglia existe essa associação entre conceitos e práticas, como amplamente revelado nos primeiros cem dias do atual governo. Vejamos que tipo de avaliação seria possível fazer desses 3 primeiros meses.
Uma avaliação ponderada dos cem primeiros dias da administração Bolsonaro na área da política externa pode ser feita em dois planos: o formal, que é o da diplomacia enquanto instrumento governamental de atuação do Brasil em suas relações exteriores, e o substantivo, que é o conteúdo mesmo da política externa, tal como determinada pelo Presidente da República e implementada pelos seus auxiliares da área.
No caso do governo Bolsonaro, o que se constata, em primeiro lugar, é o caráter inédito tanto da diplomacia quanto da política externa, com respeito a padrões históricos da diplomacia e da política externa, ou se quisermos, posturas mais tradicionais, num e noutro terreno. No primeiro aspecto, assistimos a uma espécie de “revolução cultural” na diplomacia, com uma quebra generalizada de hierarquia – que os militares diriam tratar-se de “coronéis mandando em generais” –, expressa na substituição dos antigos subsecretários-gerais (nove embaixadores anteriormente, ou seja, ministros de primeira classe, com experiência de postos no exterior) por sete novos secretários, todos ministros de segunda classe, que passaram a chefiar embaixadores como chefes de departamento, que em geral pertencem a um estrato geracional superior ao do próprio chanceler, que é o que poderíamos chamar de um “junior ambassador”, ou seja, alguém que nunca exerceu chefia de posto no exterior.
Essa revolução cultural também se traduziu numa completa reorganização do Itamaraty, em sua estrutura funcional, o que poderia ser benéfico em termos de ajustes nos processos de trabalho, mas que no caso foi conduzida de forma autoritária, sem qualquer consulta a própria Casa, o que também é inédito na história do Itamaraty. Divisões foram extintas, novas criadas, todas elas renomeadas – o que implicou na substituição de centenas de plaquetas de identificação de setores e áreas –, mas também com um alto grau de arbítrio, próprio ao chanceler designado. Os Estados Unidos, por exemplo, que antes estavam integrados ao Departamento da América do Norte, agora desfrutam de um Departamento exclusivo, ao passo que toda a Europa – considerada um “vazio cultural”, em artigo altamente bizarro do então candidato a chanceler– foi relegada a um único departamento na Secretaria de Negociações Bilaterais com o Oriente Médio, a Europa e a África, o que certamente deve ter deixado os europeus bastante descontentes. Imagino que seja por isso que muitos dos embaixadores europeus em Brasília tenham procurado bem mais o vice-presidente, general Hamilton Mourão, do que o próprio chanceler ou o secretário geral do Itamaraty. Essa é a revolução cultural organizacional, feita por cima, “von Oben”, como diria o próprio chanceler.
No plano substantivo, o que se observou foi uma outra formidável revolução copernicana nos fundamentos e princípios da política externa, que deixou a tradicional postura equilibrada seguida durante décadas em favor de uma aliança estreita, não com os Estados Unidos propriamente, mas com o governo Trump. Talvez neste caso o chanceler formalmente designado tenha sido menos importante na inversão de tendência do que a própria família Bolsonaro, em primeiro lugar aquele que já foi designado como o “chanceler paralelo”, e que talvez seja o efetivo, ou principal: o atual presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados. O inacreditável é que esse representante do povo brasileiro usurpou o seu mandado ao ter proclamado, nos EUA, a impossível e improvável adesão de “todo o povo brasileiro” ao projeto do presidente americano de construir um muro na fronteira com o México, ao mesmo tempo em que classificava como “vergonha” a existência de tantos imigrantes brasileiros ilegais nos EUA. Esse senhor, preconceituoso e mal informado, talvez não saiba que esses trabalhadores brasileiros criam riqueza nos EUA e a remetem ao Brasil – vários bilhões de dólares por ano –, o que é um aporte significativo em nossa balança de transações correntes, sob a forma de transferências unilaterais, ou seja, sem contrapartidas. 
