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segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Liberalização cambial no Brasil, prós e contras - Paulo Nogueira Batista Jr., Gustavo Franco

Folha de S. Paulo – O Brasil deve avançar na liberalização do mercado de câmbio? NÃO / Artigo / Paulo Nogueira Batista Júnior

19/10

Paulo Nogueira Batista Júnior
Economista, lançou recentemente o livro ‘O Brasil não cabe no quintal de ninguém’ (ed. LeYa)

Um passo ambicioso para as condições da economia brasileira

Paulo Nogueira Batista Júnior

O projeto de liberalização cambial apresentado ao Congresso é muito ambicioso e chega a ser irrealista, pois não condiz com o estágio de desenvolvimento e a situação da economia do país. O que se propõe é instituir a livre movimentação de capitais, aumentar a conversibilidade do real e facilitar a abertura de contas em moeda estrangeira no Brasil.

Valendo-se de um artifício costumeiro, o Banco Central mistura essas questões macroeconômicas altamente controvertidas com objetivos válidos como a modernização e a desburocratização do mercado de câmbio. O desafio, entretanto, é alcançar esses objetivos meritórios sem fragilizar a posição internacional brasileira. Não é o que se vê no projeto do governo federal, que conduzirá, se aprovado, ao aumento da vulnerabilidade externa e ao risco de dolarização da economia.

As propostas são apresentadas com o argumento ingênuo de que representam “alinhamento aos melhores padrões internacionais”, tais como os códigos de liberalização de capitais da OCDE. Ignora-se o fato elementar de que regras de política que convêm a países altamente desenvolvidos, como são em sua grande maioria os membros da OCDE, nem sempre são as que convêm a países em desenvolvimento como o Brasil. Ignora-se, também, que as economias emergentes bem-sucedidas são as que disciplinam o movimento de capitais —China, Índia e outras asiáticas. E que muitos países da América Latina, ao se aventurarem prematuramente pelo caminho da liberalização dos movimentos de capital, sofreram episódios de instabilidade econômica que terminaram por abortar o seu desenvolvimento.

As condições da economia brasileira estão longe de permitir passos tão ambiciosos. A situação fiscal é sabidamente problemática, ainda que não seja catastrófica, como frequentemente se afirma.

A dívida pública tem crescido como proporção do PIB, e grande parte da dívida interna é de prazo curto. Mesmo as contas externas, invocadas para argumentar que a liberalização não ofereceria riscos, não são tão invulneráveis quanto se imagina. O déficit do balanço de pagamento em conta corrente é relativamente baixo, mas tenderá a aumentar quando a economia se recuperar.

As reservas internacionais são altas, mas o Brasil não dispõe de um grande volume de reservas excedentes. Em termos de M2, agregado monetário usado como proxy para fuga potencial de capitais, as reservas brasileiras são baixas quando comparadas às de outros países emergentes.

Vale notar que o discurso das autoridades econômicas tem sido espantosamente incongruente. O ministro da Economia, Paulo Guedes, vive repetindo que o Estado brasileiro “quebrou”, “entrou em colapso”, “está insolvente”. Ao mesmo tempo, o presidente do Banco Central propõe medidas ambiciosas de liberalização cambial e chega a afirmar que gostaria de ver a conversibilidade implementada em um prazo de dois a três anos.

A proposta de ampliar a possibilidade —hoje restrita a segmentos específicos— de pessoas físicas e jurídicas abrirem contas em moedas estrangeiras dentro do país é outra ideia infeliz. Sempre houve resistência no Brasil a seguir esse caminho, que desembocou em elevada dolarização dos sistemas financeiros na América Latina e em outras regiões do mundo.

O que o Banco Central pretende com o projeto de lei é obter carta branca para aumentar o leque de contas em moeda estrangeira no Brasil, prometendo conduzir o processo de forma “gradual e prudente”. A promessa deve ser recebida com cautela pelos parlamentares. Não é recomendável que um assunto dessa importância seja decidido em circuito fechado por um grupo de tecnocratas e financistas alojados na direção do Banco Central e no Conselho Monetário Nacional.


Gustavo Franco

Ex-presidente do Banco Central (1997-99) e um dos formuladores do Plano Real, é doutor em economia pela Universidade Harvard e fundador da Rio Bravo Investimentos

Ideias mudaram após 25 anos de reservas e de moeda estável

Gustavo Franco
Tudo o que o Banco Central almeja com a iniciativa é correto e meritório, como se lê em seu website: “favorecer o ambiente de negócios, particularmente o comércio exterior e a atratividade dos investimentos estrangeiros, maior desenvolvimento aos mercados financeiro e de capitais”.

Quem é contra essa pauta, é ruim da cabeça ou doente do pé. Acho, todavia, que a maior parte do trabalho de liberalização cambial já estava praticamente completo em 2006 (lei 11.371, assinada pela trinca neoliberal Lula-Mantega-Meirelles) quando foi alterada uma lei de 1933 que obrigava os exportadores a internalizarem as divisas que produziam.

Logo antes tinha havido a unificação dos mercados de câmbio (comercial e flutuante, e isso não precisou de lei), e na ocasião os dirigentes do Banco Central circulavam com uma apresentação power point que, no slide 18, dizia “tudo é permitido (desde que haja identificação)”. Tempos heroicos.

O histórico detalhado desse percurso está nos capítulos 3 e 4 do meu livro, “A Moeda e a Lei” (ed. Zahar). Hoje em dia, a televisão não dá mais a cotação do paralelo, mas até na novela tem merchandising —ou impulsionamento de conceitos. Pois, então, temos aqui uma pequena recomendação de leitura.

