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quinta-feira, 19 de julho de 2018

O socialismo morreu: o marxismo cultural tenta mante-lo vivo - Paulo Roberto de Almeida (livro de Marcel Van Hattem)

Meu trabalho mais recente publicado, a pedido do meu amigo Marcel Van Hattem, para um livro coletando seus discursos como deputado na Câmara Legislativa do Rio Grande do Sul.
Apreciei a clareza de ideias, a justeza de suas posições, a firmeza de propósitos.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19 de julho de 208



O socialismo morreu: o marxismo cultural tenta mantê-lo vivo

Paulo Roberto de Almeida
Diplomata de carreira; doutor em ciências sociais, mestre em economia internacional; professor de Economia Política no Uniceub (Brasília); in:Hattem, Marcel van.
Somos nós com uma voz: do megafone à tribuna defendendo a liberdade, o Estado de direito e a democracia(São Paulo: LVM Editora, 2018,
368p.; ISBN 978-85-93751-24-0), Parte VI: Uma Voz Contra o Marxismo Cultural, Introdução, p. 223-229. Relação de Originais n. 3253; Publicados n. 1286.


Qualquer pessoa medianamente bem informada – ou seja, educada em algum sistema formal de ensino, ou pelo menos alfabetizada, acompanhando o noticiário corrente pelos meios de comunicação disponíveis, conhecedora de um mínimo de história do Brasil e do mundo – sabe que o socialismo morreu. Socialismo aqui deve ser entendido como propostas ou projetos de engenharia social, empreendidos a partir de uma base teórica – os escritos de Marx e Engels – e de exercícios de política prática, por meio de partidos e movimentos voltados para a conquista do poder – a exemplo de líderes comunistas como Lênin, Stalin e Mao Tsé-tung – e cujo resultado mais evidente foi uma imensa tragédia social no decorrer do século XX: estatísticas compiladas por historiadores de renome colocam a conta dos empreendimentos comunistas na casa dos 100 milhões de mortos, em diversos continentes. 
Esse socialismo, mais comumente chamado de comunismo, tomava como ponto de partida as teses de Rousseau sobre as origens das desigualdades sociais – que ele colocava na propriedade privada –, amplificou suas demandas igualitárias nas demandas mais radicais da Revolução Francesa sobre a construção da igualdade social com base no poder do Estado, passou pelo Terror da guilhotina contra aqueles que eram julgados “inimigos do povo”, manifestou-se filosoficamente na primeira metade do século XIX nas propostas dos chamados “socialistas utópicos” – tal como designados por Karl Marx – e consolidou-se doutrinalmente nos escritos de filosofia política de Marx e Engels, começando pelo Manifesto de 1848, que pregava a “luta de classes” para derrubar o “Estado da burguesia” e para instaurar por meio da luta revolucionária do proletariado uma sociedade sem classes, com a abolição completa da propriedade privada e a atribuição de todo o poder a um “Estado democrático”, que se encarregaria de construir a sociedade ideal, aquela baseada no trabalho de cada um, “segundo suas capacidades”, e a garantia de meios de vida a qualquer um, “segundo suas necessidades”. 
Essa utopia revolucionária de uma sociedade sem classes, radicalmente justa e igualitária, cujo sistema político prometia o desaparecimento progressivo do “Estado dos trabalhadores”, substituído pela “administração das coisas”, como pretendia Engels, nunca teve nenhuma condição de ser estabelecida, pelo menos sem que a implantação e o funcionamento de tal sistema de organização social e política requeresse graus inéditos de violência, como foi efetivamente o que se passou, quando revolucionários influenciados pelas ideias da dupla  tentaram colocar em prática esses gigantescos projetos de engenharia social. Esse vasto empreendimento de transformação sistêmica começou pela Rússia, em 1917, foi tentado em diversos outros países com fracassos espetaculares na primeira metade do século XX, e só conseguiu ser implementado na sequência imediata da Segunda Guerra Mundial, pela força do Exército Vermelho na Europa central e oriental, e na China como consequência da invasão japonesa e da guerra civil deslanchada pelos comunistas contra um governo corrupto e militarmente ineficaz. Alguns outros poucos exemplos se manifestaram aqui e ali, sempre com altas doses de violência contra aqueles que se opunham ao monopólio do poder por um único partido, e rotundos fracassos econômicos em todos os casos.
Esse é o segundo aspecto da utopia marxista, o de suas propostas econômicas, que muitos ainda consideram possuir algum sentido “legítimo”, ou historicamente “justificado”, em vista de supostas “contradições” do capitalismo: crises, desigualdade, concentração de renda, exclusão, desemprego e pobreza. Marx acreditava que o “modo de produção burguês” estava inevitavelmente condenado ao desaparecimento, por se basear na “exploração dos trabalhadores” – via “extração da mais-valia”, uma tese que não possui qualquer consistência econômica – e por aprofundar a polarização social, ao conduzir a sociedade à dominação de um punhado de ricos de um lado, os capitalistas, e da maioria de trabalhadores oprimidos e explorados, de outro. A solução, segundo ele, seria a estatização, depois a coletivização, de todos os meios de produção, e a operação de uma economia administrada pelos próprios trabalhadores. Lênin deu um passo adiante ao tentar implementar essas teses desprovidas de qualquer fundamento empírico de Marx: ele, que era um gênio em política, mas um completo ignorante em economia, decidiu simplesmente abolir os mercados, em favor de um sistema de planejamento centralizado, administrado por burocratas. Obviamente não deu certo, e levou a Rússia à sua primeira “epidemia de fome” (haveria outras), o que interrompeu provisoriamente o experimento e levou a uma “Nova Política Econômica”, com funcionamento parcial dos mercados.
Interessante notar que, nessa mesma época, entre 1919 e 1920, um jovem economista austríaco, Ludwig von Mises, que tinha sido socialista antes da Grande Guerra, ao observar as propostas socialistas e o experimento comunista de Lênin, escreveu um “panfleto” econômico, cuidadosamente intitulado “O Cálculo Econômico na Comunidade Socialista”, no qual ele contestava a possibilidade de funcionamento de um sistema econômico que dispensasse os preços de mercados e pretendesse organizar a produção unicamente a partir de preços administrados por burocratas do Estado. Um sistema desse tipo, disse Mises, seria impossível de funcionar em bases racionais, justamente devido à inexistência de cálculo econômico com base na raridade relativa dos insumos, ou seja, dos fatores de produção. O que sabemos, depois disso, foi que Stalin foi capaz de colocar um elefante a voar, ou seja, fazer o socialismo “funcionar”, mas ao custo de milhões de mortos, de uma opressão tão descomunal que o comunismo soviético pode ser equiparado à reprodução moderna de um gigantesco modo escravista de produção, com níveis baixíssimos de consumo popular. Essa, aliás, junto com a total falta de liberdade política, foi a causa da implosão e derrocada final do modo socialista de produção, nunca qualquer derrota para os inimigos ocidentais, ou os capitalistas das economias de mercado, que por acaso estavam financiando todos os regimes socialistas durante a maior parte do pós-guerra. 
O socialismo de tipo soviético, e suas derivações terceiro-mundistas – hoje reduzidos a dois pequenos resquícios de completa tirania –, foi, portanto, um completo fracasso, e não há ninguém que possa contestar essa realidade, nem mesmo o PCdoB. A China pós-Mao, teve a “sorte” de contar com mandarins comunistas mais esclarecidos, que deram a partida ao mais gigantesco experimento de transformação social da era moderna, com base numa economia de mercado, ainda que dominada por um sistema autocrático de partido único, mas dispondo de mais liberdade de empreendimento, e de menor “opressão tributária” estatal, do que o supostamente capitalista Brasil. Não se conhecem, na atualidade, propostas sérias – isto é, fora dos delírios universitários que conhecemos bem – de retorno à economia planificada centralmente, o que confirma, portanto, a primeira frase do título: o socialismo morreu.