Essa outra revolução na política externa vem sendo contida, controlada e propriamente tutelada pelos militares membros do governo, que têm atuado como verdadeiros diplomatas, ao contrário do atual chanceler, cuja adesão ao aventureirismo eleitoral trumpista, no caso da Venezuela, beira a intervenção nos assuntos internos de outro Estado, o que colide não só com a nossa Constituição (artigo 4º), como também com princípios consagrados do direito internacional. Esse comitê de tutela militar sobre o chanceler também se exerceu precocemente quando da inacreditável aceitação de um projeto de base militar americana no Brasil, prontamente e cabalmente rejeitada pelo ministro da Defesa e pelos demais militares. 
Existem ainda vários aspectos bizarros na atual política externa, como essa luta insana contra o monstro metafísico do “globalismo”, uma fantasmagoria sem qualquer fundamento na realidade, mas que foi inculcada no atual chanceler – que a ela aderiu provavelmente de maneira oportunista – por aquele a quem eu chamo de “sofista da Virgínia” e de “Rasputin de subúrbio”. As iniciativas mais danosas em relação a Israel ou à China também foram contidas, revertidas ou minimizadas, por mentes mais sensatas da atual administração ou de fora dela, como a comunidade de negócios, os próprios chineses ou os mesmos militares. 
Como se pode constatar, tanto as práticas efetivadas, quanto aquelas frustradas – por ação do agronegócio, por exemplo, ou do comitê militar de tutela, que pode ser bem mais efetivo – encontram-se em perfeita consonância com os conceitos, e preconceitos, que embasam o atual governo na sua ação externa, ou o que passa por sua diplomacia. Se formos verificar a metafísica olavista e alguns dos slogans bolsonaristas – que não chegam a conformar, um e outro, uma verdadeira doutrina acabada ou completa –, poderemos facilmente comprovar que a identidade entre ideias e crenças bizarras, de um lado, e práticas inéditas na diplomacia, de outro, se mantém quase que integralmente. Isso é, como já afirmado, inédito nos anais da diplomacia brasileira e do próprio governo, sem que se possa dizer que tal identidade se manterá ao longo da atual administração, dadas as muitas contradições, e reações, que tais crenças e práticas revelam aos olhos dos observadores atentos ou dos espíritos mais críticos, como este que aqui escreve, com certo conhecimento de causa e comprometimento com a causa de uma diplomacia normal (ou pelo menos não tão contestável).
Em resumo, nos cem primeiros dias da administração Bolsonaro coexistiram iniciativas certamente inéditas no terreno da diplomacia e da política externa, sem que preocupações cruciais com respeito ao papel do Brasil no tocante à agenda externa – em comércio, Mercosul, meio ambiente, direitos humanos e democracia, e no respeito aos valores e princípios caros à nossa tradição diplomática – tenham sido sequer tocados em termos de planejamento ou de ações diplomáticas visando maior inserção internacional do Brasil. O Itamaraty permanece em grande medida paralisado pelas coisas estranhas que vem ocorrendo na Casa de Rio Branco desde o início de 2019, e não parece perto de enveredar pelo dinamismo conhecido em tempos mais amenos de exercício normal de sua diplomacia profissional. 
Se durante o lulopetismo, tivemos o que pode ser chamado de “diplomacia partidária”, a do partido hegemônico, e que levou o Brasil a alinhar-se com algumas das mais execráveis ditaduras do continente ou alhures, nos tempos atuais temos, ao que parece, uma espécie de “diplomacia familiar”, feita de preconceitos mal informados, de iniciativas francamente bizarras e vários outros erros na seleção de prioridades para a agenda diplomática nacional, inciativas voluntaristas e carentes de qualquer exame técnico mais acurado, que podem custar caro ao Brasil, se efetivamente implementadas, nos meses e anos à nossa frente. Um consenso parece estar se formando na chamada comunidade epistêmica de relações internacionais do Brasil, no sentido em que os aspectos mais “heterodoxos” da atual diplomacia e na política externa precisam ser contidos, e talvez revertidos, em benefício do próprio Brasil e no de seu atual governo. 
Em política externa, como na interna, tudo depende dos resultados efetivos, mas, num julgamento talvez precipitado, os resultados registrados até aqui – a aliança com Trump, a escolha de um lado nos difíceis problemas do Oriente Médio e outras opções altamente divergentes com respeito à memória histórica da diplomacia profissional do Brasil – são bastante preocupantes para os que vivem nessa comunidade setorial. Cem dias talvez sejam um prazo muito curto para julgar quanto a esses resultados, mas estaremos atentos aos desenvolvimentos futuros. 