Bem, desde os anos 1990 vínhamos enfrentando um problema estético: as disposições legais sobre moeda estrangeira estavam dispersas em muitas leis, de várias safras, algumas bem antigas. Nada que prejudicasse a vigência de uma regulamentação cambial consistente com a globalização, que se fazia no nível “infralegal”, como dizem os advogados.

Era um problema de estética legislativa, não de segurança jurídica. Lembrem-se que existem medidas provisórias, e que tudo que for revogado agora poderá voltar de um dia para outro em uma canetada. Pois bem, um projeto de consolidação já tramitava no Congresso desde meados dos anos 1990, ao menos, mas não era a única ideia circulando sobre esse tema.

Lembro bem do ex-senador Mauro Benevides (CE), pai do atual deputado de mesmo nome e assessor econômico de Ciro Gomes durante a campanha de 2017. Ele, o pai, tinha um projeto cujo título era “o estatuto do capital estrangeiro”. O objetivo era a reforma da lei 4.131/62 (que disciplina a aplicação do capital estrangeiro e as remessas para o exterior), mas numa direção imensamente mais restritiva, o contrário do que pretendíamos.

O Banco Central nunca quis apoiar o projeto do simpático senador Benevides, nem nada parecido, ou sobre o mesmo tema, e a razão era explicada por uma fala bem-humorada do próprio senador, sempre lembrada no BC: “Se vocês não gostarem do meu projeto, mandem o de vocês. O relator serei eu mesmo, a gente combina o produto final”, dizia Benevides.

Na nossa percepção, a intersecção entre as ambições liberalizantes do BC, que continuam as mesmas, e as do senador, eram inexistentes.

O problema hoje não é o projeto do BC —que é bom e se parece com minutas que eu vi circular nos anos 1990—, mas com o substitutivo do relator, que vamos conhecer em meses. Se tudo der certo, não haverá retrocesso.

Depois de um quarto de século de moeda estável e de muitas reservas cambiais, as ideias sobre câmbio progrediram. Muitos preconceitos arraigados sobre assuntos cambiais se tornaram obsoletos. Ou não. Tomara que sim, mas temo que não.

Acharia mais prudente deixar que o tempo continuasse a operar a sua mágica e não correria tantos riscos por conta da introdução de contas em dólares para pessoas físicas. Na época da inflação era assunto explosivo e desestabilizador. Hoje, me parece assunto velho e inútil, como o limite de US$ 500 para quem viaja, que está parado há muitos anos (não confundir com compras free shop, outro assunto velho).

quinta-feira, 17 de maio de 2018

O juro “neutro” e a trajetoria da taxa de cambio no Brasil - Paulo Gala

O juro “neutro” e a trajetória da taxa de câmbio no Brasil

Os choques de juros na economia brasileira desde a implantação do Real decorreram de depreciações cambiais no período de câmbio flutuante ou de reversões de fluxos de capital na época do câmbio fixo. Os juros altos dos últimos 20 anos foram fruto da fragilidade de nossas contas externas e de grandes desvalorizações de nossa moeda. O primeiro choque de juros sofrido no Plano Real veio com a crise do Méxicodecorrente da explosão da ancora cambial implantada no final dos anos de 1980 para controlar a inflação mexicana. Já o segundo choque relevante veio com o contágio da crise asiática. O terceiro choque acompanhou o contágio da crise russa, resultado do estouro da ancoragem cambial para controle da inflação por lá em 1998. A crise cambial brasileira que rompeu com o regime quase rígido da década de 1990 aconteceu em janeiro de 1999, quando um novo choque de juros foi aplicado para tentar segurar o padrão monetário brasileiro na presença de enorme desvalorização cambial na transição para o regime de câmbio flutuante administrado. Em 2001, outro choque de juros foi aplicado como resposta aos atentados de 11 de setembro. Na epoca o Brasil atravessava o apagão energético interno e a crise na Argentina. Já em 2003, um novo choque foi administrado por conta da enorme desvalorização cambial decorrente dos temores na transição eleitoral. Finalmente, em 2008, a crise americana provocou nova desvalorização cambial, somada a uma parada brusca da atividade econômica no mundo e no Brasil. O Banco Central respondeu com alta inicial de juros e, logo na sequência, queda das taxas.
Em todos esses episódios de choque de juros, a forte apreciação cambial observada no período subsequente foi primordial para derrubar o preço dos bens transacionáveis, ajudar na convergência da inflação e estimular o corte da Selic para seu ponto “neutro”. Em 2013, a decisão do Federal Reserve de reduzir os estímulos monetários forçou o BC a construir enorme estoque de swaps em posições vendidas em dólar e iniciar novas altas da Selic para tentar evitar uma desvalorização cambial mais brusca. A trajetória da Selic em todos esses anos, talvez com a exceção do ciclo de alta de 2005, sempre dependeu da dinâmica das contas externas, do sentido dos fluxos de capital e da taxa de câmbio. Os cortes foram feitos em momentos de apreciação cambial que reduziram a inflação, quase que independentemente do nível de atividade. A exceção foi o movimento de corte de juros feito em 2011, que acabou inflando nossa bolha de crédito e pressionando o preço dos bens não tradables em uma economia em pleno emprego, expansão fiscal e câmbio em rota de desvalorização.
Na década de 1990, os choques de juros tinham o objetivo explícito de segurar a âncora cambial. Depois da implantação do regime de metas de inflação, em 1999, os juros passaram a responder aos movimentos da inflação. Mas as grandes oscilações da taxa de câmbio acabaram ditando os movimentos de juros pela via do aumento dos preços de tradables e das tentativas do BC de segurar os efeitos de segunda ordem da desvalorização cambial nos preços. A grande acumulação de reservas cambiais entre 2004 e 2012 acabou aumentando a potência de intervenção do BC no mercado de câmbio via swaps ou leilões reversos para domar a trajetória do Real. Essa posição robusta de reservas e a utilização de um regime de câmbio flutuante administrado provou-se muito mais eficiente para reduzir os juros nos anos 2000. Ao fim e ao cabo, os juros altos no Brasil sempre foram uma tentativa do BC de manter nosso padrão monetário em um contexto de contas externas deficitárias, inércia nos preços domésticos e fortes oscilações da conta capital, com a exceção dos superávits em conta corrente registrados entre 2003 e 2007. A história recente mostra que não faz sentido discutir juro “neutro” no Brasil sem olhar nossa frágil dinâmica externa, muito dependente de bonanças de commodities e fluxos de capitais.
No momento, a trajetória do câmbio contribui para a queda da inflação. Seguimos com apreciações da moeda brasileira graças à nova onda de capitais que parece vir por aí. Nosso déficit em conta corrente caiu de 4% do PIB para 1,5%, as reservas continuam robustas e os swaps foram praticamente eliminados. A inflação está cedendo graças à queda de preços de alimentos, do alto desemprego, mas, também, por conta da forte apreciação cambial dos últimos meses. O BC seguirá reduzindo juros e argumentará que o “juro neutro”, aquele capaz de equilibrar a economia sem pressões inflacionárias, voltou a cair. Com política fiscal contracionista, investimentos públicos em mínimas históricas, enorme desemprego e ociosidade na indústria, o juro real capaz de estimular a economia vai mesmo lá para baixo. Durante as ondas de apreciação do câmbio nominal nunca houve pressão inflacionária no Brasil. No final das contas o “juro neutro” depende mesmo é da trajetória do câmbio.


