Recebi algumas perguntas de um jornalista sobre a política econômica externa do Brasil. Não sei se ele vai aproveitar tudo, provavelmente não. Já prevendo essa possibilidade, publico aqui minhas respostas.
Paulo Roberto de Almeida
1) Como o senhor vê a atual política externa do País?
Permito-me não responder diretamente a esta pergunta, uma vez que, sendo diplomata da ativa, a legislação em vigor demanda que eu obtenha autorização do Itamaraty para pronunciar-me publicamente sobre a política externa corrente, o que sempre implica em alguma avaliação pessoal sobre sua natureza, sobre sua eficácia, ou alguma opinião pessoal sobre seus resultados.
O que poderia fazer seria comentar a impressão que se tem, inclusive com base nas evidências existentes a partir dos debates a respeito da política externa, nos meios de comunicação do Brasil, de que ela parece dispor, atualmente, de duas avaliações fortemente contrastantes, quando não simetricamente opostas. Existem, por um lado, aqueles que acreditam que ela corresponde ao melhor dos interesses do país, nisso concordando com a opinião que o governo tem dele próprio, e aqueles, de outro lado, que afirmam possuir ela marcado viés partidário, representando mais as preferências políticas de um partido, no caso o PT, do que os interesses nacionais no sentido amplo da palavra. De fato, observando-se objetivamente as controvérsias a respeito da política externa, pode-se precisamente concluir que em nenhuma outra época essa política governamental despertou tantos debates contraditórios e gerou tanto apoio de um lado e tanta oposição de outro, quando antes ela se desenvolvia quase que na indiferença geral da população.
2) O desenvolvimento brasileiro fica comprometido ou tem uma oportunidade com o baixo crescimento nos países ricos é oportunidade ou obstáculo ao desenvolvimento brasileiro? Como enfrentar a situação em caso de comprometimento; e o que deve ser feito em caso de ser uma oportunidade?
Não resta nenhuma dúvida de que o Brasil não está imune aos ciclos de conjuntura da economia mundial e que seu processo de desenvolvimento pode, sim, ser afetado, pelo comportamento errático dos principais mercados internacionais: comércio global, fluxos de investimentos, oferta de capitais, volatilidade cambial, etc. Mas, sendo um país e uma economia bem mais fechados à economia mundial do que a média – com uma interface externa inferior a 20% do PIB – o Brasil sofre menos o impacto da conjuntura negativa nos principais mercados internacionais, embora esses impactos tenham de ser analisados setorialmente. Assim como nos beneficiamos enormemente com a elevação dos preços das principais commodities exportadas pelo Brasil no período que vai de 2003 a 2008, inclusive com a enorme demanda gerada pela economia chinesa – que tornou-se nossa principal parceira comercial desde o início deste ano – também sofremos o impacto de sua queda no período subsequente assim como a retração da oferta de crédito comercial que se manifestou logo após a série crise do sistema bancário americano.
Toda e qualquer retração da economia mundial sempre nos afeta negativamente, mesmo se a China ocupa hoje um espaço preeminente na estrutura geográfica de nossas exportações. Não podemos descurar que ela importa basicamente matérias primas, e que ela nos toma mercados de manufaturados, em outros continentes e na própria região. Como em toda em qualquer situação de riscos prováveis, seja na área comercial ou puramente financeira, a receita é sempre a mesma: diversificar mercados e clientes, ampliar a pauta de exportações, sofisticar sua composição pela agregação de valor e reduzir os riscos de impactos negativos. De certa forma já fizemos isso, ao preparar os bancos para enfrentar riscos sistêmicos, com o PROER; também já nos munimos de reservas suficientes para enfrentar uma retração mais severa do mercado de capitais e dos financiamentos externos.
Quanto ao processo de desenvolvimento, em si, ele não depende apenas de mercados externos – que como já se mencionou, representa parte relativamente pequena da economia brasileira – mas de uma dinâmica própria de investimentos produtivos que depende basicamente de nossas próprias políticas para criar um impulso auto-gerado de crescimento sustentado, com transformações produtivas e distribuição de renda. Ora, é notório que a taxa de poupança, e portanto de investimento, da economia brasileira se situa em patamares muito modestos, e isto depende basicamente de nós mesmos, não da conjuntura externa, que pode atuar, se tanto, apenas de maneira complementar nesse aspecto. Não que o Brasil não tenha condições de gerar poupança de modo relativamente satisfatório, mas é que atualmente ela é apropriada de maneira desproporcional pelo Estado e reverte muito pouco em benefício do investimento produtivo.
3) Os países asiáticos crescem aceleradamente com base na indústria e nos serviços de informática, os países ricos apresentam perspectivas modestas de crescimento, e o centro do mundo desloca-se para a Ásia. Como esse quadro mundial se reflete no Brasil?
Não existe nenhum problema nisso, pois demanda externa é sempre um estímulo de mercado, de onde quer que ele venha. Mas é óbvio que os empresários brasileiros, em especial os exportadores, não podem se acomodar em mercados tradicionais e deixar de lado aqueles que estão crescendo de modo mais dinâmico, o que é o caso precisamente dos países emergentes, muitos deles asiáticos. Não é que o centro do mundo se tenha deslocado para lá, pois afinal de contas o chamado Ocidente desenvolvidos (América do Norte, Europa ocidental e o Japão) continua grande gerador de tecnologia, fornecedor de know-how e provedor importante de capitais de empréstimos e de investimentos; mas é que os emergentes asiáticos estão crescendo em ritmos inéditos na economia mundial e não se deve perder as oportunidades abertas para a ampliação de nossas exportações. Como sempre, é preciso arregaçar as mangas, fazer as malas, e sair pelo mundo abrindo novos mercados.
4) Nesse sentido, o Brasil deve seguir os passos dos países asiáticos, ou tem condições de crescer mantendo sua pauta de exportações concentrada em commodities como vem ocorrendo nos últimos anos?
Ser produtor de commodities não é necessariamente um atraso para o país, se ele possui capacidade “instalada” nessas áreas e vantagens comparativas na produção de produtos intensivos em recursos naturais. Mas seria recomendável – e qualquer pessoa inteligente diria isto –que o país possa passar, mais ou menos rapidamente, da simples exportação de commodities (que por definição possuem pouco valor agregado) para a exportação de produtos mais sofisticados a partir das mesmas commodities; que o Brasil, portanto, suba na escala tecnológica, para auferir mais renda do comércio internacional.
Ou seja, em lugar de minério bruto, produtos siderúrgicos; em lugar de soja em grãos, alimentos processados; em lugar de carne in natura, cortes finos; em lugar de café em grãos, solúvel e processados, ou cafés especiais. Todas, absolutamente todas as commodities oferecem possibilidades de elevação na escala tecnológica. O que não se pode fazer é se contentar com sua exportação indiferenciada como fizemos com o café durante 200 anos nos séculos 19 e 20. Não há porque recusar as vantagens comparativas do Brasil, que são enormes na área agrícola e mineral, mas não há que se contentar com isso, e sim buscar sempre as vantagens comparativas dinâmicas, e não ficar nas estáticas. Em qualquer hipótese, ninguém cresce simplesmente tentando imitar os outros, e sim descobrindo seus próprios nichos de mercado com base em sua dotação de recursos, em sua base produtiva instalada e na exploração de novas perspectivas de mercados que se ajustem ao perfil econômico do país, com base numa avaliação muito realista das possibilidades existentes.
5) O Brasil deve ter uma postura de maior enfrentamento na busca de novos mercados com a China e outros países asiáticos?
Se “enfrentamento” significa partir para a conquista de novos mercados, é óbvio que se deve adotar essa postura. Se, ao contrário, significar fechamento e confrontação com as realidades competitivas existentes, creio que não seria o bom caminho. Todo país interessado em crescimento com modernização tecnológica tem sempre de buscar mercados externos, o melhor terreno e um excelente laboratório de testes para comprovar, ou formar, excelência competitiva e empresas de primeira linha. Nunca podemos nos acomodar com as situações existentes, porque elas não são, justamente, permanentes e seguras. Sempre teremos de enfrentar competidores, em qualquer terreno que seja. Por isso, a melhor política é se antecipar, não esperar que algum desfecho desfavorável se apresente ante nós.
6) O que o País deve fazer para enfrentar a concorrência da China na área industrial?
Sobretudo não seguir as recomendações de certo empresário, por acaso presidente de uma grande entidade patronal, que pretende “fechar o Brasil”, cercear as importações, viver na base de proteção tarifária, subsídios setoriais, créditos facilitados a um pequeno grupo de industriais privilegiados e outras medidas absolutamente inócuas e sobretudo deletérias no plano da competitividade interna e externa. Desafios devem ser enfrentados, e os principais se encontram aqui mesmo, dentro do país. Se os empresários, em lugar de ficar reclamando do câmbio e da concorrência estrangeira, e de ficar pedindo proteção e subsídios, se organizassem para atacar as verdadeiras causas da baixa competitividade brasileira já seria um grande progresso.
Ora, não se pode pretender vencer uma corrida, ou melhor, enfrentar uma maratona, que é o comércio internacional e a concorrência estrangeira nos próprios mercados nacionais, com uma bola de ferro amarrada nos pés. Essa bola de ferro tem um nome, e ele responde pelo genérico de “custo Brasil”. Se formos analisar do que ele é composto, é fácil de identificar um sem número de impostos, taxas e contribuições – aliás inacreditavelmente alto para os padrões de qualquer país do mundo –, uma selva emaranhada de dificuldades burocráticas – basta ler os relatórios Doing Business do Banco Mundial para comprovar isso – e um custo do capital penosamente muito alto para os que desejam investir. E se formos à origem desse cenário pavoroso para o empresário ele também tem um nome: Estado brasileiro.
Se os empresários brasileiros desejam de verdade “enfrentar” a China, eles devem partir da constatação de que a carga fiscal na China se situa na faixa de 20% do PIB, o que representa a metade, em termos reais, da carga tributária total no Brasil. Mais ainda, uma entidade insuspeita de viés pró-China, a Freedom House, um think tank comprometido com uma visão liberal do mundo, coloca a China bem à frente do Brasil em termos de liberdade econômica, o que é absolutamente inacreditável, mas é verdade. Um Estado que ainda se proclama socialista, e que certamente não é o modelo democrático que pensamos construir no Brasil, oferece mais liberdade econômica a seus empresários do que o Brasil.
7) Quais iniciativas devem ser adotadas pelo governo brasileiro nos planos industrial, financeiro e cambial com vistas a ampliar a capacidade de competição dos produtos brasileiros?
Essas políticas setoriais só fazem sentido, se é verdade que elas podem ser adotadas isoladamente de outras, compondo um cenário econômico favorável aos negócios de modo geral, se elas forem integradas a políticas universais, e não seletivas, de construção de um bom ambiente macroeconômico para a realização de investimentos, com regras de jogo iguais para todos, sem privilégios setoriais. Essas políticas deveriam ser as mais horizontais possíveis, contemplando os interesses de produtores e consumidores em seu conjunto, e não apenas um grupo especial de favorecidos pelo Estado. O Brasil já fez isso durante muito tempo, e o resultado não foi bom.