Paulo Roberto de Almeida
Autor do livro: Contra a corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil, 2014-2018 (Curitiba: Appris, 2019).
Em voo: Brasília-BH-Rio de Janeiro, 3 de abril de 2019

domingo, 2 de junho de 2019

Respostas a perguntas colocadas em minhas palestras em Curitiba - Paulo Roberto de Almeida


Questões levantadas nas palestras sobre a Política Externa Brasileira

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: respostas a questões; finalidade: Palestras sobre PExtBr]
  
Nos dias 29 e 30 de maio, a convite do amigo e colega acadêmico Wagner Rocha D’Angelis, professor de Direito em instituições do Paraná, efetuei duas palestras relativamente similares sobre um tema que constitui meu objeto de trabalho, de estudos e de escritos desde 1977 pelo menos, talvez antes, no âmbito acadêmico. Utilizei-me, para tal, de uma mesma apresentação, tal como explicitada neste registro:
3469. “Política externa brasileira: passado, presente e futuro”, Brasília, 23 maio 2019, 29 slides, para palestras, apresentação e lançamento do livro Contra a Corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil, 2014-2018 (Curitiba: Appris, 2018), em Curitiba, a convite de Wagner Rocha D’Angelis. Power Point disponibilizado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/39341633/PExt_Br_Passado_Presente_Futuro_FESP) e colocado em formato pdf na plataforma Research Gate (29/05/2019; link: https://www.researchgate.net/publication/333456985_Politica_externa_brasileira_passado_presente_e_futuro).

Após cada uma de minhas intervenções, muito breves, de cerca de 25 minutos aproximadamente, e depois dos comentários iniciais do professor Wagner D’Angelis, respondi de forma sintética a diversas perguntas efetuadas em forma escrita, mas também oralmente. Tendo recolhido cada uma das questões escritas, algumas tratadas de maneira perfunctória, outras respondidas de forma preliminar, permito-me, nos parágrafos seguintes, discorrer sobre algumas dessas questões que me parecem mais importantes:

1) Ingresso do Brasil na OCDE e questão da OMC
PRA: Efetuei uma análise dessa questão mais de vinte anos atrás, já preconizando a aproximação do Brasil com essa organização, equivocadamente tratada como um “clube dos países ricos”, e na verdade dedicada a ser um “clube das boas práticas”, e essa meu trabalho, na verdade uma tese apresentada no Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco, foi recusada pela Banca, por razões nunca bem esclarecidas. Os interessados em ler esse trabalho podem buscar este meu arquivo:
Brasil e OCDE: uma interação necessária (Brasília: Tese apresentada ao XXXII Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco, 15 julho 1996, 290 p.; texto disponível: https://www.academia.edu/5659888/530_Brasil_e_OCDE_uma_interacao_necessaria_-_tese_CAE_1996_). Desde então muita coisa mudou, obviamente, mas fica o registro.
Considero útil esse ingresso do Brasil, não como um fim em si mesmo, pois o Brasil pode adotar essas “melhores práticas” por suas próprias vias e seus próprios méritos, ainda que a participação nos debates na OCDE possa convencer certo número de tecnocratas brasileiros que ainda relutam em face do que percebem ser a aceitação pelo Brasil de políticas “ortodoxas”, supostamente “neoliberais”, o que para mim é uma bobagem tremenda. Políticas macroeconômicas responsáveis são um benefício para o Brasil, não um sacrifício que devamos fazer, e por isso digo que todas elas podem ser adotadas em seu mérito próprio, não como aceitação de qualquer remédio amargo.