terça-feira, 25 de agosto de 2015

Exchange regimes in the US: book review (EH-Net Diplo)

Published by EH.Net (August 2015)

Michael D. Bordo, Owen F. Humpage and Anna J. Schwartz:
Strained Relations: U.S. Foreign-Exchange Operations and Monetary Policy in the Twentieth Century 
Chicago: University of Chicago Press, 2015. x + 442 pp. $97.50 (cloth), ISBN: 978-0-226-05148-2.

Reviewed for EH.Net by Hali J. Edison, International Monetary Fund.

This book is clearly destined to become a classic, leaving a mark on future research on foreign-exchange operations. In 1990, Michael Bordo (Rutgers University and NBER) and Anna Schwartz (NBER) began their collaboration to document the evolution of U.S. intervention. Ten years later, Owen Humpage of the Federal Reserve Bank of Cleveland joined the team. Regrettably, in 2012, before the book was finalized Anna Schwartz passed away.

The book explores the evolution of foreign-exchange intervention in the United States in the twentieth century. During this period, the United States transitioned from participating in the international gold standard regime to fixed exchange rates (“dollar standard”) and finally to a regime of floating exchange rates. Policymakers around the world during this period grappled with the choice of exchange rate regime, the role of monetary policy, and international capital mobility — often referred to as the trilemma. The book traces the changes in U.S. institutional arrangements and policymakers’ thinking to the economic and political events drawing extensively from Federal Reserve documents.

Chapter 1 lays out the plan of the book. It starts by describing how attitudes about foreign-exchange intervention and monetary policy evolved over the decades and how this was eventually reflected in theories of intervention and institutional arrangements.

Chapter 2 explains that the model for modern foreign-exchange-market operations can be linked to the operations under the gold standard. The authors argue that the historical evolution of exchange-market operations before 1934 yields important insights into understanding modern-day practices. For instance, the chapter illustrates early uses of secrecy, sterilization, and forward transactions, all of which became important methods of modern intervention.

The creation of the Exchange Stabilization Fund (ESF) in the United States is described in Chapter 3. This chapter was written by Anna Schwartz and maintains the same rich details as contained in her 1963 seminal book with Milton Friedman, A Monetary History of the United States, 1867-1960. It clarifies the role of the ESF and elaborates on the institutional arrangements. Two key features of the ESF are that it is under exclusive control of the U.S. Secretary of the Treasury and is self-financing, such that ESF funding is outside of the congressional appropriation process.

After outlining the background of the institutional arrangements, chapters 4 through 6 discuss the evolution of U.S. foreign-exchange operations since the end of World War II. Each of the chapters captures a distinct episode, describing the economic and political developments and the evolution of institutional arrangements. Chapters 5 and 6 also evaluate the effectiveness of U.S. intervention, drawing heavily from the methodology laid out in research conducted by the authors.

Chapter 4 focuses on the Bretton Woods era from 1944 to 1973. During this period countries attempted to maintain par values for their currencies, promote free cross-border financial flows, and achieve domestic macroeconomic objectives such as full employment. Intervention was one of the policy instruments used to achieve these objectives. According to the authors, intervention may have been successful in the sense that it delayed the disintegration of the Bretton Woods system but it did not fix the problem: Current account surplus countries did not want to undermine their domestic macroeconomic objectives to maintain fixed exchange rates.

Chapter 5 covers the foreign-exchange-market operations during the early float period (1973 to 1981). On March 12, 1973, the Bretton Woods era fixed-exchange-rate system ended. During much of the period, policymakers viewed that foreign-exchange markets were subject to bouts of disorder, requiring intervention to direct the exchange rate along a path they viewed consistent with their domestic policy objectives. The chapter describes the evolution of the institutional arrangement, including the Federal Reserve’s swap line with the U.S. Treasury, known as the warehousing facility.