O fracasso de propostas utópicas de organização política e social, de projetos pouco racionais de organização da produção e distribuição de bens e serviços, não significa, porém, o desaparecimento das ideias que lhes deram origem. Ideias são muito mais poderosas do que se pode pensar, mais “permanentes” do que empreendimentos eventuais que delas partiram para algum exercício concreto de implantação efetiva, mas seguido de sua derrota prática. Aqui cabe considerar que o marxismo foi, parcialmente acompanhado pelo freudismo, a mais poderosa ideologia política e social do século XX, e se prolonga no século XXI, mesmo sem qualquer regime socialista digno desse nome, mas com base nas ideias relevantes vindas da vertente rousseaniana do Iluminismo, agregado das pregações igualitárias da Revolução Francesa, passando obviamente pela filosofia social marxista, até chegar na doutrina política do leninismo derrotado, o marxismo soft de Antonio Gramsci. O comunista italiano revisou a doutrina leninista com base na leitura de Maquiavel – não só o Príncipe, mas também os Discursos da Primeira Década de Tito Lívio– e de outros clássicos, e daí formulou uma estratégia de conquista suave do poder, pela via da penetração nos principais aparelhos do Estado, dispensando o putsch leninista e formulando as bases da apropriação gradual do poder. 
O gramscismo é esse marxismo cultural disseminado amplamente no Brasil pós-derrota da esquerda tradicional em 1964, ao lado de alguns empreendimentos leninistas, castristas e maoístas que foram evidentemente derrotados pela força superior do Estado militar. A estratégia transmutou-se na conquista gradual, quase imperceptível, desses aparelhos do Estado – na área educacional, por exemplo – e das diversas correias de transmissão da ação do Estado, ou seja, o corporativismo dos mandarins do Estado e sua expressão social, os sindicatos. Eles passam a disseminar um marxismo vulgar – que tem pouco a ver com a doutrina original marxista – e um esquerdismo simplório, mas que alcança razoável sucesso político e eleitoral pelas mesmas razões pelas quais partidos socialistas ou socialdemocratas são ainda bem votados atualmente: eles prometem igualdade de condições, justiça social, políticas públicas redistributivas, amplos canais de assistência, medidas setoriais de proteção de grupos de interesse, enfim, a “sopa política” de promessas generosas e de reivindicações “justas”, que são amplamente bem acolhidas por um eleitorado sumariamente instruído ou informado. 
Essas características da política brasileira – igualmente encontradas em diversos outros países, sobretudo na América Latina – foram muito bem percebidas pelo jovem deputado Marcel Van Hattem, e isso se reflete plenamente nas intervenções em plenário coletadas neste capítulo sobre o “marxismo cultural”. Os contendores de um diálogo quase sempre unilateral – uma vez que seus argumentos nunca são respondidos ou rebatidos por aqueles com os quais ele se confronta no plenário e nas ruas – são os típicos representantes do gramscismo vulgar que domina a esquerda brasileira desde várias décadas: os sindicalistas da educação, os militantes do politicamente correto, os defensores de privilégios corporativos, os agitadores das novas causas das minorias, raciais ou de gênero. Num ambiente já amplamente dominado pelo agenda do politicamente correto – e que constrange a maior parte dos demais políticos contrários aos delírios dos militantes acima designados –, Marcel Van Hattem tem a coragem e a ousadia de contraditar os defensores dessas causas sem futuro, de desmentir seus argumentos capciosos, e de enfrentá-los na palavra e na escrita, se preciso nas ruas.
Todos os representantes do marxismo cultural, do gramscismo vulgar, da idiotice do politicamente correto são por ele alvejados nestas intervenções em plenário, e o que é mais notável, é que tudo é feito de improviso, no calor da hora, sem maiores elaborações teóricas ou históricas, como eu mesmo fiz nos parágrafos precedentes. Esta é a diferença entre os verdadeiros estadistas e os simples acadêmicos, entre os quais eu me incluo: o estadista seminal, como eu designaria Marcel Van Hattem, é capaz de, no embate do momento, encontrar o argumento correto para desmontar o discurso e as propostas dos marxistas culturais. 
O aspecto que eu mais destacaria, sobre os “combates puramente conjunturais”, como do “Queer Museum” em Porto Alegre – mas que é revelador das expressões mais delirantes do politicamente correto, que tende a se espalhar no país, como várias outras tendências idiotas de nossa época ––, é o do desmoronamento das instituições de ensino, seja pela influência nefasta das ideologias gramscianas amplamente dominantes nesses meios, seja pela ação quase mafiosa dos sindicatos de professores (sobretudo do ensino médio, mas também encontrável no terceiro ciclo), um processo que nos condena ao descalabro pedagógico e à mediocridade no desempenho educativo, incidindo, portanto, sobre o futuro previsível da produtividade em nosso país. Essa erosão da qualidade do ensino no Brasil – em praticamente todos os níveis, do pré-primário ao pós-doc – tem basicamente duas origens: de um lado o efeito nefasto da “pedagogia do oprimido”, uma herança nefasta daquele que foi elevado à condição de “patrono da educação brasileira” pelo regime companheiro, Paulo Freire; de outro, a ascensão e o “empoderamento” – esse horrível conceito da terminologia politicamente correta – dos sindicatos de mestres e professores, o que aliás corresponde inteiramente à ideologia predominante durante o regime petista, que foi uma repetição mais bem sucedida da natimorta “República Sindical” do início dos anos 1960. 
De certa forma, ainda vivemos sob a “República Sindical”, e ela é evidente no corporativismo exacerbado sob o qual vivemos, a partir de um Estado omnipresente e onipotente (mas obviamente não onisciente). Na outra ponta, a organização pedagógica brasileira ainda é dominada pela ideologia do “freirismo” educacional, um conjunto de banalidades políticas – de inspiração maoísta, cabe esclarecer – que desvinculam o ensino brasileiro de suas funções básicas: formar as crianças e jovens no ensino da língua, das matemáticas e das ciências elementares. Os exames do PISA demonstram a total inconsistência, na verdade, o fracasso da educação brasileira, e isto é uma tragédia superior a qualquer crise fiscal ou recesso econômico. Louvo o combate do deputado Marcel Van Hattem nesta área absolutamente crucial para o futuro do Brasil e dos brasileiros. Os verdadeiros estadistas são aqueles que focalizam os problemas reais e levam toda a sua capacidade de ação ao enfrentamento direto da questão.
O marxismo cultural representa um dos maiores desafios ao desenvolvimento do Brasil, na medida em que ele é uma tentativa de sobrevivência do socialismo, mas baseado em mentiras, meias verdades, diagnósticos simplistas da realidade, e prescrições totalmente equivocadas para a solução dos nossos problemas. Um dos exemplos mais evidentes dessas tendências nefastas é o chamado “afrobrasileirismo”, uma importação de teses já equivocadas em sua origem – a ideologia African Americannos Estados Unidos – e que pode estar provocando o nascimento de um novo tipo de Apartheid no Brasil, o que separa os supostos “afrodescendentes” de todos os demais brasileiros; ele também é combatido corajosamente pelo deputado Marcel Van Hattem, o que é mais uma evidência de sua postura de estadista, o líder político que não hesita em se contrapor aos desatinos da conjuntura em prol de uma concepção mais elevada da sociedade e da cultura brasileira.
O combate apenas começou: ele certamente ocupará novas tribunas e novos cenários nos próximos anos e décadas à frente. Sua trajetória apenas começou: as amostras aqui presentes demonstram que ele trava o bom combate: o da racionalidade econômica, da qualidade da educação, da defesa da dignidade da pessoa humana em face do primitivismo das causas particularistas, que estão fragmentando o conceito de direitos humanos nos últimos anos. Trata-se, também, de uma defesa corajosa da verdade política, do sentido não corporativo das políticas públicas, da noção correta de bem comum, contra o assalto dos “novos bárbaros” gramscianos contra a sociedade e o Estado no Brasil. Meus votos de pleno sucesso nas próximas etapas de sua luta.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19 de março de 2018

Cultura Brasileira: livros, entre eles o do Ricupero de historia diplomatica


Cultura Brasileira

Rubens Nogueira 
https://www.jornalcruzeiro.com.br/materia/906611/cultura-brasileira


O "Jornal do Brasil" dedicou, uma página inteira ao livro "Cultura Brasileira de hoje", mostrando, graças a Deus, que o mais que centenário veículo de comunicação – impresso e digital – está aí para incentivar os valores eternos da Educação e da Cultura.  

