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quarta-feira, 3 de julho de 2019

Desigualdade no Brasil: um problema histórico, macroestrutural e político - Pedro H. G. Ferreira de Souza

Concordo em que a questão da desigualdade é uma das mais graves características do Brasil, desde sempre, e assim continuará sendo durante muito tempo ainda.
Não concordo, porém, em que os governos devam focar na desigualdade, e passar a redistribuir o estoque existente de riqueza – grande parte dela nas mãos, nos cofres, bolsos, patrimônio e contas externas dos muito ricos, disso estou consciente – pois isto não me parece sustentável e pode até diminuir o crescimento medíocre que já temos desde os anos 1980.
Acredito que o governo, qualquer governo, em qualquer época e regime político, deve se fixar nos ganhos de produtividade, que é o que faz a diferença no longo prazo, e é a única coisa sustentável, desde que atuando nos focos corretos da produtividade: formação de capital humano, infraestrutura e ambiente de negócios, num ambiente de máxima liberdade econômica.
Políticas distributivas "vingativas" não são sustentáveis e como mostra o exemplo da China, a desigualdade pode até aumentar desde que a taxa de crescimento mantenha um aumento constante da renda absoluta – não a relativa – dos mais pobres, trazendo-os para patamares maiores e melhores de bem-estar. Com esse crescimento, que é absolutamente necessário, os mais pobres deixarão de ser mais pobres, e sua progressão na escala de renda permitirá, e até impulsionará o aumento da produtividade, base da melhoria na distribuição de renda.
O livro pode registrar um retrato dramático, e realista, de nossa desigualdade, e até pode concordar com os dados de Piketty, mas não acredito que as prescrições desse economista francês, estritamente distributivas, sejam a melhor fórmula para corrigir estruturalmente o problema.
Resumindo: a despeito de toda a comoção nacional – basicamente política – em torno da questão, certamente dramática, da desigualdade no Brasil, mantenho minha convicção que antes da solução do problema social da desigualdade está o problema macroestrutural das bases efetivas de um processo de crescimento sustentado da economia, com transformação tecnológica e distribuição social dos seus resultados via mercados, não via Estado, que é no Brasil um dos principais fatores de desigualdade distributiva. Isso significa focar numa agenda da produtividade (sobretudo capital humano, infraestrutura e ambiente de negócios), antes do que numa agenda distributiva.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 3 de julho de 2019

LIVRO SOBRE DESIGUALDADE É O MELHOR EM ANOS, DIZ CELSO ROCHA DE BARROS!

(Celso Rocha de Barros - Ilustríssima - Folha de S.Paulo, 30/06/2019) “Uma História de Desigualdade” é o melhor trabalho produzido pelas ciências sociais no país nos últimos anos. Caso seja sinal de uma tendência de conciliar rigor quantitativo com discussões teóricas historicamente relevantes, talvez estejamos prestes a assistir a uma grande era na reflexão sobre a sociedade brasileira.

O livro é fruto de tese de doutorado em sociologia defendida na Universidade de Brasília. O autor, Pedro H. G. Ferreira de Souza, pesquisador do Ipea, venceu com essa pesquisa prêmios conferidos pela Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais (Anpocs) e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Por isso o livro é, fundamentalmente, uma tese. Tem gráfico, tem tabela —e grande parte de seu atrativo vem disso. Para quem estuda sociedade brasileira, trata-se de uma leitura obrigatória, embora a discussão sobre dados possa afastar alguns leitores.

O Brasil é um caso de grande interesse para os estudos sobre desigualdade. Já fomos o país mais desigual do mundo e continuamos no pelotão da frente em todas as medidas nesse quesito. Ao nosso lado nessa nada honrosa lista estão outros países da América Latina e países africanos extremamente pobres e/ou afetados por guerras civis.

Quando a desigualdade russa disparou nos anos 1990, lembro-me de pessoas dizendo: “se continuar assim, vai ficar igual ao Brasil”. Quando um pesquisador estrangeiro fala de “brasilianização”, o mais provável é que esteja se referindo a algum cenário de desigualdade crescente.

Nada disso é novidade, mas é raro o assunto ser tratado com dados novos e procedimentos estatísticos rigorosos.

O trabalho de Souza e de seu orientador Marcelo Medeiros (também pesquisador do Ipea) ganhou notoriedade, inicialmente, como contestação da reivindicação petista de que a desigualdade havia despencado na era Lula. A tese mostra uma notável estabilidade na fração da renda controlada pelo 1% da população mais rica.

Sem a utilização dos dados obtidos por Souza, o quadro anterior indicava grande queda da desigualdade, causada pela redução (aí sim, bem grande) da distância entre os pobres e a classe média, ou entre os pobres e os não tão pobres.

Na verdade, é possível resumir o lulismo em um gráfico com os dois resultados. Os pobres conseguiram se aproximar do meio da distribuição da renda, mas os governos petistas não encostaram na renda dos mais ricos. É a redistribuição sem conflito, bem descrita nos trabalhos de André Singer.

Se Souza e Medeiros tivessem só ajudado a compor metade desse quadro, já seria uma bela contribuição. Mas o livro é bem mais que isso.

Sob um certo aspecto, é a história de uma proporção: a parte da renda nacional que está nas mãos dos ricos. Souza foi atrás de dados de tabelas do Imposto de Renda que refletem melhor a renda dos ricos que as pesquisas domiciliares por amostragem, base dos estudos anteriores. Os ricos —e, em especial, os muito ricos— aparecem pouco nessas pesquisas, que, portanto, tendem a subestimar a desigualdade total.

De posse dos dados e após reconstruir a história da taxação da renda no Brasil, Souza reconta a evolução da proporção da renda dos brasileiros controlada pelos ricos, com atenção especial ao 1% mais rico, de 1926 a 2013.

A despeito dessa façanha, o livro é bem mais do que um bom trabalho de sistematização de dados. O que os números revelam é interessantíssimo. Não há espaço aqui para discutir todos os resultados, nem mesmo os mais interessantes, mas vale a pena citar ao menos um, com seus desdobramentos.

A desigualdade brasileira caiu nos períodos democráticos (tanto no período de 1945 a 1964 quanto na fase atual) e subiu durante as ditaduras (tanto no Estado Novo quanto no regime militar). Souza é o primeiro a dizer que não se deve interpretar esse fato apressadamente.

É possível que a democracia tenha reduzido a desigualdade, dando voz aos pobres que exigiram redistribuição; também é possível que as ditaduras tenham levado a um crescimento da desigualdade, pois reprimiram movimentos sociais pró-redistribuição, como os sindicatos. Mas em cada uma das conjunturas-chave (as transições para a democracia e para regimes autoritários), vários outros fatos também podem ter sido decisivos.

Enquanto lia, ocorreu-me uma hipótese bem mais pessimista: talvez a democracia brasileira só tenha sido capaz de se sustentar enquanto foi possível redistribuir renda. Espero que as descobertas de Souza inaugurem um bom debate sobre o tema.

O livro oferece ainda apoio parcial às teses do economista Jeffrey Williamson, que mostrou que a desigualdade na América Latina não era tão mais alta do que a europeia, no final do século 19. Nossa excepcionalidade está no fato de que perdemos a “grande equalização” que ocorreu nos países ricos durante o século 20. As comparações internacionais, a propósito, são um dos pontos fortes do livro.

Os resultados de Souza nos fazem pensar sobre o quanto a falta de democracia nos fez perder a grande equalização. Está claro, porém, que não se trata apenas disso. Afinal, a Europa passou por grandes calamidades no século 20 que acabaram por reduzir a desigualdade. As guerras mundiais, as crises econômicas e a inflação destruíram uma quantidade imensa de riqueza.

Souza chama de “Jencks-Piketty” a hipótese de que a desigualdade só cai bruscamente pela ação de grandes reviravoltas históricas (em geral, desastres). O nome é uma homenagem aos pesquisadores Christopher Jencks e Thomas Piketty.

