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terça-feira, 22 de dezembro de 2020

O programa aloprado de "política externa" dos Novos Bárbaros: minha leitura de agosto de 2018 - Paulo Roberto de Almeida

A coisa começou a degringolar desde o comecinho. Não havia hipótese de dar certo com a PORCARIA do programa de "novo Itamaraty" da tropa de broncos que redigiu esses cinco horríveis parágrafos para orientar a "política externa sem ideologia" do capitão incompetente.

Leiam os que os malucos propunham e o que eu mesmo comentei assim que saiu o programa do candidato, em  meados de 2018.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 22/12/2020 


https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/08/um-programa-insuficiente-de-politica.html

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Um programa insuficiente de política externa: comentários pessoais - 

Paulo Roberto de Almeida


Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: comentários a um programa de política externa; finalidade: esclarecimento]


Introdução
Insuficiente, segundo o dicionário do Google (convertido em “pai dos burros”, nos tempos que correm), é a condição ou qualidade de alguma coisa, qualquer coisa, “que não é suficiente” – o que é, obviamente, uma redundância – ou então que é “pouco, escasso”, ou então “que não alcança a qualidade necessária; fraco, medíocre, insatisfatório”. Pois bem, por que digo isto?
Acabo de tomar conhecimento do programa do candidato Bolsonaro ao governo do Brasil, um documento sintético de 81 páginas, com muitos adjetivos e grandes exclamações, das quais, confesso, não ter lido mais do que meia página, a 79, relativa à política externa que o candidato pretenderia exercer. Na verdade, essa seção, ínfima, portanto correspondendo inteiramente às definições acima, não se dedica exatamente ao tema, como se pode verificar que transcrição que efetuo aqui abaixo: 

            O “programa” de política externa
O NOVO ITAMARATY(p. 79 do documento)
    A estrutura do Ministério das Relações Exteriores precisa estar a serviço de valores que sempre foram associados ao povo brasileiro. A outra frente será fomentar o comércio exterior com países que possam agregar valor econômico e tecnológico ao Brasil.

    Deixaremos de louvar ditaduras assassinas e desprezar ou mesmo atacar democracias importantes como EUA, Israel e Itália. Não mais faremos acordos comerciais espúrios ou entregaremos o patrimônio do Povo brasileiro para ditadores internacionais.

    Além de aprofundar nossa integração com todos os irmãos latino-americanos que estejam livres de ditaduras, precisamos redirecionar nosso eixo de parcerias.

    Países, que buscaram se aproximar mas foram preteridos por razões ideológicas, têm muito a oferecer ao Brasil, em termos de comércio, ciência, tecnologia, inovação, educação e cultura.

    Ênfase nas relações e acordos bilaterais. 

Feita a transcrição, vejamos o que eu poderia dizer sobre esse “programa” que não é um programa, e sim um ajuntamento de frases, manifestamente a cargo de um neófito – definição deste substantivo masculino, tudo relativo à religião: “pagão recém-convertido ao cristianismo; pessoa que vai receber o batismo ou recentemente batizada; cristão-novo” –, pouco afeito aos temas de política externa, a quem encarregaram de dizer algumas coisas sobre o que se imagina ser o trabalho do Itamaraty. Vou apenas analisar topicamente o que me parecem ser a insuficiências desse “programa”, e depois elaborar um pouco a respeito do seria um conjunto de propostas na área externa.