Chapter 6 considers the currency operations and the ongoing debates during the Volcker and Greenspan era (1981 to 1997). Early in the period, between 1981 and 1985, the U.S. adopted a minimalist approach that was spearheaded by the U.S. Treasury. As the dollar strengthened in 1985, the United States assumed an activist approach, intervening frequently. The chapter includes details of the 1983 Jurgensen Report, commissioned by G7 officials to study intervention. In addition, it provides a rich discussion of the 1989-1990 conversation within the Federal Reserve of its involvement in U.S. intervention operations, partly reflecting the report from a staff Task Force on System Foreign Exchange Operations. The United States essentially stopped intervening in the mid-1990s, but has never officially ruled out intervention.

Overall, this book describes the evolution of U.S. policy regarding currency-market interventions, the institutional arrangements, and the interaction of currency-market policy with monetary policy. It documents how U.S. intervention and exchange rate policy changed over time, reflecting a learning process. The work leaves open many interesting doors for more analysis that could and should engage future scholars.

Hali J. Edison (Hedison@imf.org), International Monetary Fund, is author of The Effectiveness of Central-Bank Intervention: A Survey of the Literature after 1982 (Special Papers in International Economics, Princeton University Press).

Copyright (c) 2015 by EH.Net. All rights reserved. This work may be copied for non-profit educational uses if proper credit is given to the author and the list. For other permission, please contact the EH.Net Administrator (administrator@eh.net). Published by EH.Net (August 2015). All EH.Net reviews are archived at http://eh.net/book-reviews/

sábado, 30 de agosto de 2014

Politica economica companheira: o desmantelamento da vertente cambial - Nathan Blanche

O governo lulo-petista-dilmista já conseguiu desmantelar as metas de inflação e a responsabilidade fiscal. Agora se ataca à flutuação cambial. Vai conseguir não deixar pedra sobre pedra. Parabéns pela obra destruidora.
Paulo Roberto de Almeida
O desmantelamento da flutuação cambial
Nathan BlancheO Estado de S.Paulo, 28.08.2014 
 
Os riscos para o financiamento das contas externas e a consequente depreciação significativa da moeda brasileira têm se elevado como resultado do aumento de incertezas e do alto nível de intervenções do Banco Central (BC). Adicionalmente, e não de forma clara, mas efetiva, o câmbio sobreapreciado pela atuação da autoridade monetária causa distorções na formação de preços relativos que agravam os desequilíbrios nas contas externas. O resultado final é risco de inflação mais elevada, menor investimento e crescimento econômico.

Descambal era o termo usado na década de 80 para classificar o descontrole da política cambial. Obviamente, estamos muito longe do risco de duas moratórias seguidas, como as de 1982 e 1987, mas os riscos para o financiamento das contas externas e a consequente depreciação da moeda têm se elevado em razão das incertezas e das intervenções do BC. Essas são inéditas e arbitrárias e pouco têm que ver com os fundamentos do balanço de pagamentos. Principalmente por se tratar de crise econômica interna (alta da inflação e baixo crescimento), e não externa.

A venda de ração diária de swaps cambiais e suas rolagens já somam mais de US$ 226 bilhões, e o saldo atual é de US$ 93 bilhões. Desde 1986, quando do início do mercado de hedge cambial, a atuação recente destaca-se, inclusive, em comparação com a de 2008, na esteira da grave crise internacional. Além de as atuações anteriores não terem atingido essa magnitude, foram pontuais e cumpriram seus objetivos de controlar a volatilidade da moeda apenas, sem a intenção de influenciar o nível da taxa de câmbio.

Inexiste atualmente, no mercado de moedas mundial, paralelo em termos de intervenção no mercado de derivativos cambiais. E pelas sinalizações mais recentes do BC, a atuação continuará até o fim do ano.

Mas, a despeito da atuação do BC e da retirada de todas as medidas que haviam sido adotadas para controlar a entrada de dólares nos anos anteriores, o real é a segunda moeda mais volátil no horizonte de seis meses, só perdendo para o rand sul-africano.

O fato é que o câmbio tornou-se, para o BC, o último cachorro no mato, ou seja, o único instrumento para exercer sua função institucional de guardião da moeda. Em 2011, quando o governo Dilma Rousseff ordenou a queda dos juros e simultaneamente a desvalorização do real, privou-se dos principais instrumentos de atuação, que são a política monetária e cambial. Assim, descredenciou o BC como guardião da moeda. Mas diante do resultado óbvio - inflação mais alta - devolveu algum poder à instituição, permitindo uma elevação da taxa básica de juros de 375 pontos-base.

O ponto é que, ao vender hedge (câmbio futuro), o BC tornou viáveis as operações especulativas de carry trade (arbitragem de taxa de juros). Agentes do mercado captam dólares no exterior, vendem no mercado à vista (spot) e, simultaneamente, compram dólares no mercado futuro, obtendo ganho pela diferença das taxas de juros interna e externa. Dos US$ 93 bilhões de swaps cambiais, avaliamos que cerca de US$ 48 bilhões estão relacionados com esse tipo de operação.

Herança maldita. Seja quem for eleito nas próximas eleições, terá de pagar a conta e efetuar os ajustes no mercado cambial, dado que em algum momento esses contratos futuros vão reverter-se em demanda por câmbio no mercado à vista.

A dúvida diz respeito à forma do ajuste. O risco é de uma correção abrupta, inclusive, considerando o contexto internacional, que será marcado por processos de elevação de juros em importantes países como Estados Unidos e Inglaterra.

É fato que não é só na área cambial que há herança maldita. Nessa conta devem incluir-se os passivos fiscais, além da necessidade de realinhamento de preços-chave, como é o caso de energia elétrica, combustível e transporte público, diante das distorções criadas ao longo dos últimos anos.