2) Posição do Brasil na guerra comercial entre o Brasil e a China
PRA: O Brasil não tem nenhum partido a tomar nessa insana guerra comercial deslanchada pelo presidente Donald Trump contra a China, ainda que esta tenha um comportamento menos “ortodoxo”, com respeito a certas práticas econômicas e comerciais. O caminho correto, para os EUA, assim como para qualquer parceiro que se sinta lesado por eventuais práticas comerciais “maliciosas” da China, que confrontem as regras do sistema multilateral de comércio, é o de recorrer ao sistema de solução de controvérsias da OMC, a partir de casos bem fundamentados de prejuízos, com base em evidências sobre quais regras a China estaria infringindo. Não é o que está fazendo o presidente Trump, que simplesmente ignora essas regras e pretende simplesmente, por razões basicamente eleitoreiras, diminuir o déficit comercial bilateral que os EUA têm com a China, algo impossível de ser praticado (ainda que possa ser diminuído, mas da pior maneira possível, causando danos aos próprios consumidores e empresários dos EUA). Essa guerra insana tem o poder de precipitar uma crise internacional, ou pelo menos uma diminuição das taxas de crescimento econômico de diversos países, entre eles o Brasil. O Brasil não tem de adotar nenhuma postura contra o seu principal parceiro comercial, uma vez que não apenas exibe saldos comerciais gigantescos, como também esses fluxos de comércio obedecem inteiramente às vantagens comparativas de cada um dos parceiros.
O Brasil deve, sim, condenar, as práticas americanas, por serem ilegais, abusivas e totalmente fora de propósito. Uma reação geral deveria se exercer contra os Estados Unidos por parte de todos os membros da OMC, pois as ações de Trump ameaçam o sistema multilateral de comércio e podem acarretar em uma crise sem precedentes na economia mundial. A visita do vice-presidente Hamilton Mourão à China, no quadro da retomada das reuniões da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível (COSBAN) sinalizou a postura racional que deveria adotar o Brasil, contra ideias estapafúrdias enunciadas anteriormente pelo atual chanceler, que chegou a falar de “China maoísta” – algo que não existe há mais de 40 anos – e de uma suposta decadência econômica brasileira contemporaneamente ao incremento das relações comerciais com o gigante asiático. Essas ideias, sugeridas por um guru totalmente inepto em relações internacionais, foram adotadas pelo atual chanceler, sem qualquer fundamento na realidade efetiva das coisas.

3) Questões ambientais e participação do Brasil nos debates sobre o tema
PRA: As posturas iniciais proclamadas pelo presidente e seu chanceler designado, como políticas a serem seguidas pelo ministro do Meio Ambiente, foram altamente preocupantes, até mesmo pelo agronegócio, pois se falava em abandonar o Acordo de Paris sobre Aquecimento Global, numa adesão míope, e mal informada, das posturas do governo Trump sobre o mesmo assunto. Como resultado da pressão desses meios, a denúncia foi sustada “por enquanto”, como declarou o presidente, mas o dito chanceler se pronunciou diversas vezes contra um fantasmagórico “climatismo”, e tem se colocado contra as teses do aquecimento global de origem humana. O Brasil, nessa linha, renunciou a acolher a 25ª Conferência das Partes, prevista para dezembro, e depois submeteu-se ao ridículo de cumprimentar o Chile pela sua decisão de fazê-lo, assim como ameaçou cancelar uma reunião preparatória em Salvador, numa outra postura ridícula e desgastante para a imagem do Brasil no exterior. Essa questão é a que mais tem causado deterioração da credibilidade diplomática do Brasil no exterior, junto com outros temas vinculados a direitos humanos, proteção de minorias, etc. A posição do Brasil será provavelmente a mais defensiva possível, num novo alinhamento com as posturas vergonhosas da diplomacia americana sobre a questão.