A autora do livro enriquece a reportagem com o artigo: "Diálogos interartísticos". O livro é um projeto da Fundação Casa de Ruy Barboza. Flora Sussekind, do setor de Filologia da (FCRB) e seus parceiros Tânia Dias, Bia Lessa, Ronaldo Brito, Carlito Azevedo, Arjan Martins, José Rezende e Silviano Santiago foram fundo na realização dos depoimentos conjuntos – duplas de intelectuais e artistas de atuação relevante em áreas diversas. "O trabalho tem a intenção de investigar o estado das artes, da literatura e da crítica no país, assim como as formas de interação entre esses campos". Que beleza! A obra – em três volumes – é apenas o começo, de um projeto ambicioso que vai ter continuidade. Algo que precisava ocorrer em nosso Brasil, tal como acontece no exterior há muito tempo. Parêntese: tenho prá mim que, apesar dos pesares, estamos melhorando. Um outro livro: "A diplomacia na construção do Brasil – 1750 – 2016", fantástica realização de um homem extraordinário, o embaixador Rubens Ricupero, "A mais completa e atualizada história das relações do Brasil com o mundo". Comparo seu trabalho com a façanha de nosso conterrâneo Francisco Adolfo de Varnhagen, que inaugurou a história escrita da pátria brasileira com seu livro seminal: "História da Independência do Brasil", no século 19. Uma edição deste monumental registro historiográfico foi publicado pelo Instituto Nacional do Livro e veio à luz em 1972.  

Voltando ao nosso assunto de hoje:  

O cineasta, escritor e professor Sylvio Tendler, consagrado pelos documentários que realiza desde a juventude – entre eles "Os anos JK", é um dos personagens dos livros que compõem os "Diálogos". Ele, porém, não conseguiu participar do lançamento, por que o local escolhido não dispõe de condições para cadeirantes. Vexame! Mas não é novidade, nem aqui, nem alhures.  

Na minha longeva carreira de leitor e escritor tive oportunidade de criar algumas frases. A melhor delas aconteceu durante a ditadura. O Planalto estava incomodado com o fora Temer da época: "Brasil, ame-o ou deixe-o". Aproveitando a maravilhosa atuação da seleção canarinho em Guadalajara, em 1970, em meio à uma reunião, um autêntico "Brain Storm", em uma segunda-feira, após arrasadora vitória do Brasil, a capa da "Veja" mostrava um carro esportivo com a capota arriada. Sentados e em pé, uma galera – moças e rapazes em trajes sumários – agitando a bandeira verde e amarela, na avenida Atlântica, em tarde de sol. A  

reunião já durava uma hora ou mais. De estalo, lembrei-me da foto e soltei: "Ninguém segura o Brasil". Foi um gol de placa. O coronel chefe da comunicação da Presidência gostou e pediu: "para a final, domingo próximo, vamos inundar o Rio com adesivos, cartazes e o que mais pudermos – a bandeira e a frase". Foi assim.  

Em outra ocasião para divulgar uma feira de livros, Josué Montello, então presidente do SNEL – Sindicato Nacional de Editores de Livro, pediu-me para produzir um folheto. Fí-lo, com alegria, sob o tema: "Sem leitura, não há Cultura". Acho que é isso, sempre!  

Serviço: "Jornal do Brasil", caderno B, página 5, 16-04-18; "A diplomacia na Construção do Brasil – 1750-2016 – Rubens Ricupero, Editora Versal Editores, 1a edição, Rio de Janeiro, 2017, páginas 22 e 760 (bibliografia seletiva).  

Reflexão: "Culto – instruído. Cultura: conhecimento, instrução; civilização cultural" – Mini Houaiss – Editora Objetiva, 2001

Ricardo Bergamin continua implacavel, sobretudo contra o Centrao - Josias de Souza

Para ele, o chamado Centrão, que é apenas uma ameba gelatinosa, é simplesmente sinônimo de larápios do Tesouro Nacional, meliantes do dinheiro público...
Mas, Josias de Souza também é cruel com os assaltantes dos cofres do Estado.
Paulo Roberto de Almeida 

A suruba da política no Brasil. 
Por ausência total de direita no Brasil o PT será o grande vencedor nas eleições de 2018 para o Congresso Nacional. Em São Paulo o “jurássico” Eduardo Suplicy lidera a corrida para o Senado.
Ser contra o PT, por si só, não pode ser considerado de direita ou liberal. Necessita de um projeto de pensamento e de fé. 
Viva CAZUZA
A tua piscina tá cheia de ratos
Tuas ideias não correspondem aos fatos
O tempo não pára
Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não para
Não para, não, não pára 
Ricardo Bergamini

Nelson Rodrigues

Josias de Souza
19/07/2018 04:35
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https://conteudo.imguol.com.br/blogs/58/files/2018/07/CiroAlckminMastrangeloReinoFolha.jpg
Os partidos do centrão assumiram o comando das arrumações nos bastidores da sucessão de 2018. A cortina ainda está fechada. Mas já se ouve da plateia o ruído abafado da montagem do palco. Nesta quinta-feira, sujos e mal lavados da política se reúnem na casa funcional do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para refinar o processo de escolha de um protagonista para sua trama. Disputam o tempo de TV e o amor do centrão Ciro Gomes e Geraldo Alckmin. Ex-presidiário do mensalão, Valdemar Costa Neto, que no espetáculo faz o papel de dono do Partido da República, assumiu as vezes de cupido.
Deve-se a Valdemar a perspectiva de reunificação do centrão. O personagem desgarrara-se do grupo para negociar uma aliança com Jair Bolsonaro. Fracassada a tentativa, comunicou aos velhos parceiros que está de volta. Como já foi alvejado pela língua de Ciro, Valdemar tem uma leve queda por Alckmin. Mas informou aos congêneres que topa qualquer negócio, desde que o empresário Josué Gomes da Silva, filiado ao PR, seja acomodado na posição de candidato a vice-presidente. Conforme já noticiado aqui, Josué já havia se colocado à disposição do grupo.

Participam dos entendimentos, além de Rodrigo Maia e do notório Valdemar, o senador Ciro Nogueira (PP), réu na Lava Jato, Paulinho da Força (SD), alvo de inquérito criminal no Supremo, Marcos Pereira (PRB), também pendurado na Lava Jato e ACM Neto (DEM). Consolidou-se entre eles o desejo de que seus respectivos partidos negociem os dotes eletrônicos de maneira unificada.
Fala-se muito em coalizão partidária e programa de governo. Mas a ausência de ideias denuncia, por assim dizer, o embuste. Ganha trinta segundos no horário eleitoral quem for capaz de explicar o que une o centrão além do propósito de invadir cofres públicos. Se alguém não estiver ligando o nome à pessoa, basta recordar que o grosso do atual centrão fez as vezes de milícia parlamentar de Eduardo Cunha, esticando-lhe o mandato e acompanhando-o até a porta da cadeia.
Com poucas variações, esse mesmo condomínio parlamentar dá as cartas há muito mais tempo do que o Tesouro Nacional poderia suportar. Sob FHC, a convivência com a intelectualidade tucana proporcionou ao centrão um excelente merchandising. Sob Lula, o Planalto de fachada operária resultou em ótimos negócios. Sob Dilma, o centrão desistiu de terceirizar o poder ao petismo. Substituiu a preposta de Lula, sem talento para a administração do balcão, por Michel Temer, especialista na matéria.

