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sábado, 25 de fevereiro de 2017

E ja que falamos em Zweig: resenha de duas obras sobre o Brasil, pais de (do?) futuro - Paulo Roberto de Almeida

Fiz esta resenha dupla mais de dez anos atrás, mas acabo de me lembrar, em função desses trabalhos, livros e seminários sobre Stefan Zweig, o maior escritor da primeira metade do século XX, que se suicidou no Brasil 72 anos atrás, no Carnaval, justamente.
Paulo Roberto de Almeida 



Futuro preterido?: Zweig e um projeto para o Brasil

Paulo Roberto de Almeida

João Paulo dos Reis Velloso e Roberto Cavalcanti de Albuquerque (coords.):
Brasil, um país do futuro?
(Rio de Janeiro: José Olympio, 2006, 154 p.)

Projeto de Brasil: opções de país, opções de desenvolvimento
(Rio de Janeiro: José Olympio, 2006, 222 p.).


O Fórum Nacional do ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso sempre organiza, ademais dos encontros anuais, foros especiais dedicados a temas específicos. Em 2006 foram organizados dois, conectados pelo tema comum de se lograr um “projeto de Brasil”, suas opções de país e de desenvolvimento. Estes dois livros resultam desse esforço de diagnóstico e de proposição.
Stefan Zweig teria gostado de assistir ao seminário que lhe foi dedicado, em setembro de 2006, por ocasião do 125º aniversário de seu nascimento e dos 65 anos da publicação do seu livro tão famoso, quanto desconhecido (hoje), terminado poucos meses antes do suicídio do autor, no carnaval de 1942, em Petrópolis. Ele concordaria com o artigo indefinido e talvez até com o ponto de interrogação. A primeira edição brasileira modificou o título original, agora restabelecidoBrasilien, ein land der Zukunft, não der land e o colóquio agregou a condicionalidade, refletindo o ceticismo dos examinadores quanto à utopia não realizada. No essencial, Zweig provavelmente se alinharia aos argumentos dos seus revisores contemporâneos.
Alberto Dines, autor de uma biografia que pode considerar-se completa do escritor austríaco – Morte no Paraíso: a tragédia de Stefan Zweig (3ª ed.; Rio de Janeiro: Rocco, 2004) –, considera que Zweig, depois de assinar mais de quarenta biografias de personalidades mundiais, fez a biografia de uma nação, no “inferno do Estado Novo”. Como ele diz, essa obra “tornou-se a crônica mais conhecida e a menos discutida, a mais celebrada e mais negligenciada” do Brasil. Ela foi um dos primeiros lançamentos simultâneos da história editorial mundial: oito edições em seis línguas diferentes. Em vista dos percalços recentes no processo de crescimento, parece difícil concordar com Zweig em que, “quem conhece o Brasil de hoje, lançou um olhar sobre o futuro”.
Bolívar Lamounier e Regis Bonelli examinam, respectivamente, os avanços políticos e econômicos obtidos pelo Brasil desde que Zweig traçou seu diagnóstico sobre o Brasil do início dos anos 1940. Para Lamounier, o Brasil é um país de “muitos futuros”, mas ele critica as utopias institucionais que frequentemente pretendem revolucionar a participação e as formas de se fazer política no país: a romântico-participativa da democracia direta,  a do parlamentarismo clássico que ressurge sempre em momentos de crise e a utopia barroca do presidencialismo plebiscitário. Já Bonelli opera uma “volta para o futuro” ao examinar os elementos de continuidade e de mudança na esfera econômica: o Brasil certamente mudou muito, nesse terreno, mas a propensão a esperar tudo do Estado permanece, assim como uma certa desconfiança dos mercados externos. Algumas mudanças foram na direção errada, como o aumento na tributação, outras permanências são irritantes, como a péssima distribuição de renda e as incertezas jurídicas. Finalmente, o “fantasma do estrangulamento externo” estaria, de fato, superado?
Boris e Sérgio Fausto acrescentam um ponto de interrogação ao título de Zweig, temperando o otimismo do autor com certa dose de pessimismo. Não se trata do niilismo da esquerda, que vê na “dominação imperialista” a razão do nosso atraso. O duplo nó górdio da carga tributária e do gasto público limita hoje as possibilidades de crescimento. João Luís Fragoso analisa a “equação” de Zweig para o Brasil: concentração de poder + tolerância. Três comentários finais tratam das promessas não cumpridas de um olhar estrangeiro, do futuro que já chegou sob a forma da votação eletrônica e das dificuldades para a retomada de taxas razoáveis e sustentáveis de crescimento. No conjunto, o livro oferece uma boa visita ao que se poderia chamar de “futuro do pretérito”.

