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sexta-feira, 2 de setembro de 2016

A ideologia do afrobrasileirismo, base do Apartheid companheiro - Paulo Roberto de Almeida

Meu artigo de 2004 -- com as deformações estilísticas da época -- que precisaria ser reavaliado à luz de mais de dez anos de construção do Apartheid companheiro.
Paulo Roberto de Almeida 

Rumo a um novo apartheid?
Sobre a ideologia afro-brasileira

Paulo Roberto de Almeida, Sociólogo (ítalo e luso-descendente). 
Revista Espaço Acadêmico, n. 40, setembro de 2004, link: 

http://www.espacoacademico.com.br/040/40pra.htm

“Faço questão de me comprometer, igualmente, com o combate às discriminações. Adotaremos políticas afirmativas para garantir direitos iguais a todos, sem distinção de gênero, etnia, raça, condição física, crença religiosa ou opção sexual. Queremos eliminar as desigualdades, valorizando as diferenças.”

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva


Foto: ASC (UEM)1. Colocando a questão
Um espectro parece rondar, atualmente, a sociedade brasileira: o do apartheid. Refiro-me à possibilidade de surgimento, disseminação e consolidação de uma nova forma, não menos insidiosa do que a tradicional (já suficientemente conhecida e combatida), de apartheid. Trata-se de um apartheid social – não necessariamente racial –, baseado numa nova separação cultural e ideológica, e portanto mental, dos brasileiros. Eles passariam a ser divididos em duas categorias fundamentais: a dos afrodescendentes, de um lado, a de todos os demais brasileiros, de outro.
Antes que alguém me acuse de “inimigo dos afrodescendentes” quero deixar bem claro que reconheço, sim, a existência de uma enorme defasagem social, educacional, cultural e profissional atuando em desfavor dos chamados “afro-brasileiros”, que é o resultado histórico das condições sociais de pobreza e desigualdade que sempre atingiram com maior acuidade a população de origem negra. Também sou, sim, explicitamente, a favor de políticas de ação afirmativa e de favorecimento educacional para os brasileiros pobres em geral e, em especial, no que for possível, com ênfase acrescida na situação da população negra. Mas quero deixar manifesto, desde já, que não acredito que qualquer tipo de “reserva de mercado” nos exames vestibulares de ingresso no terceiro ciclo represente uma mudança dramática da situação dos mais desfavorecidos, brasileiros pobres em geral e populações negras em particular.
A questão das cotas no vestibular é um aspecto menor, não o mais importante, de um problema maior, que é a desigualdade de chances que vitima os negros e mulatos brasileiros nas várias vertentes de uma inserção social que teima em ser persistentemente lenta, na educação, no emprego, nas possibilidades de ascensão social, enfim. Tenho dúvidas, porém, de que políticas de promoção desse tipo devam ser conduzidas como resultado de algum tipo de consciência (ou “remorso”) quanto à necessidade de reparação histórica à comunidade negra pelos males sofridos desde o tráfico e a escravidão (e nas fases seguintes de discriminação de fato ou de indiferença “ativa”). Também rejeito as alegações dos que são contrários às cotas universitárias pela suposta necessidade de preservar ensino de qualidade e sistema de mérito nas universidades públicas (elas já estão, de fato, trabalhando em uma situação “sub-ótima” no que respeita seus presumidos “padrões de qualidade” ou de “excelência”, em razão das muitas disfunções acumuladas ao longo de anos e anos de democratismo populista, de irresponsabilidade no controle do desempenho de seus professores, de corporativismo exacerbado e outros males).
O que pretendo tratar neste ensaio é uma outra questão: a da emergência e atual afirmação, ainda que incipiente, de uma ideologia do “afrobrasileirismo” (à falta de uma melhor definição).
2. Um problema não apenas conceitual
Em primeiro lugar, recuso a qualificação de “afro-brasileiros”, ainda que aceite a realidade de que temos, obviamente, “afrodescendentes”. Mas os nossos brasileiros “afrodescendentes” são tão africanos, hoje, quanto eu sou português ou italiano pela minha ascendência, ou seja, hoje em dia quase nada, ou de fato absolutamente nada. Somos todos brasileiros, e apenas brasileiros, ponto.
Isso se deu ao cabo de um imenso e bem sucedido experimento de miscigenação étnica e cultural, um processo único no mundo, já suficientemente explorado por autores vários – entre eles Gilberto Freyre – para ser novamente explorado aqui. Somos o verdadeiromelting-pot do mundo, muito mais do nos Estados Unidos, que conservaram vários traços de apartheid racial ou étnico. Não existem afro-brasileiros no Brasil, assim como não existem AfroAmericans nos EUA: existem negros americanos ou brasileiros negros, mulatos e das mais variadas colorações, que foram trazidos ao Brasil – ou aos EUA – como escravos e que se converteram em brasileiros – ou americanos – como quaisquer outros, independentemente de serem, e permanecerem, desfavorecidos nos planos social, profissional e até do reconhecimento cultural. Nos EUA, a condição estritamente material é até mais favorável aos negros, bem mais do que no Brasil, diga-se de passagem, mas o isolamento cultural – e racial – é bem maior, em virtude da segregação legal que acabou criando duas culturas e até mesmo dois “universos mentais”, totalmente distintos e em grande medida opostos. Todo e qualquer processo de miscigenação racial – ou étnica, para evitar uma terminologia indevida – é único e original, e o nosso foi verdadeiramente de miscigenação, à diferença dos EUA, onde jamais ocorreu (salvo de maneira extremamente marginal) qualquer “osmose” racial entre negros e as demais comunidades formadoras da população americana.
Quando digo que recuso o “afrobrasileirismo” é porque acredito que esse conceito não é o resultado de uma condição étnica, cultural ou mesmo histórica, mas sim uma ideologia, politicamente importada e artificialmente explorada, que pode contribuir, também no Brasil, para a criação do mesmo sistema de aparteísmo racial ou cultural que se constata existir nos Estados Unidos. Não creio que seja bom para o Brasil, aliás para os próprios “afrodescendentes” – quer reconheço existir, como disse –, aderirmos a uma ideologia que vai contra todos os princípios do nosso bem sucedido melting-pot, introduzindo em seu lugar a divisão, a diferenciação e o apartheid. A promoção dos valores “negros” não deveria em princípio ser feita em detrimento de valores universais e igualitários que estão na base de nosso sistema constitucional e cultural.
Muito bem, diriam os “afrodescendentes”, como resolver o problema da desigualdade de fato que impede, basicamente, a maior parte dos “negros” e assemelhados de entrarem na universidade e de galgarem postos profissionais mais condizentes com o perfil de ascensão social que se deseja para todos, inclusive os milhões de brasileiros pobres, brancos ou mestiços de outras etnias, que também sofrem os mesmos problemas? Como reconheço que a “solução universal” da melhoria da qualidade das escolas públicas pode ser uma quimera irrealizável no curto prazo, sou absolutamente a favor de bolsas de estudo (e outras formas de ajuda) generosamente distribuídas a “afrodescendentes” candidatos a ingressar em nossas escolas, de maneira a habilitá-los a prestar um vestibular nas mesmas condições (ou quase) que os demais.
Ainda que esta medida possa ser injusta do ponto de vista do branco pobre, igualmente morador de favelas ou zonas rurais periféricas, creio que ela pode e deve representar um começo de ação afirmativa no sentido de resgatar todo o sofrimento imposto pela sociedade nacional – majoritariamente branca, pelos seus estratos dirigentes e pelas suas decisões políticas, reconheça-se – à sua comunidade negra brasileira e outros estratos desfavorecidos. Aliás, acho que as universidades públicas poderiam e deveriam começar a oferecer cursinhos pré-vestibulares nos quais elas passariam a admitir, de modo maciço, todos os brasileiros pobres, em especial os negros e mulatos. Os estados deveriam desenvolver programas extensivos de bolsas de estudos (gratuitas, isto é, sem reembolso) dirigidas prioritariamente aos estratos de baixa renda, em especial os negros.
Trata-se de um sistema de “cotas”, sem qualquer “reserva de mercado” e baseado inteiramente no princípio da meritocracia, que permanece um sistema válido de seleção de candidatos a quaisquer cargos ou escolas públicas. Os negros – e outros pobres – do Brasil precisam de programas intensos de formação educacional e de preparação profissional: bolsas e cursos de preparação podem fazer a diferença positiva, sem introduzir a “diferença negativa” do regime de cotas baseadas em critérios raciais ou demográficos de escassa legitimidade democrática.
3. Agora ao coração do problema: a ideologia do “afrobrasileirismo”