Comentários pessoais
A política externa de um governo não pode limitar-se ao Itamaraty, ainda que ele seja chamado de “novo”. O “velho” Itamaraty, do seu lado, sempre se ocupou de política externa, mas a instituição, por mais venerável que fosse, ou seja, é apenas um instrumento, uma espécie de “ferramenta”, a serviço da política externa, que é definida, vale lembrar, pelo presidente da República. Sua estrutura, seja alguma nova ou mantida a “velha”, não tem muito a ver com a substância mesma dessa política externa, pois trata-se de uma ferramenta operacional que pode ser mudado segundo os requerimentos da política externa, que tampouco pode ser resumida unicamente aos “valores do povo brasileiro”, ou às atividade de “comércio exterior”. Ela abrange uma vasta gama de temas – bilaterais, regionais e multilaterais – nos terrenos político, econômico, ou de cooperação científica e tecnológica e de assistência ao desenvolvimento, assim como de apoio à capacitação do Brasil numa série de terrenos, como por exemplo, de atração de investimentos e até de engajamento em operações de paz, eventualmente determinadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. 
O segundo item do “programa” não é exatamente uma proposta, mas uma simples invectiva contra as deformações daquilo que pode ser chamado de “diplomacia lulopetista”. É certo que o lulopetismo diplomático cultivou boas relações diplomáticas – e até em outras esferas – com as ditaduras mais execráveis da região e do mundo, mas uma mudança nessa área significa apenas retornar ao padrão normal do Itamaraty, que sempre foi o de manter relações corretas com quaisquer países, sem expressar opiniões ou manter “relações paralelas” – clandestinas ou secretas, como infelizmente foi o caso naquele regime – com alguns deles, em função de simpatias ideológicas, ou até de interesses não exatamente republicanos, possivelmente na linha daquilo que o lulopetismo fazia no próprio plano interno, sobretudo em matéria de iniciativas econômicas ou acordos “espúrios” com essas ditaduras. Não cabe, no entanto, num programa de governo, efetuar distinções desse tipo, apontando para certos países e não outros; se for para seguir o padrão “normal” do Itamaraty, que é o de uma diplomacia universalista, e portanto, não discriminatória, o correto está em manter relações com todos os demais membros da comunidade internacional, segundo nossos interesses. 
O mesmo tipo de discriminação ocorre, em certa medida, no item seguinte, que diz expressamente isto: “Além de aprofundar nossa integração com todos os irmãos latino-americanos que estejam livres de ditaduras, precisamos redirecionar nosso eixo de parcerias.” O conceito de integração é muito vago, pois depende de qual conteúdo se lhe pretende imprimir, se zona de livre comércio, ou uma simples área de preferências tarifárias, ou mesmo a continuidade desse projeto de mercado comum, que é o objetivo do Tratado de Assunção, que criou o Mercosul. Um programa de governo não deveria expressar essa restrição qualitativa no caso de “ditaduras”, pois introduziria certo grau de subjetivismo nas políticas de governo, uma vez que existem outras ditaduras com as quais o Brasil mantém relações normais, sem todavia pretender aprofundar qualquer tipo de integração ou cooperação mais estreita. 
O Brasil, na verdade, necessita de maior inserção internacional, o que pode ser feito por abertura econômica e liberalização comercial, até de forma unilateral se for o caso. Processos de integração requerem negociações bilaterais ou plurilaterais que são necessariamente lentas e difíceis, mas mesmo isso exige uma definição prévia de qual seria a sua política comercial, de modo estrito, e, de modo amplo, a sua política econômica externa. Por outro lado, “redirecionar o eixo de parcerias” não prejulga minimamente quanto à natureza ou a orientação dessa “reorientação”. 
Não parece haver, por outro lado, uma estratégia muito clara quanto a esses “países que foram preteridos por razões ideológicas”, pois a frase soa mais como uma reclamação contra o lulopetismo diplomático (que de resto já, mudou desde os dois anos decorridos desde o final do regime companheiro) do que como um programa de governo. O Itamaraty sabe exatamente quais são os países que podem oferecer as melhores oportunidades em todos esses campos mencionados, ainda que algumas escolhas anteriores – como as de grupos regionais como Ibas, Unasul e Brics – permaneçam na agenda diplomática da atualidade, o que caberia, talvez, revisar.
Por fim, pretender atribuir “ênfase nas relações e acordos bilaterais” é uma, entre várias outras modalidades de relações exteriores, que passam ainda pelo regionalismo, multilateralismo, interregionalismo, plurilateralismo, ou simplesmente universalismo, com base numa definição ad hoc, ou seja, uma estratégia adaptada às diferentes circunstâncias dessas relações externas, de acordo com a natureza do assunto a ser tratado com parceiros estrangeiros. O bilateralismo estrito é necessariamente redutor das oportunidades oferecidas pela economia global, quando se assistem a negociações de mega-acordos comerciais, ou de investimentos, mobilizando um número muito variado de países (a exemplo do TPP ou de outros na área da Ásia Pacífico). 