O segundo livro, Projeto de Brasil, é na verdade uma tripla obra. A segunda parte apresenta dois estudos de especialistas acadêmicos sobre emprego e inclusão digital. A terceira parte consiste, tão simplesmente, na transcrição (talvez dispensável, em retrospecto) da visão de Brasil defendida pelos quatro principais candidatos nas eleições presidenciais de 2006: Lula, Alckmin e Heloisa Helena, pelos respectivos coordenadores de campanha, e Cristovam Buarque, pelo próprio. Digo dispensável porque qualquer um deles, se eleito, dificilmente seguiria as pomposas recomendações dos respectivos programas, que a rigor não possuíam nenhuma importância substantiva. A primeira e mais importante parte constitui uma síntese, por João Paulo dos Reis Velloso, de propostas para uma agenda nacional, com base em todas as ideias de modernização do Brasil formuladas desde o surgimento do Fórum por ele presidido, em 1988. Ele consegue resumir claramente os principais obstáculos ao desenvolvimento do país, mostrando-o como um “Prometeu acorrentado”, que vive hoje uma crise de “autoestima”, em uma “era de expectativas limitadas” (apud Paul Krugman).
As opções de país que ele propõe são, nominalmente: o desenvolvimento como valor social, prioridade máxima à segurança, reforma política para construir um sistema político moderno, um Estado “inteligente” (com legislativo e judiciário modernos), a revolução do império da lei, da equidade, da tolerância e dos valores humanistas e a opção por uma sociedade moderna. Quanto às opções de desenvolvimento, elas consistem em três conjuntos de tarefas: a criação de bases para um crescimento sem dogmatismos, uma estratégia de desenvolvimento baseada na inovação e na sociedade do conhecimento e o progresso com inclusão social e portas de saída para os pobres. Ele conclui dizendo que subdesenvolvimento não é destino, é apenas o reflexo de opções equivocadas. Oxalá o Prometeu pudesse tomar consciência de quais são elas, exatamente. Aparentemente, além das correntes estatais, ele está com um pouco de cera nos ouvidos e ainda usa viseiras conceituais.

Brasília, 26 de janeiro de 2007.
Publicada em Desafios do Desenvolvimento
(Brasília: IPEA-PNUD, ano 4, n. 31, fevereiro de 2007)

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Prata da Casa, os livros dos diplomatas - Paulo Roberto de Almeida (Revista ADB, 3/2016)

Não sei quando a revista vai estar disponível para distribuição, assim que já posto minha colaboração, abaixo, como sempre fiz: miniresenhas de livros de diplomatas:


Prata da Casa - Revista ADB: 3ro. quadrimestre 2016

Paulo Roberto de Almeida
Revista da Associação dos Diplomatas Brasileiros
(ano 23, n. 94, setembro-dezembro 2016, p. xx-xx; ISSN: 0104-8503)


(1) João Ernesto Christófolo: Solving Antinomies Between Peremptory Norms in Public International Law (Genebra-Zurique: Schultess Éditions Romandes, 2016, 354 p.; ISBN: 978-3-7255-8599-1)

Dentre os poucos diplomatas com teses de doutorado publicadas, a deste autor é provavelmente a única a integrar a coleção Genevoise da Faculdade de Direito da Universidade de Genebra, com menos de vinte outras no campo do direito internacional. Christófolo trata de uma questão conhecida dos internacionalistas do direito, desde Grotius e Vattel, mas, a despeito da vasta literatura já existente a esse respeito, pouco se tem estudado a questão dos conflitos entre as próprias normas peremptórias. Sua tese vem preencher uma lacuna, daí a inclusão nessa coleção restrita, inclusive porque não se tem uma hierarquia clara entre conflitos normativos e qual norma deve prevalecer. Ele propõe uma teoria para tratar dessa lacuna, dentro da teoria geral do jus cogens. Impressionante o número de casos estudados. Parabéns.


 (2) Jose Vicente Pimentel (org.): Pensamiento diplomático brasileño: formuladores y agentes de la política exterior, 1750-1964 (Brasília: Funag, 2016, 3 vols.; ISBN: 978-85-7631-588-9)


Versão em espanhol, precedendo uma próxima versão em inglês, desta obra coletiva que, lançada originalmente em português em 2013, já se tornou um clássico dos estudos de história intelectual no Brasil, focando a contribuição dos personagens mais relevantes que moldaram, explicaram ou conduziram (simultaneamente, em diversos casos) a política externa brasileira (ou mesmo antes, no caso de Alexandre de Gusmão), ao longo de mais de dois séculos de afirmação de uma diplomacia que tornou-se respeitada na região e no mundo. Esta obra deve alicerçar ainda mais o prestígio dessa diplomacia entre os vizinhos, e reforçar os seus méritos em escala mais ampla, quando a edição em inglês estiver disponível. Original, sob diversos aspectos, essa bela iniciativa analítica deveria ter continuidade em novas vertentes.


(3) Flavio Goldman: Exposições universais e diplomacia pública (Brasília: Funag, 2016, 296 p.; ISBN: 978-85-7631-614-5; Coleção CAE)


A despeito de ter sediado dois grandes eventos entre 2014 (Copa do Mundo) e 2o16 (Olimpíadas), o Brasil ainda não hospedou uma exposição universal, que costuma ser a marca de elevação do país anfitrião a um padrão mais elevado de desenvolvimento, mas participou de quase todas elas, desde a segunda metade do século XIX. Esta tese de CAE faz um levantamento primoroso do papel desses grandes eventos, em grande medida beneficiada pelo fato de seu autor ter atuado na candidatura de São Paulo a uma exposição desse tipo: depois de um histórico de sua realização em diversos países, geralmente desenvolvidos, e da participação do Brasil, Goldman trata as exposições como eventos de diplomacia pública, mostrando como o país poderia entrar nesse “universo” grandioso de prestígio internacional.