Acredito que o “afro-brasileirismo” é um conceito em busca de definição, até mesmo entre seus promotores mais ativos. Não sou um conhecedor extenso da literatura a esse respeito, mas não me lembro de ter lido uma definição que fosse sociologicamente sustentável sobre essa “condição”. Por isso pretendo abordar o problema de um ponto de vista histórico, antropológico e, em seguida, político-ideológico.
As definições raciais brasileiras são tão diversificadas quanto a plasticidade da língua nacional, ou como a própria realidade étnica subjacente às populações que aqui se misturaram ao longo dos séculos. Sobretudo a partir da “importação” de negros africanos, entre os séculos 16 e 19, mas também com base nos elementos autóctones e nas muitas etnias imigradas desde a independência, constituiu-se um povo legitimamente brasileiro, dotado de características singulares no conjunto dos “povos novos” — a definição é devida ao antropólogo Darcy Ribeiro — e que é certamente original do ponto de vista das relações interétnicas e culturais que essas comunidades mantêm entre si. Pode-se indicar a preservação de certos traços “culturais”, gastronômicos ou religiosos no interior desses diversos elementos constitutivos do povo brasileiro, mas dificilmente se poderá apontar, entre eles, diferenças significativas ou considerar que seus modernos representantes possam reivindicar um “pertencimento” geográfico outro que não ao próprio Brasil.
Entretanto, a partir da importação acrítica de um conceito estranho à cultura e às tradições sociais brasileiras, a questão da “alteridade” étnico-geográfica começa agora a ser colocada em questão no caso dos negros e mulatos brasileiros. Com efeito, a partir de uma matriz importada dos Estados Unidos está sendo introduzida no Brasil a concepção segundo a qual, dentre os diversos segmentos da população brasileira, se encontrariam, não mais negros, pardos e mulatos (e suas infinitas variações subjetivas), mas um grupo novo na paisagem social do país: os afro-brasileiros. Tal como apresentada por seus proponentes, tratar-se-ia não apenas de uma nova categoria (ou classificação) étnico-cultural, mas de todo um programa político de promoção social e da identidade cultural desse segmento talvez majoritário no País.
Em que medida essa proposta é demograficamente pertinente, sociologicamente consistente, historicamente sustentável, etnicamente adequada e “politicamente correta”? Desde já esclareço minha posição por um ceticismo de princípio em relação a esse tipo de conceito e à “realidade” que o sustenta. Não creio que a noção de “afro-brasileiro” seja positiva do ponto de vista da integração social das diversas vertentes do povo brasileiro, podendo mesmo ser negativo para o programa que supostamente deveria ser o de todos os cidadãos nacionais: superar a velha segregação racial que ainda persiste apesar dos avanços logrados, em lugar de construir um novo apartheid racial.
Este é exatamente o ponto que constitui o objeto destas minhas reflexões pouco sistemáticas: em última instância, a proposta dos afro-brasileiros, se implementada como programa político, redundaria na substituição da velha discriminação racial contra negros e mulatos, combatida por gerações inteiras da causa negra brasileira, por um novo tipo de apartheid, a exemplo daquele que se constituiu nos Estados Unidos depois da abolição da escravidão. Ele significa, sinteticamente falando, a separação e a promoção de atitudes, comportamentos e práticas sociais exclusivamente reservados às populações de origem negra, com todas as suas implicações negativas para a integração ampliada das diversas componentes do povo brasileiro.
Antes, contudo, que se queira ver nos propósitos do autor algum elemento de racismo antinegro ou de descaracterização da luta antidiscriminação conduzida por muitos movimentos militantes da causa negra, gostaria de deixar bem claro minha posição de partida. Creio, como muitos outros sociólogos ou simples cidadãos, que o mito da “democracia racial” brasileira é exatamente isso, um mito, mascarando as muitas práticas não institucionais de discriminação de fato que, ainda hoje, dificultam a afirmação econômica, a ascensão social e a auto-estima psicológica dos negros e mestiços do Brasil. São bastante conhecidos os problemas que afetam negros e mulatos no Brasil: menor escolarização, renda inferior e chances reduzidas de mobilidade ascensional, seja no emprego, seja em outros canais de inclusividade social. A pobreza que atinge os negros e outras camadas mestiças não é simplesmente pobreza, mas vem acoplada a outros problemas que alguns sociólogos chamam de “ciclo cumulativo de desvantagens”.
Feito o diagnóstico sumário e bem estabelecida a justificativa para uma política (ou políticas setoriais) de promoção ativa desses segmentos — às quais sou amplamente favorável, geralmente num sentido não diretamente discriminatório, mas incidindo de forma preferencial, e concentrada, nas populações pobres — a questão que pretendo colocar neste pequeno ensaio é esta aqui: em que a ideologia afro-brasileira pode contribuir para a superação dessas desvantagens cumulativas que penalizam obviamente com maior acuidade aqueles que são objeto de sua atenção?
4. As conseqüências ideológicas do “afro-brasileirismo”: o novo apartheid
Quando utilizo o conceito de ideologia para referir-me ao programa político “afro-brasileiro” pretendo denotar exatamente essa característica básica do termo: trata-se de uma importação acrítica, mais ou menos clandestina — pois que não reconhecida de forma cabal, e sem o pagamento do devido copyright —, de um conceito racial-geográfico pronto e acabado e que se refere a uma experiência histórica e social alheia às realidades brasileiras, qual seja a dos Estados Unidos. Como pretendo discutir, subsistem problemas enormes, e não apenas de ordem epistemológica, à incorporação ingênua desse conceito ao universo racial, social e político brasileiro.
O que seria um afro-brasileiro? Trata-se tão simplesmente de um brasileiro dotado de ascendência africana? Certamente, mas em que sentido esse brasileiro negro, da era contemporânea, continua sendo africano? Provavelmente tanto quanto eu, neto de imigrantes portugueses e italianos, continuo sendo europeu, ou seja: nada, ou quase nada. Sou tão “europeu” quanto meu concidadão negro é “africano”, ou seja muito pouco, apenas por vagas identidades ancestrais que nos definem muito pouco em nossa atual identidade. Quero crer que somos ambos apenas e tão somente brasileiros.
Em outros termos, não apenas é difícil, mas afigura-se impossível definir grupos humanos mediante uma origem indistintamente “continental”, uma vez que pessoas e núcleos familiares se afiliam a determinados grupos humanos com identidades mais restritas do que o âmbito geográfico continental. Mormente no caso dos atuais brasileiros negros, trazidos ao Brasil como escravos em lotes individuais (em alguns casos do mesmo grupo de origem), suas tribos e etnias de origem perderam-se irremediavelmente, logo em seguida, na terrível mistura humana realizada pelos escravagistas e depois pela sociedade de “acolhimento”. Assim como parece difícil, no Brasil contemporâneo, falar de “eurobrasileiros” ou “ásiobrasileiros”, seria virtualmente impossível, nas condições ainda mais desestruturadoras da “imigração” africana, justificar a existência dessa categoria recriada de “afro-brasileiros”.
A rigor, pretendendo atribuir uma origem geográfica a todos os outros imigrantes voluntários, poderíamos falar de “ítalo-brasileiros”, ou “nipo-brasileiros”, por exemplo, pois eles possuem características sociais e culturais similares, identificando-se pela língua ou pelos costumes comuns, inclusive religiosos e alimentares. Ora, tal não ocorre com os supostos “afro-brasileiros” — ou ocorreria em escala muito menor, apenas no caso de certos grupos lingüísticos e religiosos concentrados na Bahia, identificados com a religião islâmica —, uma vez que eles são o resultado da mais trágica e desumana “emigração” conhecida em toda a história da humanidade, processo ocorrido ao longo de séculos e séculos de transferência forçada de lotes inteiros de indivíduos, arrancados de grupos de origem que poderiam ser bantos, ovambos, ibos, haussas ou quaisquer outros capturados pelos mercadores. Contrariamente aos imigrantes voluntários, eles não tiveram condições de preservar — salvo casos extremamente restritos — línguas ou costumes de origem, que de resto se espalhavam por várias regiões africanas. Um história sem dúvida alguma trágica, mas esta é a herança de vários séculos de escravismo e de colonização do Novo Mundo.