Ainda há que ponderar a oportunidade perdida com a falta de interesse por acordos comerciais. A opção pelo Mercosul, em que os principais parceiros, Argentina e Venezuela, além de protecionistas, passam por grave crise, não permite a exploração do potencial do comércio exterior. Os países desenvolvidos já recuperam o crescimento e, com isso, passam a demandar mais bens importados. O Brasil, porém, segue de fora deste novo ciclo de crescimento.

Caso o atual governo, se reeleito, persista na manutenção da atual equipe econômica e na política denominada "Nova Matriz Econômica", o Brasil corre o risco de perder sua classificação de grau de investimento. Assim, o País enfrentará dificuldades no financiamento das contas externas já em 2015. Respaldam essa afirmação:

O fato de o déficit em conta corrente ter aumentado de 2,1% do produto interno bruto (PIB) para 3,6% entre 2011 e 2013. Para 2015 a projeção é chegar a 4,2% do PIB. O principal motivo é o enfraquecimento da balança comercial, cujo saldo passou de US$ 29,8 bilhões a US$ 2,6 bilhões no período.

O prêmio de risco País, medido pelo Credit Default Swap (CDS), era em 2011 inferior à média dos países do pacto do Pacífico (México, Colômbia, Peru e Chile) e hoje é o dobro.

Menor disponibilidade de liquidez externa, considerando o processo de alta de juros pelo Federal Reserve e pelo Banco da Inglaterra.

Aumento da fragilidade fiscal via redução dos superávits primários dos últimos três anos de 3,1% para 1,5% do PIB, com a agravante das manipulações criativas dos resultados fiscais.

Em suma, a atuação do Banco Central no mercado cambial tem gerado riscos no sentido de um ajuste abrupto, o que pode resultar em significativa depreciação da moeda. Adicionalmente, e não tão aparente, mas existente, o câmbio sobreapreciado causa distorções na formação de preços relativos que agravam os desequilíbrios nas contas externas do País, o que traz risco inflacionário, redução nos investimentos e também do crescimento econômico.

*Nathan Blanche é sócio-diretor da Tendências Consultoria

terça-feira, 12 de março de 2013

Dualismo cambial na Argentina e na Venezuela

E sua insustentabilidade. Uma analise de economista do Citi group.

Argentina and Venezuela– The Unstable Economics of Dual Exchange Rates
Joaquin A Cottani
Citi group Research
Emerging Markets Economics Today
12 March 2013


This piece is a summary of our Argentina & Venezuela Macro View - The (Unstable) Economics of Dual Exchange Rate Regimes

Argentina and Venezuela have de-facto dual exchange rate systems featuring an official peg and a black market float. The fact that the float is "black" rather than "white" or "grey" is a mere technicality. Effectively, the black market rate reflects the scarcity value of the dollar and the premium between this rate and the official one is an implicit tax on exports and a subsidy on permitted transactions, including authorized imports.

A dual exchange rate system is the consequence of quantitative exchange controls. These controls affect "non-essential" imports, including tourism abroad, and several categories of capital outflows, including offshore investments, profit remittances, and the simple hoarding of FX by local residents seeking to hedge against inflation or devaluation. Like any flexible exchange rate, the black market one is driven by market forces.

The Venezuelan dual exchange rate system predates the Argentinean one by more than a decade, a fact that bears testimony to the longevity that this kind of arrangements can have, despite the distortions they create, if the right conditions are met. We argue that Venezuela's larger current account surplus as proportion of GDP, tighter control of exports and imports by the government, and the introduction of SITME between 2010 and 2012 explain the longevity of its multiple exchange rate system despite the significant and growing premium observed though the years between the parallel/black market and the official one. We warn that, in Argentina, this is unlikely to be the case, hence a multiple exchange rate system, even if legal, is unsustainable.

In Argentina, the dual exchange rate system is a more recent phenomenon. It exists since October 31, 2011 when, to cope with an impending currency crisis, the government imposed tight controls on the buying and selling of foreign exchange by the public. A difference between the Argentine and Venezuelan dual systems is that, in Venezuela, the official rate is an adjustable peg whereas, in Argentina, it is a sliding or crawling peg. At present, the official USD rate is 5.05 ARS in Argentina and 6.3 VEF in Venezuela while the black market rate is around 8.0 and 25.0, respectively. It is worth noting that, in February, the rate of depreciation of the ARS in the official market reached 16% YoY against a "true" inflation rate (as measured by private consultants and opposition members of Congress) of around 25%.

Expectations of devaluation are part of the explanation of a high black market premium. The other part is massive injections of liquidity to finance fiscal deficits and monetize balance of payments surpluses. In this sense, reducing the black market premium while maintaining exchange controls will require a combination of both official devaluation and monetary and fiscal contraction in both countries.

Looking at what is happening with the foreign reserves in Argentina and Venezuela, it is easy to infer that their dual systems are unsustainable without a maxi-devaluation. Unless monetary contraction happens some time soon, which is unlikely due to the fiscal dependency of monetary policy in both cases, another maxi-devaluation in Venezuela and one in Argentina (the first since 2002) are almost sure bets.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Desajustes cambiais: um incomodo inevitavel - Celso Ming