Nem as almas mais ingênuas acreditariam que partidos identificados com o suborno, o acorbertamento, o compadrio, o patrimonialismo e o fisiologismo percorrem os bastidores das negociações presidenciais com a disposição de passar os próximos anos dedicando-se a outra atividade que não seja a perpetuação dos vícios. Pode demorar mais alguns dias para acomodar todos em suas marcas e decidir quem, afinal, vai levar o tempo de TV do bloco.
Quando a cortina finalmente for aberta, a primeira cena deve ser divertida. Alguém deve achegar-se à boca do palco para anunciar: “Nós apoiaremos…” Ao fundo, os dois candidatos ajustarão a peruca e escolherão o nariz que utilizarão na campanha.

quarta-feira, 18 de julho de 2018

Gilberto Pires: inveja do Peru e sua limpeza no Judiciario

Da coluna diária do jornalista Gilberto Simões Pires:
ESTOU TOMADO PELA INVEJA
  
XVII- 189/17 - 18.07.2018
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INVEJA
Ontem, ao tomar conhecimento de que o presidente do Peru, Martín Vizcarra, convocou o Congresso para um plenário extraordinário para tratar da DESTITUIÇÃO TOTAL do Conselho Nacional da Magistratura (CNM), cujos membros estão envolvidos em um escândalo de corrupção judicial, confesso que fiquei tomado por um forte sentimento de INVEJA.

REFORMA INTEGRAL
Vizcarra, que já colocou em curso uma reforma integral do sistema de justiça que está promovendo no país, entende que a destituição em bloco do Conselho Nacional da Magistratura é -IMPRESCINDÍVEL e INADIÁVEL-.
A propósito, na semana passada (dia 13), mandou instaurar uma comissão de analistas que ficará encarregada da elaboração de uma proposta de REFORMA DO SISTEMA DE JUSTIÇA que deverá ser apresentada ao Parlamento no pronunciamento que Vizcarra fará no próximo dia 28, data em que o Peru celebra 197 anos de independência.

MUDANÇAS URGENTES
Segundo a Agência Brasil, o presidente Vizcarra afirmou que, “diante dos escandalosos áudios que revelam a corrupção endêmica”, é imprescindível a realização de  “mudanças urgentes”, que “não se alcançam só com palavras, mas com fatos concretos”.

INSTITUIÇÕES PERUANAS
Mais: “Não vamos permitir a decomposição das instituições do Peru, e estamos lutando de maneira frontal contra a corrupção, a fim de dar resposta às exigências e reivindicações unânimes da população, por transparência e qualidade institucional”, completou o presidente Martín Vizcarra.

CONSTITUIÇÃO PERUANA
De acordo com o presidente, a proposta de destituição do CNM tem como base o Artigo 157 da Constituição Peruana, cuja aplicação é prevista para causas graves, incluindo os membros suplentes que deveriam substituir os conselheiros titulares em caso de vacância.

CHEIRO DE PODRIDÃO
Pois, sem o menor medo errar, estou convencido de que bastou a leitura do primeiro bloco deste editorial para  que o forte sentimento de INVEJA que estou sentindo, já tenha atingido a totalidade dos meus leitores. Mais: estou convencido de que milhões de brasileiros gostariam muito que algo parecido acontecesse imediatamente no nosso SETOR JUDICIÁRIO, onde o cheiro de podridão é sentido por todos os cantos.

Italo Calvino: Por que ler os clássicos? (NYRB, 1986)

Why Read the Classics?