Um programa de política externa
Um programa consistente de política externa deve partir de diretrizes gerais, que são definidas basicamente a partir das grandes orientações diplomáticas e econômicas de um governo determinado, para depois se debruçar sobre áreas temáticas: relações políticas nos planos bilateral, regional e multilateral, justamente, ou sobre os objetivos econômicos que se pretende alcançar, = situados nas área de comércio, investimentos, laços de cooperação em ciência e tecnologia, etc. Cabe dar devida atenção à “geografia” da política externa, ou seja, as prioridades no imediato entorno geográfico e a amplitude que se pretende dar às grandes parcerias externas: a Ásia, com destaque para a China, se afirma claramente como a área de maior dinamismo relativo na economia global, mas a África também parece oferecer boas perspectivas de crescimento econômico nos próximos anos. 
Existem, por outro lado, temas que já estão colocados na agenda internacional, e sobre os quais o Brasil precisa ter posições claras, e definir alianças pragmáticas, não aquelas ditadas por simpatias ideológicas como parecia ser o caso anteriormente. Outros temas podem resultar da própria iniciativa do Brasil, como o aprofundamento da integração regional, por exemplo. Muitos dos temas que devem necessariamente integrar uma agenda de política externa passam, antes, por reformas internas, pois parece meridianamente claro que é o Brasil que se encontra defasado em relação à agenda da globalização, introvertido e protecionista como ele sempre foi, e ainda é. 
Diretrizes setoriais precisam ser definidas com clareza em função dessas mesmas necessidades (ou carências) internas, e elas passam, por exemplo, por uma agenda de produtividade, que por sua vez remete a um programa – talvez a uma verdadeira revolução – no plano educacional, provavelmente o maior desafio que a sociedade brasileira tem para consigo mesma. A política externa pode ser orientada para essas áreas, mas as diretrizes a serem dadas ao Itamaraty – bem como às outras agências do governo – precisam partir do presidente, ou de seu gabinete, com uma visão clara, integrada, de como a agenda de reformas internas vai se coordenar com a ação externa do Itamaraty. Relações regionais e com grandes parceiros também precisam adequar-se a essa lista de prioridades gerais do governo, e não serem definidas de modo abstrato, ou principista, para serem conduzidas de modo mecânico pelo Itamaraty.
De forma geral, o Brasil precisa passar por reformas radicais no plano interno, e a política externa tem de ser coadjuvante desse processo. O ingresso do Brasil na OCDE, por exemplo, não pode ser visto como um objetivo em si, mas meramente como um meio para acelerar, aprofundar, qualificar esse processo de reformas internas, preferencialmente visando à intensificação de nossa inserção na economia global, o único caminho para uma modernização exitosa das estruturas internas. 
Havendo uma definição clara de quais objetivos o Brasil pretende atingir nos planos interno e externo, o Itamaraty, novo ou “velho”, será perfeitamente capaz de adaptar suas estruturas e ferramentas para coadjuvar esse processo de reformas modernizantes.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15-16 de agosto de 2018

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Um programa insuficiente de politica externa: comentarios pessoais - Paulo Roberto de Almeida


Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: comentários a um programa de política externa; finalidade: esclarecimento]