Não se trata, assim, de uma realidade brasileira, pois esta é uma história universal. Ou seja, não existem afro-brasileiros, assim como não existem afroamericanos ou afroqualquer outra nacionalidade que se queira. Existem negros, ou mestiços, americanos, brasileiros, colombianos, venezuelanos, cubanos, e vários outros mais, em resumo, cidadãos negros ou mulatos que se tornaram cidadãos de seus atuais estados nacionais. Se isto é um fato, como se justifica o aparecimento e consolidação dessa ideologia racialista?
Segundo minha interpretação, essa construção ideológica apenas surge como resultado da situação peculiar dos negros americanos, submetidos durante décadas e décadas a uma situação de apartheid de fato e de direito que os converteu em cidadãos de uma categoria à parte nos Estados Unidos. Eles já não eram africanos, a qualquer título — tanto porque o tráfico foi precocemente substituído pela “criação” de escravos —, mas não possuíam os direitos e franquias dos demais americanos, de origem branca e européia. A situação se agravou, paradoxalmente, depois da guerra civil, uma vez que a segregação foi sendo lentamente construída ao longo do último terço do século 19 e início do século 20 (aqui com o consentimento e o estímulo do governo federal e da Suprema Corte). A evolução terminológica acompanhou a tomada de consciência do problema negro nos Estados Unidos: eles primeiro foram “negros”, no sentido mais pejorativo do termo, isto é niggers, depois se converteram, numa conotação menos agressiva, em colored oublack people, para serem finalmente enquadrados, até com o seu consentimento, nessa categoria aparentemente inocente de African Americans.
Este o termo oficial — falso, hipócrita, de fato irreal e historicamente não fundamentado — sob o qual são atualmente identificados os negros americanos, aliás bem mais negros do que no Brasil, pois que não dispondo do mesmo “estoque” (inicial ou produzido) de mestiços e mulatos e dos “fluxos e refluxos” de outras categorias intermediárias. Compreende-se sua utilização, nos Estados Unidos, num sentido parcialmente ideológico, pois que servindo para fundamentar uma luta pela afirmação de direitos civis e, concomitantemente, pela promoção da igualdade de chances nos mercados laboral e educacional, luta sustentada tradicionalmente pela Associação Nacional para o Avanço do Povo de Cor (NAACP). Menos compreensível parece ser a introdução no Brasil, de forma consciente, de um conceito de separação, não de inclusão, que seria supostamente o objetivo maior de todos as categorias de brasileiros.
Aparentemente, porém, os negros brasileiros não desejam ser simplesmente brasileiros, mas sim esta outra condição, irreal e construída, de “afro-brasileiros”. Que tipo de conseqüência poderia ter esta atitude para a (des)construção da nação brasileira?
5. A revolução cultural em marcha: a valorização das diferenças
Transcrevo novamente, para comentar, a frase destacada em epígrafe, retirada de um dos discursos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, certamente preparada por um militante da chamada “causa negra” para apoiar as políticas de promoção de direitos das minorias e de grupos sociais desfavorecidos, adotadas conscientemente pelo governo: “Faço questão de me comprometer, igualmente, com o combate às discriminações. Adotaremos políticas afirmativas para garantir direitos iguais a todos, sem distinção de gênero, etnia, raça, condição física, crença religiosa ou opção sexual. Queremos eliminar as desigualdades, valorizando as diferenças.”
Minha opinião é a de que “garantia de direitos iguais” deve existir, em princípio, via criação de condições ou oportunidades iguais para todos, o que se dá geralmente por meio da educação (essencialmente nos dois primeiros ciclos de ensino e na vertente técnico-profissional). Políticas afirmativas são, por definição, discriminatórias em sua essência e intenção, o que acarreta o risco de criar novas formas de apartheid social ou racial, num país que deveria eliminar as desigualdades eliminando também as diferenças, por meio da miscigenação ativa, não via exaltação de valores étnicos ou raciais exclusivos (e portanto excludentes).
Antevejo um sério problema “político” em relação ao que acabo de expor, isto é, a promoção de uma política de “miscigenação ativa”, que entendo ser a única solução efetiva para os males – não só no Brasil, mas em todo mundo – da discriminação e do racismo: os militantes da “causa negra” me acusarão de tentativa de “branqueamento”, quando não do “crime de etnocídio”, ao pretender eliminar o problema via mistura racial. Eu responderia de imediato que é isso mesmo, pretendo não apenas “acabar” com a “raça negra” – mesmo não concordando com tal caracterização – mas também com a “raça branca” (e a “asiática”, e a “médio-oriental”) e outras tantas mais que podem existir neste país tão variado, e instintivamente tão integrado, como é o Brasil. A eliminação das diferenças de “raça” – essa palavra tão enganosa e deformadora, mas ainda assim tão útil do ponto de vista daqueles que se colocam do ponto de vista das diferenças, que não é o meu – é a única forma efetiva de se cortar pela raiz qualquer sentimento de rejeição em face da “alteridade”, pelo simples motivo de que não haveria mais, pelo menos idealmente, nenhum tipo de “alteridade” estritamente definida.
Creio mesmo que o Brasil encontra-se muito mais perto de realizar esse ideal da miscigenação “hegemônica” antes que qualquer outro povo do mundo. Os EUA poderão ser, talvez, e de certa forma já são, o primeiro país “multinacional” do planeta, haja vista a constante imigração e o afluxo ininterrupto dos mais diversos povos naquele país continente. Mas eles demorarão um certo tempo, se é que conseguirão de verdade chegar à condição desejável, para atingir a etapa que reputo indispensável e necessária de ser ou constituir progressivamente uma sociedade verdadeiramente “multirracial”. Acho que o Brasil encontra-se mais perto desse ideal, ainda que sua “inclusividade nacional” seja bem inferior à dos EUA. Não importa: o relevante é a atitude mental e o comportamento social subjacentes à esse ideal de miscigenação, e nisso o Brasil parece imbatível.
O único obstáculo a esse estado de “abolição de fronteiras étnicas” – uma imensa revolução no caminho de um gênero humano potencialmente “globalizado” – é representado, precisamente, pela ideologia das “diferenças”. Por que a “diferença” teria de ser um valor em si, independentemente e à parte da diversidade cultural entre povos distintos, o que é um fato da história? O perigo que vejo nesse “culto das diferenças”, em especial em se tratando de grupos étnicos, é justamente o da separação, o do apartheid.
Registre-se, aliás, que não vejo a promoção das “diferenças” como iniciativa política de qualquer outro grupo racial ou étnico no Brasil, à exceção dos próprios negros ou “afrodescendentes”. Atribuo essa especificidade “política” à história de discriminação social e mesmo de racismo aberto ou velado que reconheço ter existido e que ainda existe no Brasil. Compreendo sua existência, mas não creio, sinceramente, que ela seja boa, desejável ou até mesmo funcional do ponto de vista das políticas de promoção ativa de inclusão social, de igualdade de fato, racial e cultural, e do ponto de vista da construção de uma “nacionalidade brasileira” inclusiva e abrangente.
A ideologia afro-brasileira representa a negação de tudo o que representamos como nação e como povo. Não creio que os afrodescendentes brasileiros estarão mais bem servidos, do ponto de vista cultural, material ou mesmo espiritual, com uma ideologia grupal que exalta a diferença e promove a separação. Acredito mesmo que os militantes da causa negra não deveriam jactar-se de defender a causa de uma ideologia importada, que não tem nada a ver com a realidade brasileira e que resultaria, afinal de contas, numa construção artificial do ponto de vista da história e da psicologia social dos negros.
As discriminações devem ser efetivamente combatidas, não pela criação de novas formas de discriminação, tanto mais patéticas quanto voluntariamente adotadas, em nome de uma ideologia importada que não visa, de fato, promover a inclusão social, mas o desenvolvimento separado e combinado dos vários grupos étnicos em que se divide, até aqui, a população nacional de grandes países multi-étnicos como o Brasil e os EUA. Uma sociedade verdadeiramente integrada, como pode chegar a ser a sociedade brasileira em futuro não muito distante – se não socialmente, mas pelo menos do ponto de vista “racial” –, representa uma sociedade na qual não apenas as discriminações de fato sejam uma relíquia do passado mas também uma formação social na qual o racismo se torne uma hipótese inexistente até do ponto de vista teórico, pela impossibilidade prática de qualquer tipo de “separação racial”.
Isto é o que eu penso, de verdade. Se ouso parodiar o líder negro Martin Luther King, incansável batalhador das causas cívicas (e não da causa racial) nos EUA, eu diria, simplesmente: “eu tive um sonho…”