Como regra geral, em lugar de me fixar nesse tipo de política seletiva, que acaba beneficiando quem já é rico, eu preferiria privilegiar um conjunto de políticas de amplo espectro que possam ser suscetíveis de contribuir para um processo de crescimento sustentado com base nas seguintes premissas:
1) Macroeconomia estável, transparente e uniforme: políticas de controle da inflação, de equilíbrio fiscal, de câmbio e juros alinhados com parâmetros do mercado e não distorcidos por um Estado voraz ou orientado apenas para contemplar interesses setoriais; estrutura tributária simplificada e se possível enxuta.
2) Microeconomia competitiva, sem cartéis e setores protegidos, que distorcem preços e a concorrência; financiamento das empresas via mercado de capitais e não bancos estatais, que na verdade subtraem poupança do setor privado.
3) Alta qualidade dos recursos humanos, o que começa sobretudo pela educação de base, a de maiores retornos produtivos; concentração em matérias de base (português, ciências e matemáticas elementares) e avaliação constante da qualidade do ensino, que deve privilegiar o mérito profissional dos professores, acabando com o falso igualitarismo da isonomia, que mantém a mediocridade atual.
4) Boa governança, com reforma dos procedimentos judiciais, eliminação da justiça trabalhista (ela mesma criadora de conflitos, podendo ser substituída pela arbitragem); eliminação progressiva da estabilidade no setor público, fonte de baixa produtividade.
5) Maior abertura econômica, liberalização comercial, atratividade ao investimento estrangeiros, fontes de modernização tecnológica e melhorias no perfil produtivo nacional.
8) A política externa do Brasil muda a partir do pré-sal?
Nenhuma política externa pode ser definida a partir de um único recurso natural, por mais importante que este possa ser na estrutura produtiva da economia. São notórios e conhecidos os casos de “maldição do petróleo”, capaz de levar toda uma sociedade a comportamentos rentistas absolutamente inaceitáveis do ponto de vista da busca de maiores ganhos de produtividade e de aperfeiçoamentos constantes no sistema produtivo, que se pretende amplo e diversificado, não deformado pela existência de um “maná petrolífero” que pode ser inclusive negativo do ponto de vista dos comportamentos coletivos. O pré-sal pode ser positivo se ele libertar o Brasil da dependência de fontes externas de energia, o que era o caso até os anos 1980, mas deve-se dizer que se alcançou essa situação atual, de relativo conforto, no plano das pesquisas, das reservas e das possibilidades de exploração e de produção, com base numa reforma modernizante do setor do petróleo, que o abriu à participação estrangeira e à concorrência de novos produtores. Mudar a legislação de volta ao velho perfil estatizante, apenas para atender a cacoetes patrioteiros de políticos rentistas, não me parece o melhor padrão para continuar no caminho da modernização econômica e tecnológica. Isso inclusive impõe um custo à Petrobras, que deveria ser livre para decidir o que fazer com base numa análise puramente técnica e econômica das possibilidades de exploração, não com base em injunções políticas.
O pré-sal não muda a política externa, embora alguns acreditem que sim. Ele não pode ser motivo para arrogância e falsas suficiências, que não têm razão de ser no plano das relações internacionais do Brasil.
Shanghai, 1 setembro 2010.
Transcrito parcialmente, sob o título “Brasil sofre menos impacto de crises mundiais porque economia é mais fechada” no site gaúcho PortoGente (7.09.2010).
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
terça-feira, 31 de agosto de 2010
Agricultura, sempre ajudando o Brasil - Carlos Alberto Sardenberg
A coluna do conhecido jornalista, que desta vez cita meu amigo professor em Brasília Carlos Pio:
O Brasil deles é melhor
Carlos Alberto Sardenberg
O Estado de S.Paulo, 30 de agosto de 2010
A agricultura brasileira, incluindo a criação de gado, sofre dois tipos de crítica por aqui: 1) destrói o meio ambiente, especialmente a Amazônia; e 2) por seu caráter capitalista-global, concentra renda, não emprega nem garante comida para os brasileiros.
A exportação de alimentos, em especial, é vista não como uma virtude, mas como um tipo de atraso econômico. Neste ponto de vista, o País não poderia ou não deveria ocupar no mundo o papel de "mero" exportador de comida e de matérias-primas (commodities) como o minério de ferro.
Tratados no exterior, esses temas viram de ponta-cabeça. Na edição desta semana, a revista The Economist não mede palavras. Em editorial e reportagem, observa que a agricultura brasileira é um milagre e sugere que outros países adotem o mesmo modelo para "alimentar" o mundo.
Ou seja, o caráter exportador de alimentos aparece como uma virtude global, especialmente neste momento em que, diz a revista, prolifera mundo afora um "agropessimismo" - a sensação de que não há como, a humanidade não consegue se alimentar a não ser destruindo o planeta. O Brasil, diz a respeitada publicação, seria a alternativa: como produzir sem destruir.
Ter comida para exportar é, pois, um fator extremamente positivo neste ambiente global. O Brasil poderia alimentar o mundo pelas próximas décadas.
O mesmo tema, com abordagem parecida, surgiu durante um debate promovido na semana passada pelo HSBC brasileiro. O banco trouxe seus principais executivos da Ásia e um representante do governo chinês para debater as perspectivas de negócios Brasil-China, nas duas direções. Todos os participantes trataram de uma "complementaridade": a China desesperadamente em busca de recursos naturais e o Brasil com abundância desses recursos.
Obviamente, a questão seguinte do debate estava posta: mas é essa a posição brasileira esperada, de fornecedor de alimentos e minério de ferro e importador de manufaturados e máquinas?
O representante do governo chinês Chen Lin, diretor do Ministério do Comércio, não entendeu. Mas qual problema existe aí? - foi sua primeira reação.
Explicados os contornos do tema, respondeu com franqueza. O ponto principal: recursos naturais estão escassos, especialmente para um país de 1,35 bilhão de habitantes que desejam produzir e enriquecer. Ter esses recursos é uma vantagem estratégica espetacular no mundo de hoje. E a prova disso, acrescentou, é que os preços dos produtos exportados pelo Brasil subiram extraordinariamente nos últimos anos. (Lembram-se dos reajustes de até 100% que a Vale conseguiu para seu minério de maior qualidade, o de Carajás?) E os produtos industrializados chineses, ao contrário, tiveram quedas de preços.
Executivos do HSBC da Ásia, Anita Fung e Che-Ning Liu observaram ainda que o Brasil simplesmente deveria aproveitar a bonança, os preços elevados de alimentos e commodities, em boa parte puxados pela voracidade da China. É um bônus do momento, notou Che-Ning Liu. E se o País acha melhor para o futuro produzir máquinas e tecnologias, o.k., exporte commodities hoje e junte os recursos para desenvolver novos setores.
Pagamos mais caro. Sobre o artigo da semana passada, Pagamos mais caro. E agora?, recebi esta colaboração do professor Carlos Pio, da Universidade de Brasília:
"1) A excessiva proteção comercial do Mercosul foi uma imposição brasileira aos parceiros menores e tradicionalmente mais liberais. Ela é a maior responsável pelas diferenças de preços de produtos globais. No Peru, por exemplo, um Honda Civic custa US$ 20 mil, enquanto custa o dobro aqui.
2) Os formuladores de políticas de desenvolvimento e os políticos professam uma crença enganosa de que a proteção comercial gera empregos no Brasil... Ora, a proteção encarece o produto produzido localmente (pela falta de concorrência, falta de liberdade para importar tecnologia e insumos), que acaba sendo vendido quase que exclusivamente aqui mesmo (salvo quando o empresário leva um subsídio à exportação). Pois bem, os consumidores locais (família e empresas) têm de comprar mais caro o que existe disponível na economia internacional por preço muito mais em conta e, com isso, perdem bem-estar (as famílias) e competitividade internacional (as empresas). A acumulação de capital sai prejudicada. No conjunto, empobrecemos.
As empresas de aluguel de veículos têm de optar entre adquirir carros baratos e de má qualidade e os carros "nacionais" de luxo mais caros do que no resto do mundo. Com a impossibilidade de importar, elas oferecem a seus clientes carros ruins e caros a preços internacionais e empregam menos pessoas do que poderiam se os carros tivessem preços competitivos e elas pudessem ter uma frota mais ampla em todo o território nacional. O resultado é que o emprego gerado nas cidades onde se instalam as montadoras é compensado pelo desemprego de potenciais trabalhadores de empresas que deixam de adquirir automóveis em quantidade maior e que se espalham por todo o território nacional.
O burocrata acaba decidindo onde haverá demanda por emprego e por qual tipo de emprego, mas não é capaz de determinar um aumento geral do nível de emprego do País por meio da proteção comercial à indústria.
3) Câmbio flutuante e metas de inflação em nível internacional eliminam a possibilidade de crise cambial em decorrência da decisão de unilateralmente abrir a economia nacional às importações. Quanto mais se importar, mais o real se desvalorizará automaticamente, encarecendo as importações. Da mesma forma, se nenhum outro país comprar produtos e serviços de empresas brasileiras, não entram dólares aqui e o real fica muito barato, barateando os preços do que se exporta daqui e encarecendo os produtos estrangeiros. Que não há crise cambial em economias abertas ao comércio e com regime de câmbio flutuante e inflação baixa é um fato que poucos brasileiros reconhecem."
O Brasil deles é melhor
Carlos Alberto Sardenberg
O Estado de S.Paulo, 30 de agosto de 2010
A agricultura brasileira, incluindo a criação de gado, sofre dois tipos de crítica por aqui: 1) destrói o meio ambiente, especialmente a Amazônia; e 2) por seu caráter capitalista-global, concentra renda, não emprega nem garante comida para os brasileiros.
A exportação de alimentos, em especial, é vista não como uma virtude, mas como um tipo de atraso econômico. Neste ponto de vista, o País não poderia ou não deveria ocupar no mundo o papel de "mero" exportador de comida e de matérias-primas (commodities) como o minério de ferro.
Tratados no exterior, esses temas viram de ponta-cabeça. Na edição desta semana, a revista The Economist não mede palavras. Em editorial e reportagem, observa que a agricultura brasileira é um milagre e sugere que outros países adotem o mesmo modelo para "alimentar" o mundo.
Ou seja, o caráter exportador de alimentos aparece como uma virtude global, especialmente neste momento em que, diz a revista, prolifera mundo afora um "agropessimismo" - a sensação de que não há como, a humanidade não consegue se alimentar a não ser destruindo o planeta. O Brasil, diz a respeitada publicação, seria a alternativa: como produzir sem destruir.