Let us begin with a few suggested definitions.
1) The classics are the books of which we usually hear people say: “I am rereading…” and never “I am reading….”
This at least happens among those who consider themselves “very well read.” It does not hold good for young people at the age when they first encounter the world, and the classics as a part of that world.
The reiterative prefix before the verb “read” may be a small hypocrisy on the part of people ashamed to admit they have not read a famous book. To reassure them, we need only observe that, however vast any person’s basic reading may be, there still remain an enormous number of fundamental works that he has not read.
Hands up, anyone who has read the whole of Herodotus and the whole of Thucydides! And Saint-Simon? And Cardinal de Retz? But even the great nineteenth-century cycles of novels are more often talked about than read. In France they begin to read Balzac in school, and judging by the number of copies in circulation, one may suppose that they go on reading him even after that, but if a Gallup poll were taken in Italy, I’m afraid that Balzac would come in practically last. Dickens fans in Italy form a tiny elite; as soon as its members meet, they begin to chatter about characters and episodes as if they were discussing people and things of their own acquaintance. Years ago, while teaching in America, Michel Butor got fed up with being asked about Emile Zola, whom he had never read, so he made up his mind to read the entire Rougon-Macquart cycle. He found it was completely different from what he had thought: a fabulous mythological and cosmogonical family tree, which he went on to describe in a wonderful essay.
In other words, to read a great book for the first time in one’s maturity is an extraordinary pleasure, different from (though one cannot say greater or lesser than) the pleasure of having read it in one’s youth. Youth brings to reading, as to any other experience, a particular flavor and a particular sense of importance, whereas in maturity one appreciates (or ought to appreciate) many more details and levels and meanings. We may therefore attempt the next definition:
2) We use the word “classics” for those books that are treasured by those who have read and loved them; but they are treasured no less by those who have the luck to read them for the first time in the best conditions to enjoy them.
In fact, reading in youth can be rather unfruitful, owing to impatience, distraction, inexperience with the product’s “instructions for use,” and inexperience in life itself. Books read then can be (possibly at one and the same time) formative, in the sense that they give a form to future experiences, providing models, terms of comparison, schemes for classification, scales of value, exemplars of beauty—all things that continue to operate even if the book read in one’s youth is almost or totally forgotten. If we reread the book at a mature age we are likely to rediscover these constants, which by this time are part of our inner mechanisms, but whose origins we have long forgotten. A literary work can succeed in making us forget it as such, but it leaves its seed in us. The definition we can give is therefore this:
3) The classics are books that exert a peculiar influence, both when they refuse to be eradicated from the mind and when they conceal themselves in the folds of memory, camouflaging themselves as the collective or individual unconscious.
There should therefore be a time in adult life devoted to revisiting the most important books of our youth. Even if the books have remained the same (though they do change, in the light of an altered historical perspective), we have most certainly changed, and our encounter will be an entirely new thing.
Hence, whether we use the verb “read” or the verb “reread” is of little importance. Indeed, we may say:
4) Every rereading of a classic is as much a voyage of discovery as the first reading.
5) Every reading of a classic is in fact a rereading.
Definition 4 may be considered a corollary of this next one:
6) A classic is a book that has never finished saying what it has to say.
Whereas definition 5 depends on a more specific formula, such as this:
7) The classics are the books that come down to us bearing upon them the traces of readings previous to ours, and bringing in their wake the traces they themselves have left on the culture or cultures they have passed through (or, more simply, on language and customs).
All this is true both of the ancient and of the modern classics. If I read the Odyssey I read Homer’s text, but I cannot forget all that the adventures of Ulysses have come to mean in the course of the centuries, and I cannot help wondering if these meanings were implicit in the text, or whether they are incrustations or distortions or expansions. When reading Kafka, I cannot avoid approving or rejecting the legitimacy of the adjective “Kafkaesque,” which one is likely to hear every quarter of an hour, applied indiscriminately. If I read Turgenev’s Fathers and Sons or Dostoevsky’s The Possessed, I cannot help thinking how these characters have continued to be reincarnated right down to our own day.
The reading of a classic ought to give us a surprise or two vis-à-vis the notion that we had of it. For this reason I can never sufficiently highly recommend the direct reading of the text itself, leaving aside the critical biography, commentaries, and interpretations as much as possible. Schools and universities ought to help us to understand that no book that talks about a book says more than the book in question, but instead they do their level best to make us think the opposite. There is a very widespread topsyturviness of values whereby the introduction, critical apparatus, and bibliography are used as a smoke screen to hide what the text has to say, and, indeed, can say only if left to speak for itself without intermediaries who claim to know more than the text does. We may conclude that:
8) A classic does not necessarily teach us anything we did not know before. In a classic we sometimes discover something we have always known (or thought we knew), but without knowing that this author said it first, or at least is associated with it in a special way. And this, too, is a surprise that gives a lot of pleasure, such as we always gain from the discovery of an origin, a relationship, an affinity. From all this we may derive a definition of this type:
9) The classics are books that we find all the more new, fresh, and unexpected upon reading, the more we thought we knew them from hearing them talked about.
Naturally, this only happens when a classic really works as such—that is, when it establishes a personal rapport with the reader. If the spark doesn’t come, that’s a pity; but we do not read the classics out of duty or respect, but only out of love. Except at school. And school should enable you to know, either well or badly, a certain number of classics among which—or in reference to which—you can then choose your classics. School is obliged to give you the instruments needed to make a choice, but the choices that count are those that occur outside and after school.
It is only by reading without bias that you might possibly come across the book that becomes your book. I know an excellent art historian, an extraordinarily well-read man, who out of all the books there are has focused his special love on the Pickwick Papers; at every opportunity he comes up with some quip from Dickens’s book, and connects each and every event in life with some Pickwickian episode. Little by little he himself, and true philosophy, and the universe, have taken on the shape and form of the Pickwick Papers by a process of complete identification. In this way we arrive at a very lofty and demanding notion of what a classic is:
10) We use the word “classic” of a book that takes the form of an equivalent to the universe, on a level with the ancient talismans. With this definition we are approaching the idea of the “total book,” as Mallarmé conceived of it.
But a classic can establish an equally strong rapport in terms of opposition and antithesis. Everything that Jean-Jacques Rousseau thinks and does is very dear to my heart, yet everything fills me with an irrepressible desire to contradict him, to criticize him, to quarrel with him. It is a question of personal antipathy on a temperamental level, on account of which I ought to have no choice but not to read him; and yet I cannot help numbering him among my authors. I will therefore say:
11) Your classic author is the one you cannot feel indifferent to, who helps you to define yourself in relation to him, even in dispute with him.
I think I have no need to justify myself for using the word “classic” without making distinctions about age, style, or authority. What distinguishes the classic, in the argument I am making, may be only an echo effect that holds good both for an ancient work and for a modern one that has already achieved its place in a cultural continuum. We might say:
12) A classic is a book that comes before other classics; but anyone who has read the others first, and then reads this one, instantly recognizes its place in the family tree.
At this point I can no longer put off the vital problem of how to relate the reading of the classics to the reading of all the other books that are anything but classics. It is a problem connected with such questions as, Why read the classics rather than concentrate on books that enable us to understand our own times more deeply? or, Where shall we find the time and peace of mind to read the classics, overwhelmed as we are by the avalanche of current events?
We can, of course, imagine some blessed soul who devotes his reading time exclusively to Lucretius, Lucian, Montaigne, Erasmus, Quevedo, Marlowe, the Discourse on Method, Wilhelm Meister, Coleridge, Ruskin, Proust, and Valéry, with a few forays in the direction of Murasaki or the Icelandic sagas. And all this without having to write reviews of the latest publications, or papers to compete for a university chair, or articles for magazines on tight deadlines. To keep up such a diet without any contamination, this blessed soul would have to abstain from reading the newspapers, and never be tempted by the latest novel or sociological investigation. But we have to see how far such rigor would be either justified or profitable. The latest news may well be banal or mortifying, but it nonetheless remains a point at which to stand and look both backward and forward. To be able to read the classics you have to know “from where” you are reading them; otherwise both the book and the reader will be lost in a timeless cloud. This, then, is the reason why the greatest “yield” from reading the classics will be obtained by someone who knows how to alternate them with the proper dose of current affairs. And this does not necessarily imply a state of imperturbable inner calm. It can also be the fruit of nervous impatience, of a huffing-and-puffing discontent of mind.
Maybe the ideal thing would be to hearken to current events as we do to the din outside the window that informs us about traffic jams and sudden changes in the weather, while we listen to the voice of the classics sounding clear and articulate inside the room. But it is already a lot for most people if the presence of the classics is perceived as a distant rumble far outside a room that is swamped by the trivia of the moment, as by a television at full blast. Let us therefore add:
13) A classic is something that tends to relegate the concerns of the moment to the status of background noise, but at the same time this background noise is something we cannot do without.
14) A classic is something that persists as a background noise even when the most incompatible momentary concerns are in control of the situation.
There remains the fact that reading the classics appears to clash with our rhythm of life, which no longer affords long periods of time or the spaciousness of humanistic leisure. It also contradicts the eclecticism of our culture, which would never be capable of compiling a catalog of things classical such as would suit our needs.
These latter conditions were fully realized in the case of Leopardi, given his solitary life in his father’s house (his “paterno ostello“), his cult of Greek and Latin antiquity, and the formidable library put at his disposal by his father, Monaldo. To which we may add the entire body of Italian literature and of French literature, with the exception of novels and the “latest thing out” in general, all of which were at least swept off into the sidelines, there to comfort the leisure of his sister Paolina (“your Stendhal,” he wrote her once). Even with his intense interest in science and history, he was often willing to rely on texts that were not entirely up-to-date, taking the habits of birds from Buffon, the mummies of Frederik Ruysch from Fontanelle, the voyage of Columbus from Robertson.
In these days a classical education like the young Leopardi’s is unthinkable; above all, Count Monaldo’s library has multiplied explosively. The ranks of the old titles have been decimated, while new ones have proliferated in all modern literatures and cultures. There is nothing for it but for all of us to invent our own ideal libraries of classics. I would say that such a library ought to be composed half of books we have read and that have really counted for us, and half of books we propose to read and presume will come to count—leaving a section of empty shelves for surprises and occasional discoveries.
I realize that Leopardi is the only name I have cited from Italian literature—a result of the explosion of the library. Now I ought to rewrite the whole article to make it perfectly clear that the classics help us to understand who we are and where we stand, a purpose for which it is indispensable to compare Italians with foreigners and foreigners with Italians.
Then I ought to rewrite it yet again lest anyone believe that the classics ought to be read because they “serve any purpose” whatever. The only reason one can possibly adduce is that to read the classics is better than not to read the classics.
And if anyone objects that it is not worth taking so much trouble, then I will quote Cioran (who is not yet a classic, but will become one):
While they were preparing the hemlock, Socrates was learning a tune on the flute. “What good will it do you,” they asked, “to know this tune before you die?”
translated by Patrick Creagh
English translation copyright © 1986 Harcourt Brace Jovanovich, Inc.

A Guerrilha do Araguaia: livro de Hugo Studart lançado em Brasilia

O lançamento foi um sucesso total: permaneci mais de 2 horas no Restaurante Carpe Diem, e a fila tipicamente continuava levando 2 horas de espera. Deve ter vendido mais de 200 livros.
Aqui está o convite. Logo abaixo a minha colaboração e a capa do livro. Depois o meu texto, oferecido como posfácio.

1285. “Uma tragédia brasileira: a loucura amazônica do PCdoB”, Posfácio a Hugo Studart: Borboletas e Lobisomens: vidas, sonhos e mortes dos guerrilheiros do Araguaia(Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves, 2018, 660 p.; ISBN: 978-85-265-0490-5; p. 503-507). Versão original publicada no blog Diplomatizzando(9/07/2018; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/07/golpes-revolucoes-e-movimentos-armados.html). Relação de Originais n. 3255.


Uma tragédia brasileira: a loucura amazônica do PCdoB

Paulo Roberto de Almeida
Diplomata; professor no Uniceub.
 “Uma tragédia brasileira: a loucura amazônica do PCdoB”, Posfácio a Hugo Studart: Borboletas e Lobisomens: vidas, sonhos e mortes dos guerrilheiros do Araguaia(Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves, 2018, 660 p.; ISBN: 978-85-265-0490-5; p. 503-507). Versão original publicada no blog Diplomatizzando(9/07/2018; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/07/golpes-revolucoes-e-movimentos-armados.html). Relação de Originais n. 3255; Relação de Publicados n. 1285.