Souza, por sinal, parece inclinado a interpretar seus resultados à luz de Jencks e Piketty, relacionando os grandes movimentos da desigualdade às grandes crises brasileiras que causaram sucessivas mudanças de regime político.

Faz sentido e é consistente com os dados, mas ainda acho que se deva dar mais uma chance à hipótese de que a democracia foi crucial para derrubar a desigualdade, tanto aqui quanto nos países ricos.

O século 20 foi uma era de calamidades, mas também dos espetaculares ganhos sociais obtidos pela social-democracia e suas variantes onde ela teve chance de se desenvolver. As duas coisas aconteceram ao mesmo tempo. É difícil isolar os efeitos da democracia e os das calamidades, mas vale a pena continuar tentando.

De qualquer forma, parece claro que precisaremos levar a sério a ideia de Mangabeira Unger de que “a imaginação antecipa o trabalho da crise” e começar a pensar em soluções para o problema da desigualdade que sejam compatíveis com alguma estabilidade institucional.

Supondo, é claro, que ainda estejamos, enquanto país, interessados em reduzir nossas desigualdades. Isso já foi mais certo.

segunda-feira, 6 de maio de 2019

O chantecler confundiu alhos com bugalhos - Mailson da Nobrega

Blog de Mailson da Nobrega, 12 de abr de 2019 , 12h48

PRODUTIVIDADE OU MEDIOCRIDADE

Produtividade ou mediocridade
A economia cresce pela conjugação de três elementos: o investimento, o emprego da mão de obra e a produtividade. O segundo pode ser desdobrado em dois: a mão de obra propriamente dita e o capital humano, isto é, o estoque de conhecimentos e os atributos sociais e de personalidade do trabalhador — incluindo a criatividade —, adquiridos com a educação e a experiência.
A produtividade é o principal desses três elementos. Tem a ver com eficiência, cujo aumento permite produzir mais com os mesmos recursos. Para Paul Krugman, prêmio Nobel de Economia, “a produtividade não é tudo na economia; a longo prazo, é quase tudo”. Ela não costuma, todavia, ser valorizada entre nós como fonte básica do crescimento econômico. Muitos desconhecem o seu papel.
Em aula magna no Instituto Rio Branco, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, disse que éramos o país de maior crescimento quando tínhamos como principal parceiro os Estados Unidos. Isso teria mudado quando essa posição foi assumida pela China. “De fato, a China passou a ser o grande parceiro comercial do Brasil e, coincidência ou não, tem sido um período de estagnação do Brasil.”
Na verdade, esses dois momentos se explicam essencialmente pelo desempenho da produtividade. É o que está escrito no livro Anatomia da Produtividade no Brasil (Editora FGV, 2017). O crescimento da produtividade no período 1950-1980 alcançou 4,2% anuais, enquanto se expandiu 0,6% ao ano nas três décadas posteriores, ou seja, um sétimo apenas. O Brasil cresceu muito ou pouco em função do desempenho da produtividade. O ministro confundiu alhos com bugalhos.
O medíocre crescimento da economia teria sido pior sem a China, cuja demanda por nossas commodities explica os expressivos superávits que passamos a exibir na balança comercial (58,3 bilhões de dólares em 2018), o que equivale a ganhos de produtividade. O decorrente fortalecimento do balanço de pagamentos nos permitiu minimizar os efeitos da crise financeira global de 2008.
Não vamos “vender nossa alma” à China, como disse o ministro, mas precisamos ampliar as nossas vantajosas relações comerciais. Se a reforma da Previdência ocorrer, o desafio seguinte será o de ganhar produtividade.
Quatro ações são essenciais: (1) elevar os investimentos em infraestrutura, particularmente a de transporte, para melhorar a operação da logística; (2) promover uma reforma tributária para eliminar o caos da tributação do consumo, mediante a instituição de um tributo nacional sobre o valor agregado (IVA), em substituição à confusão do ICMS, do ISS, do PIS e da Cofins; (3) gradativamente, abrir a economia para expor a indústria à competição internacional, o que incentivará a busca de eficiência; e (4) melhorar a qualidade da educação, de modo a incrementar a produtividade do trabalhador brasileiro, que representa 20% da produtividade do trabalhador americano. Sem isso, nosso desempenho econômico será igual ou inferior ao atual, com graves efeitos no emprego e na renda dos brasileiros.
Publicado em VEJA de 17 de abril de 2019, edição nº 2630

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Pobreza, desigualdade e política externa: o que uma coisa tem a ver com a outra? - Paulo Roberto de Almeida

Pobreza, desigualdade e política externa: o que uma coisa tem a ver com a outra?

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: debate público; finalidade: esclarecimento conceitual] 