Introdução
Insuficiente, segundo o dicionário do Google (convertido em “pai dos burros”, nos tempos que correm), é a condição ou qualidade de alguma coisa, qualquer coisa, “que não é suficiente” – o que é, obviamente, uma redundância – ou então que é “pouco, escasso”, ou então “que não alcança a qualidade necessária; fraco, medíocre, insatisfatório”. Pois bem, por que digo isto?
Acabo de tomar conhecimento do programa do candidato Bolsonaro ao governo do Brasil, um documento sintético de 81 páginas, com muitos adjetivos e grandes exclamações, das quais, confesso, não ter lido mais do que meia página, a 79, relativa à política externa que o candidato pretenderia exercer. Na verdade, essa seção, ínfima, portanto correspondendo inteiramente às definições acima, não se dedica exatamente ao tema, como se pode verificar que transcrição que efetuo aqui abaixo: 

            O “programa” de política externa
O NOVO ITAMARATY(p. 79 do documento)
    A estrutura do Ministério das Relações Exteriores precisa estar a serviço de valores que sempre foram associados ao povo brasileiro. A outra frente será fomentar o comércio exterior com países que possam agregar valor econômico e tecnológico ao Brasil.

    Deixaremos de louvar ditaduras assassinas e desprezar ou mesmo atacar democracias importantes como EUA, Israel e Itália. Não mais faremos acordos comerciais espúrios ou entregaremos o patrimônio do Povo brasileiro para ditadores internacionais.

    Além de aprofundar nossa integração com todos os irmãos latino-americanos que estejam livres de ditaduras, precisamos redirecionar nosso eixo de parcerias.

    Países, que buscaram se aproximar mas foram preteridos por razões ideológicas, têm muito a oferecer ao Brasil, em termos de comércio, ciência, tecnologia, inovação, educação e cultura.

    Ênfase nas relações e acordos bilaterais. 

Feita a transcrição, vejamos o que eu poderia dizer sobre esse “programa” que não é um programa, e sim um ajuntamento de frases, manifestamente a cargo de um neófito – definição deste substantivo masculino, tudo relativo à religião: “pagão recém-convertido ao cristianismo; pessoa que vai receber o batismo ou recentemente batizada; cristão-novo” –, pouco afeito aos temas de política externa, a quem encarregaram de dizer algumas coisas sobre o que se imagina ser o trabalho do Itamaraty. Vou apenas analisar topicamente o que me parecem ser a insuficiências desse “programa”, e depois elaborar um pouco a respeito do seria um conjunto de propostas na área externa.