Ter comida para exportar é, pois, um fator extremamente positivo neste ambiente global. O Brasil poderia alimentar o mundo pelas próximas décadas.
O mesmo tema, com abordagem parecida, surgiu durante um debate promovido na semana passada pelo HSBC brasileiro. O banco trouxe seus principais executivos da Ásia e um representante do governo chinês para debater as perspectivas de negócios Brasil-China, nas duas direções. Todos os participantes trataram de uma "complementaridade": a China desesperadamente em busca de recursos naturais e o Brasil com abundância desses recursos.
Obviamente, a questão seguinte do debate estava posta: mas é essa a posição brasileira esperada, de fornecedor de alimentos e minério de ferro e importador de manufaturados e máquinas?
O representante do governo chinês Chen Lin, diretor do Ministério do Comércio, não entendeu. Mas qual problema existe aí? - foi sua primeira reação.
Explicados os contornos do tema, respondeu com franqueza. O ponto principal: recursos naturais estão escassos, especialmente para um país de 1,35 bilhão de habitantes que desejam produzir e enriquecer. Ter esses recursos é uma vantagem estratégica espetacular no mundo de hoje. E a prova disso, acrescentou, é que os preços dos produtos exportados pelo Brasil subiram extraordinariamente nos últimos anos. (Lembram-se dos reajustes de até 100% que a Vale conseguiu para seu minério de maior qualidade, o de Carajás?) E os produtos industrializados chineses, ao contrário, tiveram quedas de preços.
Executivos do HSBC da Ásia, Anita Fung e Che-Ning Liu observaram ainda que o Brasil simplesmente deveria aproveitar a bonança, os preços elevados de alimentos e commodities, em boa parte puxados pela voracidade da China. É um bônus do momento, notou Che-Ning Liu. E se o País acha melhor para o futuro produzir máquinas e tecnologias, o.k., exporte commodities hoje e junte os recursos para desenvolver novos setores.
Pagamos mais caro. Sobre o artigo da semana passada, Pagamos mais caro. E agora?, recebi esta colaboração do professor Carlos Pio, da Universidade de Brasília:
"1) A excessiva proteção comercial do Mercosul foi uma imposição brasileira aos parceiros menores e tradicionalmente mais liberais. Ela é a maior responsável pelas diferenças de preços de produtos globais. No Peru, por exemplo, um Honda Civic custa US$ 20 mil, enquanto custa o dobro aqui.
2) Os formuladores de políticas de desenvolvimento e os políticos professam uma crença enganosa de que a proteção comercial gera empregos no Brasil... Ora, a proteção encarece o produto produzido localmente (pela falta de concorrência, falta de liberdade para importar tecnologia e insumos), que acaba sendo vendido quase que exclusivamente aqui mesmo (salvo quando o empresário leva um subsídio à exportação). Pois bem, os consumidores locais (família e empresas) têm de comprar mais caro o que existe disponível na economia internacional por preço muito mais em conta e, com isso, perdem bem-estar (as famílias) e competitividade internacional (as empresas). A acumulação de capital sai prejudicada. No conjunto, empobrecemos.
As empresas de aluguel de veículos têm de optar entre adquirir carros baratos e de má qualidade e os carros "nacionais" de luxo mais caros do que no resto do mundo. Com a impossibilidade de importar, elas oferecem a seus clientes carros ruins e caros a preços internacionais e empregam menos pessoas do que poderiam se os carros tivessem preços competitivos e elas pudessem ter uma frota mais ampla em todo o território nacional. O resultado é que o emprego gerado nas cidades onde se instalam as montadoras é compensado pelo desemprego de potenciais trabalhadores de empresas que deixam de adquirir automóveis em quantidade maior e que se espalham por todo o território nacional.
O burocrata acaba decidindo onde haverá demanda por emprego e por qual tipo de emprego, mas não é capaz de determinar um aumento geral do nível de emprego do País por meio da proteção comercial à indústria.
3) Câmbio flutuante e metas de inflação em nível internacional eliminam a possibilidade de crise cambial em decorrência da decisão de unilateralmente abrir a economia nacional às importações. Quanto mais se importar, mais o real se desvalorizará automaticamente, encarecendo as importações. Da mesma forma, se nenhum outro país comprar produtos e serviços de empresas brasileiras, não entram dólares aqui e o real fica muito barato, barateando os preços do que se exporta daqui e encarecendo os produtos estrangeiros. Que não há crise cambial em economias abertas ao comércio e com regime de câmbio flutuante e inflação baixa é um fato que poucos brasileiros reconhecem."
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
Agricultura, industria, servicos - valor agregado e preconceitos bobos
Um leitor deste blog, Felipe Xavier, comentando sobre o post (abaixo) da "economia política da idiotice", formulou-me a seguinte pergunta"
Na sua opinião, professor, existe algum motivo razoável para essa preterição da agricultura em favor da indústria? O Sr. concorda com a visão de que ser um produtor de commodities representa um atraso para o país??
Respondo rapidamente, por falta de tempo, mas recomendo que o Felipe leia mais sobre a repartição setorial da economia -- eu mesmo já escrevi a respeito, em meu livro O Brasil e o Multilateralismo Econômico -- e sobre as noções de valor agregado e de produtividade em economia, que são simples, mas é preciso entender exatamente do que se está falando.
O preconceito contra a agricultura é tão velho quanto a revolução industrial, ou seja, tem mais de 250 anos; isso a despeito do fato que a agricultura movimentou todas as sociedades nos últimos 10 mil anos, continua fazendo seu dever de alimentar a humanidade e contribui também para os equilíbrios ambientais (quando administrada de forma correta, no plano ambiental e ecológico).
Os fisiocratas tinham a agricultura em alta conta, e acham que ela era a verdadeira criadora de riqueza. Não, não é, mas pelo menos eles não cometeram a bobagem de considerar, como Marx, que os serviços era "improdutivos", porque eles supostamente não agregavam valor ao produto (segundo sua concepção totalmente equivocada de basear a extração de mais-valia no ato físico da transformação da mercadoria.
É certo que o crescimento da produtividade apresenta taxas mais altas na indústria do que na agricultura (que é mais lenta a reagor a melhorias nos processos e nos produtos), mas os serviços também são de difícil mensuração metodológica, e nem por isso deixam de representar a maior parte da criação de valor em praticamente todas as sociedades. É certo também que a industria apresenta maiores efeitos em cadeia -- backward and forward linkages -- do que a agricultura, mas isso não é motivo para desprezá-la, ou achar que ela não pode desenvolver um país.
Pode. Não só pode, como o fez, com sociedades que se desenvolveram basicamente sobre a base de uma agricultura de alta produtividade, como a Dinamarca, a Nova Zelândia, a própria Holanda, assim como a Inglaterra de antes da revolução industrial. O Brasil, aliás, é uma prova disso, ainda que de maneira não convencional.
Nossa agricultura foi um setor muito atrasado da economia durante mais de 4 séculos, por deficiências estruturais e outras características que não vem ao caso, agora, explicitar.
Mas é um fato que a agricultura no Brasil tornou-se um setor bastante avançado, com muita agregação de valor, e incorporação plena de insumos e produtos da indústria e dos serviços. É ela praticamente que sustenta nosso saldo de transações correntes, é ela que nos projeta no mundo com tal força que seremos, pela primeira vez em cinco séculos, um país verdadeiramente estratégico, o que NUNCA fomos. E isso não apenas pela agricultura de alimentação, mas também pela produção de combustível de biomassa, os renováveis substituindo os fósseis, tão denegridos nestes tempos de preconceitos contra o aquecimento global...
Ser produtor de commodities não é necessariamente um atraso para o país, se ele possui capacidade "instalada" e vantagens comparativas nessa área. Mas se recomenda -- e qualquer pessoa inteligente diria isto -- que o país abandonne rapidamente as commodities (que possuem pouco valor agregado) e subam na escala tecnológica, para auferir mais renda do comércio internacional.
Assim, em lugar de minério bruto, produtos siderúrgico; em lugar de soja em grãos, alimentos processados; em lugar de carne in natura, cortes finos; em lugar de café em grãos, solúvel e processados, ou cafés especiais. Enfim, a agricultura NÃO tem por que ser atrasada, pois ela não é.
Quem são atrasados são os homens...
Isso dá para mudar...
Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 30.08.2010)
Na sua opinião, professor, existe algum motivo razoável para essa preterição da agricultura em favor da indústria? O Sr. concorda com a visão de que ser um produtor de commodities representa um atraso para o país??
Respondo rapidamente, por falta de tempo, mas recomendo que o Felipe leia mais sobre a repartição setorial da economia -- eu mesmo já escrevi a respeito, em meu livro O Brasil e o Multilateralismo Econômico -- e sobre as noções de valor agregado e de produtividade em economia, que são simples, mas é preciso entender exatamente do que se está falando.
O preconceito contra a agricultura é tão velho quanto a revolução industrial, ou seja, tem mais de 250 anos; isso a despeito do fato que a agricultura movimentou todas as sociedades nos últimos 10 mil anos, continua fazendo seu dever de alimentar a humanidade e contribui também para os equilíbrios ambientais (quando administrada de forma correta, no plano ambiental e ecológico).
Os fisiocratas tinham a agricultura em alta conta, e acham que ela era a verdadeira criadora de riqueza. Não, não é, mas pelo menos eles não cometeram a bobagem de considerar, como Marx, que os serviços era "improdutivos", porque eles supostamente não agregavam valor ao produto (segundo sua concepção totalmente equivocada de basear a extração de mais-valia no ato físico da transformação da mercadoria.
É certo que o crescimento da produtividade apresenta taxas mais altas na indústria do que na agricultura (que é mais lenta a reagor a melhorias nos processos e nos produtos), mas os serviços também são de difícil mensuração metodológica, e nem por isso deixam de representar a maior parte da criação de valor em praticamente todas as sociedades. É certo também que a industria apresenta maiores efeitos em cadeia -- backward and forward linkages -- do que a agricultura, mas isso não é motivo para desprezá-la, ou achar que ela não pode desenvolver um país.
Pode. Não só pode, como o fez, com sociedades que se desenvolveram basicamente sobre a base de uma agricultura de alta produtividade, como a Dinamarca, a Nova Zelândia, a própria Holanda, assim como a Inglaterra de antes da revolução industrial. O Brasil, aliás, é uma prova disso, ainda que de maneira não convencional.
Nossa agricultura foi um setor muito atrasado da economia durante mais de 4 séculos, por deficiências estruturais e outras características que não vem ao caso, agora, explicitar.
Mas é um fato que a agricultura no Brasil tornou-se um setor bastante avançado, com muita agregação de valor, e incorporação plena de insumos e produtos da indústria e dos serviços. É ela praticamente que sustenta nosso saldo de transações correntes, é ela que nos projeta no mundo com tal força que seremos, pela primeira vez em cinco séculos, um país verdadeiramente estratégico, o que NUNCA fomos. E isso não apenas pela agricultura de alimentação, mas também pela produção de combustível de biomassa, os renováveis substituindo os fósseis, tão denegridos nestes tempos de preconceitos contra o aquecimento global...