(4) Acir Pimenta Madeira Filho: Instituto de cultura como instrumento de diplomacia (Brasília: Funag, 2016, 228 p.; ISBN: 978-85-7631-623-7; Coleção CAE)


Institutos culturais são comuns em países dotados de um histórico de grandes contribuições à cultura universal, mas podem, também, ser usados como instrumentos úteis de atuação externa no caso de países que precisam, justamente, corrigir certos estereótipos que persistem na comunidade mundial. O Brasil já possui diversos tipos de “soft power”, e Pimenta demonstra como eles podem ser mobilizados para ajudar a “vender” bens tangíveis e produtos intangíveis. Ele examina os casos da França, Reino Unido, Alemanha, Itália, Japão, Espanha, Portugal e China, e com maior detalhe os exemplos da Aliança Francesa e Instituto Cervantes, para então propor a criação de um Instituto Machado de Assis, que seria não apenas de cultura, mas também de internacionalização da língua portuguesa. Excelente proposta!


(5) Felipe Hees: O Senado Federal brasileiro e o sistema multilateral de comércio (1946-1967) (Brasília: Funag, 2016, 383 p.; ISBN: 978-85-7631-626-8; Coleção Política Externa Brasileira);


O parlamento brasileiro comparece ocasionalmente em estudos da política externa, poucas vezes em estudos aprofundados de temas relativamente complexos de nossa interface externa, como é o caso da diplomacia comercial. Este trabalho, inédito na bibliografia especializada, cobre a atuação do Senado em torno da participação do Brasil no Gatt, no período da Constituição de 1946, que assistiu à construção de um dos mais arraigados sistemas protecionistas no mundo, como sublinha o prefaciador, embaixador Paulo Estivallet de Mesquita, além de o país continuar insistindo no famoso tratamento especial e diferenciado em favor de países em desenvolvimento. Com todos esses percalços, o Brasil foi um dos maiores participantes nas negociações comerciais multilaterais, processo coroado, recentemente, com a direção da OMC.


(6) Paulo Roberto Campos Tarrisse da Fontoura; Maria Luiz Escorel de Moraes; Eduardo Uziel (orgs.): O Brasil e as Nações Unidas, 70 anos (Brasília: Funag, 2015, 532 p.; ISBN: 978-85-7631-569-8; Coleção História Diplomática)


Esta obra coletiva é excepcional a mais de um título. Apresenta, em sua primeira parte, as instruções e o relatório da delegação brasileira à conferência de criação da ONU, precedidos de uma introdução a essa documentação histórica por Eduardo Uziel, que esclarece sobre os textos fundadores da posição brasileira, entre eles a Ata de Chapultepec, do início de 1945, e os planos traçados em Dumbarton Oaks (transcritos no Anexo 1) e comentários a estes por diversos países. Na segunda parte, comparecem seis diplomatas (Eugenio Garcia, Ronaldo Sardenberg, Celso Amorim, Gelson Fonseca, Maria Luiza Viotti e Antonio Patriota) com textos históricos e analíticos sobre a ONU, sobre a participação do Brasil no CSNU e sobre as perspectivas de reforma para a ampliação deste último.


 (7) Sérgio Eduardo Moreira Lima (org.): Visões da obra de Hélio Jaguaribe (Brasília: Funag, 2015, 135 p.; ISBN: 978-85-7631-539-1)


Em homenagem feita pelos 90 anos do grande pensador do nacionalismo brasileiro, Samuel Pinheiro Guimarães analisou sua contribuição para a diplomacia, enfatizando a “notável atualidade nas ideias que [HJ] defendeu para a política externa”. Para “demonstrar” tal atualidade, destacou trechos do livro O Nacionalismo na Atualidade Brasileira, de 1958, indicando as similaridades com as políticas e posturas defendidas de 2003 a 2016 pela diplomacia brasileira, da qual ele foi um dos principais ideólogos. As mesmas oposições à época destacadas por HJ, entre o capital estrangeiro e o nacional, a autonomia ou a submissão ao império, a união da América Latina para “neutralizar o poder de retaliação dos Estados Unidos” (p. 89), seriam plenamente atuais (pelo menos para essa diplomacia). Como se queria demonstrar...