Pelas evidências disponíveis visualmente – ausência de serviços coletivos adequados, em saúde e ensino público, por exemplo, em segurança pública, ameaça de novos cortes nos chamados “direitos sociais”, etc. – o Brasil é um país pobre e desigual.
Mas atenção: o Brasil não é um país pobre porque é desigual, e sim exatamente o contrário. Ele é desigual porque é pobre, muito pobre, infelizmente caracterizado por uma das mais medíocres taxas de produtividade que é possível perceber num país de outra forma dotado de uma economia de mercado dita capitalista.
Aqueles que insistem na questão da desigualdade, e que portanto pretendem reduzi-la pela atribuição de mais “direitos sociais” às supostamente vítimas de um sistema capitalista “desigual e iníquo”, vão conseguir apenas tornar o país ainda mais pobre, e portanto desigual e iníquo. Os que não percebem que o Brasil deixaria de ser tão desigual se deixasse de ser tão pobre, vão continuar insistindo na via distributiva pela via constitucional, legal, da “conquista de direitos”, da “repartição da riqueza dos mais ricos”, da “taxação dos privilegiados”, e portanto vão continuar aprofundando a pobreza geral dos brasileiros, ao mesmo tempo em que reforçam a riqueza dos que já são ricos, e que costumam ser exatamente aqueles que proclamam essas “verdades inquestionáveis”. Infelizmente o Brasil chegou a essa inversão de sentidos, e não parece perto de se livrar deles, para aumentar a riqueza dos mais pobres e assim tornar o país um pouco menos desigual. 
Não se trata, em princípio, de uma incapacidade técnica em diminuir a pobreza e a desigualdade. Trata-se de uma incapacidade mental em perceber o verdadeiro nexo entre a criação de riqueza e a produção de desigualdade. Pode-se, aliás, chegar a essa constatação pela simples aplicação da teoria marxista da “mais valia”, uma incoerência econômica absoluta, mas que no Brasil, ou entre aqueles que proclamam a preeminência da redução da desigualdade sobre a criação de riqueza, passa por um bom método de análise da “realidade social”, a de que o Brasil é um país capitalista desigual, e que portanto é preciso absolutamente reduzir essa desigualdade, para transformá-lo em um país capitalista um pouco menos iníquo e desigual. Vamos a esse exercício.
Como disse alguém, talvez de forma politicamente incorreta – alegadamente em sentido contrário a determinadas “cláusulas pétreas” da Constituição –, décimo-terceiro salário e adicional de férias são “jabuticabas brasileiras”, o que é provavelmente correto (com a dúvida eventual sobre a existência dessas “jabuticabas” em outras terras). Pois bem: aplicando-se a teoria marxista da “mais valia”, percebe-se facilmente que esses dois “direitos sociais”, essas duas “conquistas do trabalhador”, correspondem perfeitamente àquilo que, nessa dita teoria, seriam dois exemplos de “mais valia” para o trabalhador. Como? Mas isso é perfeitamente lógico, segundo a teoria marxista.
O que é a mais valia senão, segundo Marx, o “sobre trabalho”, aquela parte da criação de riqueza resultante do esforço do trabalhador que não lhe é diretamente pago, mas apropriado pelo capitalista no processo de produção e de reprodução do capital. Alguém pode dizer se essa definição de “mais valia” contradiz aquilo que está expresso num dos capítulos do Capital(1863)? Pois o que são o décimo-terceiro salário e o adicional de férias senão “mais valia” apropriados indevidamente pelo trabalhador, contra o processo de reprodução do capital? Se ambos não correspondem a nenhuma parte do processo de produção diretamente criados pelo trabalhador, nos seus doze meses de trabalho – o ano só tem doze meses, realisticamente – e no seu afastamento temporário do processo de produção para gozar de um descanso legítimo ao cabo de doze meses de trabalhos, esses dois “direitos” só podem corresponder a uma mais valia obtida pelo trabalhador contra a riqueza produzida pelo capitalista no processo de produção. Alguma inconsistência lógica nesse tipo de “raciocínio marxista”?
O que faz um pequeno capitalista – digamos um pipoqueiro de escola, um micro empresário em um setor qualquer da economia – em face desses dois “direitos sociais” em relação aos quais ele possui uma inquestionável dificuldade em assegurar, em vista de sua baixa produtividade geral, de suas condições precárias de exercício de uma atividade produtiva qualquer, na qual ele luta para assegurar sua própria sobrevivência? Parece-me que ele tenta “fraudar” a garantia desses dois “direitos”, que ele visivelmente tem dificuldade em garantir, justamente, porque seu “equilíbrio de mercado”, suas condições de produção não lhe asseguram “extração de mais valia” suficiente para, precisamente, pagar esses “direitos sociais” que não resultam diretamente do processo de produção, e sim de duas medidas legislativas que não tem absolutamente nada a ver com as condições gerais de equilíbrio da economia, vista de forma geral. De outra forma não seria possível compreender a imensa informalidade do mercado de trabalho no Brasil, o desrespeito evidente da maior parte dos direitos sociais garantidos pela legislação e pela Constituição, a “iniquidade” das condições de trabalho num país manifestamente capitalista, e talvez pouco orgulhoso de sê-lo.
Pois bem, o que tudo isso tem a ver com a política externa? Aparentemente nada ou quase nada, a não ser pelo fato de que outros países, pelo que é possível observar, não exibem algumas de nossas jabuticabas mais frondosas. Certos países não possuem sequer, vejam o absurdo, leis de “salário mínimo obrigatório”, outra das disposições que estão sempre se chocando com a realidade das coisas, uma vez que foi preciso inscrever na Constituição esses “direitos mínimos” até para trabalhadores domésticos, de forma a que eles também pudesses gozar dos mesmos “direitos sociais” dos trabalhadores do setor privado (aquela parte legal, inserida no mercado formal, obviamente). O fato de que outros países cresceram, se desenvolveram e se tornaram países ricos sem exibir a mesma árvore frondosa de “direitos sociais constitucionais” aparentemente não passa pela cabeça dos nossos legisladores, e de nossos diplomatas, como uma evidência de nexo entre a criação de riqueza e a diminuição das desigualdades, em perspectiva histórica comparada. 
Existe sempre uma tendência, no Brasil, a colocar o ponto de chegada de certos países avançados – os escandinavos, por exemplo – como um ponto de partida para que o Brasil também exiba certos traços virtuosos de desenvolvimento econômico e de progresso social. Como é que se consegue assegurar plenos “direitos sociais” – como, por exemplo, educação e saúde de qualidade, “do berço a cova”, como se diz – sem, minimamente, uma carga fiscal compatível? Como é que o Estado vai assegurar a plena vigência de todos esses direitos e “conquistas sociais” se a taxação sobre os ricos é tão baixa quanto ela o é manifestamente no Brasil?  Por que ainda não temos um nível de vida tão próspero quanto o dos escandinavos se nossa carga fiscal ainda não elevou-se um pouco mais, para aproximar-se da deles? 
Como é que o Brasil ainda não é um exemplo para os demais países, ao garantir tão amplos direitos para a sua população, por meio da Constituição e de uma infinidade de outras medidas legais, e contraditoriamente ainda consegue ser um país tão pobre e tão desigual?  O que fazem os diplomatas que não trazem as evidências de progressos materiais e de avanços sociais em outros países que poderiam nos ajudar a ficar tão ricos e desenvolvidos quanto eles? Será que a nossa política externa é incapaz de ver tão amplas evidências de como ser rico e desenvolvido, possuindo ao mesmo tempo tão claras demonstrações de correta tributação sobre os ricos e de adequada distribuição de benefícios em favor dos mais pobres e desvalidos? 
Talvez isso se deva a alguma forma de perversão social de nossos capitalistas, que impedem a correta aplicação de certos princípios “marxistas”, que consistiriam na correspondente “solução” aos problemas da desigualdade e da iniquidade da sociedade capitalista: essa é, como dito explicitamente nos clássicos dessa literatura, a inversão daquilo que se tem até aqui, ou seja, a “expropriação dos expropriadores”, a abolição da propriedade privada, a implementação prática daquela magnífica lei da felicidade geral dos povos, que seria garantir o funcionamento da sociedade segundo este princípio básico: “de cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo suas necessidades”. 
O Brasil é um perfeito exemplo desse tipo de inversão mental, no qual dois simples exemplos de “mais valia social” – décimo-terceiro salário e adicional de férias – acabam sendo considerados “cláusulas pétreas” de uma Constituição “cidadã” que, manifestamente, está destruindo as possibilidades de criação de riqueza, aumentando a produção de iniquidades sociais, e que, a despeito disso, vem sendo universalmente saudada como um poderoso instrumento de garantia de direitos sociais e de valorização da igualdade democrática dos cidadãos. 
Deve ser por alguma falha de nossa política externa, que ainda não conseguiu encontrar uma fórmula de disseminar no país tão belos exemplos de riqueza e de igualdade social existentes em outros países, já que não asseguramos os mesmos “direitos” que neles existem (em alguns pelo menos). Não se conseguiu ainda fazer com que nossos diplomatas demonstrassem outros exemplos de produtividade do trabalho que existem em determinados países, e que garantem justamente criação de riqueza e progressiva diminuição das desigualdades. Deve ser por alguma introversão mental...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 28 de setembro de 2018
Livro mais recente: A Constituição Contra o Brasil: ensaios de Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituição de 1988(São Paulo: LVM, 2018).


sábado, 19 de agosto de 2017

Produtividade nao e' tudo, mas e' quase tudo: o caso da GB - Robert Colvile (CapX)

O artigo trata unicamente da queda de produtividade, em última instância da fragilidade do capitalismo inglês, na Grã-Bretanha, mas se a economia tem "leis" mais ou menos universais, ele poderia igualmente ser aplicado ao Brasil, e sobretudo ao investimento estrangeiro.
Como diz o artigo, "foreign ownership makes each UK firm 50 per cent more productive. Such firms employ only 15 per cent of the UK workforce, but account for 30 per cent of the country's productivity growth - and 50 per cent of R&D spending, which is a staggering five times higher under foreign ownership."
Certas coisas são tão eloquentes, tão evidentes, que não existem contra-argumentos econômicos.
Não só a Grã-Bretanha -- que estava doente antes de Margaret Thatcher -- está doente novamente.
O Brasil também padece da mesma doença.
Quando é que vamos nos curar?
Paulo Roberto de Almeida 

Can we cure the British disease?