Ser produtor de commodities não é necessariamente um atraso para o país, se ele possui capacidade "instalada" e vantagens comparativas nessa área. Mas se recomenda -- e qualquer pessoa inteligente diria isto -- que o país abandonne rapidamente as commodities (que possuem pouco valor agregado) e subam na escala tecnológica, para auferir mais renda do comércio internacional.
Assim, em lugar de minério bruto, produtos siderúrgico; em lugar de soja em grãos, alimentos processados; em lugar de carne in natura, cortes finos; em lugar de café em grãos, solúvel e processados, ou cafés especiais. Enfim, a agricultura NÃO tem por que ser atrasada, pois ela não é.
Quem são atrasados são os homens...
Isso dá para mudar...
Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 30.08.2010)
Tem economista que continua a beber demais...
Semana passada, ao deparar com um artigo alucinado deste mesmo economista, eu afirmei que ele andava bebendo demais, e lhe dei um crédito de confiança, ou seja, disse que seria preciso aguardar o próximo artigo para uma segunda verificação.
Eu realmente gostaria de lhe aplicar o teste do bafômetro, para ver se ele continua tão bêbado quanto da primeira vez, como evidenciado neste artigo:
Economistas tambem tem o direito de ficar bebados...
Aug 22, 2010
Só pode ter sido por efeito da bebida, ou de algum remédio que o tenha deixado eufórico, não sei exatamente o que pode ter sido. O que ele escreve, da primeira até a última linha, não só não faz nenhum sentido econômico, ...
Bem, parece que ele continua bebendo. Não sei o que dizer. Não é o caso de internação para desintoxicação, pois pode ser passageiro. Também não é o caso de recomendar os Alcólicos Anônimos da Associação dos Economistas Brasileiros, se uma ou outra entidade existe de fato. Vamos ter mais um pouco de paciência.
Se ele continuar a falar de moeda comum, vamos tentar a psiquiatria econômica, se é que tal coisa existe...
Não sei o que acomete pessoas normais, economistas até sensatos, a de vez em quando degringolar tão rapidamente para a insanidade. Deve ser o clima reinante no país, nunca antes tínhamos observado tantas loucuras econômicas, pode ser que um mosquito do Planalto central o tenha picado, vai lá saber...
Só sei dizer que ele não está em seu estado normal...
Paulo Roberto de Almeida
O eixo da integração continental
Paulo Guedes
O Globo, 29.08.2010
Nunca é demais insistir no aprofundamento da integração econômica latino-americana em direção ao peso-real, a moeda comum continental, como o passaporte para a modernização institucional de toda a região. A forte valorização dos preços dos recursos naturais na primeira década do século XXI permitiu um afrouxamento das crônicas restrições de balanço de pagamentos sobre as possibilidades de crescimento das economias latinoamericanas. Esse alívio nas amarras antes exercidas pelo elevado grau de vulnerabilidade externa retirou as crises cambiais dos noticiários, permitiu uma aceleração do crescimento e do consumo, mas deu margem também a abusos demagógicos na condução da política econômica por alguns países.
E são exatamente esses países que praticam agora graves retrocessos institucionais, como o ataque à independência dos poderes, a desmoralização de suas moedas e a tentativa de restringir a liberdade de imprensa. É importante que se descubra uma agenda positiva para a região, antes que o esgotamento de um longo ciclo expansionista global resulte no fracasso econômico, caldo cultural para o retrocesso político das democracias emergentes.
Cuba precisa ser salva de si mesma.
Desconhece o caminho para a redemocratização.
A Venezuela mergulhou no abismo do socialismo bolivariano, rota anárquica para o caos, desembocando na supressão da liberdade de opinião e na busca de um bode expiatório externo — a ameaça de conflito armado com a Colômbia — para os fracassos internos. A Argentina segue também por caminhos equivocados, embora com grau de retrocesso institucional mais moderado.
É impossível não ter simpatia pela impaciência de Evo Morales, Rafael Correa e do próprio Hugo Chávez com a insensibilidade e a incompetência das elites políticas conservadoras de seus países.
Mas é trágico vê-los se afogando em um turbilhão de conhecidos experimentos que já empobreceram materialmente e oprimiram politicamente populações inteiras ao redor do mundo.
Eu não teria a presunção de colocar o Brasil inequivocamente à frente de países como o Chile, o Peru e a Colômbia na corrida para o futuro rumo à Grande Sociedade Aberta. Mas, por sua dimensão continental, pelas fronteiras comuns a quase todos, pela diversificação de sua economia e pela força de sua moeda, o Brasil será o eixo dessa integração econômica regional, em sua marcha para a moeda comum.
Eu realmente gostaria de lhe aplicar o teste do bafômetro, para ver se ele continua tão bêbado quanto da primeira vez, como evidenciado neste artigo:
Economistas tambem tem o direito de ficar bebados...
Aug 22, 2010
Só pode ter sido por efeito da bebida, ou de algum remédio que o tenha deixado eufórico, não sei exatamente o que pode ter sido. O que ele escreve, da primeira até a última linha, não só não faz nenhum sentido econômico, ...
Bem, parece que ele continua bebendo. Não sei o que dizer. Não é o caso de internação para desintoxicação, pois pode ser passageiro. Também não é o caso de recomendar os Alcólicos Anônimos da Associação dos Economistas Brasileiros, se uma ou outra entidade existe de fato. Vamos ter mais um pouco de paciência.
Se ele continuar a falar de moeda comum, vamos tentar a psiquiatria econômica, se é que tal coisa existe...
Não sei o que acomete pessoas normais, economistas até sensatos, a de vez em quando degringolar tão rapidamente para a insanidade. Deve ser o clima reinante no país, nunca antes tínhamos observado tantas loucuras econômicas, pode ser que um mosquito do Planalto central o tenha picado, vai lá saber...
Só sei dizer que ele não está em seu estado normal...
Paulo Roberto de Almeida
O eixo da integração continental
Paulo Guedes
O Globo, 29.08.2010
Nunca é demais insistir no aprofundamento da integração econômica latino-americana em direção ao peso-real, a moeda comum continental, como o passaporte para a modernização institucional de toda a região. A forte valorização dos preços dos recursos naturais na primeira década do século XXI permitiu um afrouxamento das crônicas restrições de balanço de pagamentos sobre as possibilidades de crescimento das economias latinoamericanas. Esse alívio nas amarras antes exercidas pelo elevado grau de vulnerabilidade externa retirou as crises cambiais dos noticiários, permitiu uma aceleração do crescimento e do consumo, mas deu margem também a abusos demagógicos na condução da política econômica por alguns países.
E são exatamente esses países que praticam agora graves retrocessos institucionais, como o ataque à independência dos poderes, a desmoralização de suas moedas e a tentativa de restringir a liberdade de imprensa. É importante que se descubra uma agenda positiva para a região, antes que o esgotamento de um longo ciclo expansionista global resulte no fracasso econômico, caldo cultural para o retrocesso político das democracias emergentes.
Cuba precisa ser salva de si mesma.
Desconhece o caminho para a redemocratização.
A Venezuela mergulhou no abismo do socialismo bolivariano, rota anárquica para o caos, desembocando na supressão da liberdade de opinião e na busca de um bode expiatório externo — a ameaça de conflito armado com a Colômbia — para os fracassos internos. A Argentina segue também por caminhos equivocados, embora com grau de retrocesso institucional mais moderado.
É impossível não ter simpatia pela impaciência de Evo Morales, Rafael Correa e do próprio Hugo Chávez com a insensibilidade e a incompetência das elites políticas conservadoras de seus países.
Mas é trágico vê-los se afogando em um turbilhão de conhecidos experimentos que já empobreceram materialmente e oprimiram politicamente populações inteiras ao redor do mundo.
Eu não teria a presunção de colocar o Brasil inequivocamente à frente de países como o Chile, o Peru e a Colômbia na corrida para o futuro rumo à Grande Sociedade Aberta. Mas, por sua dimensão continental, pelas fronteiras comuns a quase todos, pela diversificação de sua economia e pela força de sua moeda, o Brasil será o eixo dessa integração econômica regional, em sua marcha para a moeda comum.
FMI: a dificil reforma da representacao proporcional (proporcional a que, exatamente?)
Disputa entre EUA e Europa no FMI ameaça Brasil
Alex Ribeiro, de Washington
Valor Econômico, 30/08/2010
Novo equilíbrio: Número de diretorias deve cair de 24 para 20 para forçar europeus a abrir mão de poder
O Brasil e outros países emergentes importantes estão sob ameaça de perder as suas representações dentro da diretoria executiva do Fundo Monetário Internacional (FMI), no mais recente capítulo na disputa pela redistribuição do poder no organismo multilateral.
Esse desfecho, embora politicamente bastante improvável, tornou-se teoricamente possível depois que os Estados Unidos tomaram uma medida que, na prática, reduz de 24 para 20 o números de membros na diretoria executiva do FMI.
O movimento americano teve como alvo países europeus, para forçá-los a abrir mão do poder desproporcional que detêm no organismo multilateral. Mas as cadeiras na diretoria executiva lideradas por Brasil, Argentina, Índia e Ruanda entraram na linha de tiro porque são os grupos com menor poder de voto no organismo e que, em tese, estariam mais vulneráveis a perder seus assentos caso não haja acordo para redistribuir as diretorias do Fundo Monetário Internacional.
"Os Estados Unidos jogaram uma bomba atômica", afirma um técnico que acompanha as negociações. "Ninguém acredita que o FMI seja viável sem duas letras dos BRICs nem sem as suas cadeiras da América Latina, por isso os europeus terão que negociar." Amanhã, os países europeus vão se reunir para discutir o impasse, e alguma solução deve ser encontrada até 31 de outubro, quando termina o atual mandato dos diretores do FMI.
Depois da atual crise econômica mundial, os países reunidos no G-20 decidiram que era hora de redistribuir o poder dentro dos organismos multilaterais, dando mais voz para economias que crescem rapidamente, como China, India, Brasil e Rússia. Mas, para tanto, será necessário que economias hoje menos importantes no cenário mundial, como Bélgica, abram mão de poder.
Numa primeira rodada, 2,5% das cotas foram transferidos para países em desenvolvimento, e o Brasil teve seu poder de voto elevado de 1,4% para 1,7%.
Até novembro, quando ocorre a próxima reunião de cúpula do G-20, na Coreia do Sul, devem ser redistribuídos mais 5% dos votos. As negociações, porém, chegaram a um impasse, com grandes chances de fracasso.
O ponto central da discórdia é o critério para distribuir cotas. Hoje, a fórmula dá um grande peso para o grau de abertura da economia, o que faz, por exemplo, com que Bélgica e Holanda tenham mais votos que o Brasil. Os países emergentes querem que seja dado mais peso para critérios como o tamanho da economia, pelo conceito de paridade do poder de compra (PPP). Se o FMI der mais peso ao volume de reservas, o Brasil também pode sair ganhando.