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Politicas racialistas alimentam o racismo no Brasil - Editorial O Globo

Doutrina racialista: a grande vitoriosa nos 12 anos de lulopetismo.

via Blog do Orlando Tambosi, 30/06/2014

O escabroso racialismo - na verdade, uma versão pretensamente abrandada de racismo - passou para trás outros "movimentos sociais", consolidando-se em todas as instâncias. Estupidamente, divide o Brasil em "raças": a negra e as outras. Racismo se combate com leis, não com quotas e privilégios. Editorial do jornal o Globo:

O grupo político de pressão dos racialistas, um dos que chegaram a Brasília em 2003 na caravana vitoriosa do PT, deve ser o que mais obteve vitórias nestes 12 anos de poder, na constelação de agrupamentos aliados a esse partido. Mais, por exemplo, que os sem-terra, mesmo que o MST e satélites tenham podido aparelhar órgãos como o Incra e até o Ministério do Desenvolvimento Agrário. Já os racialistas ganharam um ministério próprio, a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

Também com representantes no Congresso e tendo obtido a simpatia do Judiciário — o Supremo terminou por avalizar as cotas como constitucionais —, os racialistas tiveram, infelizmente, êxito na construção de um política de discriminação pela cor da pele no acesso ao ensino superior público e, agora, na obtenção de emprego na máquina burocrática. Nesta batida, um dos próximos passos será a imposição de cotas às empresas privadas.

Este modelo de política afirmativa foi importado dos Estados Unidos — sociedade que se constituiu em cima do conceito de “raças” — para um país, o Brasil, no qual o colonizador português, o negro e o índio se miscigenaram. A cor não tinha o mesmo caráter discriminador existente nos Estados Unidos, a ponto de haver registro de negros senhores de escravo. É indiscutível que, abolida a escravidão, faltaram políticas de integração do negro à cidadania, por meio da educação, a melhor rota para a ascensão social.

Hoje se vê que o neglicenciamento com o nível de qualificação da população é a causa básica da chamada dívida social —com os pobres de qualquer cor de pele. E como a obtenção de resultados neste tipo de investimento é lenta, grupos organizados buscam ganhar tempo por meio de políticas afirmativas, principalmente cotas. Por se constituir, por definição, uma ação discriminatória a favor de algum grupo, outros serão prejudicados. Caso dos brancos pobres.