4) Relações do Brasil com seus “novos aliados” na extrema direita mundial
PRA: Esta é uma escolha do governo de direita no Brasil, de aliar-se a novos parceiros de extrema direita na Europa, partidos e movimentos que inclusive desprezam o Brasil (como possível exportador de emigrantes “ilegais”), e que podem prejudicar a assinatura do acordo comercial Mercosul-União Europeia, assim como possíveis outros acordos comerciais que o Brasil teria a intenção de negociar. Cabe registrar que alguns desses novos “parceiros” têm sido censurados pela UE em função de políticas e medidas antidemocráticas que veem adotando no plano interno, assim como de sua recusa em colaborar com políticas comunitárias em relação ao drama dos refugiados de guerras civis e outros dramas humanitários em países da África e Oriente Médio. O Brasil sempre foi um país de acolhimento a imigrantes e refugiados, e agora passou a ser um país provedor de “emigrantes” para outros países, e sua política externa deveria justamente distanciar-se desses “aliados” xenófobos, quando não racistas. Mais grave é o nítido perfil autoritário de diversos líderes nesses países, o que coloca o Brasil na incômoda posição de denegar alguns de seus valores e princípios constitucionais.

5) Preparação do Brasil para a revolução da “Indústria 4.0”
PRA: A “desindustrialização” enfrentada pelo Brasil desde vários anos torna uma transição para os novos padrões industriais em curso em economias avançada altamente aleatória, e dependente de várias reformas a serem empreendidas no plano interno, que poderiam facilitar o rompimento de sua atual condição de país mais fechado do G20 financeiro, pouco propenso a engajar um processo de abertura econômica e de liberalização comercial. Não é impossível a modernização da indústria brasileira nos novos caminhos sendo apontados por economias maduras, e baseadas mais em know-how do que em recursos naturais ou mão-de-obra extensiva, como foi até aqui o caso do Brasil. O único caminho são reformas estruturais de ampla dimensão.

6) Problemas das migrações globais e postura do Brasil quanto ao tema
PRA: O governo Bolsonaro começou por um gesto vergonhoso, no dia 1 de janeiro de 2019: o de denúncia e retirada do Brasil do Pacto Global sobre Migrações, uma carta de boas intenções que não afeta em nada a soberania brasileira em matéria de regras para a aceitação de imigrantes ou seu tratamento nacional, de acordo com suas próprias leis. À vergonha adicionou-se o insulto: o presidente da Comissão de Relações Exteriores da CD, deputado Eduardo Bolsonaro, em visita aos EUA, classificou de “vergonha nacional” o fato de o Brasil ter imigrantes não legalmente estabelecidos nos Estados Unidos, além de, usurpando seu mandato, ter declarado que o “povo brasileiro apoiava a construção de um muro na fronteira com o México”, o que configura uma ofensa aos trabalhadores brasileiros naquele país e a todo o povo brasileiro. Pior: o próprio presidente declarou, no curso de sua visita oficial ao país, que “muitos dos brasileiros não tinham boas intenções” nos EUA, para se desculpar depois, em vista da nova grosseria cometida.
O fato é que o Brasil sempre foi um país de imigrantes, que são uma contribuição preciosa para o crescimento de qualquer país, e desde algumas décadas se tornou também um país de emigração, em vista do baixo crescimento e da estagnação da economia brasileira, devido a políticas econômicas equivocadas nas últimas décadas. O Brasil deve, sim, continuar a receber imigrantes, assim como prestar auxílio humanitário em caso de tragédias ou crises em países vizinhos, como a Venezuela, acolhendo generosamente aqueles que buscam refúgio econômico em nosso país.

7) Questão da Venezuela e postura do Brasil nessa difícil transição política
PRA: A questão mais importante da diplomacia brasileira – nos planos bilateral, regional, hemisférico e até mundial – recebeu um tratamento deplorável por parte do chanceler designado pelo presidente, que atuou de forma anticonstitucional, no sentido do artigo 4º. da CF-88, ao pretender intervir nos assuntos internos da Venezuela, na linha do aventureirismo eleitoreiro do governo Trump. Foi preciso uma ação decisiva, absolutamente diplomática, dos militares presentes no governo, para impedir que o Brasil fosse além do que prescrevem a Constituição e os bons princípios do Direito Internacional em sua ação relativa à Venezuela. O vice-presidente da República assumiu a condução do processo e obstou as políticas inconsequentes emanadas da chancelaria brasileira e de conselheiros amadores e irresponsáveis que gravitam em torno do presidente.