 (8) Sérgio Eduardo Moreira Lima (ed.): Global governance, Crossed perceptions (Brasília: Funag, 2015, 444 p.; ISBN: 978-85-7631-538-34; coleção Eventos)


O editor preservou o prefácio do verdadeiro organizador do seminário que resultou de uma colaboração da Funag com a Universidade de Bolonha, promovida pelo seu ex-presidente, embaixador José Vicente Pimentel. Foi ele quem assinou, em 2012, o acordo de cooperação ao abrigo do qual foi realizado o encontro, no Rio, em 2013, que também dirigiu. Ele convidou 17 peritos, entre os quais um único diplomata brasileiro, o então Secretário de Assuntos Internacionais da Fazenda, Carlos Márcio Cozendey. Mas este tratou da União Europeia e da governança global à luz da Grande Recessão, na segunda parte, que tratou do papel da Europa. A primeira se ocupou do papel da China e dos EUA, e as duas últimas dos emergentes, da América Latina e da Ásia e da África. Percepções bem fundamentadas em todo caso.


Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20 de dezembro de 2016.

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Prata da Casa: meu bestseller editorial, continua "vendendo"...

 Não é para me vangloriar, mas parece que caiu no gosto do público.
Pelo menos aquela obrigado a enfrentar as questões do CESPE ( um bando de...) para ingressar na carreira...
Vou fazer uma edição 2015, revista, atualizada, aumentada...
Paulo Roberto de Almeida

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sábado, 9 de maio de 2015

Diplomacia e politica externa dos EUA: livro de fontes e analises - Major Problems in American Foreign Relations (resenha PRA)

Do tempo em que eu fazia resenhas mais alentadas. Ainda faço, mas com a falta de tempo e a multiplicação dos livros, tenho tido de apelar para as mini-resenhas. Dá trabalho igual para ler o livro, mas o fato de ter de escrever poucas linhas me poupa de um ou dois dias de trabalho depois.
Paulo Roberto de Almeida


[“História documental das relações exteriores dos Estados Unidos” Resenha-apresentação de] Thomas G. Paterson, Dennis Merril (orgs.): Major Problemas in American Foreign Relations. 4ª ed.; Lexington: D. C. Heath and Co., 1995; Volume I: To 1920 (576 pp.); Volume II: Since 1914 (755 pp.), Revista Brasileira de Política Internacional (vol. 40, n. 2, julho-dezembro 1997, p. 181-183; doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-73291997000200013; link: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S0034-73291997000200013&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt). Relação de Trabalhos n. 594; Publicados n. 212.