Grandes revoluções sociais são fenômenos extremamente raros na história da humanidade. Ainda bem: elas provocam destruições enormes, uma grande mortandade de civis inocentes, perdas materiais significativas e muito raramente transformam para melhor as nações nas quais ocorrem. Geralmente necessitam ajustes adicionais, também dolorosos, para produzir efeitos reais no itinerário político ou econômico das nações onde ocorrem. Costumam “devorar” os seus filhos, consumindo, literalmente, lideranças inteiras de revolucionários improvisados; muitos deles desaparecem na voragem de combates, em novas insurreições, em golpes de palácio e o que mais houver.
As verdadeiras revoluções são raras por um motivo simples: elas não são feitas, apenas acontecem, sem que se possa prever antecipadamente sua ocorrência e seus desenvolvimentos. Muito mais frequentes e numerosos são os golpes de Estado, as quarteladas militares, o assalto planejado ao poder, as insurreições urbanas, revoltas rurais esparsas nos campos e outras mudanças de governo e ascensão de novas elites. Isso ocorre quando o antigo regime tenta se reformar, como evidenciou genialmente Tocqueville em O Antigo Regime e a Revolução(1848). Essas tomadas de poder, pela via da violência, se tornaram tão frequentes numa época – como o putsch de Lênin, em 1917, ou a marcha de Mussolini, em 1922 – que escritor italiano Curzio Malaparte, bom observador desses fenômenos, escreveu um manual, Técnica do Golpe de Estado, dois anos antes da ascensão de Hitler, em 1933, inaugurando uma tirania absoluta pela via “legal” das eleições; décadas depois, Hugo Chávez inaugurou um ciclo de “consultas populares” para a construção da sua “ditadura plebiscitária”.
E como foi no Brasil? Tivemos muitos golpes de Estado, é verdade, várias quarteladas, algumas guerras civis embrionárias – nas regências, como a revolução farroupilha no Sul, a revolta da Armada, no início do regime republicano, e a “guerra paulista”, no governo provisório de Vargas – mas nenhuma revolução social de caráter nacional digna desse nome. O abolicionismo que Nabuco pregava – que deveria ter sido seguido de reforma agrária e de uma revolução educacional, depois da abolição da escravidão – talvez merecesse esse epíteto, mas infelizmente não foi o caso. A revolução “liberal” de Minas Gerais, em meados do século XIX, ou as revoluções de Pernambuco – autonomista em 1817, republicana e federalista em 1824, nacionalista e “socialdemocrata” em 1848 – não se qualificam como verdadeiras revoluções sociais, ao mesmo título que outros exemplos na História, inclusive a própria Inconfidência mineira antes da independência. Em geral, foram movimentos conduzidos por elites esclarecidas, raramente processos saídos de “massas oprimidas”, mesmo com revoltas escravas ou de populações periféricas, todas extremamente marginais do ponto de vista político. Até praticamente o final do Império, o Brasil rural e atrasado, não tinha massas urbanas organizadas, como passou a ter depois, com a imigração e a industrialização.
O que mais tivemos foram intervenções das Forças Armadas motivadas por crises políticas, aliás na própria inauguração da República, para sepultar a monarquia já decadente. Ocorreram pequenas e grandes tragédias ao longo do século republicano: o messianismo de Canudos, erradamente interpretado como uma revolta monárquica contra a República, como no caso da revolta da Armada, o Contestado nos limites do Paraná e Santa Catarina, e várias revoltas de tenentes, para “liquidar” a república “carcomida”. Nessa categoria entra a “Coluna Prestes”, supostamente um prelúdio à Grande Marcha do Exército Vermelho de Mao Tsé-tung, mas que criou um mito, o do “Cavaleiro da Esperança”, aproveitado pela Internacional Comunista para teleguiar, de Moscou, a “intentona” de novembro de 1935, que constituiu, certamente, a primeira grande tragédia do comunismo no Brasil.
Essa tentativa de assalto ao poder, comandada por um bando de trapalhões, como demonstrado no livro de William Waack, Camaradas, vacinou definitivamente as Forças Armadas contra uma das mais poderosas ideologias do século XX, junto com o fascismo, e fez do anticomunismo a doutrina oficial, e permanente, do Estado brasileiro, condenando de antemão ao fracasso qualquer nova aventura nessa direção. A disposição ficou patente logo em seguida à intentona, materializada na Lei de Segurança Nacional, nos tribunais de repressão aos “maus elementos” nas hostes militares e, sobretudo, na dura repressão a todos os dissidentes da nova ditadura, o Estado Novo (1937-1945), pela polícia política comandada pelo Sr. Filinto Muller.
Os revolucionários dos anos 1960 se esqueceram talvez do precedente de 1935, que aliás não era objeto de tantas comemorações oficiais até que a inauguração de um novo, e longo, ciclo militar transformasse o mês de novembro, ao lado, obviamente, do 31 de março, num marco obrigatório dos pronunciamentos político-militares do novo regime. Aqueles que optaram, desde o início do período autoritário, pelo caminho da resistência armada ao “governo golpista”, à “ditadura militar”, ao “regime servil ao imperialismo”, o fizeram por sua própria conta e risco, numa completa inconsciência sobre as condições reais do “movimento popular”; sobrestimaram o apoio que teriam das “massas trabalhadoras”, operárias e camponesas, às suas aventuras guerrilheiras. “Cutucaram onça com vara curta”, como se diz na linguagem popular, e aprenderam duramente que o Estado brasileiro não era um simples títere do imperialismo americano, ou um “tigre de papel”, como repetiam os maoístas do movimento comunista brasileiro. 
Justamente, uma das maiores tragédias da história política brasileira recente, ao lado de episódios de guerrilha urbana rapidamente desbaratados pela repressão, é constituída pela incursão maoísta nas selvas do Araguaia, tal como descrita neste relato histórico exemplar do jornalista Hugo Studart. Além de ter honesta e objetivamente reconstituído essa loucura militar do PCdoB, seu relato precisa servir de denúncia dessa iniciativa insana dos dirigentes maoístas brasileiros, uma vez que ela levou jovens idealistas das cidades a uma morte estúpida nas matas da Amazônia. Antes dela, na impossibilidade de reprodução de uma insurreição ao estilo castrista da Sierra Maestra, dirigentes comunistas, seguidos por revolucionários das grandes metrópoles, já se tinham lançado na aventura da guerrilha urbana, sem muita estratégia e quase nenhuma tática, a não ser os canhestros assaltos a bancos, ataques a quarteis, alguns sequestros de diplomatas e de aviões, e uns poucos deploráveis assassinatos de pessoas, rapidamente aproveitados pelo regime militar para apegar-lhes o rótulo de “terrorismo”. Tudo isso ajudou ao endurecimento do regime, pela via do AI-5. A guerrilha urbana e alguns poucos focos esparsos foram expedita e duramente reprimidos pelas forças da repressão, tomadas de surpresa no início do processo, mas rapidamente organizadas sob comando militar e muitos apoios em setores das elites econômicas.
Bem mais complicado foi o episódio amazônico, a segunda vez na história das Forças Armadas, depois de Canudos, que elas tiveram de organizar expedições sucessivas de suas tropas para debelar focos reduzidos de “combatentes inimigos”, fracamente armados, mas que aparentavam representar um grande perigo para o regime republicano. Ambos episódios foram tragédias sociais, mas pode-se considerar aquele primeiro apenas o fruto de equívocos de interpretação de uma república “jacobina”, enfrentando o que seria a sua “Vendeia”, segundo as leituras francesas de um Euclides da Cunha. O segundo não: foi uma tragédia evitável, e cabe aqui responsabilizar direta e totalmente a direção irresponsável do PCdoB pelo imenso crime perpetrado contra um punhado de militantes idealistas, imaginando participar de um grande empreendimento de resgate social, e justiceiro, do pobre povo do interior, numa reprodução quixotesca do que teria sido a “guerra camponesa” de Mao Tsé-tung, então no auge do um prestígio inteiramente indevido, pela “revolução cultural” que ele tinha deslanchado para livrar-se de adversários no Partido Comunista Chinês. 
O PCdoB ainda não foi levado aos tribunais da história pelo crime cometido não apenas contra os pobres camponeses da região, mas sobretudo contra os seus próprios militantes enganados por uma direção dogmática, míope, absolutamente delirante em seus projetos de reproduzir a marcha de uma já mistificada “revolução camponesa” ao estilo chinês. Acresce que jamais fizeram um estudo aprofundado sobre uma região desprovida de condições mínimas de sobrevivência para os simples rurícolas, no estado normal de penúria que sempre foi a norma naquelas paragens, ainda mais para jovens urbanos de classe média, completamente desacostumados às durezas da agricultura de subsistência, extremamente primitiva, que caracterizava o imenso hinterland do Brasil. Não contente em enganar aqueles jovens, a direção do PCdoB ainda deixou-os entregues à própria sorte, totalmente desprovidos de meios para enfrentar as forças organizadas do Exército brasileiro, que ainda tatearam duas vezes, antes de se lançarem no trágico desfecho final, feito de violência excessiva e muitas ilegalidades, e mesmo crimes, perpetrados em nome do Estado. 
Sem dúvida que, como no caso do enfrentamento contra a guerrilha urbana, as forças de repressão cometeram crimes horríveis – torturas, assassinatos, eliminação de alvos escolhidos, desaparecimento de cadáveres –, o que se reproduziu em outra escala, e estilo, nas selvas do Araguaia. O crime maior, porém, de natureza política, de âmbito militar, e de dimensões históricas, foi cometido por aqueles dirigentes comunistas, de quase todos os movimentos de resistência armada, que resolveram travar uma “guerra” contra um inimigo que eles julgavam frágil, podendo ser abatido por alguns golpes “certeiros”, que apressariam a revolta das “massas trabalhadoras” e a derrocada de uma ditadura supostamente acuada pela crise econômica e pelas “contradições” de um regime capitalista periférico, submetido às “pressões imperialistas”. Quando se lê, hoje, os poucos manifestos, documentos programáticos e outros boletins “táticos” produzidos pelos dirigentes desses movimentos armados, impossível não ficar estupefato ante o imenso festival de equívocos políticos, de monumentais erros estratégicos, de total inconsciência social e de inconsistência intrínseca nessas peças de puro delírio sectário, que ainda assim ganhavam adeptos entre jovens revoltados contra a ditadura militar. 
Ao PCdoB, tanto quanto às Forças Armadas, e talvez até mais do que a essas, devem ser imputados a responsabilidade material e a condenação política da História, pela tragédia que foi a guerrilha do Araguaia, um delírio tão grande dos seus dirigentes, que nem mesmo os supostos aliados do PCC pretenderam sequer dar algum sinal de apoio concreto ao aventureirismo, a não ser algumas poucas emissões radiofônicas a partir da China e, logo depois, da Albânia. Esse julgamento ainda não foi feito, pelo menos não em toda a sua extensão, pois o PCdoB continua existindo como o legatário de uma aventura alucinante, pouco conhecida pela maioria da população, mas em relação à qual ele ainda pretende classificar como exemplo de “resistência popular” contra a “ditadura militar”, quando tudo não passou de uma tragédia dispensável e de um equívoco lamentável. 
O tribunal da História ainda aguarda o PCdoB: seu delírio político-militar não pode ficar impune, não pode continuar a ser mistificado ou permanecer desconhecido do grande público. Este livro, magnificamente construído segundo as melhores técnicas da história oral, e que adota o rigor metodológico dos grandes manuais da historiografia, focaliza cada etapa dessa tragédia brasileira, segue o itinerário individual de cada um dos embrenhados na selva, dialoga com seus familiares e amigos dos enviados a um desterro involuntário, além de, sobretudo, desvendar o comportamento indigno e a ação irresponsável dos dirigentes do PCdoB. Essa insanidade dos que montaram uma aventura de antemão condenada ao fracasso, mas que depois se escafederam nos desvãos desse drama patética, permanecia até hoje desprovida de uma avaliação independente, agora amplamente realizada por esta obra de pesquisa original. O PCdoB ainda não conheceu o seu tribunal da história: este livro, além de ser um relato intelectualmente honesto, tão objetivo quanto permitem os documentos remanescentes e os depoimentos disponíveis, sobre o delírio amazônico do (ainda hoje) único partido maoísta do Brasil, constitui, igualmente, uma vibrante peça de acusação, absolutamente necessária, para que esse processo possa ser feito. Vale ler, refleti sobre os seus dados, retirar as consequências e meditar sobre o futuro da política no Brasil. 