8) O problema do Mercosul e a posição do Brasil sobre sua evolução futura
PRA: Não se conhecem as possíveis opções do Brasil naquele que foi o mais importante projeto de integração surgido nos anos 1990, e que caminhou de forma errática, até ser completamente desviado de seus objetivos iniciais pela diplomacia partidária do lulopetismo. O fato é que negociações econômicas externas deixaram o âmbito do Itamaraty para se colocarem inteiramente sob a responsabilidade do novo ministério da Economia, que até agora não enunciou suas posturas a respeito. Denota-se uma intenção de fazer o bloco retroceder a uma simples zona de livre comércio, em lugar da união aduaneira incompleta que hoje prevalece, sem qualquer perspectiva de que se caminhe para o objetivo oficial do Tratado de Assunção de um mercado comum.
Já discorri bastante sobre o bloco, objeto de três livros meus e incontáveis artigos em periódicos e em livros coletivos. Posso recomendar, ademais de uma visita a minha página em Academia.edu, a leitura destes meus trabalhos:
“Regional integration in Latin America: an historical essay”, Social Sciences Research Network (29/05/2018; link: http://ssrn.com/abstract=3182150); “O Mercosul aos 25 anos: minibiografia não autorizada”, Mundorama (n. 103; 27/03/2016; link: http://www.mundorama.net/2016/03/27/o-mercosul-aos-25-anos-minibiografia-nao-autorizada-por-paulo-roberto-de-almeida/); “Mercosul: a visão dos primeiros vinte anos e as perspectivas futuras”, blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2012/11/mercosul-21-anos-prefacio-uma-obra.html).

9) Posições atuais da política externa do governo Bolsonaro e seus efeitos
PRA: Poderia alinhar muitas críticas que venho efetuando desde o início deste governo, a propósito dos descaminhos da política externa e da diplomacia brasileira, sob a influência de ineptos ou amadores em sua condução, que exercem uma pressão pouco sutil sobre o chanceler designado para a assunção de posturas em absoluto descompasso com padrões históricos da diplomacia, não apenas pelo lado ideológico que possam revelar – como essa aliança espúria com regimes de extrema-direita na Europa –, mas também pela submissão beata e simplória, aliás vergonhosa, a posturas do governo Trump em relação a diferentes temas da agenda internacional, e não apenas na questão da Venezuela (mas em temas ambientais e de direitos humanos também), ou de Israel, mas em relação a própria China, todos eles objetos de estreita, estrita e atenta vigilância por parte dos elementos sensatos do governo Bolsonaro, que são os militares servindo na presidência. Mas prefiro referir-me à palestra do embaixador Rubens Ricupero, que merece uma leitura atenta por parte dos interessados, uma vez que discorre sobre todas as questões relevantes da política externa e da diplomacia brasileira:
A política externa brasileira em debate: Ricupero, FHC e Araújo”, Brasília, 4 de março de 2019, 18 p. Introdução à transcrição de três textos relativos à política externa do governo Bolsonaro, de Rubens Ricupero (25/02/2019), de Fernando Henrique Cardoso (03/03/2019), e do chanceler Ernesto Araújo (3/03/2019; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/03/a-politica-externa-brasileira-em-debate.html).


10) A Constituição de 1988 e os problemas do Brasil atual
PRA: A CF-1988 é modelar no que tange à grande definição dos princípios básicos da democracia brasileira, na configuração dos mecanismos fundamentais de defesa dos direitos humanos e de políticas sociais avançadas, mas falha miseravelmente em seu capítulo econômico, que é em grande medida responsável pelos desajustes nas contas públicas e pelas dificuldades de crescimento: intervencionismo excessivo do Estado nas atividades privadas, regulacionismo exacerbado, grande intrusão em esferas que deveriam ser dotadas de maior liberdade econômica. Com base em artigos selecionados de Roberto Campos, publiquei um livro a esse respeito:
Paulo Roberto de Almeida (org.), Roberto Campos, A Constituição Contra o Brasil: ensaios de Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituição de 1988 (São Paulo: LVM, 2018; Amazon.com, link: https://www.amazon.com.br/dp/8593751393/ref=cm_sw_em_r_mt_dp_U__k3j0BbYVJ83P6).