Revista Brasileira de Política Internacional

versão impressa ISSN 0034-7329

Rev. bras. polít. int. v.40 n.2 Brasília jul./dez. 1997

http://dx.doi.org/10.1590/S0034-73291997000200013


Paulo Roberto de Almeida

PATERSON, Thomas G. e Dennis Merril (orgs.). Major Problems in American Foreign Relations. 4ª ed.; Lexington, Mas.: Heath, 1995. Volume I: To 1920 (576 p.); Volume II: Since 1914 (755 p.)
A obra integra uma coleção original editada sob a direção do historiador Paterson, da Universidade de Connecticut, "Major Problems in American History Series", que já publicou mais de duas dezenas de títulos de história política, social, regional ou sobre períodos determinados da história dos Estados Unidos. Em todos esses "major problems", o modelo básico é o mesmo: uma seção de "fontes primárias", seguida de análises por historiadores reputados nos diversos campos ou períodos em causa. No caso desta obra sobre as relações exteriores, houve um progresso conceitual em relação às três primeiras edições, cujos títulos remetiam tão simplesmente à American Foreign Policy, noção agora ampliada para a abordagem do conjunto das interações (econômicas, políticas, militares, culturais) entre sociedades, organizações e Estados envolvidos em quase três séculos de história daquele país. O primeiro dos dois alentados volumes trata das relações da nação americana com o mundo desde o período colonial (o primeiro documento é de 1630) até o final da Primeira Guerra Mundial e o segundo – cujo primeiro capítulo de documentos históricos é exatamente o mesmo que conclui o primeiro livro – examina o período subsequente, até o final da Guerra Fria (o último documento é um artigo de Brzezinski na Foreign Affairs, do outono de 1992).
Cada um dos volumes tem início por um capítulo metodológico que antecipa a documentação de referência e os ensaios setoriais. O do primeiro tem caráter explicativo – ele se chama, precisamente, "Explaining American Foreign Relations" –, no qual autores consagrados situam o contexto e explicam as principais características e realizações das relações exteriores da nação americana, com destaque para a política de "portas abertas", a "busca do poder", o "racismo na ideologia americana" e o que se poderia chamar de concepção washingtoniana do mundo ("The Unique American Prism"). No segundo volume, de forma similar, estudiosos acadêmicos examinam, em "Approaching the Study of American Foreign Relations", as próprias interpretações sobre o itinerário dos Estados Unidos em direção do status de grande poder mundial, discutem os valores e condicionantes de sua presença no mundo e introduzem os grandes temas que moldaram suas relações internacionais, inclusive, no que se refere ao período contemporâneo, a questão do "gênero", o que não deixa de ser politicamente correto. Para William Appleman Williams, por exemplo, que muito influenciou os estudos subsequentes com o seu The Tragedy of American Diplomacy(1959), o expansionismo econômico – Open Door Policy – é a chave para entender as relações exteriores dos Estados Unidos, o que terminou por violar os próprios princípios sobre os quais elas deveriam se assentar.
A estrutura formal dos 14 capítulos substantivos do primeiro e dos 13 do segundo volume, é, como se disse, idêntica: entre cinco e dez documentos relevantes para cada uma das fases examinadas – geralmente declarações presidenciais, notas de chancelaria ou textos de autores contemporâneos aos problemas tratados –, complementados por três a quatro ensaios de especialistas no tema ou no período em questão. Tem-se inicialmente, portanto, uma abordagem direta pelas fontes primárias, seguida de interpretações de scholars. Os ensaios destes últimos revelam como diferentes analistas colocam os documentos em perspectivas diversas e chegam a conclusões por vezes divergentes, quando não a concepções opostas sobre os mesmos processos, confrontação aliás deliberadamente buscada pelos dois organizadores.
Entre a era colonial e o final da Guerra Fria, um longo itinerário de afirmação internacional se desenha, a partir da expansão territorial no continente (pela aquisição ou pela conquista) e da presença econômica e militar nas regiões adjacentes e mesmo algumas longínquas (como a China e as Filipinas). Episódios dessa lenta evolução para uma política internacional de poder são a Doutrina Monroe, o destino manifesto e o envolvimento em questões internacionais, no Caribe, no Atlântico e no Pacífico. A América Latina, enquanto tal, à exceção do problema cubano, sequer comparece nas entradas de documentos selecionados ou na discussão dos problemas das relações exteriores dos EUA. A falta de um índice – falha geralmente imperdoável em edições norte-americanas, mas neste caso uma lacuna compreensível em virtude da concepção mesma da obra – dificulta, por exemplo, conferir quantas vezes o Brasil "entrou" na agenda do Department of State: provavelmente em raras ocasiões. Assim, a "good neighbour policy" de Roosevelt ou a Aliança para o Progresso de Kennedy sequer são citadas, mas Cuba e a crise dos mísseis comparecem com não menos de treze documentos em um importante capítulo. A política de "big stick" do energicamente expansionista Theodore Roosevelt recebe um capítulo, contendo, é verdade, um documento do chanceler argentino Luis Maria Drago contra o recolhimento forçado de dívidas, mas ainda assim se trata mais da hegemonia norte-americana no Caribe e na América Central do que do relacionamento hemisférico em seu conjunto.
A seleção é entretanto pertinente, pois não há como negar a absoluta marginalidade da América Latina nas relações internacionais. Depois de seguir a ascensão econômica da "nova Roma" no século XIX, os organizadores dedicam o essencial de sua atenção para as crises internacionais e as grandes guerras deste século, que recebem uma cobertura praticamente completa. Vários historiadores reconhecem o unilateralismo dos Estados Unidos. O afastamento da Liga e o desprezo pela ONU nos anos recentes se combinam ao "imperial overstretch" e ao declínio relativo sublinhados por Paul Kennedy, mas foram também os EUA que construiram, em grande medida, o multilateralismo contemporâneo.
Os organizadores conseguiram colocar estudantes e pesquisadores em contato com os documentos "fundadores" da diplomacia dos EUA, reunindo igualmente um leque respeitável e demonstrativo de seus mais ilustres intérpretes. Trata-se, pois, de excelente obra de referência e de estudo, cujo modelo estrutural e exemplo de análise interpretativa mereceriam – por que não? – ser imitados em volume similar sobre as relações exteriores do Brasil desde 1808. Delgado de Carvalho havia elaborado algo aproximado, tanto em seu hoje esgotado História Diplomática do Brasil como no Atlas de Relações Internacionais, em cooperação com a Profª. Therezinha de Castro, ela mesma organizadora de uma também desaparecida História Documental do Brasil. Quem sabe o exemplo dos "major problems" não frutifica entre nós?

terça-feira, 5 de maio de 2015

O Brasil e o 'perigo amarelo': a crise da imigração japonesa em 1934 - Paulo R. Almeida (1990)


(Review-Article)
O  BRASIL  E  O  "PERIGO  AMARELO"

Paulo Roberto de Almeida 
PhD em Ciências Sociais. Ex-Professor de Sociologia Política na Universidade de Brasília.
Revista Brasileira de Política Internacional
(Rio de Janeiro: ano XXXIII, n. 129-130, 1990/1, pp. 137-141)

_________________________________________
Valdemar Carneiro Leão:
A Crise da Imigração Japonesa no Brasil
(1930 - 1934)  Contornos Diplomáticos
Brasília,   Fundação Alexandre de Gusmão,
Instituto de Pesquisa de Relações Interna-
cionais - IPRI - 1990, 360 pp.
Coleção Relações Internacionais nº 10.
_________________________________________