When Theresa May became Prime Minister, one of her first promises was (as the Daily Mail put it) to protect our “City icons” from “foreign vultures”.
It’s a widely shared complaint. From our rail companies to our energy companies, from London property to Cadbury’s chocolate, we’ve let asset-stripping foreigners make off with the family silver. And with the plunge in the pound due to Brexit, the problem is only going to get worse.
But there’s another way of looking at it - which is that the simplest way to make this country more prosperous would be to gift-wrap those City icons and flog the lot.
That is the implication of a new blog from two Bank of England economists. It points out that, controlling for everything else, foreign ownership makes each UK firm 50 per cent more productive. Such firms employ only 15 per cent of the UK workforce, but account for 30 per cent of the country's productivity growth - and 50 per cent of R&D spending, which is a staggering five times higher under foreign ownership.
Productivity isn’t everything. But as Paul Krugman says, in the long run, it’s almost everything. It is higher productivity that drives improvements in wages, living standards and prosperity. Andrew Haldane, also of the Bank of England, points out that if productivity had remained flat since 1850, we would be only twice as rich as the Victorians. Instead, we are 20 times better off.
And this is the single biggest problem with Britain’s economy. Since the financial crisis, the UK has created jobs at an enviable rate. But the flipside is that productivity has flatlined. Between 1950 and 2008, it grew at an average of 1.7 per cent a year. Since then, it has fallen by 0.36 per cent a year. The latest figures, released this week, only confirm the trend.
These are statistics that should set not alarm bells ringing, but whacking great air raid klaxons. Because the global economy is polarising, as Haldane points out, between the productive and the unproductive – between “frontier” firms and countries, which make full use of the latest technological and managerial innovations, and laggards.
As Britain slips towards the back of the productivity pack, it becomes a place that relies not on the dynamism of its workers, but the fact they are dirt cheap - which is not a comfortable or sustainable position to be in.
So how do we fix this - apart from inviting in those foreign “vultures” to teach us how to be proper capitalists?
One solution suggested by Sir Charlie Mayfield’s official Productivity Review is to make firms aware of the problem. Just as each of us thinks we are an above-average driver, every firm tends to think of itself as well run. Confront executives with the figures, and they will sharpen up their act.
We also need to expose firms to the global market. Companies that export tend to be more productive than those who don’t. That's why some Brexiteers saw a Leave vote as a form of shock therapy - a way to force complacent British firms to shape up.
But this is a policy challenge that stretches beyond company management. We need better education and training. We need greater investment in IT. And above all, we need workers to be in the right places.
One of the most interesting laws of population is that productivity, like many other things, scales up with community size. Huddersfield will never be as productive as London, simply because it is smaller.
So one reason Britain's housing crisis has inflicted such devastating economic harm is that low housebuilding and high house prices have pushed workers away from the most productive parts of the country, trapping them in towns and jobs where they cannot reach their economic potential.
A new Resolution Foundation study confirms that the young are decreasingly likely to move for work - which means the British economy is getting even worse at marrying people to the most productive jobs, and giving them the highest possible salaries.
Britain was once known as the sick man of Europe. Today, we are still sick. And low productivity is our crippling disease.
Robert Colvile
Editor, CapX
 

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Fiasco da Pátria Educadora - Celso Ming

A situação, na verdade, é muito pior, mas muito mais pior, como diria o grande apedeuta, do que vocês sequer podem imaginar. Estar nos últimos lugares do Pisa é apenas uma tragédia menor, comparada à catástrofe que é saber que essa situação não vai melhorar, e sim piorar, pois nenhuma, repito NENHUMA política correta está sendo implementada para corrigir os incontáveis equívocos cometidos pelos companheiros, que nesse setor foram muito mais danosos e prejudiciais à nação do que os bilhões roubados pelos gatunos do partido totalitário. Dinheiro roubado se repõe ou se faz novamente, mas educação roubada e destruída isso não tem volta e vai durar anos e décadas para consertar, e isso IF AND WHEN começarem a fazer as coisas certas, o que é amplamente duvidoso.
Paulo Roberto de Almeida


Fiasco da Pátria Educadora

O aumento da produtividade do trabalho que o ministro Joaquim Levy reclama não vai acontecer espontaneamente, sem políticas específicas para isso

Celso Ming
O Estado de S. Paulo, 13 Maio 2015 | 21h 00
 O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, advertiu nesta quarta-feira, em Londres, que, “sem forte ganho em produtividade, não podemos apoiar salários mais altos”.
O assunto é objeto de reiteradas advertências do Banco Central por seu impacto sobre a inflação. Quando os salários crescem mais do que a produtividade do trabalho, o resultado é a alta de preços, pelo efeito demanda. Aumentos de salário produzem mais procura por bens e serviços e, quando isso acontece acima do aumento da oferta, é inevitável a inflação, que é o mecanismo natural, digamos assim, de ajuste de uma distorção.
No depoimento que fez dia 29 de abril no Congresso, o ministro Joaquim Levy apresentou a tabela e o gráfico que vão reproduzidos aí acima. Mostram que o rendimento médio do brasileiro (portanto os salários) cresceu substancialmente mais do que a produtividade da economia, a produtividade do trabalho e a produtividade do capital.
É um equívoco afirmar que os salários aumentaram demais apenas por pressão dos sindicatos e das bancadas trabalhistas no Congresso. Os salários aumentaram consideravelmente mais do que o ritmo da economia porque a política econômica criou aumento da demanda por mão de obra. Tanto isso é verdade que, ao longo dos dois últimos anos, o mercado de trabalho operou praticamente em regime de pleno-emprego.
Agora os indicadores mostram avanço do desemprego, o que tende a derrubar, também, a renda média do trabalhador, uma vez que a economia brasileira, que já andava devagar quase parando, entrou em recessão. O fator que começou a agir para derrubar os salários é, portanto, o esfriamento do mercado de trabalho e não alguma coisa ligada à eficácia da mão de obra.
A produtividade do trabalho muito baixa no Brasil é também uma consequência da falta de políticas que procurem melhorar o desempenho da mão de obra no País. Isso se faz com melhora da qualidade de ensino e de treinamento.
A Pátria Educadora é um enorme fiasco nesses misteres. O mau desempenho dos estudantes brasileiros nas avaliações internacionais e os movimentos generalizados de greves de professores mostram a situação crítica do ensino no Brasil, apenas o 60.º colocado, na avaliação da qualidade do ensino feita em 76 países pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), como está no Confira.
Embora pareça ter entendido o atraso do desenvolvimento econômico e social produzido por esses fracassos, o governo Dilma só consegue apontar soluções a longo prazo, quando o regime de partilha do pré-sal tiver proporcionado rendimentos da produção de petróleo.
O aumento da produtividade do trabalho que o ministro Joaquim Levy reclama não vai acontecer espontaneamente, sem políticas específicas para isso. 

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Produtividade: enxugando gelo - Glauco Arbix e Joao De Negri

Chega de saudades
Glauco Arbix e João de Negri
Folha de S. Paulo, 2/06/2014

JOÃO DE NEGRI é secretário-executivo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação
GLAUCO ARBIX é presidente da Finep, empresa pública de inovação e pesquisa