11) Diferenças entre globalização e globalismo
PRA: Já me pronunciei extensivamente sobre os dois temas, e permito-me citar aqui um trabalho meu recente, sobre o globalismo, que remete a um anterior, no qual faço as distinções necessárias entre os dois conceitos, um real, outro fantasmagórico:
O globalismo e seus descontentes: notas de um contrarianista”, Brasília, 21 de maio de 2019, 13 p. Notas sobre um fenômeno conspiratório de nosso tempo e sua aplicação ao caso brasileiro. Disponível no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/05/o-globalismo-e-seus-descontentes-notas.html) e na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/s/9eb7f275b5/o-globalismo-e-seus-descontentes-notas-de-um-contrarianista).
Como o assunto é polêmico, e os aloprados do antiglobalismo insistem em defender ideias absolutamente estapafúrdias, transcrevo links para duas postagens sobre os debates inúteis que podem ocorrer a esse respeito:
3428. “Globalismo e antiglobalismo: o que diz o sofista da Virginia?” Brasília, 6 março 2019, 4 p. Nota em resposta a postagem do sofista da Virgínia, Olavo de Carvalho, sobre a questão do globalismo. Publicado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/03/globalismo-e-antiglobalismo-o-que-diz-o.html).
3461. “Confirmado: política externa do bolsonarismo dominada pela paranoia dos antiglobalizadores metafísicos”, Brasília, 9 de maio de 2019, 4 p. Resumo de uma palestra do assessor internacional da presidência da República e comentários finais sobre as “teses” em vigor atualmente na política externa brasileira. Divulgado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/05/a-metafisica-do-antiglobalismo-numa.html).


12) Dilemas de uma economia de mercado e a justiça social
PRA: Existe uma enorme literatura a respeito dessas questões sempre difíceis de serem discutidas com certo equilíbrio, uma vez que o legado da Revolução Francesa e dos movimentos socialistas – ou de grupos anticapitalistas sempre persistentes – desvia a dicotomia para pressupostos sempre marcados pela ideologia ou o simplismo das posturas políticas excludentes. Os mercados estão sempre identificados com a exclusão e a desigualdade social, ao passo que políticas públicas “distributivistas” seriam (ou pelo menos deveriam ser) supostamente encarregadas de corrigir “falhas de mercado” ou defeitos “congênitos” do capitalismo no sentido da concentração de renda. Na verdade, todos os regimes que tentaram realizar distributivismo sem atuar nas fontes de criação de riqueza – que estão sempre nos mercados, não nos governos – padeceram de insuficiências estruturais, ao ponto de sua inviabilidade prática. O registro histórico comprova que todas as sociedades avançadas, dotadas de alto nível de prosperidade e de bem-estar foram, continuam sendo, democracias de mercados livres, com regulação estatal dedicada à capacitação dos membros da sociedade para atividades produtivas de alta produtividade, não para o recebimento de benesses estatais sem fundamento em fluxos de criação de riqueza, justamente. Todas as tentativas de atuar sobre os estoques de riqueza existente – taxando mais os ricos, por exemplo, para fins distributivos – encontram limites na prática, uma vez que a indução para a criação de riqueza encontra-se associada à acumulação de capital e, portanto, certo nível de desigualdade.
Países pobres, a exemplo do Brasil (que na verdade não é pobre absolutamente, apenas mantém muitas pessoas na pobreza por diferentes razões), podem até exibir altos níveis de desigualdade social, mas a prioridade das políticas públicas de cunho social deveria estar em reduzir a pobreza da população via capacitação para o mercado de trabalho – pela educação fundamental e ensino técnico-profissional, por exemplo – e não necessariamente pelo subsídio ao consumo. A mais nobre missão do economista é a de enriquecer os mais pobres, não empobrecer os mais ricos, como pretendem certos arautos da redução estatal das desigualdades de renda, via taxação agressiva dos mais ricos (que podem facilmente evadir sua riqueza para paragens mais amenas). O fato é que a existência de milionários e bilionários num país induz dezenas de trabalhadores ambiciosos a também exercerem seus talentos na busca do enriquecimento, ao passo que um governo dedicado a “extorquir” os mais ricos apenas desestimula a busca de novas maneiras de enriquecer rapidamente.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2 de junho de 2019