O mundo viveu, entre o final do século 19 e o início da Primeira Guerra Mundial, a ilusão de que seria possível conviver pacificamente num sistema de câmbio fixo, então simbolizado pelo padrão ouro (na verdade, a predominânca da libra esterlina no comércio internacional).
Depois da descida aos infernos do conflito, e dos desalinhamentos e controles que dele advieram, o mundo tentou voltar ao antigo padrão, sem de verdade o conseguir.
A crise de 1929, e a desvinculação da libra do padrão ouro  em 1931 (ao qual ela tinha retornado em 1925) precipitaram o mundo na era das desvalorizações competitivas (e agressivas), que foi na verdade um não sistema monetário ou financeiro, feito de controles, restrições, medidas unilaterais e redução absoluta e relativa nos fluxos comerciais, financeiros e de investimentos. Depois veio a guerra.
Em Bretton Woods, se tentou corrigir o sistema, introduzindo um padrão ouro-dólar.
O mundo viveu, de 1946 até meados dos anos 1960, a ilusão de que poderia conviver pacificamente num sistema de câmbio fixo, que na verdade poucos respeitaram, a não ser, parcialmente, os EUA. Era a predominância absoluta do dólar no comércio e nas finanças internacionais, o que ainda não terminou, a despeito de crescente importância de outras moedas, a última das quais o yuan chinês.
A partir de 1971-73, o esquema de Bretton Woods veio abaixo, sem que nada tenha sido colocado em seu lugar, a não ser esses entendimentos frágeis entre as principais potências econômicas (G7), agora secundadas pelas intermediárias do  G20 financeiro.
Ou seja, vai se continuar falando que todos precisam se comportar razoavelmente bem no plano monetário e cambial, mas na verdade, cada país tenta tirar vantagens do não-sistema, usando moderadamente as alavancas que possui nos terrenos monetário e financeiro.
Nada temos a esperar deste ou de qualquer outro encontro do G20, pois os desalinhamentos vão continuar, embora sem as políticas agressivas do passado do entre-guerras.
Ou seja, não haverá guerra cambial, apenas fricções cambiais e monetárias.
Nada dramático, apenas irritante...
Paulo Roberto de Almeida
Celso Ming
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Diálogo de surdos

16 de fevereiro de 2013 | 2h 07
Celso Ming - O Estado de S.Paulo
 
É desconcertante que as 20 maiores autoridades econômicas e financeiras do mundo, de repente, entendam que a guerra cambial seja problema grave e que, no entanto, não reconheçam que estejam envolvidas nesse e em outros conflitos.

O assunto virou tão importante que atropelou a agenda do encontro de ministros de Finanças e presidentes dos bancos centrais do Grupo dos Vinte (G-20), que começou ontem e continua hoje, em Moscou. Mas nenhum desses senhores do mundo admite que esteja manipulando o câmbio. (Esta Coluna já desenvolveu o tema há dois dias, mas tem de voltar a ele pelos aspectos novos que traz.)

Apenas para relembrar, guerra cambial foi um termo criado em 2010 pelo ministro da Fazenda do Brasil, Guido Mantega. Na ocasião, ele estava preocupado com o efeito sobre o câmbio do Brasil provocado pela ação do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), que vinha despejando (e continua a despejar) trilhões de dólares na economia, com o objetivo de reativar a atividade produtiva e o emprego.

Essa é uma política que descarrega boa parte da conta da crise sobre os vizinhos. Os mercados de câmbio ficam atolados em moeda estrangeira e se ajustam por meio da valorização das moedas nacionais (baixa do dólar). O resultado disso é o encarecimento do produto nacional em dólares e, portanto, a perda de capacidade de exportar.

No momento, a principal preocupação dos países ricos é o jogo do Banco do Japão (BoJ, banco central) que, por meio da troca maciça da moeda nacional por moeda estrangeira, provocou a desvalorização do iene de quase 20% desde o começo de outubro - veja o gráfico.

Diante do impacto da operação do BoJ, intensificada desde novembro, na última terça-feira as autoridades de Finanças das sete maiores potências do mundo (o G-7) já haviam sentido a necessidade de assinar um comunicado que condena a manipulação do câmbio. Mas as autoridades japonesas não só declararam que essa condenação não tinha a ver com elas, mas também que era a prova eloquente de que não vinham manipulando o câmbio. Ontem, a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde, inocentou o governo do Japão: "O que o BoJ faz é política monetária e não política cambial".

O presidente do Fed, Ben Bernanke, mantém seu discurso. Há meses vem declarando que não é operador de câmbio. O que ele chama de afrouxamento quantitativo (quantitative easing) não passa de recursos de política monetária. Limita-se à compra de títulos, logo, à emissão de dólares, para reativar a economia. Ontem ele repetiu em Moscou que essa política não prejudica outros países. Ao contrário, todos deveriam apoiá-la, afirmou Bernanke, porque deverá provocar a reativação da economia dos Estados Unidos - o que é do interesse de todos. E afirmou ainda mais: se algum país se sente prejudicado com ela - e aí vai uma paulada no ministro Mantega -, é consequência das opções de política econômica feitas por seu governo.

Há anos o governo dos Estados Unidos acusa a China de manter um câmbio artificialmente fixo e desvalorizado para favorecer suas exportações em detrimento das outras economias. Curiosamente, desta vez, não é a China que está mobilizando os dirigentes do G-7 e do G-20 contra essa guerra.

O presidente da França, François Hollande, é um dos que reclamam das consequências sobre a economia do seu país, provocadas pelas políticas cambiais dos Estados Unidos e do Japão. Mas o que ele quer não é propriamente o fim desse jogo. Deseja apenas que o Banco Central Europeu (BCE) sacuda sua inércia e também opere o câmbio para desvalorizar o euro e elevar a capacidade de exportação dos países da área.