Não há nada que incomode mais a "boa consciência" dos povos do que o desafio da alteridade(diferença) e, nesta, o contato forçado com etnias e culturas diversas.  O racismo, junto com a estupidez, é provavelmente um dos fenômenos mais bem disseminados na história da humanidade, mais entranhado, talvez, no inconsciente coletivo do que a própria religião e muitos hábitos ancestrais.
A primeira metade deste século ficou conhecida pela particular perversidade com que a questão racial foi "encaminhada" em diversos países e sociedades.  Os ideólogos da "pureza" racial e do apartheid nada mais faziam, no entanto, do que colocar em prática diversas premissas "culturais" que se foram elaborando a partir dos descobrimentos, tomando impulso no racionalismo "antropológico" do século XVIII para finalmente desembocar nas teorias "científicas" sobre a supremacia ariana no século XX.  Enquanto o debate permaneceu no terreno propriamente acadêmico, ele não chegou a causar grandes tragédias humanas, embora suas consequências, a nível social, possam ter representado pequenas "tragédias" individuais, como nos demonstrou brilhante estudo do naturalista Stephen Jay Gould a este respeito.  
Mais complexa se tornou a questão quando os preconceitos legitimados "cientificamente" foram transpostos para o terreno da ação pública e derivaram em discriminação pura e simples, quando não em massacres e genocídios organizados.  A esse respeito, nenhuma outra sociedade (felizmente) conseguiu até aqui  igualar a barbárie nazista, em que pese o terrível custo humano e social de outras "experiências" de eliminação de "adversários", como o caso dos armênios sob o jugo turco ou de diversas populações asiáticas sob ocupação japonêsa.  Mas, nenhum outro empreendimento humano conseguiu ser tão cruelmente eficaz quanto a máquina burocrática da "solução final" posta em prática contra judeus, ciganos, homossexuais e outras minorias, para não falar da escravização forçada de populações eslavas inteiras.
A ideologia racista hitlerista, porém, à diferença do holocausto hélas conhecido tardiamente,  não era particularmente chocante no contexto dos anos 20 e 30, quando a tese da "inferioridade inata" de algumas "raças" parecia estar empiricamente justificada, pelo menos se se considera o contexto colonialista e eurocêntrico em que o debate era conduzido.  Ser racista não era, por assim dizer, a suprema imoralidade, sobretudo numa época de "darwinismo" social triunfante.
A percepção de uma "ameaça iminente", representada por "povos dominantes", era tanto mais realista quanto o "outro" discrepava da aparente uniformidade e homogeneidade da dominação cultural e religiosa "européia": o anti-semitismo, especialmente, tinha ampla aceitação nos mais diversos meios sociais.  Abstraindo-se o itinerário da afirmação da idéia sionista desde finais do século passado, o anti-semitismo constitui um capítulo à parte na história das tragédias humanas, ademais de ser uma ferida ainda aberta no imenso altar da imbecilidade social.
Ao lado dele, e quase que num movimento paralelo à expansão japonesa no Extremo Oriente, teve grande voga naquela época a noção de "perigo amarelo", refletindo a consciência da fragilidade européia em face das "hordas ululantes" de milhões de asiáticos querendo se projetar sobre um cenário internacional até então dominado por um punhado de nações industrializadas.  A ascenção do Japão imperial, com seu expansionismo guerreiro, também muito contribuiu para a difusão da noção de peril jaune.
A angst existêncial sobre o "perigo amarelo" também se refletiu entre nós, no decorrer da década de 30, quando a sociedade brasileira, mobilizada social e ideologicamente pelo grande debate político levado a cabo pela Assembléia Nacional Constituinte de 1933-34, tratou da questão da imigração estrangeira para o Brasil.  Com efeito, o processo de reelaboração constitucional conduzido no quadro da jovem República "liberal" deu um inusitado destaque ao "problema japonês" no Brasil, ao colocar em debate a questão dos limites ou impedimentos à imigração de determinadas etnias ou "raças".
Desde o início dos trabalhos, foram apresentadas emendas tendentes a restringir ou proibir a imigração africana e asiática, e um Deputado chegou mesmo a propor que apenas fosse permitida a imigração de "elementos da raça branca".  O objetivo aqui, mais do que proibir a entrada de africanos - que de toda forma já não viriam mais em bases voluntárias e muito menos como escravos -, era claramente o de impedir a entrada de povos asiáticos, ou seja o elemento japonês, considerado "de mentalidade estranha, de língua diversa, religião diferente e positivamente inassimilável". 
O debate na Constituinte não deixa de ser "instrutivo", quando julgado pelos argumentos avançados.  O principal proponente da proibição, recusando a pecha de racista, afirmava candidamente: "... se já prestamos um tão grande serviço à humanidade na mestiçagem do preto, é o bastante. Não nos peçam outras coisas... (...) A do amarelo, a outrem deve competir". O problema era também colocado em termos de "defesa nacional", de "segurança da pátria", ou mesmo de vida ou morte do Brasil: "Se não se acautelar... o Brasil dentro em pouco será uma possessão japonesa. (…) Aqui será o Império do Sol Poente... (…) O expansionismo japonês, aquilo que Mussolini chamou o “imperialismo dinâmico do Japão”, segue uma ordem invariável: infiltração, esfera de influência, absorção, ou se quiserem, imigração, corealização (sic), japonização (…).  Nós estamos no segundo período - esfera de influência".  Não faltavam também os que viam no "número enorme de psicopatas estrangeiros" nos manicômios nacionais - alguns deles asiáticos, descritos como "esquisóides" -  mais uma prova "irrefutável" da indesejabilidade da imigração indiscriminada para o Brasil.
