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quinta-feira, 9 de junho de 2016

Sobre as relacoes internacionais e a politica externa do Brasil - Ricardo Gomes (revista Voto)

Por que há esperança

Ricardo Gomes, advogado

Revista Voto, 08/06/2016 - 16h12

http://www.revistavoto.com.br/site/colunistas_detalhe.php?id=801&t=Por_que_ha_esperanca 

O governo de Michel Temer, ainda provisório e antes de completar um mês de duração, já perdeu dois ministros por estarem envolvidos, direta ou indiretamente, com a Operação Lava Jato. Revelou uma expectativa de déficit de cerca de R$ 170 bilhões, e anunciou queda no PIB do primeiro trimestre. É um governo cheio de más notícias nos campos da economia e do controle da corrupção, que tomadas isoladamente sugeririam previsões pessimistas e desesperançadas – especialmente porque a economia e a corrupção foram aspectos cruciais da crise que resultou no afastamento de Dilma Rousseff, cuja confirmação pelo Senado é provável, embora ainda incerta.

Por que, então, não estão as ruas novamente cheias, e há um certo ar de esperança entre os brasileiros, refletida na retomada (ainda que contida) da confiança de investidores? Para entender o otimismo com o governo Temer é preciso compreender melhor o governo petista, e dirigir um olhar a dois aspectos que não estão na superfície das análises políticas. É preciso examinar a orientação geopolítica esposada pela diplomacia brasileira sob o PT e a concepção da própria sociedade que foi implementada nas últimas quatro administrações.

Assim como viveu crises ética e econômica, o Brasil viveu uma crise diplomática, que não veio à tona, mas que contribuiu para a insatisfação geral que reduziu a aprovação de Dilma a pó, e uma crise social, que agora se mostra na forma de isolados radicalismos. Essas são as chaves para compreender a diferença Dilma-Temer.

Isolamento comercial
Desde o governo Lula, a orientação geopolítica brasileira tendeu a apoiar e alinhar-se com o chamado bloco bolivariano, notadamente manejado pela antiga ditadura cubana e pela adolescente ditadura venezuelana. A ânsia por liderar um bloco formado por parceiros puramente ideológicos acabou por excluir o Brasil de todas as novas rotas comerciais que nasceram na última década e meia.

Historicamente um país fechado ao comércio internacional, em 2015 o Brasil não teve participação superior a 1% das exportações globais – mesmo sendo a sétima economia do planeta. Em 2011, tínhamos 1,4%, índice que já era baixo. Dos 150 países avaliados pelo Banco Mundial, ocupamos a 144ª posição em participação do comércio exterior no PIB. Esse isolamento comercial não é novidade, mas os esforços do Itamaraty centrados em alianças com países absolutamente periféricos do ponto de vista econômico é. O resultado foi o agravamento deste distanciamento brasileiro do comércio internacional.

Apesar do isolamento comercial, o que causou maior impacto sobre o desastre de Dilma foi o temor à natureza antidemocrática do regimes que ela apoiou – todos reunidos no Foro de São Paulo, organização nascida em um aperto de mãos entre Lula e Fidel Castro que reuniu a esquerda latino-americana. Nas manifestações que pautaram o processo de impeachment não faltaram cartazes com dizeres como "o Brasil não é a Venezuela" e "Fora Foro de São Paulo".

Esse é um fenômeno notável. As relações internacionais, que ocupam parte importante dos debates presidenciais nos Estados Unidos (vejam-se as críticas a Donald Trump por sua infame ideia de murar a fronteira com o México) nunca adquiriram relevância nas campanhas eleitorais brasileiras. Ao tratar a diplomacia brasileira – até então com reputação sólida e reconhecimento internacional – como um departamento do PT, Dilma trouxe o tema à tona. Custaram-lhe caro os bilhões de reais do BNDES que foram destinados a obras – geralmente das empreiteiras amigas – nos países do bloco esquerdista que se instalou na América Latina. A diplomacia brasileira, que deveria ser órgão do Estado, foi subordinada ao projeto continental do PT.

Além das relações internacionais subordinadas ideologicamente ao partido, outro aspecto que resultou na rejeição do povo ao governo recém-reeleito foi a estratégia de divisão social. Talvez apenas agora, quando saem às ruas minorias claramente organizadas pela esquerda brasileira para iniciar uma oposição ao governo Temer, é que tenhamos a clareza sobre a profundidade da transformação social iniciada pelo PT. Essa divisão social é deliberada e tem objetivos bastante claros, como Stephen Hicks mostra magistralmente em seu livro Explicando o pós-modernismo.