A crítica aos subsídios sugere que o país pode avançar para áreas de densidade tecnológica sem a cooperação entre capital privado e público. Não pode
Desde o lançamento da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior, em 2004, os esforços do governo brasileiro se voltam a acelerar o crescimento e elevar a produtividade. Embora a trajetória não seja linear e isenta de escorregões, só uma dose de má vontade e forte visão ideológica poderia justificar a superficialidade do artigo "Hora de mudar o foco" (Arminio Fraga e Marcos Lisboa, 25/5). O foco das políticas já mudou. E faz mais de 11 anos.
Desde os anos 1970, a economia brasileira patina no objetivo de elevar sua produtividade. Não há receita. O investimento em educação tem potencial no longo prazo. Em 2000, o Brasil destinava 4,7% do seu PIB para educação. Em 2011, chegou a 6,1%. Nenhum país da OCDE teve esse crescimento. É preciso mais, mas não há como negar que a ênfase em educação é muito maior do que nos anos 1990.
O governo também cuidou do investimento, começando pela infraestrutura, com o PAC e o Programa de Sustentação do Investimento. Em 2011, foi anunciado o Plano Brasil Maior, que abriu caminho para o maior plano de tecnologia e inovação da história, o Inova Empresa.
Lançado em 2013, o Inova Empresa teve dotação de R$ 32,9 bilhões, resultando numa demanda agregada de R$ 93,4 bilhões para os programas lançados por complexo produtivo, como saúde, energia e agropecuária. Isso mostra que o governo acertou e que empresas brasileiras não são viciadas em proteção estatal e desprovidas de ambição para inovar.
As políticas públicas hoje têm foco, prioridades e subsídios. Sem isso não é possível apoiar atividades de maior risco tecnológico e a criação de empregos. Não teríamos o BNDES nem a Finep de hoje, fortalecida ao assumir plenamente seu papel como Agência Nacional da Inovação. A Finep viu crescer seus recursos em sete vezes desde 2011, tornando-se uma instituição eficiente e capaz de alocar R$ 10 bilhões por ano em tecnologia e inovação.
Inovação é peça-chave para a elevação da produtividade. A crítica aos subsídios sugere que o país pode avançar para áreas de maior densidade tecnológica sem a cooperação entre capital privado e público, com base em financiamento subsidiado de longo prazo. Não pode. Atividades desse porte não florescem sem apoio público, subsídios e subvenções --como se constata em todos os países avançados.
Para viabilizar um salto de qualidade na competitividade, é preciso unir empresas, universidades, centros de pesquisa e órgãos de governo para calibrar o foco das políticas industriais e priorizar as áreas intensivas em tecnologia. Falhas de mercado e distorções estruturais são corrigidas com políticas públicas. Esse é o caminho que já vem sendo percorrido. As políticas industriais de hoje são avançadas, abertas, modernas. Não asfixiam, mas incentivam a competição.
A proposta de focalizar a produtividade sem subsídios e sem cooperação entre capital privado e público não consegue fechar a equação da competitividade a ser sustentada pela inovação. Visões desse tipo são simplificadoras e retomam um debate que parecia superado. As mudanças no Brasil foram profundas e se deram contra políticas de triste memória que hoje são reapresentadas como se fossem novidade. Não são.
O desafio da produtividade não é só do governo. A Mobilização Empresarial pela Inovação, o Movimento Brasil Competitivo e os esforços da Confederação Nacional da Indústria e do governo para formular políticas de inovação mostram que é possível avançar. O setor produtivo aumentou significativamente o número de pós-graduados e o investimento em pesquisa e desenvolvimento nas empresas. O avanço é lento, mas real.

O país tem muito a consertar. Mas tem rumo e capacidade para integrar suas políticas, melhorar o ambiente de investimento, diminuir a burocracia, facilitar o empreendedorismo e melhorar ainda mais a dinâmica das empresas, a qualidade dos empregos e a vida da população.

Produtividade: como aumentar a do Brasil (BBC)

Quatro estratégias para aumentar produtividade no Brasil
 BBC Brasil, 2 de junho, 2014

Nos anos 80, o Brasil e a Coreia do Sul tinham índices de produtividade semelhantes. Hoje, o que um coreano produz em um dia, um brasileiro produz em três, segundo dados da entidade americana de pesquisas Conference Board.
"O Brasil e outros países da América Latina precisam olhar urgentemente para experiências de países de fora da região se quiserem impulsionar seus índices de produtividade”, disse à BBC Carmen Pagés, especialista em mercado de trabalho do Banco Inter-Americano de Desenvolvimento (BID).
"Há experiências muito valiosas em países como a Coreia e a Austrália que poderiam ajudar os brasileiros principalmente a alinhar os conhecimentos e habilidades desenvolvidos em seu sistema educacional ao que as empresas precisam para produzir mais e melhor."
Em um cenário de taxas de desemprego historicamente baixas, há certo consenso entre economistas brasileiros de que para acelerar o crescimento será preciso aumentar a produtividade dos trabalhadores no país.
"Pela primeira vez na nossa história falta mão de obra - o que nos obriga a aproveitar nossos trabalhadores de forma mais eficiente", diz Hélio Zylberstajn, professor de economia da Universidade de São Paulo (USP).
É por isso que a "produtividade" tornou-se um dos temas centrais do atual debate econômico.
"Qualificar melhor os trabalhadores brasileiros é hoje um dos nossos grandes desafios - e é sempre importante conhecer a experiência dos outros países nessa área", diz Silvani Pereira, secretário substituto de Políticas Públicas de Emprego do Ministério do Trabalho e Emprego.
Pereira explica que o ministério tem promovido visitas e parcerias com outros países buscando se informar sobre seus sistemas públicos de emprego, qualificação profissional e estratégias de treinamento dentro da empresa.
"Mas é claro que é crucial fazer a ressalva de que nem tudo o que tem sucesso e ajuda a ampliar a produtividade em um lugar pode ser automaticamente aplicado em outro em função de especificidades econômicas, históricas e sociais."
Abaixo, a BBC Brasil listou quatro estratégias sugeridas por especialistas em um evento promovido pelo BID em São Paulo. Segundo eles, poderiam inspirar o Brasil e outros países latino-americanos em sua busca por mais produtividade.
Eles ressaltam que não se tratam de experiências que poderiam ser implantadas automaticamente por aqui, mas soluções que podem ajudar o país e a região a encontrarem respostas originais ao problema do ajuste das habilidades dos trabalhadores às necessidades das empresas:

Valorização e flexibilização do ensino técnico:
Para Carmen Pagés, a falta de trabalhadores de formação técnica é hoje um dos fatores que afeta a produtividade na América Latina.
Segundo ela, países como a Coreia do Sul, a Austrália, o Canadá, a Nova Zelandia, a Alemanha e a Suíca, que integraram "perfeitamente" o ensino técnico em seu sistema educativo estão entre os que melhor conseguiram alinhar a formação dos trabalhadores às necessidades das empresas.
"Nesses países o sistema é muito flexível", diz Pagés. "Você pode passar do acadêmico ao técnico e do técnico ao acadêmico com facilidade e há mais integração entre esses dois ramos - o que ajuda a evitar o estigma em relação ao ensino técnico que existe no Brasil, além de reduzir o problema do 'isolamento' dos ambientes acadêmicos do mercado."
Pagés diz que na Suíça algo em torno de 60% dos estudantes do ensino médio optam pelo ramo técnico.
"Eles sabem que se quiserem trabalhar, isso lhes dará mais possibilidade de inserção no mercado, mas também sabem que se, depois disso, resolverem voltar para a sala de aula para seguir o ramo das ciências humanas, ou debater aspectos teóricos ligados a sua profissão, por exemplo, a transição será simples."
Na Austrália, os estudantes podem transferir créditos dos cursos técnicos da chamada Technical and Further Education Commission (Tafe) para os cursos de universidades regulares, o que permite uma combinação entre os dois tipos de ensino.
"As pessoas nos procuram em qualquer etapa de sua vida profissional: temos cursos para quem tem 18 anos e para quem tem 40 e quer ampliar suas possibilidades profissionais", explicou à BBC o australiano Peter Holden, diretor da Tafe.
O ensino técnico começou a se expandir na Austrália nos anos 70. Nos anos 90, foram feitos ajustes para garantir que os conteúdos dos cursos atendiam a demanda das indústrias locais (até então o foco do sistema era seu papel social).
"Nós passamos a conversar mais com as empresas e, como alguns de nossos professores foram trazidos da indústria, eles também se encarregaram de nos manter informados sobre quais conhecimentos e habilidades são requisitados."