Há algumas divisões também entre os países em desenvolvimento. O G-20 declarou que deve ser dado mais poder para as economias dinâmicas. Nesse conceito, estão seguramente Brasil e China, mas há disputas sobre a inclusão da Argentina, por exemplo, nesse clube.
Para forçar um acordo, os Estados Unidos exerceram seu poder de veto sobre as regras eleitorais. Uma das consequências disso é que o número de diretores-executivos do FMI cai de 24 para 20. Nos estatutos do FMI, estão previstos apenas 20 diretores. Com o fim do bloco soviético, novas economias foram agregadas ao fundo, que teve o número de vagas ampliado temporariamente para 24. Essa ampliação deve ser renovada a cada eleição.
Os Estados Unidos, que estão alinhados com os países emergentes na questão da redistribuição das cotas, deixaram claro em conversas com negociadores brasileiros que sua intenção é forçar os europeus a uma negociação - e não levar à perda de cadeira para os grupos com menos votos.
Há outros pontos da agenda de reforma do FMI, porém, em que Brasil e Estados Unidos estão de lados opostos. O Brasil quer eliminar o poder de veto dos Estados Unidos, que têm 16,74% dos votos no organismo. Os negociadores brasileiros também querem acabar com um acordo informal que sempre dá o comando do FMI a um europeu, e o do Banco Mundial, a um americano.
Alex Ribeiro, de Washington
Valor Econômico, 30/08/2010
Novo equilíbrio: Número de diretorias deve cair de 24 para 20 para forçar europeus a abrir mão de poder
O Brasil e outros países emergentes importantes estão sob ameaça de perder as suas representações dentro da diretoria executiva do Fundo Monetário Internacional (FMI), no mais recente capítulo na disputa pela redistribuição do poder no organismo multilateral.
Esse desfecho, embora politicamente bastante improvável, tornou-se teoricamente possível depois que os Estados Unidos tomaram uma medida que, na prática, reduz de 24 para 20 o números de membros na diretoria executiva do FMI.
O movimento americano teve como alvo países europeus, para forçá-los a abrir mão do poder desproporcional que detêm no organismo multilateral. Mas as cadeiras na diretoria executiva lideradas por Brasil, Argentina, Índia e Ruanda entraram na linha de tiro porque são os grupos com menor poder de voto no organismo e que, em tese, estariam mais vulneráveis a perder seus assentos caso não haja acordo para redistribuir as diretorias do Fundo Monetário Internacional.
"Os Estados Unidos jogaram uma bomba atômica", afirma um técnico que acompanha as negociações. "Ninguém acredita que o FMI seja viável sem duas letras dos BRICs nem sem as suas cadeiras da América Latina, por isso os europeus terão que negociar." Amanhã, os países europeus vão se reunir para discutir o impasse, e alguma solução deve ser encontrada até 31 de outubro, quando termina o atual mandato dos diretores do FMI.
Depois da atual crise econômica mundial, os países reunidos no G-20 decidiram que era hora de redistribuir o poder dentro dos organismos multilaterais, dando mais voz para economias que crescem rapidamente, como China, India, Brasil e Rússia. Mas, para tanto, será necessário que economias hoje menos importantes no cenário mundial, como Bélgica, abram mão de poder.
Numa primeira rodada, 2,5% das cotas foram transferidos para países em desenvolvimento, e o Brasil teve seu poder de voto elevado de 1,4% para 1,7%.
Até novembro, quando ocorre a próxima reunião de cúpula do G-20, na Coreia do Sul, devem ser redistribuídos mais 5% dos votos. As negociações, porém, chegaram a um impasse, com grandes chances de fracasso.
O ponto central da discórdia é o critério para distribuir cotas. Hoje, a fórmula dá um grande peso para o grau de abertura da economia, o que faz, por exemplo, com que Bélgica e Holanda tenham mais votos que o Brasil. Os países emergentes querem que seja dado mais peso para critérios como o tamanho da economia, pelo conceito de paridade do poder de compra (PPP). Se o FMI der mais peso ao volume de reservas, o Brasil também pode sair ganhando.
Há algumas divisões também entre os países em desenvolvimento. O G-20 declarou que deve ser dado mais poder para as economias dinâmicas. Nesse conceito, estão seguramente Brasil e China, mas há disputas sobre a inclusão da Argentina, por exemplo, nesse clube.
Para forçar um acordo, os Estados Unidos exerceram seu poder de veto sobre as regras eleitorais. Uma das consequências disso é que o número de diretores-executivos do FMI cai de 24 para 20. Nos estatutos do FMI, estão previstos apenas 20 diretores. Com o fim do bloco soviético, novas economias foram agregadas ao fundo, que teve o número de vagas ampliado temporariamente para 24. Essa ampliação deve ser renovada a cada eleição.
Os Estados Unidos, que estão alinhados com os países emergentes na questão da redistribuição das cotas, deixaram claro em conversas com negociadores brasileiros que sua intenção é forçar os europeus a uma negociação - e não levar à perda de cadeira para os grupos com menos votos.
Há outros pontos da agenda de reforma do FMI, porém, em que Brasil e Estados Unidos estão de lados opostos. O Brasil quer eliminar o poder de veto dos Estados Unidos, que têm 16,74% dos votos no organismo. Os negociadores brasileiros também querem acabar com um acordo informal que sempre dá o comando do FMI a um europeu, e o do Banco Mundial, a um americano.
Chegou a hora de reler Kafka...
Recomendo O Processo, sobre um indivíduo processado não se sabe bem por que, ou por quem.
Ideal para certos países das redondezas.
Por uma dessas ironias da história, eu o li pela primeira vez em espanhol, numa dessas edições da Casa de las Américas, de Cuba, feitas no início dos anos 1960, que posso apostar que NUNCA mais foi reeditada na ilha kafkiana...
Et pour cause...
Paulo Roberto de Almeida
Ideal para certos países das redondezas.
Por uma dessas ironias da história, eu o li pela primeira vez em espanhol, numa dessas edições da Casa de las Américas, de Cuba, feitas no início dos anos 1960, que posso apostar que NUNCA mais foi reeditada na ilha kafkiana...
Et pour cause...
Paulo Roberto de Almeida
Brasil: a economia em trajetoria inviavel
Por estas e por muitas outras razões. Nunca antes neste país a economia foi submetida a uma crônica de um esgotamento anunciado.
Poderia fazer uma aposta com os aqui presentes: até o final do próximo governo, a carga fiscal terá passado de 40% do PIB no novo conceito do IBGE...
Paulo Roberto de Almeida
GOVERNOS MAIS INCHADOS
EDITORIAL - O ESTADO DE S. PAULO
29/8/2010
Quanto mais se perde receita, mais é preciso gastar. Esta parece ser a inexplicável lógica predominante na administração pública, em todos os níveis, quando a questão é o funcionalismo público. Em 2009, ano em que a crise mundial mais afetou a atividade econômica no Brasil e, por isso, fez cair, em termos reais, o total de impostos arrecadados pela União, pelos Estados e pelos municípios, o número de novos empregos no setor público quadruplicou em relação a 2008. Desse modo, a administração pública se tornou o segundo setor da economia que mais contratou naquele ano.
A crise provocou uma brusca redução do ritmo de atividade da economia no ano passado. Em 2008, o PIB cresceu 5,1%, mas, em 2009, encolheu 0,2%. As finanças públicas foram claramente afetadas. No ano passado, a União, os Estados e os municípios arrecadaram R$ 1,09 trilhão, valor 3,4% maior do que o total de impostos arrecadados em 2008, em termos nominais. Como a inflação em 2009 ficou em 4,31%, em valores reais a arrecadação encolheu, fato que já era previsto desde o início do ano.
O impacto da forte desaceleração da economia sobre o mercado de trabalho no ano passado, no entanto, foi mitigado por diversos fatores, entre os quais os estímulos fiscais oferecidos pelo governo para alguns setores escolhidos e a ampla oferta de crédito para o consumo. A temerária decisão dos administradores públicos de contratar funcionários em massa, num período de notórias dificuldades para todos e de queda das receitas tributárias em termos reais, contribuiu muito para preservar o nível de emprego no País - a um custo altíssimo, porém.
Os governos contrataram tanto que, de um ano para outro, conseguiram mudar a composição dos empregos abertos no País, como constatou um estudo da economista Luiza Rodrigues, do Banco Santander, citado em reportagem do jornal Valor. Em 2008, com a contratação, em seus três níveis, de 112 mil funcionários, a administração pública ocupava a quarta posição como geradora de empregos, entre cinco setores econômicos. Ficou atrás do setor de serviços, do comércio e da indústria, e à frente apenas do setor agropecuário. No ano passado contratou 454 mil servidores, 305% mais do que em 2008, e passou a ocupar a segunda posição, superada apenas pelo setor de serviços.
O efeito das contratações do setor público não foi detectado pelo registro mais conhecido dos empregos formais do País, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho. Esse cadastro leva em conta apenas as contratações pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), não as admissões pelo regime estatutário dos funcionários públicos, predominantes na área pública. Assim, o Caged registrou apenas 18 mil novos empregos no setor público em 2009. Já a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) é mais completa - a de 2009 foi divulgada há pouco, e foi nela que se baseou o estudo.
Entre os casos extremos está o do Estado de Roraima, onde, no ano passado, o total de funcionários públicos (federais, estaduais e municipais) foi duplicado. Até janeiro de 2009, havia no Estado 19,8 mil funcionários públicos; ao longo do ano, foram contratados nada menos de 20,1 mil novos servidores, o que elevou o total para praticamente 40 mil.
É difícil justificar o crescimento da folha de pagamentos do setor público como medida anticíclica, adotada para conter os efeitos negativos da crise econômica mundial sobre a economia brasileira. Embora discutíveis, por causa de seu caráter seletivo, as reduções tributárias oferecidas pelo governo ao longo de 2009, algumas das quais chegaram até este ano, podem ser classificadas como medidas anticíclicas, que são mantidas apenas durante um certo tempo.
A contratação de funcionários públicos não é medida de efeito temporário. Ela produz gastos permanentes, que terão de ser cobertos pelos contribuintes. Ela significa, em resumo, o inchaço adicional e permanente da administração pública, que já é pesada, grande e cara demais.
Poderia fazer uma aposta com os aqui presentes: até o final do próximo governo, a carga fiscal terá passado de 40% do PIB no novo conceito do IBGE...