É ilusório achar que não existe discriminação racial no Brasil. Há, mas não se equaciona o problema por meio de cotas. Ao contrário, pode agravá-lo. Discriminação e racismo se combatem com leis e sua aplicação. Como as já existentes no Brasil.

Em vez de se adotar a melhor das políticas afirmativas — elevar para valer a qualidade do ensino público, a fim de beneficiar alunos de qualquer cor —, o Estado, sob influência racialista, optou pelo populismo e imediatismo das cotas raciais. Teria sido melhor usar o critério social, do nível de renda.

Mesmo que o erro da importação do racialismo já tenha sido cometido, o debate precisa continuar. Até que a sociedade se convença de que há mais pretos pobres não por serem pretos, mas por terem nível de instrução mais baixa, por serem pobres. A cota apenas mascara a questão. É uma anestesia, e com vários efeitos colaterais maléficos. Mesmo nos Estados Unidos, com décadas de vigência de políticas afirmativas, a Supremas Corte acaba de permitir que estados decidam revogar programas de cotas. E alguns o fazem. Têm motivos para tal.

domingo, 4 de maio de 2014

A estupidez fundamental das politicas racialistas - Joao Ubaldo Ribeiro

João Ubaldo Ribeiro
O Globo, 4/05/2014

Defender a existência de uma única cultura africana ou negra é insultuoso, ignorante e racista

Uma das mais clamorosas — e para mim enervantes — manifestações do atraso da espécie humana é esse negócio de raça. A importância que damos à raça, a ponto de odiar-se, matar-se e morrer-se por causa dela, leva inevitavelmente ao lugar-comum: seria ridícula, se não fosse trágica. É difícil encontrar um assunto sobre o qual se digam tantas besteiras quanto este, sempre ignorando não só evidências antropológicas como dados da própria realidade cotidiana. E é também bastante difícil falar sobre ele ou debatê-lo. Muita gente perde o controle, espuma de raiva e afoga o debate em gritos e denúncias.
Começa pela ligação, que aqui sempre se faz, entre escravidão e raça. Falou em escravos, falou em negros. Mas a maior parte dos escravos na história da humanidade não era de negros, o que lá seja isto. A escravidão, para generalizar razoavelmente, era o destino dos vencidos de qualquer raça, que não fossem exterminados. Inclusive, é claro, pois do contrário é que não seriam humanos, os da raça negra vencidos por outros da mesma raça, caso dos escravos vendidos ao Brasil. É comum a noção de que “negro é negro”, como se as incontáveis etnias negras se considerassem iguais. Isso equivale a entender que um alemão é igual a um polonês, um sueco igual a um italiano ou um espanhol igual a um russo. Não pode haver disparate maior — e, se bem olhado, racista — do que achar que, num continente gigantesco e diversificado como a África, todos os negros são iguais e, mais bobamente ainda, irmãos. Irmãos em Cristo e, assim mesmo, se não forem muçulmanos. Vão perguntar se as minorias negras massacradas por nações também negras se consideram irmãs de seus algozes, ou estes daquelas. Ou aos escravos negros de outros negros, situação até hoje existente na África. Há até quem se escandalize com guerras e genocídios entre nações negras. Ué, e guerra de branco contra branco?
Desculpem se atropelo argumentos, mas é que o assunto me deixa nervoso também e me dá uma certa exasperação. Agora me ocorre interromper o que vinha dizendo para lembrar outra prática enervante: falar em cultura africana. Não existe, nem pode existir, uma cultura africana, em nenhum sentido. Aplica um reducionismo grotesco aquele que — e lembro outra vez o tamanho e a complexidade da África — acha que só existe uma cultura negra ou africana. De novo, é um argumento que, se bem olhado, pode ser considerado racista. Existe a cultura africana dos povos a que pertenciam os que foram trazidos para o Brasil como escravos, o que é muito diferente de dizer que ela é “a cultura africana”. Experimentem convidar um zulu para jantar e servir a ele comida ioruba, como na Bahia. Defender a existência de uma única cultura africana ou negra é insultuoso, ignorante e racista.
Aplicar padrões sociológicos americanos para o problema, no Brasil, é outra prática difícil de aturar. E faço a ressalva sempre exigida de que claro que no Brasil há racismo, patati-patatá. Mas a Bahia não é o Alabama. Já na década de 60, um casal, numa das Virgínias do Sul dos Estados Unidos, foi condenado a dois anos de prisão porque era inter-racial, ou seja, um dos dois era negro. As Forças Armadas só foram integradas na Guerra da Coreia e qualquer um que tenha vivido nos Estados Unidos sabe que lá é diferente e ou criamos nossas próprias categorias para examinar nossa realidade, ou prosseguiremos macaqueando até mesmo o racismo alheio.
Escrevi “macaqueando” aí em cima, sem de início lembrar a alusão a macacos em recentes incidentes de racismo no futebol. Mas ela vem a calhar, nesta salada que estou servindo hoje. É curioso como não paramos para pensar e notar que, quesito por quesito, algum racista negro teria razões para alegar que macaco é o branco e não o negro, o qual pode ser visto como muito mais distante do macaco que o branco. Se é verdade, não sei, nem isto tem importância alguma, mas pensem aqui num par de coisas. Imaginem, por exemplo, um ser inteligente de outro planeta, portanto não sujeito aos nossos condicionamentos, a quem incumbíssemos de esclarecer qual das duas raças é mais próxima do macaco. Para tanto, poríamos diante dele um branco nu, um negro nu e um chimpanzé, nosso primo próximo.
O primeiro impacto talvez fosse a cor e, de fato, o pelo do chimpanzé, assim como a pele do negro, é preto. Mas o bom observador não ia deixar-se levar por essa aparência. Façamos um exame cuidadoso e uma listazinha, junto com ele. O macaco é todo coberto de pelos, o corpo do negro é glabro, o branco pode ser o Tony Ramos; os pelos do macaco são lisos, os cabelos do branco também, os cabelos dos negros são crespos; raspado o pelo, a pele do macaco por baixo se revela branca e não preta; os lábios do macaco são finos, os do branco também, os dos negros são grossos; o macaco não tem bunda, o branco tem bunda chata, o negro tem bunda almofadada; até — perdão, senhoras — os renomados atributos masculinos dos negros são mais distantes do macaco, que é tipo piu-piu. Como se vê, basta escolher o que se quer levar em conta e, pelo menos neste exemplo perfeitamente plausível, o extraterrestre poderia concluir que o branco está bem mais perto do macaco que o negro.
Tudo bobagem, discussão que não leva a nada, somente ao ódio e à intolerância. Vamos parar de procurar modelos, ao menos nisto não sejamos tão colonizados, não permitamos que mais lixo contamine nosso pensamento. Os americanos é que têm obsessão por raça (lá nós, brasileiros, somos “hispânicos”), nós temos é a glória e o privilégio de ser o único país em que homens e mulheres de todas as raças se misturaram e misturam e onde a raça, Deus há de ser servido, ainda terá o lugar que merece, ou seja, nenhum.