Brasília, 25 de março de 2018
Revisto em 12 de maio de 2018.
Versão original, completa, publicada no blog Diplomatizzando(9/07/2018; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/07/golpes-revolucoes-e-movimentos-armados.html).

terça-feira, 17 de julho de 2018

A questao mais importante da nacionalidade: a qualidade de sua mao de obra - Paulo Roberto de Almeida

A questão mais importante da nacionalidade: a qualidade de sua mão de obra

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: subsídios a capítulo sobre a escravidão; finalidade: livro FDE-2]

Introdução
A questão mais importante, até mesmo crucial, da vida de uma nação é aquela relativa à dotação produtiva de sua população, ou seja, a qualidade de sua mão de obra, que representa a condição primordial, ou vital, de sua prosperidade e bem-estar. Mais do que quaisquer recursos naturais, ou seja, a dotação de fatores dada pela própria natureza, é a proficiência de seu capital humano que se traduzirá em níveis maiores, ou menores, de desenvolvimento humano, medido pelos indicadores de renda per capita, de esperança de vida, assim como de qualidade geral nas condições de vida (sanidade, atendimento básico em saúde, longevidade).
A questão mais importante de diplomacia econômica, no decorrer das seis décadas de existência do Império do Brasil, objeto do livro Formação da Diplomacia Econômica no Brasil, foi, indubitavelmente, a da mão de obra, ou mais exatamente, a da força de trabalho, não exatamente pela via de sua qualidade, mas simplesmente pelo expediente de sua disponibilidade. Tráfico e escravidão, ademais de serem questões centrais no Brasil do século XIX – como aliás já tinham sido nos três séculos anteriores de colonização –, constituíram duas das questões mais relevantes da diplomacia econômica do Império, a serem confrontadas pelas classes dirigentes e pelas elites governantes, a ponto de provocarem inclusive ruptura de relações diplomáticas com a principal potência daquele século, a Grã-Bretanha. 
Durante o regime colonial, tráfico e escravidão não constituíam problemas de relações internacionais ou de diplomacia econômica, a não ser residualmente. Desde a constituição da nação independente, contudo, eles se tornam questões relevantes na construção da nação, da sua organização política, de sua estrutura social, de sua base econômica, e igualmente de suas relações exteriores, ocupando parte não insignificante do trabalho de seus diplomatas e dirigentes políticos, ao provocar fricções e conflitos com o mesmo Estado que havia protegido a coroa portuguesa contra as investidas de Napoleão e depois protegido e assegurado a independência do novo Estado latino-americano surgido na terceira década do século XIX. 
Desde antes da independência, seja no âmbito das negociações dos tratados de 1810, que representaram o prêmio dado à Grã-Bretanha pela ajuda concedida no processo de transmigração da corte para o Brasil, seja depois, no quadro dos arranjos que se faziam à margem do Congresso de Viena, a diplomacia portuguesa já tinha sido obrigada a aceitar compromissos formais no sentido de encerrar o tráfico em prazo de tempo razoável, ou pelo menos a limitá-lo ao Atlântico Sul, para evitar a criação de um contencioso mais duro com a potência que se havia convertido ao anti-escravagismo pouco tempo antes, sob pressão de grupos religiosos e de precoces representantes de defesa dos direitos humanos dentre a sua opinião pública. De fato, a questão do tráfico negreiro, no Brasil essencialmente agrário do século XIX
configurou a mais perene e profunda tensão diplomática do Império, na medida em que condicionou duradouramente as relações com a maior potência da época. Através de um percurso repleto de incidentes, o Estado imperial defendeu os interesses do conjunto do escravismo brasileiro, logrando manter o tráfico até meados do século. O apego da Coroa à atividade negreira está acima de qualquer suspeita: em 1810, D. João VI [sic] curvou-se ao compromisso genérico da abolição gradual do tráfico apenas para evitar retaliações mais duras; em 1815, sacrificou o comércio negreiro ao norte do Equador em nome de uma relativa tolerância britânica no Hemisfério Sul; a partir de 1822, o governo imperial travou uma verdadeira guerra de posição, trincheira por trincheira, a fim de conferir sobrevida inesperadamente longa ao lucrativo negócio. (Magnoli, 1997: 86)