Comentários pessoais
A política externa de um governo não pode limitar-se ao Itamaraty, ainda que ele seja chamado de “novo”. O “velho” Itamaraty, do seu lado, sempre se ocupou de política externa, mas a instituição, por mais venerável que fosse, ou seja, é apenas um instrumento, uma espécie de “ferramenta”, a serviço da política externa, que é definida, vale lembrar, pelo presidente da República. Sua estrutura, seja alguma nova ou mantida a “velha”, não tem muito a ver com a substância mesma dessa política externa, pois trata-se de uma ferramenta operacional que pode ser mudado segundo os requerimentos da política externa, que tampouco pode ser resumida unicamente aos “valores do povo brasileiro”, ou às atividade de “comércio exterior”. Ela abrange uma vasta gama de temas – bilaterais, regionais e multilaterais – nos terrenos político, econômico, ou de cooperação científica e tecnológica e de assistência ao desenvolvimento, assim como de apoio à capacitação do Brasil numa série de terrenos, como por exemplo, de atração de investimentos e até de engajamento em operações de paz, eventualmente determinadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. 
O segundo item do “programa” não é exatamente uma proposta, mas uma simples invectiva contra as deformações daquilo que pode ser chamado de “diplomacia lulopetista”. É certo que o lulopetismo diplomático cultivou boas relações diplomáticas – e até em outras esferas – com as ditaduras mais execráveis da região e do mundo, mas uma mudança nessa área significa apenas retornar ao padrão normal do Itamaraty, que sempre foi o de manter relações corretas com quaisquer países, sem expressar opiniões ou manter “relações paralelas” – clandestinas ou secretas, como infelizmente foi o caso naquele regime – com alguns deles, em função de simpatias ideológicas, ou até de interesses não exatamente republicanos, possivelmente na linha daquilo que o lulopetismo fazia no próprio plano interno, sobretudo em matéria de iniciativas econômicas ou acordos “espúrios” com essas ditaduras. Não cabe, no entanto, num programa de governo, efetuar distinções desse tipo, apontando para certos países e não outros; se for para seguir o padrão “normal” do Itamaraty, que é o de uma diplomacia universalista, e portanto, não discriminatória, o correto está em manter relações com todos os demais membros da comunidade internacional, segundo nossos interesses. 
O mesmo tipo de discriminação ocorre, em certa medida, no item seguinte, que diz expressamente isto: “Além de aprofundar nossa integração com todos os irmãos latino-americanos que estejam livres de ditaduras, precisamos redirecionar nosso eixo de parcerias.” O conceito de integração é muito vago, pois depende de qual conteúdo se lhe pretende imprimir, se zona de livre comércio, ou uma simples área de preferências tarifárias, ou mesmo a continuidade desse projeto de mercado comum, que é o objetivo do Tratado de Assunção, que criou o Mercosul. Um programa de governo não deveria expressar essa restrição qualitativa no caso de “ditaduras”, pois introduziria certo grau de subjetivismo nas políticas de governo, uma vez que existem outras ditaduras com as quais o Brasil mantém relações normais, sem todavia pretender aprofundar qualquer tipo de integração ou cooperação mais estreita. 
O Brasil, na verdade, necessita de maior inserção internacional, o que pode ser feito por abertura econômica e liberalização comercial, até de forma unilateral se for o caso. Processos de integração requerem negociações bilaterais ou plurilaterais que são necessariamente lentas e difíceis, mas mesmo isso exige uma definição prévia de qual seria a sua política comercial, de modo estrito, e, de modo amplo, a sua política econômica externa. Por outro lado, “redirecionar o eixo de parcerias” não prejulga minimamente quanto à natureza ou a orientação dessa “reorientação”. 
Não parece haver, por outro lado, uma estratégia muito clara quanto a esses “países que foram preteridos por razões ideológicas”, pois a frase soa mais como uma reclamação contra o lulopetismo diplomático (que de resto já, mudou desde os dois anos decorridos desde o final do regime companheiro) do que como um programa de governo. O Itamaraty sabe exatamente quais são os países que podem oferecer as melhores oportunidades em todos esses campos mencionados, ainda que algumas escolhas anteriores – como as de grupos regionais como Ibas, Unasul e Brics – permaneçam na agenda diplomática da atualidade, o que caberia, talvez, revisar.
Por fim, pretender atribuir “ênfase nas relações e acordos bilaterais” é uma, entre várias outras modalidades de relações exteriores, que passam ainda pelo regionalismo, multilateralismo, interregionalismo, plurilateralismo, ou simplesmente universalismo, com base numa definição ad hoc, ou seja, uma estratégia adaptada às diferentes circunstâncias dessas relações externas, de acordo com a natureza do assunto a ser tratado com parceiros estrangeiros. O bilateralismo estrito é necessariamente redutor das oportunidades oferecidas pela economia global, quando se assistem a negociações de mega-acordos comerciais, ou de investimentos, mobilizando um número muito variado de países (a exemplo do TPP ou de outros na área da Ásia Pacífico). 