Paulo Roberto de Almeida
GOVERNOS MAIS INCHADOS
EDITORIAL - O ESTADO DE S. PAULO
29/8/2010
Quanto mais se perde receita, mais é preciso gastar. Esta parece ser a inexplicável lógica predominante na administração pública, em todos os níveis, quando a questão é o funcionalismo público. Em 2009, ano em que a crise mundial mais afetou a atividade econômica no Brasil e, por isso, fez cair, em termos reais, o total de impostos arrecadados pela União, pelos Estados e pelos municípios, o número de novos empregos no setor público quadruplicou em relação a 2008. Desse modo, a administração pública se tornou o segundo setor da economia que mais contratou naquele ano.
A crise provocou uma brusca redução do ritmo de atividade da economia no ano passado. Em 2008, o PIB cresceu 5,1%, mas, em 2009, encolheu 0,2%. As finanças públicas foram claramente afetadas. No ano passado, a União, os Estados e os municípios arrecadaram R$ 1,09 trilhão, valor 3,4% maior do que o total de impostos arrecadados em 2008, em termos nominais. Como a inflação em 2009 ficou em 4,31%, em valores reais a arrecadação encolheu, fato que já era previsto desde o início do ano.
O impacto da forte desaceleração da economia sobre o mercado de trabalho no ano passado, no entanto, foi mitigado por diversos fatores, entre os quais os estímulos fiscais oferecidos pelo governo para alguns setores escolhidos e a ampla oferta de crédito para o consumo. A temerária decisão dos administradores públicos de contratar funcionários em massa, num período de notórias dificuldades para todos e de queda das receitas tributárias em termos reais, contribuiu muito para preservar o nível de emprego no País - a um custo altíssimo, porém.
Os governos contrataram tanto que, de um ano para outro, conseguiram mudar a composição dos empregos abertos no País, como constatou um estudo da economista Luiza Rodrigues, do Banco Santander, citado em reportagem do jornal Valor. Em 2008, com a contratação, em seus três níveis, de 112 mil funcionários, a administração pública ocupava a quarta posição como geradora de empregos, entre cinco setores econômicos. Ficou atrás do setor de serviços, do comércio e da indústria, e à frente apenas do setor agropecuário. No ano passado contratou 454 mil servidores, 305% mais do que em 2008, e passou a ocupar a segunda posição, superada apenas pelo setor de serviços.
O efeito das contratações do setor público não foi detectado pelo registro mais conhecido dos empregos formais do País, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho. Esse cadastro leva em conta apenas as contratações pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), não as admissões pelo regime estatutário dos funcionários públicos, predominantes na área pública. Assim, o Caged registrou apenas 18 mil novos empregos no setor público em 2009. Já a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) é mais completa - a de 2009 foi divulgada há pouco, e foi nela que se baseou o estudo.
Entre os casos extremos está o do Estado de Roraima, onde, no ano passado, o total de funcionários públicos (federais, estaduais e municipais) foi duplicado. Até janeiro de 2009, havia no Estado 19,8 mil funcionários públicos; ao longo do ano, foram contratados nada menos de 20,1 mil novos servidores, o que elevou o total para praticamente 40 mil.
É difícil justificar o crescimento da folha de pagamentos do setor público como medida anticíclica, adotada para conter os efeitos negativos da crise econômica mundial sobre a economia brasileira. Embora discutíveis, por causa de seu caráter seletivo, as reduções tributárias oferecidas pelo governo ao longo de 2009, algumas das quais chegaram até este ano, podem ser classificadas como medidas anticíclicas, que são mantidas apenas durante um certo tempo.
A contratação de funcionários públicos não é medida de efeito temporário. Ela produz gastos permanentes, que terão de ser cobertos pelos contribuintes. Ela significa, em resumo, o inchaço adicional e permanente da administração pública, que já é pesada, grande e cara demais.
domingo, 29 de agosto de 2010
Venezuela: fuzilamentos virtuais (por enquanto...)
Ditadores adoram mandar matar, ou fuzilar. Apenas o cenário internacional, com todos esses observadores chatos, de entidades vinculadas a direitos humanos, e a possível ameaça de um tribunal futuro, impedem o ódio à dissidência e à contestação de se materializar em fuzilamentos reais, desses estereotipados, com paredão e tudo.
Mas, já se chegou muito perto, como demonstra a matéria abaixo.
Paulo Roberto de Almeida
Los fusilamientos
CARLOS BLANCO - Tiempo de palabra
EL UNIVERSAL, domingo 29 de agosto de 2010
El presidente Chávez fusila moralmente a los que tiene como sus enemigos. Son juicios sumarios, sin derecho a la defensa de los imputados, cocinados en algún lugar secreto y con el indudable sello de del temible G2 cubano, sin que falte el pelotón local encabezado por unos miserables sin regreso. Él tiene su propia morgue moral en la que, como en la otra, apila sus víctimas.
Las revoluciones y las guerras han usado el fusilamiento y el crimen de Estado como actos poéticos, en los cuales la última palabra “del pueblo” coincidía con el último suspiro de los acusados. En medio del entusiasmo por la llegada de la nueva era los paredones se convirtieron en ocasión de mostrar su irreversibilidad. Matar al enemigo no solo era moraleja sino un acto fundacional para el hombre filtrado e higienizado, envuelto en romanticismo criminal, en asesinatos en nombre del amor que se esparce desde las recámaras de los fusiles.
Más adelante, el espectáculo de la muerte televisada se convirtió en exceso sobre todo cuando el entusiasmo por la salvación que portaban los criminales que mataban a otros criminales dejó de ser popular. Los paredones se volvieron más discretos: se sabía el inicio con la sentencia y se sabía el final con el cadáver entregado a tres o cuatro familiares desolados.
Sin embargo, cuando los regímenes criminales, afanosos en buscar la felicidad de aquéllos que somete y engrilla necesitaron integrarse al ambiente internacional por lo de las importaciones y exportaciones, las divisas y otras demandas del mundo globalizado, advirtieron que no era de buen ver el uso frecuente de los paredones. Fue así como las ergástulas en las cuales se pudren los seres humanos, presos por décadas sin juicio, se hicieron el instrumento privilegiado. Cárceles para la disidencia que jamás se tendrá como producto de hechos políticos sino de delitos comunes. Véanse las cárceles cubanas cómo se llenan y también como se vacían parcialmente si necesitan hacer gestos al Vaticano o a Moratinos. Trueque puro y simple en el cual la familia Castro entrega seres humanos a cambio de un saludo de algún jerarca mundial.
La era de la información ha cambiado el patrón. La prisión política es muy mal vista e impide negocios. Se usa, pero el repudio es muy fuerte. Obsérvese el caso reciente de Oswaldo Álvarez Paz que fue de comienzo a fin un encarcelamiento político debido a una pataleta del Comandante; se generó un movimiento internacional y nacional que no sólo guardaba relación con la figura del detenido sino también con la impudicia del proceso. Es el caso reciente de Alejandro Peña Esclusa pero, tal vez, con menos solidaridad a su alrededor porque no tiene dolientes en el mundo partidista.
La idea de los fusilamientos morales no es nueva -Stalin, Mao, Hitler fueron maestros en éstos y en los otros. Lo que acontece en Venezuela es que se han convertido en el instrumento privilegiado para la represión oficial.
En el Paredón. Lo que ha ocurrido con Guillermo Zuloaga, Nelson Mezerhane, los directivos de Econoinvest, la jueza María Afiuni, entre muchos otros, es revelador de la lógica represiva y tiránica. Todos son perseguidos personales del Presidente. Los dos primeros por Globovisión; los de la casa de bolsa como víctimas necesarias de terribles conflictos intragubernamentales que necesitaban culpables para satisfacer a Jorge Giordani que, como Girolamo Savonarola, intenta purificar la revolución podrida mediante la ofrenda de víctimas; la jueza Afiuni por haber liberado a Eligio Cedeño, sin juicio por dos años, preso por una bronca peculiar del Comandante. Hay muchos más.
Estos casos ilustran cómo ha sido Chávez, personal y directamente, quien acusa, insulta, condena y persigue a esos ciudadanos. No hay juicio, salvo una mascarada para llenar las formalidades del ajusticiamiento: nombre, cédula, ocupación… Puro trámite de condenados sin apelación posible. Han sido llamados ladrones, conspiradores, traficantes, lavadores de dinero, corruptos, según casos y situaciones, sin ninguna posibilidad de defensa. Saben que su defensa jurídica es un trámite, no sea que después digan que al no defenderse aceptaron las acusaciones; pero conscientes de que son presos del poder, son presos del Presidente.
El mecanismo es clarísimo. El Presidente se enfurece y toma una decisión o los cubanos determinan que, por ejemplo, a Globovisión hay que darle un escarmiento o cerrarlo si se puede; o dicen que como el diferencial cambiario se ha desmandado hay que buscar un responsable, sin tocar a Rafael Ramírez ni a los vivarachos de Finanzas, entonces están los de las casas de bolsa para ofrendarlos en sacrificio y aplacar a los dioses. Una vez que se han determinado los culpables más a la mano, la máquina oficial se pone en marcha: una de las Luisas declara que ya la investigación está adelantada; otra de las Luisas prevenida al bate para desechar recursos; la patética joven que es incapaz de proferir sílaba si no se lo ordenan, desde la Defensoría argumenta que claro, es obvio, los acusados son culpables; todo lo anterior coreado desde el oficialismo. Están condenados de hecho. Unos presos; otros perseguidos; los de más allá exiliados.
En el caso de los militares es diferente y a veces mucho más dramático porque no tienen partidos o grupos organizados que los defiendan. Otto Gebauer, oficial de la FAN, cumplió instrucciones de sus superiores al trasladar al ex presidente Chávez en abril de 2002; entonces le apreció debilidades emocionales y corporales en esos instantes tremendos -lo cual es perfectamente explicable en un ser humano asustado-, pero haber visto la flojedad y fragilidad de un caudillo en trance de temblor se convirtió en crimen y por eso Gebauer está preso.
¿Por Qué? Se dirá, como más arriba se ha sostenido en esta misma columna, que es la lógica de la represión y el autoritarismo que caracteriza a los asaltantes del poder. Sin embargo, cuando se han conocido a muchos de los perseguidores de hoy es inevitable un cortocircuito. Este narrador se pregunta cómo es posible que varios antiguos amigos y compañeros, caracterizados por el discurso de la comprensión y la paz, enemigos de la represión y de la lógica del Estado tiránico hoy sean quienes promuevan y ejecuten la violencia oficial. Por qué han cambiado y qué los ha hecho cambiar. La única explicación plausible es la combinación mortal de una ideología salvacionista y el ejercicio del poder. El poder en su forma más desnuda y criminal se convirtió en su única causa; el poder de policía con sus dineros y sus guardaespaldas, con sus casas y sus viajes sin pasar por Cadivi o por una cola en el Metro. La revolución se hizo puro paisaje de relleno y la “bunkerización” opulenta de sus vidas es lo que defienden los dirigentes aunque se lleven por delante lo que ellos alguna vez quisieron.
Mas, já se chegou muito perto, como demonstra a matéria abaixo.