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Defender a existência de uma única cultura africana ou negra é insultuoso, ignorante e racista

Uma das mais clamorosas — e para mim enervantes — manifestações do atraso da espécie humana é esse negócio de raça. A importância que damos à raça, a ponto de odiar-se, matar-se e morrer-se por causa dela, leva inevitavelmente ao lugar-comum: seria ridícula, se não fosse trágica. É difícil encontrar um assunto sobre o qual se digam tantas besteiras quanto este, sempre ignorando não só evidências antropológicas como dados da própria realidade cotidiana. E é também bastante difícil falar sobre ele ou debatê-lo. Muita gente perde o controle, espuma de raiva e afoga o debate em gritos e denúncias.
Começa pela ligação, que aqui sempre se faz, entre escravidão e raça. Falou em escravos, falou em negros. Mas a maior parte dos escravos na história da humanidade não era de negros, o que lá seja isto. A escravidão, para generalizar razoavelmente, era o destino dos vencidos de qualquer raça, que não fossem exterminados. Inclusive, é claro, pois do contrário é que não seriam humanos, os da raça negra vencidos por outros da mesma raça, caso dos escravos vendidos ao Brasil. É comum a noção de que “negro é negro”, como se as incontáveis etnias negras se considerassem iguais. Isso equivale a entender que um alemão é igual a um polonês, um sueco igual a um italiano ou um espanhol igual a um russo. Não pode haver disparate maior — e, se bem olhado, racista — do que achar que, num continente gigantesco e diversificado como a África, todos os negros são iguais e, mais bobamente ainda, irmãos. Irmãos em Cristo e, assim mesmo, se não forem muçulmanos. Vão perguntar se as minorias negras massacradas por nações também negras se consideram irmãs de seus algozes, ou estes daquelas. Ou aos escravos negros de outros negros, situação até hoje existente na África. Há até quem se escandalize com guerras e genocídios entre nações negras. Ué, e guerra de branco contra branco?
Desculpem se atropelo argumentos, mas é que o assunto me deixa nervoso também e me dá uma certa exasperação. Agora me ocorre interromper o que vinha dizendo para lembrar outra prática enervante: falar em cultura africana. Não existe, nem pode existir, uma cultura africana, em nenhum sentido. Aplica um reducionismo grotesco aquele que — e lembro outra vez o tamanho e a complexidade da África — acha que só existe uma cultura negra ou africana. De novo, é um argumento que, se bem olhado, pode ser considerado racista. Existe a cultura africana dos povos a que pertenciam os que foram trazidos para o Brasil como escravos, o que é muito diferente de dizer que ela é “a cultura africana”. Experimentem convidar um zulu para jantar e servir a ele comida ioruba, como na Bahia. Defender a existência de uma única cultura africana ou negra é insultuoso, ignorante e racista.
Aplicar padrões sociológicos americanos para o problema, no Brasil, é outra prática difícil de aturar. E faço a ressalva sempre exigida de que claro que no Brasil há racismo, patati-patatá. Mas a Bahia não é o Alabama. Já na década de 60, um casal, numa das Virgínias do Sul dos Estados Unidos, foi condenado a dois anos de prisão porque era inter-racial, ou seja, um dos dois era negro. As Forças Armadas só foram integradas na Guerra da Coreia e qualquer um que tenha vivido nos Estados Unidos sabe que lá é diferente e ou criamos nossas próprias categorias para examinar nossa realidade, ou prosseguiremos macaqueando até mesmo o racismo alheio.
Escrevi “macaqueando” aí em cima, sem de início lembrar a alusão a macacos em recentes incidentes de racismo no futebol. Mas ela vem a calhar, nesta salada que estou servindo hoje. É curioso como não paramos para pensar e notar que, quesito por quesito, algum racista negro teria razões para alegar que macaco é o branco e não o negro, o qual pode ser visto como muito mais distante do macaco que o branco. Se é verdade, não sei, nem isto tem importância alguma, mas pensem aqui num par de coisas. Imaginem, por exemplo, um ser inteligente de outro planeta, portanto não sujeito aos nossos condicionamentos, a quem incumbíssemos de esclarecer qual das duas raças é mais próxima do macaco. Para tanto, poríamos diante dele um branco nu, um negro nu e um chimpanzé, nosso primo próximo.
O primeiro impacto talvez fosse a cor e, de fato, o pelo do chimpanzé, assim como a pele do negro, é preto. Mas o bom observador não ia deixar-se levar por essa aparência. Façamos um exame cuidadoso e uma listazinha, junto com ele. O macaco é todo coberto de pelos, o corpo do negro é glabro, o branco pode ser o Tony Ramos; os pelos do macaco são lisos, os cabelos do branco também, os cabelos dos negros são crespos; raspado o pelo, a pele do macaco por baixo se revela branca e não preta; os lábios do macaco são finos, os do branco também, os dos negros são grossos; o macaco não tem bunda, o branco tem bunda chata, o negro tem bunda almofadada; até — perdão, senhoras — os renomados atributos masculinos dos negros são mais distantes do macaco, que é tipo piu-piu. Como se vê, basta escolher o que se quer levar em conta e, pelo menos neste exemplo perfeitamente plausível, o extraterrestre poderia concluir que o branco está bem mais perto do macaco que o negro.
Tudo bobagem, discussão que não leva a nada, somente ao ódio e à intolerância. Vamos parar de procurar modelos, ao menos nisto não sejamos tão colonizados, não permitamos que mais lixo contamine nosso pensamento. Os americanos é que têm obsessão por raça (lá nós, brasileiros, somos “hispânicos”), nós temos é a glória e o privilégio de ser o único país em que homens e mulheres de todas as raças se misturaram e misturam e onde a raça, Deus há de ser servido, ainda terá o lugar que merece, ou seja, nenhum.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

O mito dos 53 por cento de afrodescendentes: a despeito dos dados a empulhacao continua...

Mais um estudo científico que desmente algumas das teses dos afrodescendentes brasileiros, ou melhor dos propositores de políticas raciais racistas, ou seja, baseadas numa falsa divisão entre os "negros" e o resto da população brasileira.
Na verdade, pelos critérios dos autodeclarados afrodescendentes eles já são maioria, ou mais de 53% (certamente em busca de alguma prebenda estatal, trazida pelos racistas no poder).
Aqui vai mais um trabalho.
Paulo Roberto de Almeida

Quilombola é 40% europeu, mostra DNA
Jornal da Ciências, 18 de Setembro de 2013

Estudo de comunidades do Vale do Ribeira (SP) também aponta que 20% do patrimônio genético vem de indígenas

Análises de DNA estão ajudando a contar a história das populações quilombolas --e o resultado indica que se trata de uma história mestiça.

Em quilombos do Vale do Ribeira (SP), por exemplo, embora a ascendência africana tenha ligeiro predomínio, cerca de 40% do patrimônio genético dos moradores parece ser de origem europeia, enquanto um quinto teria sido legado por indígenas.