Um programa de política externa
Um programa consistente de política externa deve partir de diretrizes gerais, que são definidas basicamente a partir das grandes orientações diplomáticas e econômicas de um governo determinado, para depois se debruçar sobre áreas temáticas: relações políticas nos planos bilateral, regional e multilateral, justamente, ou sobre os objetivos econômicos que se pretende alcançar, = situados nas área de comércio, investimentos, laços de cooperação em ciência e tecnologia, etc. Cabe dar devida atenção à “geografia” da política externa, ou seja, as prioridades no imediato entorno geográfico e a amplitude que se pretende dar às grandes parcerias externas: a Ásia, com destaque para a China, se afirma claramente como a área de maior dinamismo relativo na economia global, mas a África também parece oferecer boas perspectivas de crescimento econômico nos próximos anos. 
Existem, por outro lado, temas que já estão colocados na agenda internacional, e sobre os quais o Brasil precisa ter posições claras, e definir alianças pragmáticas, não aquelas ditadas por simpatias ideológicas como parecia ser o caso anteriormente. Outros temas podem resultar da própria iniciativa do Brasil, como o aprofundamento da integração regional, por exemplo. Muitos dos temas que devem necessariamente integrar uma agenda de política externa passam, antes, por reformas internas, pois parece meridianamente claro que é o Brasil que se encontra defasado em relação à agenda da globalização, introvertido e protecionista como ele sempre foi, e ainda é. 
Diretrizes setoriais precisam ser definidas com clareza em função dessas mesmas necessidades (ou carências) internas, e elas passam, por exemplo, por uma agenda de produtividade, que por sua vez remete a um programa – talvez a uma verdadeira revolução – no plano educacional, provavelmente o maior desafio que a sociedade brasileira tem para consigo mesma. A política externa pode ser orientada para essas áreas, mas as diretrizes a serem dadas ao Itamaraty – bem como às outras agências do governo – precisam partir do presidente, ou de seu gabinete, com uma visão clara, integrada, de como a agenda de reformas internas vai se coordenar com a ação externa do Itamaraty. Relações regionais e com grandes parceiros também precisam adequar-se a essa lista de prioridades gerais do governo, e não serem definidas de modo abstrato, ou principista, para serem conduzidas de modo mecânico pelo Itamaraty.
De forma geral, o Brasil precisa passar por reformas radicais no plano interno, e a política externa tem de ser coadjuvante desse processo. O ingresso do Brasil na OCDE, por exemplo, não pode ser visto como um objetivo em si, mas meramente como um meio para acelerar, aprofundar, qualificar esse processo de reformas internas, preferencialmente visando à intensificação de nossa inserção na economia global, o único caminho para uma modernização exitosa das estruturas internas. 
Havendo uma definição clara de quais objetivos o Brasil pretende atingir nos planos interno e externo, o Itamaraty, novo ou “velho”, será perfeitamente capaz de adaptar suas estruturas e ferramentas para coadjuvar esse processo de reformas modernizantes.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15-16 de agosto de 2018

segunda-feira, 12 de março de 2018

Rubens Barbosa: um programa de trabalho para a próxima diplomacia (FSP, 11/03/2018)

Brasil precisa definir o que quer de sua política externa, diz embaixador

Para Rubens Barbosa, ainda estamos presos a percepções e conceitos político-econômicos superados

RESUMO Autor responde a artigo de Armínio Fraga e Robert Muggah e defende que a inserção do país na ordem liberal internacional passa também pelo comércio exterior e a política industrial. Ele entende ser urgente que o Brasil defina seus interesses reais e assuma seu papel de décima economia mundial. 

