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segunda-feira, 2 de outubro de 2017

OMC condena Brasil: heranca maldita do lulopetismo economico

A condenação atinge, formalmente, programas econômicos concebidos e implementados pelos aloprados que ocupavam os postos de decisão econômica nos dois últimos governos do lulopetismo. Digo aloprados porque eles implementaram, contra a opinião e os alertas do Itamaraty, programas que já eram equivocados desde a sua concepção.
Mas também foram "crimes econômicos" que se equiparavam a crimes comuns, pois provavelmente implicaram em generosas contribuições "legais" e ilegais das montadoras e outras empresas envolvidas àquela organização criminosa travestida de partido político.
Nunca antes no Brasil responsáveis econômicos do mais alto escalão desceram tão baixo na degradação das políticas públicas para cumprir objetivos partidários e, não hesito em dizer, metas de enriquecimento pessoal de seus dirigentes.
Paulo Roberto de Almeida


Brasil desiste de provar legalidade de critérios de incentivos para montadoras

País foi condenado pela OMC por oferecer incentivos fiscais à indústria nacional automobilística
Jamil Chade, correspondente

O Estado de S. Paulo, 29 de setembro de 2017


GENEBRA, SUIÇA - O governo brasileiro apresenta nesta quinta-feira, 28, à Organização Mundial do Comércio (OMC) um recurso contra a decisão da entidade de condenar os incentivos fiscais à indústria nacional. Mas, no processo, o Itamaraty não irá se opor ao veredito da OMC que considerou que reduzir o IPI com base em conteúdo local era ilegal.
A condenação da OMC exige o fim a sete programas que distribuíram mais de R$ 25 bilhões às empresas brasileiras nos últimos anos e numa derrota nos tribunais sem precedentes da política industrial nacional. Mas trata-se da primeira vez que, publicamente, o governo vai admitir que os critérios para a concessão de incentivos de fato não estavam dentro das regras internacionais.
Durante a elaboração do Inovar-Auto, o regime automotivo alvo de polêmicas, o Itamaraty foi o primeiro a alertar nos bastidores aos demais ministérios que a proposta de reduzir IPI com base na quantidade de peças produzidas no País por uma empresa violava as regras da OMC. Ainda assim, o governo de Dilma Rousseff optou por ir adiante com a medida, mesmo com a recomendação contrária dos especialistas comerciais do País.
Neste ano, o Inovar-Auto foi condenado pela OMC, justamente ao tratar do critério de concessão de incentivos fiscais. A entidade, que recebeu a queixa de Europa e Japão, julgou que um governo não pode reduzir impostos e dar subsídios com base em exigências de que montadoras usem peças locais.
Durante todo o processo nos tribunais da OMC, o Brasil rejeitou o argumento de europeus e japoneses e insistia que o Inovar-Auto estava dentro das regras.
Agora, apesar do reconhecimento implícito da ilegalidade, o governo brasileiro vai recorrer da decisão nesta quinta-feira. O Itamaraty considera que um governo tem o direito de reduzir impostos para incentivar sua indústria e atrair investimentos. Por isso, preparou um argumento para tentar, pelo menos de forma “sistêmica”, convencer ao Orgão de Apelação da OMC de que governos precisam ter essa margem de manobra.
Pelo novo regime automotivo que deve entrar em vigor em 2018, a ideia é de que a redução do IPI tenha como foco a eficiência energética e inovação. E não o conteúdo local.
Na prática, o que o governo quer é o reconhecimento de que reduzir o IPI pode ser feito, ainda que usando critérios outros que não sejam aqueles condenados já pela OMC por conta da exigência de conteúdo local.
O governo também irá defender seu direito de dar incentivos no âmbitos de outros programas condenados. Entre as iniciativas que terão de ser reavaliadas estão a Lei de Informática, o Padis (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores e Displays) e o Programa de apoio ao desenvolvimento tecnológico da indústria de equipamentos para a TV digital (PATVD).
Mas o foco do País é principalmente o regime especial de aquisição de bens de capital para empresas exportadoras (Recap), que suspende a cobrança de PIS e Cofins para quem vai exportar. No total, centenas de empresas nacionais foram beneficiadas por esses programas, entre elas a Samarco ou a Embraer.
O governo vai tentar demonstrar que dar tal incentivo está previsto dentro das regras internacionais e que não seria uma prática discriminatória.
Com real valorizado, País volta a importar mais; veja setores que mais se beneficiaram  
Tempo. O recurso está sendo apresentado um dia antes da reunião da OMC que iria aprovar a condenação. Se isso ocorresse, começaria a contar o prazo de três meses para que o governo retirasse todos os programas condenados.
Ao recorrer, portanto, o Brasil compra tempo. Estimativas internas da entidade chegam a apontar que uma nova decisão da OMC poderia ocorrer apenas em meados de 2018.  Alguns dos incentivos já estavam programados para serem encerrados no final do ano, como o caso do Inovar-Auto e que será substituído por um novo regime automotivo a ser anunciado no início de outubro.
Mas um impasse dentro do governo sobre a dimensão da renúncia fiscal tem atrasado uma conclusão do novo projeto.
Outros incentivos ainda vigoram até meados da próxima década. Caso nada seja feito, Europa e Japão já deixaram claro que pedirão para retaliar os produtos brasileiros. 
Aviões. Nesta sexta-feira, o Brasil também retornará à OMC para pedir a abertura de um processo contra os subsídios que o Canadá da à empresa Bombardier. Segundo o Itamaraty, a ajuda seria ilegal e afetou as exportações da Embraer ao mercado internacional.
Numa primeira tentativa de abrir um processo nos tribunais da OMC, o Brasil teve sua iniciativa barrada pelas autoridades de Ottawa. O gesto, porém, foi apenas uma manobra dos canadenses para ganhar tempo.

The Price of Oil, book by Roberto F. Aguilera and Marian Radetzki - review by Gavin Roberts

Published by EH.Net (September 2017)
Roberto F. Aguilera and Marian Radetzki, The Price of Oil. New York: Cambridge University Press, 2015. x + 242 pp. $37 (paperback), ISBN: 978-1-107-52562-7.
Reviewed for EH.Net by Gavin Roberts, Economics Department, Weber State University.