Sistema de certificados:
Para tirar uma carteira de motorista, em geral o candidato faz um teste de direção. Se mostrar que sabe dirigir, recebe o documento, se cometer muitos erros, não recebe. Não interessa se ele aprendeu a dirigir com o avô e estudou sozinho as leis de trânsito ou se fez 30 aulas em uma auto-escola.
Na Coreia do Sul, um sistema de certificados nacionais para o ensino técnico parece funcionar de uma maneira semelhante, como explicou Joon-Chul Eom, do Ministério do Emprego e Trabalho da Coreia do Sul, em evento promovido pelo BID em São Paulo.
Os candidatos fazem uma série de provas orais e escritas após comprovar que têm experiência prática ou estudaram determinada área. Se passarem, recebem certificados nacionais que atestam suas habilidades e conhecimentos específicos.
Um trabalhador pode ser certificado em gastronomia coreana, por exemplo. Outro, em serviços de engenharia elétrica ou mecatrônica. As provas são rígidas, e os índices de aprovação podem chegar a 10% em alguns casos.
No caso do ensino técnico, a certificação fica a encargo do Ministério do Trabalho, mas também há certificados para as profissões de nível superior, que são em geral administrados por outros ministérios.
O sistema é uma forma de garantir e padronizar a qualidade dos profissionais formados no país, facilitar a busca e a colocação no mercado de trabalhadores com habilidades específicas e ao mesmo tempo estimular os coreanos aprimorarem suas habilidades - uma vez que elas podem ser formalmente "reconhecidas".
É claro que há críticas. Um estudo da OCDE de 2012, por exemplo, defendia que as certificações de ensino superior seriam uma "duplicação desnecessária", uma vez que os alunos já seriam avaliados em sua instituição de ensino.
"Trata-se de um sistema interessante e que mereceria ser estudado mais a fundo, embora no Brasil acho que seria impensável implantar algo nessa escala", diz Hélio Zylberstajn, da USP. "Quem ficaria encarregado dos certificados?"

Educação nas empresas:
O australiano Peter Holden, da entidade governamental Tafe, diz que em seu país uma das experiências mais bem sucedidas na área de formação do trabalhador são as parcerias com empresas para o fornecimento de cursos dentro do ambiente de trabalho.
"Há cursos em áreas específicas ou de formação mais básica. Algumas empresas nos indicaram um grupo de funcionários que gostariam que recebessem noções de aritmética, por exemplo", diz Holden.
Segundo Holden, o esquema é financiado conjuntamente pelo governo e as empresas.
"Muitos trabalhadores viram seus trabalhos mudarem completamente em função da adoção de novas tecnologias - e esses esquemas não só aumentam a produtividade das empresas, mas também evitam que sejam demitidos e aumentam suas chances de uma promoção."
Para Zylberstajn, da USP, os esquemas de treinamento dentro das empresas estão entre as experiências que mais poderiam ser aproveitadas no Brasil.
"Um dos problemas do nosso ensino técnico é que as instituições de ensino e o setor privado conversam pouco, então o que os alunos aprendem na sala de aula nem sempre é válido para o mercado", diz o economista.
Silvani Pereira, secretário substituto de Políticas Públicas de Emprego do Ministério do Trabalho e Emprego, concorda que é preciso fazer avanços nessa área.
"O treinamento do trabalhador dentro da empresa contribui para promover ganhos de produtividade já que o alinhamento entre o que é ensinado e o que as empresas precisam é perfeito. Além disso, tal sistema contribui para uma redução da rotatividade dos trabalhadores", diz.

Esquemas de aprendizagem:
Nessa área, a Alemanha parece ser, de longe, o grande modelo. Lá os jovens têm a possibilidade de aprender um trabalho dentro de um programa de aprendizagem conforme cursam o ensino fundamental.
Os alunos dividem seu tempo entre as escolas e as empresas, onde são orientados por um profissional mais experiente para aprender um entre os 344 ofícios oferecidos pelo programa. Eles recebem um salário e, ao finalizar o curso, têm a opção de seguir a carreira na área.

Segundo Geoff Fieldsend, do British Council, esse é um dos muitos esquemas adotados para melhorar a questão da empregabilidade dos jovens, mas seus resultados ainda precisam ser avaliados.

domingo, 11 de maio de 2014

Empresarios pragmaticos, nao querem enfrentar o governo; so ajustes, ou mudancas mais profundas

Não há nenhuma chance de uma "fronda empresarial" como venho pregando, e isso porque os empresários não pretendem enfrentar o governo.
Ou são acomodados, ou não conhecem a sua força.
Podem também ser oportunistas, e preferir uma acomodação, com facilidades setoriais, em lugar de se unirem para construir um país decente...
Paulo Roberto de Almeida

Empresários querem agenda com foco na produtividade
Valor Econômico, De São Paulo 02/05/2014
Especial Rumos da Economia. 

Uma velha ideia nova apareceu com força nas conversas do Valor com 20 empresários de diferentes áreas sobre a agenda prioritária de 2015 - a necessidade de um programa de governo que permita ao país alcançar ganhos de produtividade. Ausente do debate político - porque parece vaga para ganhar votos nas ruas -, a produtividade surge como ideia chave para o Brasil enfrentar desafios que cresceram no pós-crise. E na visão dos empresários, ela passa pelo aumento do investimento com ênfase na infraestrutura, por um Estado mais enxuto e eficiente e por foco na educação. 
Representando um consenso entre os executivos, Cledorvino Belini, presidente da Fiat Chrysler para a América Latina, pontua que a agenda dos próximos anos começa na herança dos últimos governos. "Quando colocamos em perspectiva o legado dos governos democraticamente eleitos que se sucederam no Brasil nas últimas décadas, têm lugar de destaque a estabilização da economia e o avanço da inclusão social", diz ele. "Além do compromisso de preservar conquistas, o próximo governo assume com o desafio de fechar o círculo virtuoso de modernização do país, adotando medidas que assegurem o urgente e necessário avanço da produtividade", acrescenta o presidente da Fiat. 

Como o país não pode mais crescer pela incorporação de mão de obra, precisa fazê-lo pelo aumento da eficiência das empresas e do governo, pondera Belini, lembrando que isso não será possível sem ações de modernização e ampliação da infraestrutura. 
"A infraestrutura no Brasil, seja ela pública ou privada, anda emperrada", concorda o diretor-presidente da Alpargatas, Márcio Utsch, listando o custo da energia e políticas mal desenhadas, como a desoneração da folha de salários, como situações que travaram o desenvolvimento do país. Por isso, para ele, "a principal agenda para 2015 é o investimento", que passa pelos projetos públicos e pelo fomento do governo ao investimento privado. Sua agenda se completa com foco na educação (em que "não basta ter um monte de faculdades") e valorização das pessoas. "Temos que nos indignar com os crimes na porta de nossas casas e não aceitar a impunidade", diz ele. 
Um plano efetivo de investimentos em projetos de infraestrutura deve ser uma das prioridades na gestão do novo governo do Brasil, diz Harry Schmelzer Jr., presidente da fabricante de equipamentos elétricos WEG. Para o executivo, se o governo não dispõe de recursos, precisa criar as condições para atrair investidores. Ao mesmo tempo, o governo deve contemplar nesse plano instrumentos que favoreçam a indústria brasileira, de forma a atender a demanda que será gerada por um programa amplo voltado ao setor de infraestrutura. 
A agenda de dois executivos da área farmacêutica - os presidentes da Eli Lilly no Brasil, Julio Gay-Ger, e da Novartis, Adib Jacob, combina inovação e infraestrutura, entre outros temas. "Quando um país apresenta uma infraestrutura pouco desenvolvida, os produtos podem encarecer no mercado interno, prejudicando os consumidores, e no mercado externo, dificultando as exportações", observa Gay-Ger. "É preciso fomentar a geração de maior valor agregado no PIB, estimulando a inovação tecnológica nas esferas acadêmica e corporativa", sugere Jacob. Ele propõe que isso ocorra por meio de maiores investimentos e estímulos tributários para a produção científica de inovação no Brasil. 
Atuando em um setor em que os investimentos nos últimos anos foram afetados por mudanças de regras, o presidente da AES Brasil, Britaldo Soares, diz que é preciso dar agilidade e segurança aos processos de licenciamento e maior clareza e estabilidade aos marcos regulatórios setoriais, além de "fomentar a competitividade, inovação e aumento das produtividade no longo prazo". 
Na opinião de Arlindo Moura, CEO da Vanguarda Agro, uma das principais produtoras de grãos e fibras do país, a infraestrutura de transporte deve estar na agenda prioritária de 2015. "Houve avanços no planejamento, mas agora as coisas precisam sair do papel", diz. O diretor presidente da Merial no Brasil, Jorge Espanha, também acredita que o investimento em infraestrutura deve estar no topo da lista. Segundo ele, o ciclo de crescimento focado no consumo foi importante, mas evidenciou o gargalo da infraestrutura, que afeta o agronegócio. "O Brasil já é um celeiro, mas precisa conseguir escoar sua produção de grãos e proteína animal", afirma o executivo. 
"Esse país tem seus fundamentos muito sólidos. Não temos nenhuma razão para ficar temerosos", disse, em evento recente do Valor, o presidente do conselho da BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão, Abilio Diniz. De acordo com ele, os empresários precisam ir além das queixas. "Além de ficarmos nos queixando do governo - e temos razão para exigir mais -, temos que pensar o que podemos fazer, e nesse momento é preciso aumentar a produtividade". 
Uma mudança na condução da política econômica também é necessária na visão de Fabio Hering, diretor-presidente da Cia Hering. Embora defenda investimentos em infraestrutura, ele acredita que não há esgotamento do modelo da última década. "Acreditamos muito no potencial de consumo do mercado nacional. O necessário para um crescimento maior, agora, são alguns ajustes. O que tivemos foi um começo e não o fim de algo", pondera, concordando com a tese de mudanças que preservem conquistas dos últimos governos. E uma delas, deve ser o controle da inflação. "Sou afetado por aumento dos juros, mas não controlar a inflação é muito pior do que uma taxa elevada", afirma, deixando clara sua prioridade. 
Meyer Nigri, diretor-presidente da Tecnisa, também avalia que quem ganhar as eleições precisará fazer ajustes na economia. E para ele, o trade-off entre crescimento, emprego e inflação é dos mais complicados. "Acho que é preferível um pouco de inflação com crescimento, do que inflação mais baixa sem crescimento", diz ele, acrescentando, contudo, que nesse momento, contudo, o Brasil não tem pouca, mas muita inflação.
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Para executivos, Estado deve ser eficiente e enxuto
Valor De São Paulo 02.05.14
Especial.Rumos da Economia. 