Nesse diálogo de surdos, o G-20 pode até endurecer seu comunicado sobre o tema, que deve ser emitido hoje - como reivindicam os representantes do Brasil. Mas ninguém espere alguma mudança significativa na ação dos bancos centrais. Essa guerra tem tudo para continuar. Se não por outra razão, continua porque o fim do padrão ouro em 1971 destruiu a estabilidade entre as principais moedas e, de lá para cá, nada foi colocado em seu lugar. Aparentemente, somente a instituição de uma moeda única universal (ou um pequeno número delas) seria capaz de estabilizar o sistema monetário. Mas isso não está no horizonte de ninguém.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Brevissima aula cambial para uso dos neofitos...

Um leitor me solicita uma opinião -- pois não poderia ser outra coisa -- a respeito desta questão:


Bom dia Paulo!
Não fosse o Real valorizado perante o Dollar, qual seria a classificação do nosso PIB?



Eis o que respondi: 



Difícil especular com valores tão cambiantes quanto taxas de crescimento, estimativas de PPP e taxas de câmbio, mas posso lhe dar uma ideia com base na experiência pregressa do Brasil.
Na valorização anterior do Real -- sabe?, aquela neoliberal dos traidores, submissos e vendidos ao FMI, como foram os reacionários dos tucanos, no Ancien Régime (coisas velhas, você sabe, entre 1995 e 1998) --, o Brasil saiu da 12 posição na economia mundial, para a oitava, ou mesmo sétima, com um PIB que na época beirava os 800 bilhões de dólares. Os companheiros, obviamente, criticavam o "populismo cambial" e recomendavam controles de capitais, desvalorização, políticas ativas nos planos industrial e comercial, enfim, essas coisas que eles sempre recomendam. Não importa se gente da classe D ou mesmo E estava comendo frango, iogurte, e que a classe C já estava indo até para Miami, isso era errado, e a sobrevalorização, como se dizia, iria "matar a nossa indústria".
Aí então veio a crise, mais deslanchada pelo Itamar Franco do que pelos especuladores de Wall Street, mas que importa, o real despencou, e nós passamos de um câmbio a 1,26 para mais de 2,3 em pouco tempo.
Não preciso dizer que nosso PIB despencou para menos de 500 bilhões de dólares, e o Brasil passou a ser a 12, 13 ou até 14a economia mundial, veja como são essas coisas.


Pois bem, como todo político gosta mesmo de valorização cambial, de populismo cambial, os companheiros atuais, mesmo cometendo todos os demais equívocos econômicos, deixaram o câmbio se valorizar como nunca antes neste país, muito mais do que era no Ancien Régime tucanês. O nouveau régime petista levou o dólar a baixarias nunca vistas antes.
Com isso, a economia chegou a esse espetacular patamar de ser a 6a ou 7a economia mundial, e a classe média volta novamente a gastar dinheiro indo duas vezes por ano a DisneyWorld.
Que maravilha, não é?
Como vai acabar isso? 
Provavelmente numa crise cambial e desvalorização forçada por esses mercados perversos, como sempre ocorre e como foi das outras vezes.
Ruim? Depende!
Os industriais não estão pedindo desvalorização? Os companheiros -- mesmo sem ter feito nada -- vão dizer que atenderam esses desejos nada secretos.
E tome protecionismo em todas as instâncias, antes, durante e depois.
Assim vai o Brasil dos ingênuos iluminados.
Paulo Roberto de Almeida 

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Cambio na OMC: wishful thinking (ou, ilusoes são as últimas que morrem...)


Desvalorização das moedas será tema da OMC
Renato Carvalho
DCI, 28/09/2011

A desvalorização artificial das moedas deve ser tema a ser tratado pela Organização Mundial do Comércio. A opinião é da professora da FGV,Vera Thorstensen, que foi assessora econômica da missão do Brasil em Genebra. "Ou a OMC assume a discussão sobre o câmbio ou perde o senso de realidade", afirmou. A manipulação de moedas, além de dar vantagem em relação aos concorrentes, anula o efeito de ações de proteção comercial.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Confusao mental: comportamento cambial erratico do governo...

Bem, falar em governo é um pouco exagerado, neste caso, pois não existe, a rigor, uma política cambial do governo (supondo-se que exista governo, claro).
Existe uma política cambial do Banco Central (com objetivos muito bem definidos, ainda que não explícitos) e existe, ao que parece, uma outra política cambial, esta sim confusa, errática e contraditória, da Fazenda, que parece barata tonta no tiroteio, para usar uma imagem conhecida.
Uma política não bate com a outra, mas a única questão relevante aqui é: a política cambial da Fazenda bate com alguma coisa? Duvido, sinceramente, pois não existe discurso coerente, e sequer existe discurso, apenas frases desconexas, confusas, contraditórias, tropeços verbais no meio da escuridão, gaguejamentos borrachos de quem deveria andar sóbrio (sobretudo numa matéria séria como essa).
Enfim, sem ser especialista, como o citado na matéria abaixo, do sempre competente jornalista do CB, Antonio Machado (nome de poeta espanhol), ouso dizer que o real vai continuar a se valorizar, e que a política cambial (se existe) vai continuar confusa e errática.
O que não se diz, em parte alguma, é o enorme custo fiscal dessa compra sôfrega de dólares, aparentemente até por esse fantasma inacreditável chamado (ao que parece) "Fundo Soberano do Brasil".
Aqui se trata de uma mistificação completa: o Brasil não possui NENHUM dos requerimentos estruturais para ter um Fundo Soberano, que são superávits orçamentários (ou seja, folga fiscal) e superávit em transações correntes. Nada, nadica de pitiribas. E como se constitui esse tal de Fundo que não é fundo? Simplesmente com recursos orçamentários -- ao ARREPIO da LEI, diga-se de passagem -- que depois são usados e abusados pelo governo sem controle parlamentar e sem estar no orçamento. Ou seja, uma fraude completa.
Bem, deixo vocês com o artigo em questão/
Paulo Roberto de Almeida

Câmbio atormentado
Antonio Machado - Brasil S/A
Correio Braziliense, 8.10.2010

Afinal, questiona o especialista em mercado cambial Sidnei Moura Nehme, o que pretende o governo: apreciar ou depreciar o real? A questão parece improcedente, pelo menos depois que o ministro Guido Mantega disse que há uma guerra cambial no mundo, tema até então evitado pelos governos em geral, e que o Brasil não ficaria impassível. O Banco Central lhe dá razão, já que há meses passa o rodo no mercado cambial, enxugando os dólares que entram no país.