According to data available from the United States Energy Information Administration (EIA), crude-oil production in the U.S. grew from just over 1.8 billion barrels in 2008 to more than 3.2 billion barrels in 2016: the largest annual production since 1974. This astonishing increase in production is attributable primarily to the “shale-oil revolution” and to a lesser extent to the “conventional-oil revolution.” These revolutions in relation to the history of global oil markets, their current impacts, and their potential future impacts are the subjects of Roberto F. Aguilera and Marian Radetzki’s enlightening book The Price of Oil. Anyone interested in oil markets, or energy markets more broadly, should add The Price of Oil to their reading list for its careful and informative analysis of the effects of these revolutions.
Aguilera and Radetzki open The Price of Oil by auditing the history of crude oil prices, which they show to be quite extraordinary in comparison to the price histories of other nonrenewable resources. The authors then explore the academic literature and augment that literature with their own analyses to debunk the common myths that OPEC behavior, depletion, and rising costs explain the abnormally high historical growth rate and volatility of oil prices. The first major contribution comes in chapters 5 and 6 where Aguilera and Radetzki describe the role that insufficient production capacity has played in oil’s extraordinary price history. The authors posit that state ownership combined with government greed have slowed capacity expansion, while certain manifestations of the “resource curse” have led to outright capacity destruction.
Several reasons for the wave of state resource ownership that began in the 1960s are provided, including the dominance of resource extraction industries in many nations’ economies, the immobility of resources, and the high rents associated with resource extraction. However, state ownership has led to inefficiently low investment in capacity expansion due to inexperience and rent-seeking behavior among state actors. Above-ground conflict associated with the resource curse has led to outright capacity destruction — for example, during the Iranian Revolution and subsequent war between Iran and Iraq. Government mismanagement eventually led to the re-privatization of many resource-extraction industries in the 1980s, but not the oil industry, which continues to be dominated by state ownership today. The authors attribute the continuing dominance of state ownership of oil to the relatively high rents associated with a lack of suitable substitutes. The shale and conventional revolutions are likely to loosen the grip of these oil states.
Part II of The Price of Oil describes the shale-oil and conventional-oil revolutions, their impacts to date, and their potential impacts in the future. The drastic increase in U.S. oil production highlighted in the introductory paragraph of this review is widely attributable to the shale-oil revolution, which started when the combination of horizontal drilling and hydraulic fracturing was applied to relatively impermeable shale-oil reservoirs after first being perfected in similarly impermeable natural-gas reservoirs. The economic benefits in terms of fiscal receipts and employment related to this increased oil production are drastic. The federal government’s share of tax revenue associated with shale-oil development would “suffice to fund 80 percent of the budgets of the U.S. Department of Interior, Department of Commerce and NASA combined” (p. 88). The benefits in terms of decreased prices paid by oil consumers are similarly massive. The U.S. benchmark oil price (WTI) averaged less than $50 per barrel in 2015 and 2016 after averaging more than $90 per barrel in 2013 and 2014. Some market observers question how long such benefits will last.
Responding to relatively pessimistic estimates from EIA and the International Energy Agency (IEA) implying that the U.S. shale-oil revolution will peak in 2020 before U.S. oil production returns to long-term decline, Aguilera and Radetzki point out that these agencies’ estimates are traditionally overly pessimistic, and cost-decreasing technological advancement has continued to surprise oil-market observers. The authors show that while the drilling-rig count in the Bakken Formation, the original epicenter of the shale revolution, fell dramatically in response to the precipitous fall in oil prices experienced at the end of 2014, oil production continued to increase. The authors attribute this counterintuitive outcome to productivity-enhancing and cost-reducing technological advancement, which surely played a central role. However, it must be pointed out that it is also partially due to endogenous well selection; that is, only the most productive wells are drilled during periods of low prices. Nevertheless, the shale and conventional revolutions are sure to continue to play a major role in international energy markets for years to come.
Another major contribution of The Price of Oil is its novel focus on what the authors refer to as the “conventional-oil revolution,” which encompasses the application of horizontal drilling and hydraulic fracturing to conventional reservoirs in an attempt to renew output from aging fields. Aguilera and Radetzki describe how both revolutions are likely to spread across the globe in coming decades leading to long-term production growth. The low prices associated with increased production will decrease rents associated oil extraction, and the authors posit a contemporaneous decrease in rent-seeking behavior and the negative effects of the resource curse. While it is clear that increased production in the U.S. will have this impact, it must be noted that some of the countries with the most production growth potential (e.g., Russia and China) might use their increased resource wealth as political weapons both domestically and internationally. Such actors will be checked by the degree to which their market power is diminished by increasingly competitive global oil markets.
The new oil revolutions are sure to impact our lives, and the lives of our progeny for decades to come. Roberto F. Aguilera and Marian Radetzki have taken a large step toward understanding these impacts in The Price of Oil by describing and analyzing the revolutions in historical and international context. The Price of Oil is a must read for energy-market observers around the globe.

Gavin Roberts recently earned his Ph.D. in economic from the University of Wyoming. His research focuses on integrating petroleum-engineering knowledge into economic models of crude oil and natural gas extraction.

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domingo, 1 de outubro de 2017

A esquerda jurassica marca encontro em Porto Alegre - Paulo Roberto de Almeida (2002)

O texto que segue abaixo antecipou um dos encontros do Fórum Social Mundial em Porto Alegre, a capital -- durante os anos do reinado petista na prefeitura, e depois no estado -- dos alternativos aloprados e dos antiglobalizadores em geral, pretendendo fazer um contra-evento ao Fórum Econômico Mundial, de Davos. Nele eu ironizava o turismo político de vários ministros socialistas franceses na capital gaúcha, e antecipava os resultados do encontro, todos condenatórios da globalização, da economia de mercado, do capitalismo perverso, do Consenso de Washington, e uma série de outras bobagens costumeiras.
A publicação desse artigo no Estadão me valeu uma punição de Brasília, ao abrigo da chamada "lei da mordaça", a segunda, depois de uma entrevista para as Páginas Amarelas de Veja, alguns meses antes (disponível neste link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/02/uma-entrevista-normal-pela-qual-o.html), à qual se seguiria uma terceira vez, alguns meses depois.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1 de outubro de 2017


A esquerda jurássica marca encontro em Porto Alegre

Paulo Roberto de Almeida
O Estado de São Paulo (Sábado, 26 de janeiro de 2002, seção “Espaço Aberto).