 Tal resistência explica-se pela importância do tráfico negreiro, e adicionalmente da própria escravidão, para a economia geral da colônia e do Estado independente, mobilizando capitais importantes no comércio exterior e nos ativos da economia produtiva de forma geral. Ambos constituíam uma das principais fontes de riqueza e de “acumulação primitiva” para parte substantiva da classe dominante ao final do regime colonial e no início da vida independente, os “homens de grossa aventura”, de que falou o historiador João Luis Fragoso em trabalho sobre a praça mercantil do Rio de Janeiro (1998). Segundo cálculos de outro historiador trabalhando sobre o mesmo tema, 30% dos comerciantes estabelecidos naquela mesma praça era constituída por traficantes (Florentino, 1997: 178). Não surpreende, assim, que, numa primeira etapa, a questão da supressão do tráfico – que foi, segundo Delgado de Carvalho, “um problema interno que se tornou internacional” (1959: 105) – tenha encontrado tremenda resistência no momento de organização da ordem política e social do novo Estado. 
Em sua “Representação à Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil”, sobre a escravatura, o “pai da Independência” José Bonifácio de Andrada e Silva propôs, em 1823, uma “Lei sobre os escravos”, baseada na legislação da Dinamarca e da Espanha, incluindo inclusive medidas destinadas à “civilização” dos indígenas: 
Como Cidadão livre e Deputado da Nação dois objetos me parecem ser, fora a Constituição, de maior interesse para a prosperidade futura deste Império. O 1º é um novo regulamento para promover a civilização geral dos Índios no Brasil… 2º Uma nova Lei sobre o Comércio da escravatura e tratamento dos miseráveis cativos… objeto da atual Representação. Nela me proponho mostrar a necessidade de abolir a escravatura, de melhorar a sorte dos atuais cativos e de promover a sua progressiva emancipação. (…) É tempo, pois, e mais que tempo, que acabemos com um tráfico tão bárbaro e carniceiro… (Silva, 1840: 1-3).

As preocupações de José Bonifácio, ademais de serem profundamente humanitárias, eram igualmente econômicas. Dizia ele que “imensos cabedais saem anualmente deste Império para África; e imensos cabedais se amortizam dentro deste vasto País, pela compra de escravo, que morrem, adoecem, e se inutilizam...” (idem: 5). Mais adiante, na Representação, Bonifácio enfatizava: “Este comércio de carne humana é pois um cancro que rói as entranhas do Brasil, comércio porém, que hoje em dia já não é preciso para aumento da sua agricultura e povoação” (12). Bonifácio tinha perfeita consciência de que não seria possível libertar imediatamente os escravos, pois isso significaria a paralização da agricultura e dos demais serviços. 
Para emancipar escravos sem prejuízo da sociedade, cumpre fazê-los primeiramente dignos da liberdade: cumpre que sejamos forçados pela razão e pela lei a convertê-los gradualmente de vis escravos em homens livres e ativos. Então os moradores deste Império, de cruéis que são em grande parte neste ponto, se tornarão cristãos e justos, e ganharão muito pelo andar do tempo, pondo em livre circulação cabedais mortos, que absorve o uso da escravatura: livrando as suas famílias de exemplos domésticos de corrupção e tirania; de inimigos seus e do Estado; que hoje não têm pátria e que podem vir a ser nossos irmãos, e nossos compatriotas (13).


Ele propunha, então, sob a forma de artigos, que cessasse o tráfico em 4 ou 5 anos, e que se desse, aos homens “forros” uma “pequena sesmaria de terra para cultivarem”, incluindo os “socorros necessários para se estabelecerem, cujo valor irão pagando com o andar do tempo” (16). 
A verdade é que a representação, já pronta e preparada para ser apresentada, não chegou a sê-lo, pelo fato de o Imperador, em 23 de novembro de 1823, ter dissolvido a Assembleia Constituinte e cuidado, depois, de propor uma nova Carta, enquanto seu autor, aliás o primeiro ministro dos Negócios Estrangeiros do novo Estado, era preso e deportado. A exortação final de Andrada aos “generosos cidadãos do Brasil” – ao mesmo tempo em que invectivava os “traficantes de carne humana, senhores injustos e cruéis”– vinha datada de Paris, em 4 de outubro de 1825. 
A essa altura, o Chile já havia decretado a abolição total, em 1823, sem indenização, e no ano seguinte era a vez da América Central (Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua e Costa Rica), com promessa de indenização, que no entanto não ocorreu. A Argentina já tinha concedido a liberdade aos filhos de mães escravas desde 1813, ao passo que a Grã-Bretanha já tinha abolido o tráfico desde 1807. Na França, o Diretório já tinha decretado, em 1794, a liberação total do sistema escravo nas colônias, medida revogada em 1802 por Napoleão (Sodré, 1939: 339-40). O Brasil preservou, como se sabe, o nefando comércio até meados do século, e foi um dos últimos países do hemisfério americano a abolir a escravidão, 
Diferentes tentativas foram feitas, ao longo do regime monárquico, seja para abolir o tráfico, numa primeira etapa, seja para abolir o sistema escravo, na segunda metade do século. Em 1852, uma proposta da Sociedade contra o tráfico de africanos e promotora da colonização e civilização dos escravos visava obter da Assembleia um “sistema de medidas para a progressiva e total extinção do tráfico e da escravatura”. Em 1865, Benjamin Fontana publicava um panfleto com “ideias, lembranças e indicações para extinguir a escravidão, salvar a propriedade e educar os libertos, afim de serem cidadãos úteis”. As sociedades maçônicas também se uniram aos abolicionistas, empenhados em extinguir a escravidão, mas “sem dano para a nação”. Uma Sociedade Brasileira contra a Escravidão lança, em 1880, um manifesto em favor da abolição, “endereçada aos fazendeiros, agricultores, ao Imperador, aos partidos constitucionais em geral, especialmente ao Partido Republicano, à juventude, aos filhos de senhores de escravos”, e à cidadania em geral. A maior parte dos abolicionistas demandava a eliminação imediata do trabalho escravo, sem indenização, embora esta fosse conduzida por etapas: a lei do Ventre Livre, de 1871, proposta pelo Visconde do Rio Branco, a que seguiu, anos depois, a dos sexagenários, considerada hipócrita, pelos emancipacionistas. 
Joaquim Nabuco foi, sem sombra de dúvida, um dos maiores tribunos contra a escravidão, tendo publicado seu livro sobre o abolicionismo em Londres, em 1883, uma obra de natureza mais sociológica do que propriamente política, na qual ele propunha não apenas a libertação dos escravos, mas também medidas para integrá-los à nação, pela via da reforma agrária e da educação. De volta ao Brasil, empreende diversas palestras e manifestações públicas em favor da causa, enfrentando a oposição dos escravistas mais renitentes, que não aceitavam sequer o princípio da abolição mediante indenização da propriedade escrava. Rui Barbosa também juntou-se ao movimento, apoiando a “Confederação Abolicionista” no sentido de exigir a aplicação da lei regencial de 1831, que declarava livres os escravos entrados no Brasil, impondo penas aos infratores. Quando a Lei Áurea foi finalmente promulgado, a monarquia caminhou para o seu ocaso. 
  
Referências: 
Almeida, Paulo Roberto, Formação da Diplomacia Econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império. 3ra. edição, revista; Brasília: Funag, 2017, 2 volumes; Coleção História Diplomática.
Magnoli, Demétrio, O Corpo da Pátria: imaginação geográfica e política externa do Brasil, 1808-1912. São Paulo: Unesp-Moderna, 1997.
Silva, José Bonifácio de Andrada e, 1763-1838Representação à Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, sobre a escravaturaPropõe à Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil uma "Lei sobre os escravos", baseada na legislação da Dinamarca e Espanha. Rio de Janeiro : Typ. de J.E.S. Cabral, 1840 (disponível na Biblioteca do Senado Federal: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/174487; acesso em 16/07/2018).
Sodré, Nelson Werneck, Panorama do Segundo Império. São Paulo: Nacional, 1939.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 16 de julho de 2018