Os resultados vêm de um estudo das pesquisadoras Lilian Kimura e Regina Mingroni-Netto, do Instituto de Biociências da USP. Elas analisaram amostras de DNA de 307 quilombolas de dez comunidades no Vale do Ribeira. Os dados foram publicados na revista "American JournalofHumanBiology".

As proporções de ancestralidade africana, europeia e indígena encontradas pelas pesquisadoras e seus colegas batem, grosso modo, com resultados obtidos em quilombos da Amazônia, indicando que tanto brancos quanto índios --além dos escravos negros-- tiveram papel importante na formação dessas comunidades tradicionais.

No Congresso Brasileiro de Genética, que acontece nesta semana em Águas de Lindoia (SP), Kimura deve apresentar mais dados, os quais sugerem que essa miscigenação não foi exatamente igualitária, porém.

Quando se olha apenas o cromossomo Y (a marca genética da masculinidade, transmitida apenas de pai para filho homem), verifica-se que mais de 60% dos quilombolas do sexo masculino descendem de um homem europeu, enquanto apenas 9% deles têm um indígena como ancestral paterno. (O que sobra da conta, claro, corresponde às linhagens africanas do cromossomo Y.)

A interpretação mais lógica desses dados é que, na época colonial, os homens de origem europeia monopolizavam as mulheres africanas e indígenas. Trata-se de um padrão encontrado numa série de outras populações brasileiras, inclusive no caso de quem se declara branco: é comum que a pessoa descenda de índios ou negros pelo lado materno, mas bem mais raro que sua linhagem paterna tenha essa origem.

GARIMPOS
Kimura conta que a região do Vale do Ribeira teve um ciclo do ouro incipiente e que, quando os garimpos se esgotaram, muitos escravos foram abandonados por seus donos ou fugiram, dando origem às comunidades da região.

Os descendentes desses primeiros quilombolas contam que mestiços de brancos com índios também teriam se juntado a esses grupos. "O que está menos claro é a presença de homens de origem indígena. Parece que as mulheres índias é que foram incorporadas nas comunidades", explica a bióloga.

Ela diz reconhecer o risco de que resultados como os obtidos em seu estudo tenham uso político em discussões sobre cotas raciais, por exemplo.

"Acho que esses dados servem para você contar e valorizar a sua história. Mas eles são muito diferentes da autoidentificação, que está ligada à origem cultural. A gente sabe, por exemplo, que pessoas com cor de pele bem clara podem ter mais genes de origem africana e vice-versa", pondera.

PISTAS
Para chegar à estimativa das proporções de ancestralidade dos quilombolas, os pesquisadores usaram um conjunto de 48 "indels", pequenas variações no DNA que correspondem a inserções ou "deleções" (apagamentos) na sequência de letras químicas da molécula --daí o nome.

Esses "indels", com diferenças de três a 40 "letras" de DNA para mais ou para menos, têm sido considerados indicadores confiáveis da origem geográfica dos ancestrais de uma pessoa, porque há conjuntos deles que são mais frequentes em um continente do que nos demais.

No caso dos quilombolas, os cientistas usaram dados sobre os "indels" de três populações correspondentes aos possíveis ancestrais --africanos de Angola, Moçambique e outros países, europeus (basicamente portugueses) e sete tribos indígenas brasileiras-- e compararam isso com os "indels" presentes nos quilombolas.

Depois, uma análise estatística estimou as proporções de ancestralidade. Segundo a bióloga Lilian Kimura, a fatia indígena da amostra se beneficiou de dados obtidos pelo pesquisador Sidney Batista Santos, da Universidade Federal do Pará.

"Os nossos dados corroboram o que se sabe sobre a história da ocupação do Vale do Ribeira e também o que contam os moradores mais antigos dos quilombos."

A pesquisa concorre ao Prêmio Francisco Mauro Salzano, uma das láureas oferecidas pela Sociedade Brasileira de Genética no congresso que acontece nesta semana em Águas de Lindoia.

(Reinaldo José Lopes/Folha de S.Paulo)

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Branco de olhos verdes passa por afrodescendente no Itamaraty; estava demorando...

Nada mais do que uma consequência, entre muitas outras, das políticas racialistas, de criação do Apartheid, na esfera pública. Num momento isso extravasa para a sociedade, como já extravasou, e os "expertos" se metem pelas brechas. As instituições públicas já se encontram irremediavelmente contaminadas por políticas racistas, claramente divisionistas, que agravam problemas históricos da sociedade brasileira.

Branco de olhos verdes é aprovado por cotas raciais no Itamaraty
Foto de Mathias de Souza Lima Abramovic publicada no Facebook
Foto: ReproduçãoMathias de Souza se declarou afrodescendente


Creio que uma nova controvérsia jurídica vai se instalar, e juízes poiticamente corretos vão se posicionar a favor do racismo oficial.
Paulo Roberto de Almeida

Candidato de pele branca é aprovado por cotas raciais na 1ª fase do Itamaraty

  • Mathias de Souza Lima Abramovic declarou-se 'afrodescendente' no processo seletivo para o Instituto Rio Branco
  • O Globo, 11/09/2013

RIO - A questão racial está gerando novos atritos dentro do Ministério das Relações Exteriores. E desta vez a polêmica é no processo seletivo para o Instituto Rio Branco, que seleciona os candidatos que servirão nos quadros da diplomacia brasileira. Dentre os 10 nomes de candidatos aprovados na primeira fase do concurso dentro das cotas para afrodescendentes, divulgados nesta terça-feira, está o de Mathias de Souza Lima Abramovic. Pessoas próximas a Mathias e que também prestaram o concurso deste ano questionam se ele de fato pode ser enquadrado dentro dos critérios de afrodescendência.
Para concorrer dentro das cotas, basta que o candidato se declare “afrodescendente”. Não há verificação da banca. Tampouco o edital do processo seletivo define os critérios para concorrer como afrodescendente. O benefício é válido apenas para a primeira fase, de onde somente as 100 maiores notas são classificadas para a segunda etapa. As cotas reservam um adicional de 10 vagas para afrodescendentes e outras 10 para deficientes, totalizando 120 candidatos que continuarão na disputa. Nesta edição do concurso, 6.490 brigam por uma das 30 vagas disponíveis. 
Morador do Rio, Mathias ficou com nota final 47.50, quase dois pontos a menos que o último candidato aprovado na livre concorrência. Em seu perfil no Facebook, há uma foto onde ele aparece com uma camisa com os dizeres “100% negro”. Na legenda da imagem, o candidato complementa: “com muito orgulho – feliz happy”. Ele já desativou sua conta na rede social.