Num momento em que até os socialistas franceses, bem conhecidos pelos infantilismos com que ainda alimentam seu proverbial anti-imperialismo (doublé de um antiamericanismo primário), arejam suas idéias e publicam livros que ousam constestar  algumas das idées reçues (falsos conceitos) de um credo vetusto, num momento em que o bom senso econômico parece enfim ter penetrado o cérebro embotado de alguns anticapitalistas arcaicos, num momento, emfim, em que até no Brasil o debate político-eleitoral parece encaminhar-se para um pouco de racionalidade, soam estranhos alguns dos slogans que vêm sendo agitados em preparação ao Foro de Porto Alegre.
Pomposamente designado como “Foro Social Mundial” (como se o tradicional foro econômico de Davos fosse infenso ao debate das questões sociais), o jamboree alternativo de Porto Alegre promete muito frisson e pouca sensatez, num mundo já sacudido por impulsos fundamentalistas e ataques simplistas ao neoliberalismo. Até os socialistas franceses que prometem desembarcar en masse, já não dispõem das antigas certezas e não contam mais com a unanimidade do pensamento único socialista.
Recentemente, três (ex-?)esquerdistas franceses, da ala moderna da tecnocracia socialista, publicaram livros que ousam nadar contra a corrente da qual emergiram. Com efeito, Pascal Lamy (atual comissário europeu para questões comerciais) e Jean Pisani-Ferry, com L’Europe de nos volontés (A Europa que nós queremos) e Dominique Strauss-Kahn (ex-ministro socialista da economia), com La flamme et la cendre (A chama e as cinzas), acabam de revelar sua discordância (discreta, é verdade) em relação a alguns dos tabus mais entranhados nessa mesma esquerda: o papel do Estado, a extensão do setor público, a defesa da (famigerada, para nós) Política Agrícola Européia e, quelle horreur!, a chamada “exceção cultural”, também conhecida na indústria do audio-visual como exception française. Em seus respectivos livros, eles reconhecem a dificuldade especificamente francesa de aceitar a revisão de algumas idéias bem entranhadas na ideologia estatizante que caracterizou desde sempre o socialismo francês. O francês típico, até mais do que o socialista, tem realmente um bloqueio mental em relação aos chamados droits acquis, também conhecidos entre nós como “direitos adquiridos” (lembram-se perene arenga com que os nossos socialistas e estatocratas agitam a defesa de solenes “princípios constitucionais”?).
Posso estar errado, mas creio que esses três tecnocratas modernistas da esquerda francesa não acompanharão a meia dúzia de seus outros colegas de ministério e dezenas de outros expoentes da gauche française no périplo deste final de mês em Porto Alegre, que promete converter-se temporariamente numa filial da Rive Gauche. Mas o que exatamente eles poderiam vir fazer na capital do socialismo moreno?: veicular suas teses contestadoras das velhas idées reçues da maior parte dos participantes naquele convescote? Que ousadia!. Eles seriam tremendamente vaiados e praticamente escorraçados pelos anti-globalizadores de todos os matizes que estarão reunidos em Porto Alegre, não para lançar as sementes de uma nova reflexão crítica sobre a globalização e eventuais políticas reformistas de cunho social, mas sim para confirmar a aceitação acrítica das mesmas banalidades de sempre.
Estarei exagerando na crítica premonitória? Não creio. Em todo caso, anotemos desde já algumas das “conclusões” e resoluções que resultarão do piquenique de Porto Alegre e marquemos encontro em fevereiro para conferir a lista efetiva das meias verdades que dali emergirão. Em Porto Alegre, a vanguarda do atraso aprovará, aclamará, confirmará as seguintes contribuições geniais para a análise dos tempos modernos (atenção, a lista não é exaustiva):
1) A globalização produz inevitavelmente crises, desigualdades e retrocesso social, como “demonstrado” pelas turbulências financeiras dos anos 90, pela divergência cada vez maior entre países pobres e ricos e pelo aumento da concentração de renda em todos eles.
2) A estagnação e o colapso de países outrora ricos (como a Argentina) foram provocados pela adesão às regras do “consenso de Washington”, isto é, pela adesão acrítica e incondicional às políticas neoliberais, a começar pela fixação do câmbio, recomendada e sustentadas pelo FMI; essas mesmas políticas também estão causando recessão e retrocessos sociais em outros países da América Latina, a começar pelo próprio Brasil.
3) A soberania nacional precisa ser defendida contra o projeto imperialista de uma zona de livre comércio hemisférica, imposta contra a vontade dos povos latino-americanos pelo capital monopolista americano, que pretende nivelar o terreno para criar um espaço econômico ampliado para a “acumulação ampliada de capital”.
4) Deve-se, sim, defender a legitimidade de políticas públicas de “reserva de mercado” e de apoio a uma “agricultura multifuncional”, inclusive e principalmente os generosos subsídios estatais que marcam essa invenção genial de políticos de direita e tecnocratas de esquerda que é a Política Agrícola Comum.
5) O racismo, a discriminação contra a mulher, a opressão dos povos periféricos e o próprio terrorismo fundamentalista são o resultado da globalização e de um processo histórico marcado pela ocupação imperialista, que insiste em preservar “estruturas de dominação”, inclusive mediante o “terrorismo de Estado”.
6) Mas, como demonstrado pelo Foro de Porto Alegre, um outro mundo é possível e políticas alternativas são, não apenas desejáveis como, necessárias. Essas políticas passam pela promoção dos direitos humanos à frente dos direitos do capital e os fluxos especulativos desse parasita social devem ser adequadamente controlados e reprimidos, se possível pela aplicação universal da Tobin Tax.
Essas são, em síntese, algumas das meias verdades e das velhas mentiras que resultarão do rendez-vous de Porto Alegre. Não acredita? Marquemos rendez-vous em fevereiro para verificar a lista das resoluções (uma comparação com os debates do Foro Econômico Mundial, que este ano se reune em Nova York, não seria despropositada).

Paulo Roberto de Almeida é sociólogo, com especialização em
relações internacionais (www.pralmeida.org).

[Washington: 854: 24.01.02]
Publicado n’O Estado de São Paulo (Sábado, 26 janeiro 2002, seção “Espaço Aberto”).
Relação de publicados nº 300.


Addendum em 28.01.02:
Breves comentarios para matéria da Associated Press sobre o Forum Social Mundial, a ser publicada/distribuida em 29.01.02, a pedido do jornalista Tony Smith.

            O FSM constitui, sem dúvida alguma, um enorme sucesso do ponto de vista mediático, uma vez que conseguiu reunir número expressivo de participantes de vários continentes e de vários espectros ideológicos, geralmente identificados com a esquerda anti-globalizadora. Esse sucesso, paradoxalmente, deve ser creditado inteiramente à globalização, em especial às novas formas de comunicação pela Internet e de disseminação de notícias por boletins eletrônicos. Torna-se irônico constatar, assim, que os anti-globalizadores revoltam-se, ingenuamente, contra as próprias condições que tornaram esse movimento não apenas possível e viável, como bem sucedido em termos de organização e de propaganda.
            Trata-se, igualmente, de um grande sucesso para os governos respectivos da cidade de Porto Alegre e do estado do Rio Grande do Sul, ambos dominados pelo Partido dos Trabalhadores, plenamente identificado com a causa da anti-globalização. Esse sucesso não deveria manifestar-se em qualquer tipo de apoio politico à atual campanha eleitoral em que o PT se encontra engajado (uma vez que o Foro é, em princípio, a-partidário), mas em um grande retorno turístico para a capital gaúcha, numa época em que seus habitants desertam a cidade em troca das praias do litoral, escapando ao forte verão urbano e à própria morosidade da época de férias. Os comerciantes e hoteleiros – assim como as autoridades locais de coleta de impostos – devem estar plenamente satisfeitos com as receitas auferidas pelo convescote de alguns milhares de visitants estrangeiros.
            Em termos substantivos, porém, não se pode acreditar que os resultados do FSM tenham feito avançar um milímetro sequer a resolução de alguns problemas graves que afetam a humanidade como um todo – desigualdades persistentes entre países pobres e ricos e, nacionalmente, entre estratos sociais, deterioração das condições de vida e de meio ambiente em determinados países e regiões, perigos decorrentes do armamentismo, da criminalidade organizada, da corrupção política, discriminação com base em critérios raciais, religiosos ou étnicos – ou mesmo problemas conjunturais que afetam alguns países em desenvolvimento, particularmente (crises financeiras, falta de acesso a mercado para algumas produções primárias, falta de oportunidades educacionais).
            Os anti-globalizadores partem da idéia falsa de que a globalização produz miséria e desigualdade, quando são precisamente os países mais inseridos nesse processo que lograram escapar de níveis mais preocupantes de pobreza. Eles também preconizam o apoio a políticas comerciais protecionistas e a políticas agrícolas subvencionistas, quando se trata de dois fatores que têm impedido os países em desenvolvimento de usufruir de melhores condições de acesso aos mercados internacionais, a tecnologias modernas e a níveis mais altos de produtividade (e portanto de maior bem estar).
            Suas recomendações são ou paliativos sem qualquer efeito sistêmico de maior impacto (perdão da dívida dos países pobres altamente endividados, defesa do meio ambiente), ou são claramente negativos do ponto de vista da disseminação tecnológica e da inserção produtiva dos países pobres na economia mundial. Desse ponto de vista, Porto Alegre não representou grandes avanços conceituais ou práticos.