Os empresários querem um Estado mais enxuto e mais eficiente. Eles estão menos preocupados em defender um número mágico para o superávit primário e mais interessados em medidas que permitam, via eficiência do setor público, reduzir a carga tributária. O presidente do conselho de administração do grupo Gerdau, Jorge Gerdau Johannpeter, defendeu recentemente um corte drástico no número de ministérios para melhorar os níveis de eficiência do futuro governo. Na opinião dele, seis seriam suficientes, incluindo as pastas que cuidam das áreas econômica e social, da segurança, de relações internacionais e articulação política. "Gosto de trabalhar com utopias porque construí minha vida sonhando com utopias e de repente elas acontecem", afirmou, em Porto Alegre, durante o 27º Fórum da Liberdade. 
Ele não é o único que sonha com uma Esplanada menor. Fábio Barbosa, do grupo Abril, defende que a melhora fiscal passa por uma reforma administrativa, com redução no número de ministérios. "O governo precisa parar de gastar tanto com a estrutura administrativa, pois arrecada bastante e não sobra dinheiro para fazer investimentos. É é preciso mais investimentos em infraestrutura, educação e saúde", faz coro Meyer Nigri, diretor-presidente da Tecnisa. 

Para o presidente-executivo do Conselho da MRV, Rubens Menin, o maior problema do Brasil hoje é a eficiência do Estado. "Temos de medir e gerenciar a eficiência do Estado, independentemente de quem seja o vencedor das eleições. Fala-se da redução da carga tributária, mas isso só será possível se o governo gastar menos e melhor", argumenta ele, acrescentando que isso passa pela desburocratização. "No setor de construção civil, a burocracia corresponde a 12% do custo total e a obtenção de licenças para uma obra leva de 24 a 30 meses. O Brasil ficou prisioneiro da burocracia", resume. 
Para melhorar a gestão fiscal, o presidente da Positivo Informática, Hélio Rotenberg, defende um controle total dos gastos públicos, com redução dos gastos de custeio e aumento dos investimentos. Além desse controle, ele diz que é preciso planejar o futuro do país, definindo as áreas em que o Brasil quer ser forte e os investimentos necessários para isso. "E a área prioritária é a educação", afirma. 
Para Marcio Utsch, da Alpargatas, o país precisa "perseguir o superávit fiscal para poder pensar no resto". Ele avalia que a Lei de Responsabilidade Fiscal deve ser obedecida, sem subterfúgios. "Temos que limitar o gasto com pessoal para os governantes nas três esferas governamentais (municipal, estatual e federal)", defende. 
O presidente da Anfavea, Luiz Moan, reconhece que "não há espaço para muitas mudanças no campo fiscal". Mesmo assim, defende que é preciso reduzir a carga tributária, o que não significa perda de arrecadação, segundo ele. "Experiências recentes mostram que o governo pode reduzir impostos e, ainda assim, arrecadar mais porque a desoneração leva ao aumento do consumo", pondera. 
Na avaliação de Cristiano Melles, presidente da Associação Brasileira de Restaurantes, entre as prioridades do novo governo devem estar um superávit fiscal primário de 3%, o restabelecimento da confiança nas informações econômicas oficiais com o fim de qualquer "criatividade contábil" e uma reforma previdenciária. 
Um problema fiscal a ser enfrentado é a desoneração da folha de pagamentos. Criticada pelo presidente da Alpargatas, ela é defendida, entre outros, por Harry Schmerzer Jr, da WEG, e Paolo Dal Pino, da Pirelli Pneus. 

quarta-feira, 23 de abril de 2014

O Brasil como inimigo do Brasil: produtividade e crescimento

Brasil improdutivo

Editorial Folha de S. Paulo, 22/04/2014


Aumento de riqueza gerado por trabalhadores nacionais avança de modo lento; país perde mercado para chineses até na vizinha Argentina

Não faltará quem se agaste, por aqui, com o tom um tanto derrisório da reportagem desta semana na revista britânica "The Economist" sobre a economia do Brasil. Será um erro, daqueles que se explicam quando a paixão turva o raciocínio e a objetividade.
"Você começa a perder tempo no momento em que pisa no Brasil", queixou-se à publicação o empresário texano Blake Watkins, que saiu de Nova York para abrir um restaurante fast food em São Paulo.
Não é preciso deixar de ser patriota para reconhecer que o empresário tem razão. Basta atentar para o trânsito infernal, a morosidade da burocracia, o custo e a qualidade incompatíveis dos serviços --públicos ou privados.
A "Economist" não se limita a juízos de valor, e talvez por isso cause tanto incômodo. O Brasil investe só 2,2% do PIB em infraestrutura, muito abaixo da média de 5,1% no mundo em desenvolvimento. De 278 mil patentes concedidas em 2013 pelos Estados Unidos, meras 254 foram para invenções brasileiras.
No domingo, reportagem desta Folha corroborou o descaso nacional com a inovação, mãe verdadeira do aumento sustentável de produtividade. O Inpi (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) consome em média 10 anos e 10 meses para conceder uma patente. No campo das telecomunicações, o prazo médio está em 14 anos e 2 meses.
Entre países desenvolvidos, esse intervalo não ultrapassa três anos: nos EUA são 2 anos e 7 meses; no Japão, 2 anos e 6 meses; na China, 1 ano e 11 meses. Não é difícil compreender por que um empreendedor descartaria o Brasil como opção para sediar um laboratório de desenvolvimento de semicondutores, por exemplo.
A chave do atraso, como aponta com exatidão a revista britânica, está na produtividade.
O produto anual do trabalho de um empregado brasileiro está na casa de US$ 20 mil (calculado pela metodologia de paridade de poder de compra). Nos anos 1960, era da ordem de US$ 15 mil, maior que o obtido por sul-coreanos --os quais, hoje, produzem quase US$ 70 mil. A China, que partiu de patamar muito inferior, já nos alcançou.
Não estranha, assim, que o Brasil esteja perdendo mercado para exportações chinesas até na Argentina, sua grande parceira de Mercosul. Em 2005, a participação brasileira nas importações argentinas estava em 36,5%; no primeiro trimestre de 2014, ficou em 24,8%. No mesmo período, a China saltou de 5,3% para 18,4%.
Indignação, apenas, nada pode contra essas cifras acabrunhadoras. É imperativo convertê-la em brio, algo muito mais produtivo.