Paulo Roberto de Almeida
Los fusilamientos
CARLOS BLANCO - Tiempo de palabra
EL UNIVERSAL, domingo 29 de agosto de 2010
El presidente Chávez fusila moralmente a los que tiene como sus enemigos. Son juicios sumarios, sin derecho a la defensa de los imputados, cocinados en algún lugar secreto y con el indudable sello de del temible G2 cubano, sin que falte el pelotón local encabezado por unos miserables sin regreso. Él tiene su propia morgue moral en la que, como en la otra, apila sus víctimas.
Las revoluciones y las guerras han usado el fusilamiento y el crimen de Estado como actos poéticos, en los cuales la última palabra “del pueblo” coincidía con el último suspiro de los acusados. En medio del entusiasmo por la llegada de la nueva era los paredones se convirtieron en ocasión de mostrar su irreversibilidad. Matar al enemigo no solo era moraleja sino un acto fundacional para el hombre filtrado e higienizado, envuelto en romanticismo criminal, en asesinatos en nombre del amor que se esparce desde las recámaras de los fusiles.
Más adelante, el espectáculo de la muerte televisada se convirtió en exceso sobre todo cuando el entusiasmo por la salvación que portaban los criminales que mataban a otros criminales dejó de ser popular. Los paredones se volvieron más discretos: se sabía el inicio con la sentencia y se sabía el final con el cadáver entregado a tres o cuatro familiares desolados.
Sin embargo, cuando los regímenes criminales, afanosos en buscar la felicidad de aquéllos que somete y engrilla necesitaron integrarse al ambiente internacional por lo de las importaciones y exportaciones, las divisas y otras demandas del mundo globalizado, advirtieron que no era de buen ver el uso frecuente de los paredones. Fue así como las ergástulas en las cuales se pudren los seres humanos, presos por décadas sin juicio, se hicieron el instrumento privilegiado. Cárceles para la disidencia que jamás se tendrá como producto de hechos políticos sino de delitos comunes. Véanse las cárceles cubanas cómo se llenan y también como se vacían parcialmente si necesitan hacer gestos al Vaticano o a Moratinos. Trueque puro y simple en el cual la familia Castro entrega seres humanos a cambio de un saludo de algún jerarca mundial.
La era de la información ha cambiado el patrón. La prisión política es muy mal vista e impide negocios. Se usa, pero el repudio es muy fuerte. Obsérvese el caso reciente de Oswaldo Álvarez Paz que fue de comienzo a fin un encarcelamiento político debido a una pataleta del Comandante; se generó un movimiento internacional y nacional que no sólo guardaba relación con la figura del detenido sino también con la impudicia del proceso. Es el caso reciente de Alejandro Peña Esclusa pero, tal vez, con menos solidaridad a su alrededor porque no tiene dolientes en el mundo partidista.
La idea de los fusilamientos morales no es nueva -Stalin, Mao, Hitler fueron maestros en éstos y en los otros. Lo que acontece en Venezuela es que se han convertido en el instrumento privilegiado para la represión oficial.
En el Paredón. Lo que ha ocurrido con Guillermo Zuloaga, Nelson Mezerhane, los directivos de Econoinvest, la jueza María Afiuni, entre muchos otros, es revelador de la lógica represiva y tiránica. Todos son perseguidos personales del Presidente. Los dos primeros por Globovisión; los de la casa de bolsa como víctimas necesarias de terribles conflictos intragubernamentales que necesitaban culpables para satisfacer a Jorge Giordani que, como Girolamo Savonarola, intenta purificar la revolución podrida mediante la ofrenda de víctimas; la jueza Afiuni por haber liberado a Eligio Cedeño, sin juicio por dos años, preso por una bronca peculiar del Comandante. Hay muchos más.
Estos casos ilustran cómo ha sido Chávez, personal y directamente, quien acusa, insulta, condena y persigue a esos ciudadanos. No hay juicio, salvo una mascarada para llenar las formalidades del ajusticiamiento: nombre, cédula, ocupación… Puro trámite de condenados sin apelación posible. Han sido llamados ladrones, conspiradores, traficantes, lavadores de dinero, corruptos, según casos y situaciones, sin ninguna posibilidad de defensa. Saben que su defensa jurídica es un trámite, no sea que después digan que al no defenderse aceptaron las acusaciones; pero conscientes de que son presos del poder, son presos del Presidente.
El mecanismo es clarísimo. El Presidente se enfurece y toma una decisión o los cubanos determinan que, por ejemplo, a Globovisión hay que darle un escarmiento o cerrarlo si se puede; o dicen que como el diferencial cambiario se ha desmandado hay que buscar un responsable, sin tocar a Rafael Ramírez ni a los vivarachos de Finanzas, entonces están los de las casas de bolsa para ofrendarlos en sacrificio y aplacar a los dioses. Una vez que se han determinado los culpables más a la mano, la máquina oficial se pone en marcha: una de las Luisas declara que ya la investigación está adelantada; otra de las Luisas prevenida al bate para desechar recursos; la patética joven que es incapaz de proferir sílaba si no se lo ordenan, desde la Defensoría argumenta que claro, es obvio, los acusados son culpables; todo lo anterior coreado desde el oficialismo. Están condenados de hecho. Unos presos; otros perseguidos; los de más allá exiliados.
En el caso de los militares es diferente y a veces mucho más dramático porque no tienen partidos o grupos organizados que los defiendan. Otto Gebauer, oficial de la FAN, cumplió instrucciones de sus superiores al trasladar al ex presidente Chávez en abril de 2002; entonces le apreció debilidades emocionales y corporales en esos instantes tremendos -lo cual es perfectamente explicable en un ser humano asustado-, pero haber visto la flojedad y fragilidad de un caudillo en trance de temblor se convirtió en crimen y por eso Gebauer está preso.
¿Por Qué? Se dirá, como más arriba se ha sostenido en esta misma columna, que es la lógica de la represión y el autoritarismo que caracteriza a los asaltantes del poder. Sin embargo, cuando se han conocido a muchos de los perseguidores de hoy es inevitable un cortocircuito. Este narrador se pregunta cómo es posible que varios antiguos amigos y compañeros, caracterizados por el discurso de la comprensión y la paz, enemigos de la represión y de la lógica del Estado tiránico hoy sean quienes promuevan y ejecuten la violencia oficial. Por qué han cambiado y qué los ha hecho cambiar. La única explicación plausible es la combinación mortal de una ideología salvacionista y el ejercicio del poder. El poder en su forma más desnuda y criminal se convirtió en su única causa; el poder de policía con sus dineros y sus guardaespaldas, con sus casas y sus viajes sin pasar por Cadivi o por una cola en el Metro. La revolución se hizo puro paisaje de relleno y la “bunkerización” opulenta de sus vidas es lo que defienden los dirigentes aunque se lleven por delante lo que ellos alguna vez quisieron.
Unasur-Unasul: mais uma sigla que vai entrar no diretorio...
Só nao se sabe quando, exatamente, e para o quê...
Paulo Roberto de Almeida
Unasur y la democracia
Simón Alberto Consalvi*
El Tiempo, Agosto 28 de 2010
El proceso de creación de la Unión de Naciones Suramericanas tuvo una etapa de ratificaciones muy rápidas, y otra en que los congresos analizan el tratado con mayor reflexión.
Para que entre en vigencia, de los 12 Estados parte se requiere la ratificación de 9, y solo lo han hecho 6. De modo que no es apropiado hablar de Unasur como de una organización en plenitud de facultades. Intentaré la breve historia.
El largo camino se inició en diciembre del 2004 en la antigua ciudad de Cusco, donde fue proclamada por primera vez la Comunidad Suramericana de Naciones. Reunidos en Brasilia en septiembre del 2005, los jefes de Estado dedicaron gran parte de sus diálogos al proyecto. En diciembre del 2006 aprobaron la Declaración de Cochabamba. Allí, según los textos, "se establecieron las bases para profundizar la integración suramericana, abarcando el ámbito comercial; articulación económica y productiva más amplia y nuevas formas de cooperación política, social y cultural, tomando para ello en cuenta lo logrado en el Mercosur y la Comunidad Andina de Naciones, y la experiencia de Chile, Guyana y Surinam".
Finalmente, el 23 de diciembre del 2008, el Tratado Constitutivo de Unasur fue suscrito por los jefes de Estado en Brasilia.
Varios países ratificaron el instrumento con gran rapidez, sin detenerse en sus implicaciones económicas o políticas, como si estuvieran dándole el visto bueno a una tabla de mandamientos y nada más. Entre estos estuvieron Venezuela, Ecuador y Bolivia. En otros casos, Perú y Guyana, se hicieron observaciones generales, pero el tratado fue ratificado. El Congreso de Argentina siguió los pasos después de la designación del ex presidente (y diputado) Néstor Kirchner como secretario general, sin detenerse en consideraciones de otro orden.
A partir de allí, el proceso de las ratificaciones ha sido más cauteloso. Baste señalar que Brasil, el país que ideó e impulsó la creación del organismo, que propuso inicialmente las siglas de CASA para la Comunidad de Naciones Suramericanas, lo cual no contó con fortuna y se impuso el de Unasur, está entre los que aún no han ratificado el instrumento fundacional.
El debate en el Congreso es asumido sin apremios, analizando las implicaciones del tratado, porque no es, como algunos supusieron, algo semejante al Mecanismo de Consulta y Concertación del Grupo de Río, una especie de foro político. De ahí que el proceso haya tomado su tiempo, y se calcula que su ratificación probablemente sea pospuesta hasta el 2011.
Hasta ahora no lo han ratificado Brasil, Colombia, Uruguay, Surinam, Paraguay y Chile. En el Congreso chileno se está librando en estos días el debate que ha debido tener lugar en otros países, pero no lo tuvo infortunadamente. Los parlamentarios chilenos han formulado la pregunta clave del tratado: ¿por qué Unasur carece de la cláusula democrática, como los otros organismos multilaterales de la región? A la pregunta de los chilenos habría que añadirle otra: ¿por qué los países que lo ratificaron pasaron por alto una cuestión tan vital para la región?
Los pactos de la OEA, de Mercosur, de la CAN tienen cláusulas o protocolos democráticos que establecen con claridad la condición de regímenes democráticos de los Estados miembros.
Regímenes democráticos son aquellos que han sido elegidos, pero que, además, se comportan como tales, respetan las constituciones y el Estado de Derecho, la independencia de los poderes, los derechos humanos, la libertad de expresión, la alternabilidad republicana, la transparencia y el juego político.
Las fracciones partidistas del Congreso de Chile tomaron el acuerdo preliminar de ratificar el tratado. Pero entiendo que no lo será en su texto original sin hacerle observaciones sustanciales, según fórmulas actualmente en discusión. Entre las propuestas está la de pedir a los países signatarios una revisión del texto original a fin de que se incorpore una cláusula democrática que obligue a los Estados a garantizar la democracia "de origen y de ejercicio".