Paulo Roberto de Almeida, sociólogo, especialista em relações internacionais


Pensamento: doze definições do Dicionário de Samuel Johnson

O pensamento do dia

Segundo Samuel Johnson, em seu Dictionary of the English Language (1755), o conceito "Pensamento" pode ser compreendido por meio de uma dúzia de sentidos diferentes ou complementares:
 Thought:
1. The operation of the mind; the act of thinking. 2. Idea; image formed in the mind. 3. Sentiment; fancy; imagery; conceit. 4. Reflection; particular consideration. 5. Conception; preconceived notion. 6. Opinion; judgement. 7. Meditation; serious consideration. 8. Design; purpose. 9. Silent contemplation. 10. Solicitude; care; concern. 11. Expectation. 12. A small degree; a small quantity.

Excelente para os meus exercícios mentais, que podem, assim, assumir uma dúzia de formas diferentes...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1 de outubro de 2017

O totalitarismo brasileiro em construcao - Carlos Pozzobon (2010)

No terço final de uma longa resenha do livro de Hannah Arendt, "Origens do Totalitarismo", Carlos Pozzobon oferece sua visão do totalitarismo brasileiro em construção.
Vale transcrever a partir desta postagem em seu blog de resenhas de livros:
http://carlosupozzobon.blogspot.com.br/2011/12/as-origens-do-totalitarismo.html