Em estimulante artigo na Ilustríssima de 4/2, Armínio Fraga e Robert Muggah chamam a atenção para as rápidas transformações da ordem liberal mundial e discutem a oportunidade que se abre ao Brasil para reformular sua política e economia e, no processo, reposicionar-se no tabuleiro das relações internacionais.
Ressaltando que a posição tanto do governo quanto do setor privado tem sido ambígua em relação às mudanças globais, os articulistas pregam o engajamento mais eficaz do país na reformulação de uma nova e mais progressista ordem liberal internacional. Na conclusão, esperam a eleição de um candidato que defenda uma agenda ampla e profunda de reformas.
A provocação é importante e oportuna porque suscita o debate sobre o lugar do Brasil no mundo, num momento de grandes desafios internos e externos. O enfoque econômico do artigo deveria ser ampliado, com qualificação da capacidade de o país se engajar e influenciar a reformulação da nova ordem liberal internacional.
Para que se possa demandar maior engajamento do Brasil nesse tema —uma das muitas áreas em que o país precisa fazer sua voz ser ouvida—, a análise deve englobar questões político-diplomáticas, mas também as rápidas transformações econômicas, financeiras e de conhecimento.
O liberalismo econômico internacional, por si só, não resolve aspectos relativos ao poder e à riqueza (desenvolvimento) do país, além de estar sob intenso ataque com o esvaziamento da OMC (Organização Mundial do Comércio) e com as políticas restritivas dos EUA, da China e, em muitos setores, da União Europeia.
Para entender a posição do Brasil e suas limitações no cenário internacional, é necessário reconhecer que a fronteira que separava a agenda econômica externa da política econômica interna está desaparecendo, se é que já não desapareceu. Como consequência, a formulação da política macroeconômica deveria incluir também comércio exterior e política industrial, não podendo voltar-se quase exclusivamente à política monetária e ao combate à inflação.

GLOBALIZAÇÃO

O sistema internacional político, econômico e comercial está em acelerada transformação. A ordem global tradicional foi construída, a partir do tratado de Vestfália em 1648 (Estado-nação) e do Congresso de Viena em 1815 (concerto europeu), em torno da proteção das prerrogativas dos Estados e da criação de instituições multilaterais para assegurar a paz, a segurança e a ordem econômica e financeira do mundo —ONU, Banco Mundial e FMI. Os países desenvolvidos tomavam decisões e impunham suas visões geopolíticas e geoeconômicas como se estivessem sozinhos.
Nas últimas décadas, as mudanças ocorridas com a globalização —positivas, como o livre-comércio, e negativas, como o aumento das desigualdades—, com a revolução nas comunicações e com o fim do mundo bipolar, estão afetando o processo decisório dos países e obrigando os governos a repensar a maneira como os desafios externos devem ser encarados.
A defesa do interesse nacional político, econômico e social está levando ao reexame desses conceitos, à superação das obsessões ideológicas (como a defesa do livre-comércio ou do nacionalismo econômico) e ao questionamento das ações dos países desenvolvidos.
As percepções sobre o novo sistema internacional devem, assim, ser coerentes com a evolução, os avanços e as rupturas em relação à ordem tradicional. Novos caminhos deveriam ser buscados a partir da atual geopolítica, caracterizada pela globalização, pelo reforço do regionalismo e pela rápida evolução da digitalização.
A nova ordem em formação está adaptando os conceitos vigentes até aqui à realidade de um mundo mais interconectado e que enfrenta desafios como terrorismo, ataques cibernéticos, armas nucleares, mudanças climáticas, desigualdade, guerras localizadas e crises imigratórias. A soberania não é mais um conceito absoluto, e as organizações internacionais deverão ser reformuladas.