Em busca do tempo perdido

Coluna / Vinicius Torres Freire


Patente leva 14 anos para sair; opressão da burocracia merece ser grande tema da eleição

Uma patente demora em média dez anos para sair no Brasil. Deu nesta Folha, no domingo.
O cidadão inventa um troço, processo, planta modificada, videogame, app, ou sabe-se lá, e recebe seu título de proprietário intelectual uma década depois. Se é criador da área de telecomunicações, pode esperar 14 anos.
O que são meros 14 anos? Jacó teve de trabalhar de graça por 14 anos a fim de casar com Raquel. Mas o caso era de um amor daqueles bíblicos, Jacó tinha paciência de Jó e, enfim, isso se passou em um tempo em que, como se sabe, não existiam telecomunicações.
Em 1993, o Cern, o centro de pesquisas europeu onde se inventou a web, tornou a tecnologia disponível, grátis, sem requerer pagamento de royalties, o que desencadeou a massificação da internet. Era uma internet movida a lenha, ligada por meio de chamada telefônica, de conexões e computadores velozes como o governo brasileiro.
Em 2007, 14 anos depois, aparecia o iPhone, por exemplo, internet fácil e outros mil badulaques na palma da mão.
Enquanto isso, em 14 anos, um papel entrava pela porta de uma repartição brasileira e saía pelos fundos, comido pelas traças e comendo a poeira da história tecnológica em revolução.
Proust levou 14 anos para escrever as milhares de páginas de "Em Busca do Tempo Perdido". Enfim, chega de piada.
O Instituto Nacional de Propriedade Industrial, o INPI, que concede patentes, não tem funcionários bastantes. O salário não atrai os trabalhadores qualificados necessários, pois é menor que o de muito inútil da praça dos Três Poderes e cercanias.
Uma patente sai quatro vezes mais rápido nos EUA. Seis vezes mais rápido na China e na Coreia do Sul.
Estamos acostumados a esse tipo de estatística comparada deprimente. O Brasil é líder em perda de tempo para pagar tributos, tirar mercadoria do porto, preencher papel para exportar ou abrir um negócio etc.
No começo deste mês, Dilma Rousseff disse a empresários do comércio que seu governo está "totalmente comprometido com o processo de desburocratização". É uma frase burocrática: 1) a presidente fala de um "PROCESSO de desburocratização"; 2) o "processo" já leva mais de três anos e nada.
O que há? Em certos serviços, faltam mesmo funcionários (analistas no INPI, auditores fiscais etc.). Mas, em quase 20 anos de governos mais "modernos", não foi possível colocar servidores em lugares certos e encarregar um desses 171 ministérios de limpar a área burocrática?
A lista de perversões, ignorâncias e opressões que explicam a burocracia estúpida não cabe nestas colunas, para nem mencionar a grande burocracia privada que nos inferniza com as teias do 0800. Mas um motivo da paralisia merece menção honrosa: governos sem dinheiro favorecem a opressão burocrática.
Em deficit perigoso, o governante não vai bulir com leis fiscais e com funcionários que coletam o dinheiro escasso, isso quando não incentivam setores mais militantes do fisco a aumentar a barafunda.
Está aí um tema popular de campanha eleitoral e um projeto civilizatório de governo que custa muito pouco além de trabalho e inteligência: dar um jeito na opressão das burocracias públicas e privadas.

terça-feira, 22 de abril de 2014

A baixissima produtividade do trabalhador brasileiro

A produtividade do brasileiro
Editorial Gazeta do Povo, 22/04/2014

É melhor abandonar as mágoas e tentar entender por que afirmações como as da revista TheEconomist são feitas.
A revista The Economist fez severa crítica à baixa produtividade do brasileiro e provocou reações variadas, que passaram até pela xenofobia (como se estrangeiros não pudessem fazer críticas ao Brasil) ou por preconceitos regionais. Em certo trecho, a revista diz que os trabalhadores brasileiros são “gloriosamente improdutivos” e transcreve afirmação de um empresário norte-americano, dono de restaurante em São Paulo: no momento em que alguém aterrissa no Brasil já começa a perder tempo. São afirmações duras, que podem ofender o brio nacional. Mas é melhor abandonar as mágoas e tentar entender por que elas são feitas.
A definição mais simples de “produtividade” afirma que ela é a quantidade de bens e serviços produzida a cada hora de trabalho utilizada. Um homem sozinho em uma ilha, que sobreviva apenas das frutas que coleta e dos peixes que pesca, terá seu padrão de bem-estar definido pela quantidade de frutas e peixes obtidos em cada hora de seu trabalho. A relação entre a quantidade de frutas e peixes e o número de horas trabalhadas é sua produtividade.
Essa mesma conta pode ser feita para o país. Usando estatísticas econômicas, chega-se ao total do Produto Interno Bruto (PIB) e ao número de horas trabalhadas pela população durante o ano. Dividindo o PIB pela quantidade de horas, obtém-se a produtividade, que, no Brasil, anda em torno de US$ 12, enquanto nos Estados Unidos está na casa dos R$ 58. Ou seja, a produtividade do brasileiro equivale a um quinto daquela do norte-americano. Tamanha diferença pode parecer estranha, pois não há diferença entre um piloto de avião brasileiro e um norte-americano, como não há muita diferença entre um motorista de caminhão daqui e outro de lá. As razões da imensa diferença são várias e estão ligadas aos fatores que determinam a produtividade.
O primeiro deles é o “capital físico”. Os trabalhadores são mais produtivos quando dispõem de melhor infraestrutura e melhores máquinas e ferramentas. Um motorista de caminhão nos EUA chega a fazer dez viagens por mês transportando soja, enquanto um brasileiro faz apenas três. O brasileiro dispõe de um caminhão inferior, trafega por estradas piores e perde muitos dias nas filas dos portos. O segundo fator são os recursos naturais. Um país pobre em recursos naturais – como fertilidade do solo, reservas minerais, rios, clima – terá mais dificuldade em elevar a produtividade de seus trabalhadores do que um país rico em recursos da natureza.
O terceiro fator é o “capital humano”. Este depende do nível educacional, do treinamento e das habilidades técnicas dos trabalhadores. É fácil constatar que, nesse aspecto, o Brasil está bem atrás das nações desenvolvidas. O quarto fator é o conhecimento tecnológico. Os países adiantados estão muito à frente do Brasil nesse aspecto. Quando comparado com os norte-americanos, o trabalhador brasileiro opera tecnologias inferiores, salvo exceções de setores com excelência técnica. Nessa análise são incluídos o setor privado e o setor público. Como é notório que o sistema público brasileiro é ineficiente, sua contribuição para a baixa produtividade é bastante grande.
É sempre louvada a abundância de recursos naturais do Brasil. O país dispõe de condições favoráveis para elevar a produtividade, mas, apesar de rico em recursos naturais, o país é pobre em capital físico (rodovias, ferrovias, hidrovias, armazéns, portos, aeroportos, telecomunicações e demais itens de infraestrutura); o capital humano tem baixo nível educacional médio, baixa qualificação e as habilidades técnicas são, na média, precárias; e, somando a isso o atraso em matéria de conhecimento tecnológico, a baixa produtividade do brasileiro está explicada. Porém, há mais. Outros fatores negativos – como carga tributária pesada, sistema judicial lento, leis ruins e alta corrupção – também contribuem para a baixa produtividade. Sem falar das cidades congestionadas, da cultura da indisciplina e da política que privilegia o consumo em detrimento do investimento em capital físico.
Pode-se não gostar do conteúdo e da forma como a crítica foi feita pela Economist, mas não dá para ignorar que, na essência, ela está certa.