Totalitarismo brasileiro em construção

Carlos Pozzobon

 19/9/2010

Tudo começou na ditadura militar moribunda de 1964, onde um marxismo perseguido e multifacetado passa a trabalhar socialmente como proselitismo de uma causa que precisa de vínculos com organizações sociais. Encontra nos sindicatos obrigatórios uma dádiva dos céus para aprofundar raízes.
O peleguismo tradicional precisa ser substituído com o método de se dizer o contrário do que se vai fazer. Inicialmente, criticando a obrigatoriedade do imposto sindical – atitude importante para provocar simpatia na sociedade. A imprensa saúda o movimento como renovador da velha tradição fascista. O prestígio começa a fluir para líderes que não são mais do que apedeutas e marionetes. Em seguida, formados os sindicatos mais importantes, uma nova lei sindical vai dar organicidade às confederações, federações e entidades coligadas com, naturalmente, imposto sindical obrigatório, o contrário do que se dizia. Nos sindicatos, a fachada de modernidade se desmancha na prática do atraso. Agora o que se pretendia combater foi invertido.
Na intimidade da mente totalitária, ocorrem as inversões praticadas por Stalin: “sempre tomar o cuidado em dizer o contrário do que fez e fazer o contrário do que disse”. É a sociopatia juntando má-fé e compulsão para mentir, mas que rende extraordinários resultados eleitorais ao sistema. No poder, o partido precisa construir a todo custo uma maioria eleitoral para impedir a alternância. Essa maioria não virá de partidos políticos, mas de organizações sociais. O partido passa a controlar diretamente os sindicatos, impedindo por decreto a auditoria das contas sindicais pelos órgãos do Estado (TCU). Nos comícios, o partido convoca os sindicatos para uma demonstração de força, que assim demonstram sua subserviência ao poder. Comandando a turba, juntamente com as organizações sociais, estão os movimentos liderados por funcionários de entidades e empresas estatais.
Organizações sociais, do tipo MST e Via Campesina, já demonstraram o novo modelo de fascismo no campo: ao arbítrio de seus líderes, propriedades invadidas são acobertadas pelos vínculos partidários nas estatais, que fornecem a legalidade instrumental para declarar terras improdutivas, independentemente de sua real situação, e a liberdade para os saques. Um exército de mercenários sustentado por verbas da reforma agrária se mobiliza contra o trabalho agrícola de larga escala, retalhando a propriedade invadida em casas de campo para seus dirigentes, ou repassando a propriedade a terceiros, que, por sua vez, terminam gerando quase nenhuma produtividade. Verbas generosas salvam o movimento que aumenta seu contingente em todos os Estados da federação. Com pretexto para mobilizações, repetem que querem a reforma agrária, mas não querem coisa nenhuma.
Tudo isso é apenas fachadismo, um mito imaginário de justiça agrária para boi dormir. Esperamos pela alternância do Poder para algum dia virem à tona os cálculos do que se gastou com a reforma agrária desde a época FHC, e do quanto se produz nas propriedades desapropriadas. Aí então vamos calcular o quanto custou ao povo brasileiro o feijão da reforma agrária, e vamos desmascarar o mito dividindo a produção pelo dinheiro gasto historicamente. Vai ser uma comédia de erros ou mais uma conta para o desperdício espetacular dos recursos públicos do nosso sistema político.
Na genealogia do totalitarismo, uma crise econômica rompe a indiferença dos indivíduos para com a gestão governamental. Ao mesmo tempo, a delinquência política aumenta, os bodes expiatórios se sucedem, reconhecidos picaretas assumem o comando de instituições públicas. Um misto de besteirol com corrupção deslavada, de negociatas com agitação trabalhista, de cinismo com estupidez acomete a Nação.
Aparecem soluções salvacionistas. A levedura fascista borbulha com o esbravejar espumante de aventureiros, falidos, oportunistas, matusquelas, celerados ideológicos e o diabo-a-quatro. Às vezes, parece que a insanidade toma conta da Nação, e vai abrindo espaço para o rasgar sucessivo de leis, de procedimentos e atos legais. Uma onda de calúnia vai manchando reputações, denegrindo a inteligência, acuando a intelectualidade do país. A chusma aplaude entusiástica aquilo que em uma sociedade organizada é vigarice intelectual.
Em certo momento, vem o golpe: fecha-se o parlamento e surge o governo por decreto. Aparelha-se a polícia para limpar a sociedade dos elementos indesejáveis. O totalitarismo, assim como o nazismo, o stalinismo e tampouco o getulismo, não se baseia no poder ditatorial do exército. O governo ditatorial domina o aparato policial que, subordinado ao mandatário, age estritamente sob suas ordens. A neutralização militar é facilmente conquistada nas empresas e agências estatais, ou no lobby privado – o getulismo subornou os militares entregando cargos públicos aos tenentes.
Mesmo assim, o descontentamento entre os setores profissionais das forças armadas torna-se visível em manifestos e circulares. A tensão conspiratória aumenta. Algumas vozes aparecem pedindo intervenção militar, argumentando um totalitarismo irreversível. Outras vozes clamam mais alto pedindo prudência, temerosas de que a intervenção militar possa gerar uma sucessão de eventos incontroláveis. O passado é relembrado como um exemplo a ser evitado. Mas, a cada dia, o presente demonstra que as coisas avançam na direção de tudo piorar, mais do que no passado. No meio do relativismo, quem vai dar a palavra final é o povo que espera ser convocado às ruas.
Enquanto isso, a crise avança. No estado policial aparecem as grandes inversões. Mede-se o mérito pelas denúncias de cidadãos contra os inimigos do povo ou da nova ordem. Oferecem-se recompensas pela captura dos dissidentes. Slogans nacionalistas, refrões musicais, gingles do governo e propagandas acintosas produzem a lavagem cerebral necessária à legitimidade do regime.
A imprensa livre é atacada consecutivamente — jamais ao mesmo tempo. Primeiro, um grupo jornalístico é atingido por uma lei criada contra uma particularidade das empresas de comunicação. Depois, são forjadas fraudes contra outros, intervenções garantem o silenciamento, enquanto novos decretos dão legitimidade ao regime para garantir o avanço de grupos empasteladores que exultam com os novos tempos.
Neste momento, é preciso fechar as vias de informação internacionais. A Internet é constantemente manipulada para bloquear os sites que criticam o novo regime. Para não provocar a reação de toda a sociedade, o fechamento vai se sucedendo em intervalos, enquanto o governo vai ampliando seu poder de penetração no financiamento de novos portais de comunicação, de rádios e jornais, que passam a legitimar o avanço fascista e aumentar o tom de apoio ao governo.
Prisões na calada da noite, espancamentos, confissões forjadas e irradiadas para todo o país envergonham a serenidade do povo e avacalham a sobriedade indispensável à ordem republicana. Quando uma pessoa é invadida em sua intimidade, com propósitos de calúnias e dossiês, logo um exército de mercenários ocupa o maior número possível de espaços de discussão para destruir a respeitabilidade de inocentes. Baseando-se na estratégia de culpar a vítima para jogar na mesma lama violadores constitucionais e inocentes difamados, uma poderosa máquina de jornais e revistas paga com dinheiro público põe-se em ação para enxovalhar pessoas. Desavergonhados riem-se cinicamente do constrangimento de quem tem uma reputação a defender.
O país vive uma constante mudança: currículos escolares, cursos de patavina para valdevinos são prestigiados, concursos literários, poemas exaltando o grande chefe ou o sacrifício dos espoliados pelo antigo regime são consagrados como peças literárias imortais. Uma simbologia estabelece o novo status social para a oligarquia emergente: o regime começa a acumular vaidades.
Entretanto, as coisas começam a dar errado na ordem econômica. Por razões óbvias, o regime não foi capaz de se manter dentro dos limites da sanidade fiscal. E então o plano inclinado da ordem moral revela-se com o mesmo declive na ordem econômica. Os bodes expiatórios começam a dar explicação para o fracasso. Os delinquentes intelectuais voltam-se para o passado, com o pretexto de aliviar a crise com motivações remotas. A história é reescrita para glorificar os dirigentes, o presente e a verdade universal da linha do partido. Mobilizações de massa, comícios gigantescos colocam em ação o aparelho estatal e assumem o espetáculo expiatório da própria decadência do regime em um tom pomposo e solene.
Para salvar as aparências, delegações de economistas saem à cata de empréstimos externos. Uma engenharia financeira é colocada a serviço da empulhação dos déficits e da desconfiança na moeda. A inflação começa a devorar seus filhos mais fracos. Por algum tempo, o regime oscila entre a estabilidade da ordem e o terror patológico da insurreição. Em ritmo não de todo controlado, começam a aparecer os primeiros sinais de descontentamento.
A ordem balança, e a estabilidade fica condicionada à sua capacidade de dar resposta repressiva aos inimigos pontuais. Em todos os locais, a despersonalização aumenta e a expressão espontânea do povo some como por encanto. Todos fazem de conta que não se conhecem, que nunca se viram, que não são uma sociedade interativa, a menos do espírito conspiratório e da insurgência latente.
A sorte do regime está selada com as vagas incertas das circunstâncias internacionais. Ninguém sabe ao certo até quando o festival de arbitrariedades vai durar. Ninguém sabe ao certo se algum dia o país será capaz de se curar da insensatez. Mas a verdade é que, no fundo, no mais recôndito de todos os seres, a esperança não passa de uma vela acesa ao relento.
De repente, uma oposição fragilizada é cooptada na rede da oligarquia perene. O regime, sempre obsequioso em criar vínculos e benesses para arregimentar novos seguidores, sabe que precisa de ‘reformas’ para se revitalizar. E aquilo que era a oposição multifacetada passa a ser situação integrada, maldizendo o passado, cortando gastos, atingindo órgãos perdulários há muito tempo para serem extintos. Refaz-se a moeda, cortam-se os zeros inflacionários para se manter tudo como está em nome de uma constituição que, examinada a fundo, não passa de arranjos vexaminosos.
É o suborno intelectual obtido com recompensas políticas. A perenidade do regime está em sua capacidade de subornar. Subornam-se com viagens, com horas-extras, com cargos de comissão, com um segundo emprego, com vantagens, com retroações de benefícios no tempo, com toda uma maquinaria inexistente no capitalismo, e que faz do regime de iniquidades algo muito melhor do que qualquer coisa jamais descoberta na face da terra para os que participam do reservado círculo do poder.
Cria-se uma linguagem para lastimar a pobreza que o regime solenemente criou: nela, palavras-chave como elite, aristocracia, capitalismo, forças ocultas, exploradores, imperialismo ou qualquer outra, formam o glossário mais frequente no vocabulário político expiatório.
Na folha de pagamento dos governos estaduais, 30% do funcionalismo não trabalha, dedica-se ao absenteísmo alternado. Os demais, ao burocratismo feroz. O impedimento é sua marca mais nítida. Departamentos inteiros dedicados a aplicar regras de proibições, discriminações, exceções, de senões e mais senões com certidões, atestados e quetais.
Como casas da mãe-joana, as Assembleias Legislativas desfilam famílias inteiras na folha de pagamento de assessores. Nas prefeituras, em paralelo com os abnegados de sempre, o burocratismo e os maus tratos com o patrimônio público chegam às raias de sabotagem de guerra não declarada. Congresso e Senado são gerenciados por atos secretos. Nas prefeituras e universidades, são comuns salários duplos, triplos, quádruplos. Funcionários fantasmas se acumulam do Oiapoque ao Chuí.
A entropia produzida pela delinquência partidária chega a um ponto tal que as poucas vozes discordantes ficam reduzidas a uma minoria inexpressiva eleitoralmente — é a inteligência do país relegada a uns gatos pingados, o fascismo perene, a sociedade do vale-tudo, o regime que fornece recompensa àqueles a quem a astúcia está associada com as piores qualidade morais.
O dinheiro dos impostos de quase 130 milhões de brasileiros e de milhares de empresas é gasto com 5-10 milhões de funcionários públicos e dependentes, dos quais 1 milhão de privilegiados, e dentre esses, uns 100 mil formam uma oligarquia intocável, inamovível e inimputável. Assim é o regime fascista. Ele se baseia na lógica do consórcio: para se ter uma oligarquia, é fundamental que um não se imiscua no butim do outro, e que haja divisão entre todos. Assim, todos se absolvem e se protegem, igualando-se na mesma promiscuidade libertina.
Doenças intelectuais invadem a consciência da Nação com o empreguismo, o coitadismo, o concessionismo, o assistencialismo, o niilismo, e um sistema político que não se renova, que não se extirpa, sustentado por um judiciário que negocia sua tabela de preços aos cochichos, e que avacalha o bem pensar e a própria lógica com certas absolvições.
A contradição entre a lei e a moral provoca o espírito de depredação do patrimônio público. É o carimbo do brasileiro revoltado. A qualquer momento, e sob qualquer pretexto, aquilo que foi conseguido a duras penas para a população vem abaixo com o vandalismo explodindo pela prática corriqueira da exclusão social e dos privilégios legais. Comportamento anárquico forjado no dia-a-dia do ressentimento.
Estelionatários, fraudadores, peculatários, corruptos, todos se apresentam para o coquetel licitatório de onde sairão os contratos mercantis para a transferência de bens e serviços com descontos por fora, com dinheiro na cueca, com contas offshore, com maletas de mão em mão.
Parece que o princípio marxista de ‘a cada um segundo suas necessidades’ toma conta dos propinistas. Todos cobram uma parte, a corrupção se espalha como uma praga. As eleições são o sintoma evidente. Cabos eleitorais se licenciam dos empregos no magistério com remuneração garantida, migram para os gabinetes de assessorias e cargos comissionados, e se apresentam como organizadores de comícios, de panfletagens, de visitas de candidatos.
A máquina pública é posta em ação para a disputa. Vence o mais forte, o Partido que acumulou mais dinheiro do butim, e mais infraestrutura no aparelhamento estatal. O povo trabalhador contempla estupefato entre a sandice dos discursos e a cara-de-pau dos pretendentes. Às vezes, parece que certos candidatos não têm superego, pois, tomados pela pusilanimidade e desfaçatez do momento, lhes falta o recato inerente à vida social. Seus discursos são torpezas pronunciadas no maior descaramento.
Quando afinal os desmandos atingem o ápice, a Nação está empobrecida, décadas foram perdidas, a produtividade em baixa, os serviços públicos aviltados, e parte do povo moralmente depravada. Nova liderança assume o poder para acabar com os desmandos. E o que se consegue auditar do vendaval de destruição do patrimônio da Nação é muito pouco, tímidas reformas ficaram no meio do caminho.
Mesmo assim, uma nova época é celebrada, novas esperanças ressurgem, um novo otimismo toma conta do espírito da Nação, que já traz embutido o germe de sua destruição pela fraqueza intelectual de seus epígonos ou pela manutenção do ancien régime, sob as cinzas do novo tempo.
O espírito de conciliação faz o estrago previsto ao manter, sob o manto da legalidade, a proteção dos estelionatários. Em nome da paz social, estende-se uma anistia aos velhos prevaricadores, em geral, com aposentadorias integrais — forma de suborno preferida no século XX.
Sob as mudanças introduzidas, tudo melhora desde que se conservem as raízes do atraso, que brotam novamente com o mesmo romantismo da igualdade, da moralidade, da virtude, agora com novos protagonistas, com uma nova geração. Com a tomada do poder, termina o novo ciclo, tudo se dissolve, e se chega à infeliz contabilidade de que o engodo é o mesmo, só mudaram as moscas. Do ponto de vista moral, não cruzamos o século XVIII.
Lampedusamente, tudo muda, tudo se transforma, mas não a ponto de se derrubar a oligarquia perene e se descobrir o virtuoso caminho da grande Nação que nos foi reservada pela natureza.