Mas, antes mesmo da Constituinte, a questão racial já se tinha manifestado nas tribunas da Câmara e na própria sociedade, desde princípios dos anos 20.  Ao apresentar, em 1923, projeto de lei restritivo   sobre a questão,  e que tinha recolhido expressivo apoio na imprensa e na opinião pública  - inclusíve do respeitado sociólogo e cientista político Oliveira Vianna -, um Deputado expunha assim o lado "estético" do problema: "Além das razões de ordem étnica, moral, política e social, e talvez mesmo econômica que nos levam a repelir in limine a entrada do amarelo e do preto, (…) outra porventura existe, a ser considerada, que é o ponto de vista estético: a nossa concepção helênica de beleza jamais se harmonizaria com os tipos provindos de uma semelhante fusão racial".
Esses e muitos outros argumentos "edificantes", se se pode dizer, estão obviamente compilados na magnífica monografia histórica de Valdemar Carneiro Leão, que resenhamos aqui, cujo objetivo principal, contudo, não é  o estudo do "perigo amarelo" - strictu senso - no Brasil do primeiro Governo Vargas. O "perigo amarelo" está, bem entendido, subjacente a esse trabalho de pesquisa, que reconstitui com mão de mestre uma importante questão hoje relativamente descurada em nossa historiografia política: a do contexto internacional da política imigratória nacional. Trata-se, mais propriamente, de uma brilhante análise do comportamento do Itamaraty em face desse debate "interno", na Constituinte, sobre a "questão imigratória japonêsa", que logo ganhou inevitáveis contornos políticos ao precipitar uma crise diplomática nas relações do Brasil com o Império do Japão.
O volume agora publicado pelo Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, da Fundação Alexandre de Gusmão, foi originalmente apresentado como "tese" de conclusão ao Curso de Altos Estudos, do Itamaraty, em que se distinguiu o Autor, diplomata de carreira (atualmente Ministro de nossa Embaixada em Londres) e graduado em Relações Internacionais pelo "Institut d'Etudes Politiques" da Universidade de Paris.  Formalmente, o trabalho se compõe de 180 páginas de denso texto analítico e interpretativo, seguidas de igual volume de anexos informativos, contendo alguns documentos diplomáticos e diversos discursos e intervenções realizadas na Assembléia Nacional Constituinte entre janeiro e maio de 1934.
O texto, em si, é dividido em cinco capítulos, tratando, respectivamente, das origens e desenvolvimento da imigração japonesa no Brasil, do cenário político no início dos anos 30, do quadro geral das relações Brasil-Japão, inclusive no que concerne os trabalhos da Constituinte, os contornos diplomáticos da crise e, finalmente, a análise da ação do Itamaraty, seguidos das conclusões.  A extensa bibliografia utilizada confirma que o Autor apoiou seu relato nas melhores fontes primárias disponíveis, com destaque para os expedientes diplomáticos do Arquivo Histórico do Itamaraty e para os Anais da Assembléia Nacional Constituinte, ademais de fazer apelo a escritos contemporâneos e jornais da época e a número considerável de estudos secundários (inclusive dos principais protagonistas envolvidos no debate imigratório do processo constituinte).
Estruturalmente, os temas mais importantes do estudo estão tratados no subitem sobre os trabalhos da Constituinte do terceiro capítulo, no capítulo sobre os contornos diplomáticos da crise (com destaque para a atuação do Itamaraty) e na parte final, que analisa a ação da Chancelaria brasileira nas diversas etapas do processo de elaboração constitucional, inclusive no que respeita as motivações e forma de atuação do Ministério das Relações Exteriores. O Autor fez extenso uso das comunicações diplomáticas trocadas entre Rio de Janeiro e Tóquio durante a fase aguda da "crise", tanto a nível interno da Chancelaria brasileira, como entre os dois serviços diplomáticos nacionais.
O estardalhaço provocado pelas primeiras emendas apresentadas ("É proibida a imigração africana e só consentida a asiática na proporção de 5% anualmente sobre a totalidade dos imigrantes dessa procedência...";  "Só será permitida a imigração de elementos da raça branca...") foi contornado no plano diplomático, apesar da repercussão e da polêmica na imprensa e de uma atuação nem sempre comedida por parte do Gaimusho, o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Japão.  O veto (discreto, mas eficaz) do Itamaraty a qualquer distinção entre "raças" ou nacionalidades nas emendas restritivas da imigração apresentadas na Assembléia produziu, é bem verdade, efeitos não vislumbrados de início: descobriu-se que, ainda assim, a cota de 2% do contingente já entrado no País atingia mais os candidatos japoneses do que os europeus, com o que ficaram satisfeitos os inimigos do "perigo amarelo".  Para o Itamaraty, a questão de princípio tinha sido resolvida:  preservava-se o ingresso de imigrantes, sem qualquer discriminação, mas restringia-se o número anual em função de uma norma geral de caráter nacionalista.  Restava, é verdade, aplacar os maus humores das autoridades nipônicas, interessadas em preservar um acesso irrestrito em favor de seus nacionais.  O que foi feito nas duas capitais, não sem dificuldades.