Desde a queda do muro de Berlim, a esquerda ocidental, em crise com o retumbante fracasso do socialismo, reestruturou completamente sua estratégia de combate ao que chama de capitalismo, reformulando a teoria da revolução marxista. Marx explicava a sociedade a partir das relações econômicas – era o sistema econômico que sustentava a "cultura burguesa", isto é, a religião, a estética, as artes, a moral, a ciência, tudo decorria do modo de produção capitalista. A luta de classes, portanto, contrapunha patrão e empregado, agentes econômicos, e a vitória proletária resultaria no nascimento de uma nova sociedade.

Divisões sociais
Com a queda da União Soviética, ficou escancarada a incapacidade do modelo socialista de produzir riquezas – e, evidentemente, distribui-las. O Oeste, no entanto, gerava as sociedades mais prósperas do mundo. Não havia mais espaço para defender uma revolta dos trabalhadores nos países capitalistas. A new left americana, inspirada em Antonio Gramsci, preservou a estrutura da luta de classes, mas substituiu os agentes. Compreendendo que, na verdade, a estrutura econômica é resultado – e não origem – da estrutura cultural, a esquerda moderna partiu para um novo tipo de luta de classes: a divisão social.

O PT abusou dessa compreensão de mundo para fomentar, inclusive com dinheiro público, organizações e políticas públicas que distanciassem negros e brancos, homens e mulheres, homossexuais e heterossexuais, ateus e religiosos e assim sucessivamente. A esquerda moderna, antes mesmo de ser contra o capitalismo, é contra a cultura ocidental – e acredita que a melhor forma de tomar o poder é produzir microrrevoluções em cada campo da sociedade.

Há uma série de símbolos produzidos pelo governo federal sob Lula e Dilma que traduzem essas fissuras que o PT buscou produzir e ampliar na sociedade. No mais das vezes, parecem batizadas pelo próprio George Orwell. A Secretaria da Promoção da Igualdade Racial é um órgão nitidamente destinado a produzir legislações que estabeleçam distinções raciais. A Secretaria de Políticas para as Mulheres é outro exemplo – "mulhericídio" virou um tipo de crime. Sob o argumento de ter políticas específicas para grupos específicos, o que se pretendeu foi contrapor partes da sociedade, gerando tensão e conflito. Não é, portanto, coincidência que a parada gay de São Paulo tenha se transformado, nesta última edição, em uma passeata anti-Temer, e que grupos feministas tenha marchado no centro de Porto Alegre/RS com cartazes dizendo "ser Mulher sem Temer". Essas são apenas expressões da profunda relação que o pensamento esquerdista brasileiro criou com quaisquer grupos que possam desafiar o status quo social.

O radicalismo, as denúncias de "crime de ódio" e a incapacidade de estabelecer um diálogo frutífero e respeitoso são consequências de anos de aparelhamento de movimentos sociais pelo PT e seus aliados ainda mais radicais. Não por acaso, essas três características são absolutamente incompatíveis com a democracia – que exige exatamente ponderação, compreensão e diálogo. O grande paradoxo do movimento de defesa de Dilma – e de ataque a Temer – é que grupos com conduta claramente antidemocrática usam justamente a defesa da democracia como principal argumento.

Ao fim e ao cabo, há numerosos focos de manifestações contra Temer e a favor de Dilma, mas todos com número diminuto de pessoas. Todos, também, convocados e organizados a partir de grupos que foram semeados, adubados e regados com verbas públicas e políticas que lhes eram favoráveis. O que se vê nas ruas, portanto, não é a expressão autêntica da vontade da maioria, mas sim a colheita de pauta social deliberadamente pensada para produzir divisão.

Sinais do rompimento
Há, sim, uma divisão. Ela não é, todavia, entre defensores de Temer e defensores de Dilma por um motivo muito claro: Temer não tem seguidores. Ninguém, salvo alguns atores políticos muito próximos ao PMDB, enxerga em Michel Temer um salvador da pátria, o caminho para as transformações que foram pedidas nas ruas durante 2015.

Há esperança de que seu governo caminhe em direção ao equilíbrio fiscal, mas também há certeza de que não haverá profundas reformas estruturais no Estado brasileiro. O PMDB apoiou o PT durante todo o seu governo, e não apresentou um modelo diferente de gestão do orçamento. Por que, então, ter esperança e otimismo?

No campo econômico as mudanças demorarão a ser sentidas, e, no combate à corrupção, ainda mais. Não há solução de curto prazo para esse verdadeiro vício do sistema político brasileiro. Quanto às alianças com ditaduras e quanto à tentativa de divisão social, no entanto, há sinais de um claro rompimento com a era petista. E é aí que está a esperança dos brasileiros. A esperança no governo Temer não reside naquilo que ele é, mas naquilo que ele não é.

Ricardo Gomes, advogado, membro da Mont Pèlerin Society, fundada pelo vencedor do Nobel de Economia Friedrich Hayek.