FIM — 19/9/2010

Desventuras de um diplomata etilico: comentario a postagem de 2009

A propósito de uma postagem que fiz em um antigo blog meu, "Textos PRA" -- voltado para postagens de terceiros justamente, um comentarista recente acrescentou a seguinte nota, que cabe destacar, embora ela tenha pouco a ver com a postagem principal, que vai repostada logo abaixo, a não ser pelo fato de que o diplomata bebum acabou cassado pelo Itamaraty nos tempos do AI-5, objeto de um outro trabalho meu: 

Comentário recente:  (30/09/2017)

Luiz deixou um novo comentário sobre a sua postagem "436) Repressão no Itamaraty: os tempos do AI-5": 

João Batista Telles Soares de Pina foi um conhecido arrumador de confusões expulso da Rússia e dos Estados Unidos. O livro "A noite do meu bem", de Ruy Castro, traz na página 101 o seguinte: "Em meados de 1947, o diplomata João Batista Soares de Pina, secretário do Brasil na União Soviética - Pina Gomalina para os amigos -, armou uma confusão num salão do Hotel Nacional de Moscou. Com várias vodkas acima do nível da humanidade, ele discordou de um violinista da orquestra quanto à execução por este de "O voo do besouro", de Rimsky-Korsakov. A querela converteu-se em troca de insultos, tabefes e empurrões, que sobraram também para o harpista, cujo instrumento caiu no chão. De repente havia três litigantes rolando sobre o parquete: Pina, o violinista e a harpa. O maitre tentou separá-los e apanhou também. Os garçons, os demais músicos e bebuns avulsos entraram na briga, alguns a favor de Pina, outros contra, com flautas e batutas sendo usadas como armas. Alguém chamou a polícia e, numa situação desprimorosa para um representante estrangeiro, Pina foi levado dali pedalando o ar e dando bananas para o Komintern, o Kominform, a Cheka, o Politburo e outras instituições locais. Atiram-no no xilindró e avisaram a embaixada." Na página 115 temos o seguinte: "Em 1949, dois anos depois de seu arranca-rabo em Moscou, Pina Gomalina foi servir em Los Angeles, na Califórnia. E, a provar que aquele episódio não tivera nada a ver com a URSS, tomou um pileque e meteu-se em nova confusão, agora com os americanos, numa recepção oficial em San Francisco. Como da outra vez, foi preso, esculachado e despachado de volta para o Brasil."


Postagem original:

segunda-feira, junho 29, 2009

436) Repressão no Itamaraty: os tempos do AI-5 

https://textospra.blogspot.com.br/2009/06/436-repressao-no-itamaraty-os-tempos-do.html

Itamaraty usou AI-5 para investigar vida privada e expulsar diplomatas
Homofobia e intolerância motivaram perseguições; Vinicius de Moraes foi um dos 13 afastados



Bernardo Mello Franco
O Globo, Domingo, 28/06/2009

No período mais sombrio da ditadura militar, o Ministério das Relações Exteriores usou a segurança nacional como pretexto para violar a intimidade de funcionários e expulsar diplomatas que, segundo o próprio órgão, eram considerados homossexuais, emocionalmente instáveis ou alcoólatras.

 Documentos obtidos pelo GLOBO no Arquivo Nacional, vinculado à Casa Civil, e no Itamaraty provam que a homofobia e a intolerância pautaram o funcionamento da Comissão de Investigação Sumária, que fez uma caça às bruxas em todos os escalões do Itamaraty. O órgão secreto deu origem a 44 cassações em abril de 1969, no maior expurgo da história da diplomacia brasileira.

A comissão foi criada pelo ministro Magalhães Pinto e chefiada pelo embaixador Antônio Cândido da Câmara Canto, que teve 26 dias para confeccionar a lista de colegas a serem degolados com base no Ato Institucional no5.
Em vez de perseguir esquerdistas, como fizeram outros ministérios na época, o Itamaraty mirou nos funcionários cujo comportamento na vida privada afrontaria os “valores do regime”.