Para o Autor, "a forma de atuação do Itamaraty ostentava perfeita coerência entre a vertente interna [iniciativas discretas junto a políticos próximos do Governo] (…) e sua complementação externa [contato permanente com a Chancelaria japonesa], sem a qual poderiam ficar a descoberto suas delicadas manobras de bastidores" (p. 162). 
Releve-se apenas, como a confirmar uma velha mania do Itamaraty, a opção preferencial pelas gestões silenciosas, com a imprensa mantida à distância, e uma aversão declarada pela "diplomacia de praça pública". Como diz o autor: a ação do Itamaraty "foi de tal modo cautelosa e de tal maneira privilegiou os canais informais que aparentemente passou indocumentada.  O corolário dessa discrição observada no plano oficial traduziu-se num comportamento igualmente silencioso perante a imprensa brasileira, à qual o Itamaraty se absteve, ao longo da crise, de fornecer informações sobre o trabalho que realizava" (p. 175).  Tal parece ser o espírito "eterno" da Casa de Rio Branco: uma intensa movimentação diplomática, dispensando as luzes dos meios de comunicação e passando pelos canais os mais discretos possíveis.
Constate-se, em todo caso, que nem sempre a opinião pública mostra-se disposta a acompanhar tal linha de atuação: no caso do debate sobre a imigração japonesa, os agitadores do "perigo amarelo" aparentemente conseguiram colocar a Nação contra o Itamaraty.  Este é provavelmente o preço a pagar por um método de trabalho (contatos internos e démarches externas) absolutamente escrupuloso e respeitador das normas geralmente aceitas entre "cavalheiros".  O certo é que, durante o que ficou caracterizado como a "crise da imigração japonesa", provavelmente mais do que em qualquer outra época de sua já longa história institucional,  o Itamaraty se viu compelido a atuar de forma tão intensa no plano político interno. 
Se a ação do Itamaraty não logrou sucesso total foi devido a duas razões principais: por um lado, o momento nacional era de clara afirmação nacionalista e de discriminação racial (um conceito atual para explicar os "ares da época") ;  por outro, o comportamento internacional do Japão, com sua agressiva política expansionista na região asiática, dificultou sobremaneira o rechaço da norma constitucional restritiva que finalmente se adotou.  Até onde pode, pelo menos, o Itamaraty conseguiu trazer a retórica parlamentar de volta ao terreno das realidades internacionais, setor onde a suscetibilidade das nações conta tanto quanto o poder econômico e político medido em termos objetivos.
O mérito principal do trabalho de Valdemar Carneiro Leão não é, contudo, o de ter mostrado que, quando preciso, o Itamaraty também é capaz de "atirar para dentro",  se ele me permite tal expressão.  Devemos lhe ser gratos, antes de mais nada, pela apreciável corvéia de ter retirado do pó dos arquivos itamaratianos uma história exemplar de "dupla ação" diplomática, no bom sentido: sincronização perfeita entre negociação externa e atuação interna. Seu texto é ainda precioso do ponto de vista metodológico: a monografia aqui resenhada condensa um trabalho original de pesquisa, constituindo-se propriamente num paradigma do gênero "história diplomática", vertente historiográfica pouco cultivada entre nós.  Como tal, ela mereceria uma divulgação mais ampla do que a habitualmente permitida pelos canais (sempre discretos, lembre-se) do Ministério das Relações Exteriores.
Louve-se, em todo caso, a iniciativa do IPRI de divulgar regularmente as melhores teses apresentadas no quadro do Curso de Altos Estudos do Itamaraty.  A Coleção Relações Internacionais já tem dez títulos publicados, mas apenas a metade desse número compõe-se de trabalhos defendidos no CAE, sendo os demais antologias de textos resultantes de seminários de estudos e outros temas de atualidade.
Curiosamente, o trabalho de Valdemar Carneiro Leão é, de todos os textos publicados (e provavelmente das teses apresentadas no CAE), o que mais longe recua no tempo, buscando no passado os fundamentos de nossa atuação diplomática contemporânea. Terminada sua viagem histórica e de "volta para o futuro", Carneiro Leão nos demonstra, de forma oportuna, a permanência das instituições e a constância dos homens: a do Itamaraty, que pouco mudou em seu estilo de atuação, e a dos constituintes, que continuam a ver no estrangeiro uma fonte potencial de ameaça à soberania nacional.
Na verdade, descontada a tão temida, mas inexistente, ameaça de dominação econômica nipônica, o único "perigo amarelo" em que incorremos nos dias de hoje é o de ver os papéis dos arquivos oficiais amarelecerem nas estantes sem que o grande público possa ter acesso a partes substanciais da memória política da Nação.  O resto é conversa de "botequim" (leia-se gabinete) diplomático.

[Montevidéu,  05.09.90]
[Relação de Trabalhos nº 196]
[Trabalhos Publicados nº  060]