De acordo com um dos candidatos que estudou com Mathias e preferiu não se identificar para não sofrer eventuais retaliações no concurso, o caso só enfraquece políticas afirmativas que o Itaramaty tenta empregar na última década. Ele lembrou ainda que, como a afrodescendência é autodeclaratória no processo seletivo, o benefício pode ser utilizado por candidatos de má-fé:
- Esse tipo de postura não apenas causa prejuízos à admissão de candidatos efetivamente afrodescendentes, como, também, pode deslegitimar uma política pública séria e efetiva - afirmou o candidato.
O GLOBO entrou em contato com Mathias, mas ele preferiu não dar entrevistas. A reportagem também acionou o Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (CESPE/UnB), responsável por organizar o processo seletivo para o Instituto Rio Branco, mas ainda não obteve resposta.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Populacao "negra" aumenta exponencialmente

Posso apostar, que no próximo censo, ou em qualquer levantamento que se faça proximamente no Brasil, quanto à designação da composição étnica da população brasileira, mais de 60% das pessoas vão se auto-declarar "afrodescendentes", qualquer que seja o significado que se atribua a esse conceito altamente ambíguo e, no limite, enganoso.
O fato é que o racismo vem sendo estimulado oficialmente no Brasil pelo governo -- obviamente, já que é política oficial -- e o país está deixando de ser uma cultura uniforme, eventualmente com distinções específicas, baseadas em critérios culturais ou regionais, e passando a se classificar ao longo de linhas raciais, ou racialistas (já que envolvendo algum grau de elaboração militante, e totalmente ideológica).
Essa herança negativa vai pesar como um fardo no futuro do Brasil, assim como um sem número de outras políticas estatizantes, assistencialistas, distributivistas, que vão confirmar o Brasil num itinerário de crescimento medíocre, insuficiente para garantir um futuro satisfatório para a geração atual e para as que se seguirão.
Esse, infelizmente, vai ser o resultado das políticas equivocadas da atual administração, que prolonga, e aprofunda, o que vinha sendo feito anteriormente, e que antecipa o que (de pior) pode ainda vir por aí.
Depois não digam que não avisei. A mediocridade econômica e a indigência intelectual ameaçam o futuro do Brasil.
Paulo Roberto de Almeida 

Lei de cotas nas universidades federais é regulamentada

Lei de cotas nas universidades federais é regulamentada Ampliar

Decreto garante a reserva de 50% das matrículas a estudantes do ensino médio público 
O decreto que regulamenta a Lei de Cotas e a portaria normativa do Ministério da Educação (MEC) com informações complementares sobre a nova legislação foram publicados no Diário Oficial da União dessa segunda-feira (15). O decreto garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas 59 universidades federais e 38 institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos oriundos integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou no âmbito da modalidade de educação de jovens e adultos (EJA). 
As outras 50% das vagas permanecem para ampla concorrência. O total de vagas reservadas para as cotas será subdividido da seguinte forma: metade para estudantes de escola pública com renda familiar bruta igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita e metade para estudantes de escola pública com renda familiar superior a 1,5 salário mínimo. Em ambos os casos, também será levado em conta um percentual mínimo correspondente ao da soma de pretos, pardos e indígenas, baseado no último censo demográfico, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No Rio de Janeiro, por exemplo, pretos, pardos e indígenas, em cada uma das condições de renda previstas, terão direito a 13% do total geral de vagas.
Lei - A lei será aplicada progressivamente nos próximos quatro anos. A vigência da política afirmativa é inicialmente de dez anos, a partir da sanção da lei, em 29 de agosto de 2012. Após esse período, será feita uma avaliação com os resultados obtidos na década. “A política de ações afirmativas é sempre feita de forma temporária. O objetivo dela é corrigir uma desigualdade, uma distorção”, destacou o ministro da Educação, Aloizio Mercadante.
 O documento do governo federal esclarece que o critério de seleção será aplicado de acordo com o resultado dos estudantes no Exame Nacional de Ensino Médio (Enem). Segundo a lei, 12,5% das vagas de cada curso e turno já deverão ser reservadas aos cotistas nos processos seletivos para ingressantes em 2013. As universidades que já tiverem publicado seus editais terão 30 dias para se adaptarem à lei.
 A Lei de Cotas determina o mínimo de aplicação das vagas, mas as universidades federais têm autonomia para, por meio de políticas específicas de ações afirmativas, instituir reservas de vagas suplementares.
Comitê - O decreto ainda institui um comitê de acompanhamento e avaliação das reservas de vagas nas instituições federais de educação superior e de ensino técnico de nível médio. O grupo será composto por dois representantes do MEC, dois representantes da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República, além de um membro da Fundação Nacional do Índio. Poderão ser convidados também representantes de movimentos sociais.
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Addendum:
Editorial FSP, 16/10/2012

16/10/2012 - 03h30

Editorial: Cota de populismo

A Casa Civil dispõe de um mês para corrigir os exageros de populismo racialista que rondam o Planalto. Tempo de sobra para reverter, até 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, a simpatia aparente do governo Dilma Rousseff pela generalização do recurso simplista às cotas raciais.
Esta Folha revelou no domingo os pontos principais de um pacote de ações afirmativas alinhavado na Seppir (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) para essa data. O mais chamativo --e problemático-- é a reserva de 30% dos postos na administração federal para negros (categoria inexistente para o IBGE, que recenseia "pretos" e "pardos").
No que respeita às cotas em universidades federais, o leite já está derramado. O Congresso aprovou uma violenta elevação do número de vagas carimbadas como exclusivas de alunos de escolas públicas e de minorias raciais. Em afronta à autonomia universitária e às políticas locais adotadas em várias instituições, metade dos postos terão de ser preenchidos por esse critério já no próximo vestibular.
Há quem ataque as cotas sob o argumento de que são inconstitucionais, mas o Supremo Tribunal Federal decidiu em maio --por 10 votos a 1-- que não é esse o caso.
Além disso, ações afirmativas são um modo aceitável de corrigir distorções, mais para aumentar a diversidade social e étnica nas instituições do que para reparar injustiças originadas com a escravidão, abolida há 124 anos.
Por pesada que seja essa herança, o Brasil republicano nunca teve a discriminação racial consagrada em lei. É doloroso ver que a sacramenta agora, ainda que para beneficiar os que sofrem desvantagens sociais por causa da cor da pele.
Por tal razão, esta Folha sempre se posicionou contra o perfil racial das cotas. Admite-as unicamente com critério socioeconômico (como o estudo em escolas públicas, onde se concentram pobres, pretos e pardos). É um recurso legítimo para aplainar o terreno da igualdade de oportunidades para formação e desenvolvimento pessoal.
No caso do funcionalismo federal, até mesmo esse critério socioeconômico seria questionável. O servidor público não está a serviço de si mesmo, mas --passe a tautologia-- do público. Os princípios da eficiência e da impessoalidade nos negócios de Estado não admitem que seja selecionado por atributos outros que não a competência e o mérito, aferidos em concurso.
Uma ação afirmativa mais democrática e menos paternalista deveria preocupar-se, por exemplo, com oferecer cursos gratuitos para melhorar o desempenho de candidatos pobres nessas provas.