Por tudo isso é que Nehme explica que “essa, talvez, seja a questão inicial que os gestores de política monetária, cambial e fiscal do país devem procurar responder e, pelo que se observa”, acrescenta, a pergunta continua sem resposta. Sua certeza sobre a incoerência das ações do governo no câmbio sai da análise dos números apurados pelo Banco Central sobre o fluxo de divisas. São dados públicos.

O problema é que poucos como Nehme, economista e sócio-diretor da corretora NGO, se aplicam a estudá-los. A maioria se satisfaz com o que dizem os manuais de economia, segundo os quais a toda oferta restrita corresponde um aumento de preço. Se o BC enxuga os fluxos líquidos de dólares, o preço em relação ao real deveria aumentar.

Mas o BC faz mais: absorve toda a oferta e mais um pouco, isto é, dólares ainda indisponíveis no país. E o que acontece? O real vem ganhando gradativamente valor sobre o dólar, contrariando a lei da oferta e da procura. É a teoria que não se aplica ao país ou haveria algo mais? A resposta está nos dados tabulados pelo BC.

A eles: do início do ano até setembro, o saldo entre os ingressos e saídas de divisas foi positivo em US$ 17,121 bilhões. No mesmo período, o BC retirou do mercado à vista, por meio de leilões, US$ 29,362 bilhões. Comprou a mais que as entradas US$ 12,241 bilhões.

De onde veio esse “excedente”? Das linhas de crédito no exterior dos bancos brasileiros. A operação é rentável, já que a diferença entre os juros internos (10,75% no overnight) e nos EUA, Europa e Japão, da ordem de zero, pende a favor do aplicador estrangeiro.

Se, além disso, o real valorizar-se entre o ato de entrega dos dólares ao BC e o arremate do crédito externo, obtém-se um retorno irrealizável, a curto prazo, em qualquer outro mercado no mundo.

A história é assim: o dólar cai em todo o mundo porque interessa aos EUA para sair da crise, sobretudo em sua queda de braço com o governo chinês, irredutível aos apelos para apreciar o renminbi. E aqui também cai por razões que nada têm a ver com as diretrizes do governo Obama, mas com as do governo Lula, como Nehme reflete.

Bicicleta dólar-real
Essa bicicleta dólar-real só se equilibra pela certeza de que o BC comprará qualquer excedente de divisas que zanzar pelo mercado. E por que o BC faz isso? Nehme, cujos textos costumavam ser lidos na Fazenda — e talvez ainda sejam — responde. “As compras do BC correspondem a um tipo sutil de interferência [no mercado cambial] habilmente mascarada pelo argumento de que a causa é o fluxo, já que poucos vão conferir os números”, diz. “O objetivo é apreciar o real para que funcione como antídoto a pressões inflacionárias.”

Álibi contra inflação
É para pensar. Repita-se: se não fica dólar dando sopa por aí, a taxa cambial, no mínimo, deveria ficar estável. Com o aumento da tributação sobre os fluxos para aplicações financeiras, parece que o câmbio pode reagir. A ver. Mas nem isso deveria ser necessário.

“Não há porque se falar em impacto do fluxo cambial na derrocada do preço do real, já que foi absolutamente neutralizado pelo BC ao adquiri-lo na totalidade”, reforça o especialista. A combinação de política monetária com política cambial, ele explica, desqualifica o sistema de câmbio flutuante e estimula os bancos a constituir as chamadas posições “vendidas” (apostas na apreciação do real).

BC e Fazenda divergem
E aí vem a Fazenda e dobra a alíquota do IOF, amplia o prazo de provisão do Tesouro para pagar dívida pública externa a vencer e prepara o Fundo Soberano do Brasil para “compras ilimitadas”, nas palavras de Mantega, que também sugeriu ao BC reintroduzir o tal “swap cambial reverso”, equivalente à compra futura de dólar.

Tudo isso é para abater o real. Mas só servirá para intensificar a força do real, como se constatou no passado. “Se não conseguimos nem definir o que queremos, como temos pretensão de nos reunir com o G-20 para debater o assunto?”, provoca Nehme. Com juros em desalinho, poupança interna no osso e mercado de derivativos sem amarras, já seria muito se o governo sanasse suas contradições.

Farol para os aflitos
A pressão de entrada dos dólares existe não só por incoerência de objetivos da política econômica. O problema é global. Agrava-se no Brasil pelo conflito entre a meta legal de inflação, nas cercanias de 4,5% de variação anual, e a sua sequela sobre o preço do dólar.

Sem o cenário de guerra cambial, prioridade na agenda de todos os governos, daria até para aguentar. O overnight a 11%, contra zero nas economias avançadas em crise, no entanto, funciona como farol para todos os que têm dólar na mão, e estão avisados pelo Federal Reserve sobre a iminência de um choque cambial, cujo nome técnico, quantitative easing, ou afrouxamento monetário, não disfarça a intenção. O país precisa proteger-se. Ou tranca transitoriamente o mercado cambial ou corta juros. Ambos juntos poderão ser um risco.