 Entre os aposentados à força, sem direito a defesa, estava o poeta e então primeiro-secretário Vinicius de Moraes. 

Mantido em segredo há 40 anos, o relatório da comissão confirma que o ódio contra homossexuais foi o fator que mais pesou na escolha dos cassados. Dos 15 pedidos de demissão de diplomatas, sete foram justificados com as seguintes palavras: “Pela prática de homossexualismo, incontinência pública escandalosa”.

 A lista segue com “incontinência pública escandalosa, decorrente do vício de embriaguez” (três casos), “insanidade mental” (mais três), “vida irregular e escandalosa, instabilidade emocional comprovada e indisciplina funcional” (um caso) e “desinteresse pelo serviço público resultante de frequentes crises psíquicas (um)”.


Outros dez diplomatas “suspeitos de homossexualismo” deveriam ser submetidos a “cuidadoso exame médico e psiquiátrico” por uma junta de doutores do Itamaraty e da Aeronáutica.

 “Se ficar comprovada a suspeita que paira sobre esses funcionários, a comissão recomenda que sejam também definitivamente afastados do serviço exterior brasileiro”, diz o relatório. Ao lado dos nomes, Magalhães Pinto anotou: “Chamar a serviço e submeter ao exame médico”.

 Não há registros de realização das consultas.

 A comissão ainda receitou penas como repreensão e remoção do cargo a cinco diplomatas por motivos como “demonstrações de irresponsabilidade” e “desmedida incontinência verbal”.  Também pediu a demissão de oito oficiais de chancelaria e 25 servidores administrativos, além de exame médico para verificar a orientação sexual de outros quatro.



Só dois casos de motivação política


A lista de afastamentos sumários inclui funcionários humildes, como oito serventes, cinco porteiros e auxiliares de portaria, dois motoristas e um mensageiro.

 Junto aos nomes, aparecem acusações vagas, como “embriaguez” e “indisciplina”.

 De todos os pedidos de cassação, só os de dois oficiais de chancelaria indicam alguma motivação política. Trazem a explicação “risco de segurança”. Outros documentos secretos mostram que eles eram acusados de simpatizar com o comunismo.


Entre os diplomatas cassados estava Arnaldo Vieira de Mello, que era cônsul em Stuttgart e acabara de ser promovido a ministro de segunda classe, penúltimo degrau na hierarquia da carreira. O episódio, anos depois, levou seu filho, Sergio Vieira de Mello, a buscar outra carreira.

 O diplomata brasileiro mais conhecido das últimas décadas se recusou a prestar concurso para o Instituto Rio Branco e foi trabalhar na ONU. Sergio — morto em 2003 num ataque terrorista em Bagdá — dizia não ver sentido em servir à casa que expulsou seu pai.


Os 13 diplomatas cassados na ocasião foram: Angelo Regattieri Ferrari, Arnaldo Vieira de Mello, Jenny de Rezende Rubim, João Batista Telles Soares de Pina, José Augusto Ribeiro, José Leal Ferreira Junior, Marcos Magalhães Dantas Romero, Nísio Batista Martins, Raul José de Sá Barbosa, Ricardo Joppert, Sérgio Maurício Corrêa do Lago, Vinicius de Morais e Wilson Sidney Lobato.


Para compor a lista, a comissão recrutou informantes civis e militares. Sua primeira medida foi despachar circular telegráfica aos chefes de missão no exterior, intimados a entregar os nomes de servidores “implicados em fatos ou ocorrências que tenham comprometido sua conduta funcional”. Arapongas das Forças Armadas cederam fichas individuais de mais de 80 diplomatas.

 Também assinam o relatório os embaixadores Carlos Sette Gomes Pereira e Manoel Emílio Pereira Guilhon, que auxiliaram Câmara Canto na missão sigilosa.


O chefe da comissão encerrou o texto com um autoelogio patriótico: “Tudo fizemos para atingir os objetivos colimados e preservar o bom nome do Brasil e do seu serviço exterior”. O chanceler Magalhães Pinto devolveu o documento assinado e com uma ordem escrita à mão: “Recomendo que se cumpram as determinações”.

 Cinco integrantes da lista seriam poupados até a publicação das aposentadorias, por ato do presidente Costa e Silva. Perderam o cargo 13 diplomatas, oito oficiais de chancelaria e 23 servidores administrativos. Os decretos de cassação ocupam três páginas do Diário Oficial de 30 de abril de 1969.

Quarenta anos depois, poeta pode ganhar promoção a embaixador
Os expurgos do Itamaraty

Vinicius de Moraes foi um dos diplomatas cassados



Autor de clássicos da MPB, Vinicius de Moraes foi a vítima mais conhecida da maior caça às bruxas do itamaraty: o afastamento de 13 diplomatas com base no AI-5.
Documentos do Arquivo Nacional mostram que, entre supostos motivos das cassações, estavam homossexualismo e ligações com a esquerda.

Ideia, defendida por Celso Amorim, esbarra na burocracia do governo federal 



Quarenta anos depois de ser cassado pela ditadura militar, Vinicius de Moraes pode ser agraciado com uma inédita promoção postmortem a embaixador. A ideia foi lançada em 2006 no antigo Palácio do Itamaraty, no Centro do Rio, que teve uma ala batizada com o nome do poeta.

Apesar das boas intenções, a proposta ainda não conseguiu vencer a burocracia do governo federal.

Uma minuta de decreto, a ser assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, está engavetada desde agosto passado no Ministério do Planejamento. De lá, o documento ainda terá que passar pela Casa Civil antes de chegar ao presidente.

O documento já tem a assinatura do ministro das Relações Exteriores , Celso Amorim. O texto vai direto ao ponto : “ É promovido post-mortem a ministro de primeira classe da carreira de diplomata o primeiro-secretário Marcus Vinicius da Cruz de Mello Moraes, mundialmente conhecido como Vinicius de Moraes”.

“Perto do Barão, o Vinicius foi um congregado mariano”
No Itamaraty, um dos principais defensores da homenagem é o embaixador Jeronimo Moscardo, presidente da Fundação Alexandre de Gusmão. Ele defende a medida com um argumento singelo: o Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira, teria aprontado muito mais que o poeta.

— Perto do Barão, o Vinicius foi um congregado mariano — brinca.

Por ironia, chegar ao nível máximo da carreira era uma ideia temida por Vinicius.

Ele explicou o motivo em depoimento ao Museu da Imagem do Som, no Rio de Janeiro, em 1967: — Nos escalões inferiores da carreira, ninguém presta atenção em você. O perigo é você virar embaixador, né? Minha grande luta no Itamaraty tem sido para não ser promovido.

Preconceito interrompeu carreiras em ascensão

Houve um silêncio acovardado do rebanho', lamenta diplomata aposentado compulsoriamente em 1969



O expurgo de 1969 interrompeu várias carreiras em ascensão no Itamaraty. O primeiro-secretário Raul José de Sá Barbosa servia na embaixada do Brasil em Jacarta quando recebeu um telegrama com a notícia da aposentadoria compulsória. 

Era considerado um dos melhores textos da sua geração de diplomatas. Aos 42 anos, encabeçava a fila de promoção por antiguidade.