CONCEITOS SUPERADOS

No Brasil, ainda estamos presos a percepções e conceitos superados. Não houve renovação no pensamento estratégico em grande parte do governo, do setor empresarial e da comunidade acadêmica.
Como inserir o Brasil nessa nova ordem internacional em mutação com novos conceitos e novas maneiras de ver o que está acontecendo ao nosso redor? Pouco se discute sobre isso.
Das lições da economia política internacional clássica, valeria a pena resgatar os conceitos de poder e de desenvolvimento. Ambos caminham juntos. O crescimento do poder reduz a vulnerabilidade externa, reforça a voz do país no mundo e garante a segurança e a defesa. O desenvolvimento amplia o PIB pela re-industrialização, pela diversificação produtiva, pela expansão do comércio exterior e pelo fortalecimento da defesa. O ex-ministro Olavo Setúbal, de quem fui chefe de gabinete, costumava repetir: poder é PIB.
Está superado o debate entre liberalismo econômico e neo-desenvolvimentismo, entre agricultura e indústria, assim como saber se o desenvolvimento leva à industrialização ou se a especialização produtiva conduz ao crescimento.
No caso do Brasil, por seu território, sua população e suas riquezas naturais, a importância de sua inserção geopolítica deve —também e sobretudo— ser levada em conta na formulação das políticas econômica, industrial, de comércio exterior, de inovação/tecnologia e externa (que tem, entre suas prioridades, a defesa do desenvolvimento econômico do país).
Quando se analisa o lugar do Brasil no mundo e sua possível influência no cenário internacional, devemos partir de algumas premissas.
Como pano de fundo, deve-se reconhecer que a América do Sul está na periferia das transformações econômicas e tecnológicas, está longe dos principais centros dinâmicos de comércio (Ásia) e, até aqui, não está contaminada pela ameaça terrorista e de grandes crises sociais, guerras e refugiados (como Europa e Oriente Médio).
Em compensação, a região está mais perto da principal potência militar, econômica, financeira, comercial e política do mundo (EUA), cercada de enormes incertezas, como o início de uma guerra comercial por motivação protecionista (Donald Trump) nos próximos anos.

O QUE FAZER

Encontrar seu lugar e sua voz no mundo, compatíveis com o papel de uma das dez economias mundiais, é prioridade inadiável para o Brasil. Urge definir nossos reais interesses. Como nos posicionar diante do sistema liberal internacional e do nacionalismo econômico? O que queremos das relações com os EUA, com a China, com a União Europeia, com os vizinhos sul-americanos e com os Brics? Não será fácil chegar a tais definições, dada a atual divisão existente na sociedade brasileira.
Ao discutir o que queremos para o Brasil no novo cenário internacional, teríamos de levar em conta diversos aspectos.
Do ponto de vista político, diplomático e comercial é necessário:
(i) integrar o país nos fluxos dinâmicos de comércio exterior e da economia global, ampliando a competitividade da produção nacional com a simplificação dos processos decisórios e regulatórios;
(ii) assumir a efetiva liderança na América do Sul, o que não significa dominação nem hegemonia, e sim discutir o papel do Mercosul e de nosso relacionamento bilateral;
(iii) ampliar a voz do Brasil nos organismos internacionais; e
(iv) pôr fim ao seu isolamento nos entendimentos comerciais, ampliando as negociações bilaterais e com megablocos, como União Europeia e mesmo Ásia, examinando a conveniência de aderir à Parceria Ampla e Progressiva Trans-Pacífica.
Do ângulo econômico e tecnológico, deve-se:
(i) promover a gradual abertura da economia e a modernização das regras para aproximá-las de padrões internacionais;
(ii) reduzir o papel do Estado, aprovar reformas estruturais (tributária, da Previdência) e desenvolver projetos de infraestrutura que reforcem a competitividade da economia e da produção nacional;
(iii) definir políticas para atrair investimentos em áreas de interesse estratégico, promover indústrias com vantagens comparativas e aumentar as exportações;
(iv) apoiar iniciativas visando aperfeiçoamento da educação e desenvolvimento de pesquisa em inovação e tecnologia de ponta;
(v) aproveitar as facilidades financeiras oferecidas pelo Brics para projetos de infraestrutura e ampliar a cooperação econômica entre o Brasil e os outros membros;
(vi) tornar-se membro pleno da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) a partir do programa de ação conjunta aprovado pelo governo brasileiro em fevereiro de 2015.
Assim como ocorre com a política econômica, a discussão sobre o papel do Brasil no mundo e a definição do que queremos nas nossas relações externas deveriam estar na agenda da eleição presidencial de 2018.
Um projeto de modernização do Brasil dentro desse amplo contexto deveria ser prioridade para os candidatos comprometidos com um programa mínimo a ser implementado a partir do próximo governo, a fim de definir um lugar significativo do país no mundo, superando os desafios internos e externos.

Rubens Barbosa, 79, ex-embaixador do Brasil em Washington, é presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comercio Exterior (Irice).