 Ele atribui o afastamento ao fato de ser homossexual.

— Fui vítima de preconceito.

Cortaram minha carreira, destruíram minha vida.

 Minha turma de Rio Branco tinha 15 pessoas. Todos viraram embaixadores, menos eu.

 Barbosa sofreu uma pena adicional: passou dois meses na Indonésia recebendo apenas um salário mínimo, em cruzeiros.

 De volta ao Brasil, viu as dificuldades financeiras se agravarem.

 A discriminação, também: — Muitos colegas que considerava amigos nunca mais me procuraram. Houve um silêncio acovardado da carneirada, do rebanho.


O diplomata se tornou um tradutor respeitado de autores como Charles Dickens e Virginia Woolf. Vive com poucos recursos numa casa em Santa Teresa, sozinho e com um cachorro.

 O mais novo da lista era o segundo secretário Ricardo Joppert. 

Em abril de 1969, ele servia no consulado de Gotemburgo quando foi convocado a voltar às pressas para o Brasil. Ao embarcar num avião da Varig, leu num exemplar do GLOBO a notícia da sua aposentadoria.

 Tinha apenas 28 anos.

— Nunca escondi que era homossexual. Na época isso era visto como problema, porque a sociedade não estava preparada para encarar as minorias — analisa ele, que foi reintegrado em 1986 e hoje serve no Museu Histórico e Diplomático, no Rio.


Para a oficial de chancelaria Nair Saud, a demissão significou uma ruptura traumática com a casa onde conseguiu seu primeiro emprego, aos 17 anos. Aos 86, ela ainda não se conforma com a cassação por “risco de segurança”, como indica o relatório secreto da Comissão de Investigação Sumária.

— Meu irmão ficou oito anos sem falar comigo.

 Disse que preferia ter uma irmã prostituta a uma irmã comunista.

 Era tudo mentira, porque eu nunca me meti com política. Mas gente que frequentava minha casa deixou de me cumprimentar, como se eu tivesse uma doença — emociona-se.

Vinicius: vida boêmia vigiada de perto

Gosto pela noite e pela bebida foi o motivo usado para afastar o poeta



Como pode um poeta ameaçar uma ditadura? No caso de Vinicius de Moraes, o risco parecia ainda mais remoto. Nos anos 60, enquanto os militares caçavam comunistas, ele cumpria uma rotina inofensiva e movimentada.

 De dia, dava expediente como diplomata no Palácio do Itamaraty. À noite, fazia a ronda pelos bares de Copacabana, quando não estava no palco de boates ao lado de colegas da bossa nova como Tom Jobim e Nara Leão. Com os livros, os discos e os sucessivos namoros e casamentos, às vezes simultâneos, sobrava pouco tempo para pensar em política.

 Mesmo assim, os arapongas mantiveram vigilância cerrada sobre os passos do poetinha. 

Um dossiê secreto do Serviço Nacional de Informações (SNI) a que O GLOBO teve acesso revela que Vinicius esteve na mira de diversos órgãos de espionagem antes de ser cassado, em 1969. A lista vai da polícia da antiga Guanabara ao temido Centro de Informações da Marinha (Cenimar). Até a aposentadoria pelo AI-5, o resumo do seu prontuário registra 32 anotações, em cinco páginas batidas à máquina.


A maior parte dos arquivos narra fatos sem importância, como a participação em shows e manifestos de intelectuais.

 Outras folhas descrevem Vinicius como “comunista e escritor” e sócio do Centro Brasileiro de Cultura, “organização de fachada do movimento comunista internacional”. Em 1966, a agência gaúcha do SNI tratou o poeta como “marginado, que é ao mesmo tempo diplomata e sambista”.
Em 1968, um araponga do Centro de Informações do Exército (CIE) redigiu uma nota mais sucinta: “Boêmio, parece ter errado de profissão”.

 A preferência pela noite foi a desculpa da Comissão de Investigação Sumária para incluir Vinicius entre os cassáveis.

 A justificativa aparece num dossiê da Aeronáutica sobre as demissões. Junto a seu nome, o documento traz a explicação: “alcoólatra”.


Surpreendentemente, o relatório secreto elogia o poeta e oferece uma alternativa à demissão.

 “Considerando que a conduta do primeiro-secretário Vinicius de Moraes é incompatível com as exigências e o decoro da carreira diplomática, mas em atenção aos seus méritos de homem de letras e artista consagrado, cujo valor não desconhece, a comissão propõe o seu aproveitamento no Ministério da Educação e Cultura”.


Não se sabe se a sugestão era para valer, mas Vinicius foi aposentado compulsoriamente dias depois, aos 55 anos. Ficou indignado com o ato arbitrário, mas manteve o bom humor. Quando circulou que a degola atingira homossexuais e bêbados, apressou-se a avisar: — Eu sou alcoólatra! Apesar da brincadeira, o poeta se abateu com a demissão sumária.

— Foi uma sacanagem a forma como me expulsaram do Itamaraty — desabafou, numa entrevista em 1979.


A imagem de vagabundo traçada pelos militares não combina com os registros funcionais do poeta. Dividida em três pastas amareladas, a ficha de Vinicius contém fartos elogios a seu talento e conduta profissional. Três boletins de avaliação interna o classificam como “acima da média” nos quesitos “atento e aplicado no trabalho”, “permanece durante todo o expediente” e “realiza os serviços com presteza”.

 O documento mais recente antes da aposentadoria atesta, para os devidos fins, que o poeta “não responde a processo administrativo e goza de bom conceito funcional”. Tem data de 1968. A página seguinte reproduz o Diário Oficial com a cassação.


Embora sua expulsão ainda seja tratada como tabu, Vinicius é personagem de algumas das melhores histórias do Itamaraty.

 Em 1946, após manter um caso ostensivo com a arquivista Regina Pederneiras, casou-se em segredo com ela numa igreja de Petrópolis. A relação durou pouco — entre outros motivos, porque ele já era casado.

 Mas deixou os versos da “Balada das arquivistas”.


Um dia, na mesma época, um colega se espantou com o volume de cartas na mesa de Vinicius. Assim descobriu que ele mantinha um segundo emprego: escrevia o consultório sentimental da revista “Flan”, assinado sob o insuspeito pseudônimo de Helenice. 

Nos 24 anos de Itamaraty, o poeta nunca escondeu o fastio com a burocracia e a formalidade da carreira.

 — Detesto tudo o que oprime o homem, inclusive a gravata.

Ora, é notório que o diplomata é um homem que usa gravata — queixou-se, numa conversa com Clarice Lispector em 1967.


Mas a boemia confessa não era sinônimo de vadiagem. Pelo contrário: foi nesse período que Vinicius escreveu a peça “Orfeu da Conceição” e compôs as músicas mais famosas com Tom Jobim, como “Garota de Ipanema”.

 Em 1979, o poeta tentou ser readmitido com base na Lei da Anistia. O ministro Ramiro Saraiva Guerreiro respondeu pelo Diário Oficial, em 4 de junho de 1980: “Indeferida a reversão”.

 Vinicius morreria no mês seguinte. Seus papéis estão guardados no Itamaraty e no Arquivo Nacional de Brasília.

 Foram consultados pelo GLOBO com autorização de suas filhas.