Observando el debate del Congreso chileno se aprecia que senadores y diputados han tomado en serio a Unasur. Tomar en serio es no ratificar el tratado para salir del paso y que el azar dicte su destino. Auspician un tratado vinculante, cuyas metas capitales sean la integración. Proponen que los Estados diseñen métodos para medir los gastos militares. Un papel más efectivo para el Consejo Suramericano de Defensa.
Los chilenos, con una experiencia de exitosas negociaciones económicas con Estados Unidos, Europa, Asia, intentan también que Unasur sea un instrumento de integración regional, no el foro de las divagaciones en que puede derivar si a las cosas no se las llama por su nombre. Cuando los congresos de Brasil, Colombia, Uruguay, Surinam y Paraguay inscriban en sus agendas el tratado de Unasur, tendrán en el Congreso que tanto frecuentó don Andrés Bello referencias ineludibles.
* Editor adjunto de 'El Nacional', ex canciller de Venezuela, ex embajador en Washington y en la ONU, miembro de la Academia Nacional de la Historia.
COPYRIGHT © 2010 CEET Prohibida su reproducción total o parcial, así como su traducción a cualquier idioma sin autorización escrita de su titular.
[Bem, parece que cometi uma contravenção ao direito autoral. Aguardo a ordem de retirada. PRA]
Paulo Roberto de Almeida
Unasur y la democracia
Simón Alberto Consalvi*
El Tiempo, Agosto 28 de 2010
El proceso de creación de la Unión de Naciones Suramericanas tuvo una etapa de ratificaciones muy rápidas, y otra en que los congresos analizan el tratado con mayor reflexión.
Para que entre en vigencia, de los 12 Estados parte se requiere la ratificación de 9, y solo lo han hecho 6. De modo que no es apropiado hablar de Unasur como de una organización en plenitud de facultades. Intentaré la breve historia.
El largo camino se inició en diciembre del 2004 en la antigua ciudad de Cusco, donde fue proclamada por primera vez la Comunidad Suramericana de Naciones. Reunidos en Brasilia en septiembre del 2005, los jefes de Estado dedicaron gran parte de sus diálogos al proyecto. En diciembre del 2006 aprobaron la Declaración de Cochabamba. Allí, según los textos, "se establecieron las bases para profundizar la integración suramericana, abarcando el ámbito comercial; articulación económica y productiva más amplia y nuevas formas de cooperación política, social y cultural, tomando para ello en cuenta lo logrado en el Mercosur y la Comunidad Andina de Naciones, y la experiencia de Chile, Guyana y Surinam".
Finalmente, el 23 de diciembre del 2008, el Tratado Constitutivo de Unasur fue suscrito por los jefes de Estado en Brasilia.
Varios países ratificaron el instrumento con gran rapidez, sin detenerse en sus implicaciones económicas o políticas, como si estuvieran dándole el visto bueno a una tabla de mandamientos y nada más. Entre estos estuvieron Venezuela, Ecuador y Bolivia. En otros casos, Perú y Guyana, se hicieron observaciones generales, pero el tratado fue ratificado. El Congreso de Argentina siguió los pasos después de la designación del ex presidente (y diputado) Néstor Kirchner como secretario general, sin detenerse en consideraciones de otro orden.
A partir de allí, el proceso de las ratificaciones ha sido más cauteloso. Baste señalar que Brasil, el país que ideó e impulsó la creación del organismo, que propuso inicialmente las siglas de CASA para la Comunidad de Naciones Suramericanas, lo cual no contó con fortuna y se impuso el de Unasur, está entre los que aún no han ratificado el instrumento fundacional.
El debate en el Congreso es asumido sin apremios, analizando las implicaciones del tratado, porque no es, como algunos supusieron, algo semejante al Mecanismo de Consulta y Concertación del Grupo de Río, una especie de foro político. De ahí que el proceso haya tomado su tiempo, y se calcula que su ratificación probablemente sea pospuesta hasta el 2011.
Hasta ahora no lo han ratificado Brasil, Colombia, Uruguay, Surinam, Paraguay y Chile. En el Congreso chileno se está librando en estos días el debate que ha debido tener lugar en otros países, pero no lo tuvo infortunadamente. Los parlamentarios chilenos han formulado la pregunta clave del tratado: ¿por qué Unasur carece de la cláusula democrática, como los otros organismos multilaterales de la región? A la pregunta de los chilenos habría que añadirle otra: ¿por qué los países que lo ratificaron pasaron por alto una cuestión tan vital para la región?
Los pactos de la OEA, de Mercosur, de la CAN tienen cláusulas o protocolos democráticos que establecen con claridad la condición de regímenes democráticos de los Estados miembros.
Regímenes democráticos son aquellos que han sido elegidos, pero que, además, se comportan como tales, respetan las constituciones y el Estado de Derecho, la independencia de los poderes, los derechos humanos, la libertad de expresión, la alternabilidad republicana, la transparencia y el juego político.
Las fracciones partidistas del Congreso de Chile tomaron el acuerdo preliminar de ratificar el tratado. Pero entiendo que no lo será en su texto original sin hacerle observaciones sustanciales, según fórmulas actualmente en discusión. Entre las propuestas está la de pedir a los países signatarios una revisión del texto original a fin de que se incorpore una cláusula democrática que obligue a los Estados a garantizar la democracia "de origen y de ejercicio".
Observando el debate del Congreso chileno se aprecia que senadores y diputados han tomado en serio a Unasur. Tomar en serio es no ratificar el tratado para salir del paso y que el azar dicte su destino. Auspician un tratado vinculante, cuyas metas capitales sean la integración. Proponen que los Estados diseñen métodos para medir los gastos militares. Un papel más efectivo para el Consejo Suramericano de Defensa.
Los chilenos, con una experiencia de exitosas negociaciones económicas con Estados Unidos, Europa, Asia, intentan también que Unasur sea un instrumento de integración regional, no el foro de las divagaciones en que puede derivar si a las cosas no se las llama por su nombre. Cuando los congresos de Brasil, Colombia, Uruguay, Surinam y Paraguay inscriban en sus agendas el tratado de Unasur, tendrán en el Congreso que tanto frecuentó don Andrés Bello referencias ineludibles.
* Editor adjunto de 'El Nacional', ex canciller de Venezuela, ex embajador en Washington y en la ONU, miembro de la Academia Nacional de la Historia.
COPYRIGHT © 2010 CEET Prohibida su reproducción total o parcial, así como su traducción a cualquier idioma sin autorización escrita de su titular.
[Bem, parece que cometi uma contravenção ao direito autoral. Aguardo a ordem de retirada. PRA]
Economia politica da idiotice (com perdao aos mais sensiveis)
Já reclamaram, aqui mesmo, de minha linguagem um pouco rude em relação a certos idiotas com quem tropeço ocasionalmente em minhas leituras variadas. Reclamam, por exemplo, que chamo idiotas de idiotas, e acham que isso ainda vai dar processo contra mim.
Concordo, não pelo processo, ou ameaça de, mas porque isso não resolve o problema fundamental, que seria o de explicar porque um idiota é um idiota. Claro, nem todos podem perceber imediatamente que existe um idiota desatado nos espaços públicos, inclusive porque o idiota em questão pode dizer algumas coisas perfeitamente razoáveis, que parecem de senso comum e muitos concordariam com ele.
Eu, como tenho pouca paciência para a burrice e a estupidez, e tenho verdadeira alergia à má-fé e à desonestidade intelectual, quando percebo que um idiota quer nos fazer a todos de idiotas, saio logo dizendo que ele é um idiota.
Mas esse não é o bom método, sei disso, pois o que se deve fazer é explicar, com palavras perfeitamente inteligíveis, se possível evitando chamar o idiota de idiota, que seus argumentos são completamente equivocados, e deixariam o Brasil e todos nós em situação muito pior do que antes (sem a aplicação da economia política da idiotice).
Eu sei disso, e só pratico meu exercício ofensivo por absoluta falta de tempo e de paciência para sentar e refutar cada um dos argumentos idiotas -- sem chamá-los de idiotas, apenas de equivocados -- e avançar meus próprios argumentos de melhor qualidade (que pretensão, diriam alguns, mas acho que, depois de ter estudado tanto, tenho esse direito).
Pois, o idiota em questão está aí abaixo, e foi em relação a ele mesmo que começou todo este debate em torno de minha linguagem ofensiva. Eu deveria ter feito como fez o economista do Instituto Mises do Brasil (Leandro Roque, editor e articulista do Instituto Ludwig von Mises Brasil): rebater o fulano em questão -- virão como não o chamei de idiota desta vez? -- e explicar aos leitores onde está o fundamento da posição correta.
Pois bem, sem tempo para fazer a mesma coisa, permito, portanto, transcrever a refutação que segue abaixo.
Espero que, depois de ler, muitos concordem comigo em minhas assertivas, qualquer que seja a linguagem usada...
Paulo Roberto de Almeida
PS: Para o vermelho e preto, favor dirigir-se ao post original. Como eu sou um completo incompetente em matéria de blogs, coloco o que seria em vermelho em itálico.
Um vermelho-e-preto com Benjamin Steinbruch - o homem que quer fechar o país
Blog Libertatum, 26 de agosto de 2010
Confira a seguir a entrevista que Benjamim Steinbruch concedeu ao jornal Valor Econômico, com os didáticos comentários de Leandro Roque, editor e articulista do Instituto Ludwig von Mises Brasil
Benjamim Steinbruch é um empresário multifacetado. Hoje, ele pode facilmente ser chamado de magnata do aço. Um dos fundadores do grupo Vicunha, que mexe com produtos têxteis, Steinbruch foi incumbido, nos anos 1990, de diversificar os negócios da empresa, e acabou entrando nos processos de privatização da CSN e da Vale. Mais tarde, abriu mão de suas ações na Vale e aumentou sua participação na CSN, empresa da qual hoje é presidente.
Esse é o seu lado empreendedor.
Porém, como infelizmente acontece com a maioria dos grandes empresários brasileiros, Steinbruch também possui seu lado cartorial: ele é o presidente em exercício da FIESP, entidade que define o que os paulistas e, por conseguinte, os brasileiros podem importar ou não. O atual presidente da FIESP, Paulo Skaf, coerentemente é afiliado ao Partido Socialista Brasileiro. A mídia, que não domina assuntos teóricos, fez troça dessa afiliação de Skaf: "Um empresário socialista? Como pode?" Ora, Skaf está demonstrando corretamente suas preferências. O atual regime brasileiro, em que os grandes empresários fazem conluio com o governo para benefício de ambos e em detrimento do resto da população, nada mais é do que a variante fascista (corporativista) de um arranjo socialista.
Mas estou digressionando. Voltemos a Steinbruch. Sua entrevista a seguir foi dada ao jornal Valor Econômico, muito embora seu conteúdo pareça diretamente saído da Carta Capital ou do A Hora do Povo. Sua proposta econômica é módica, sensata e equilibrada: quer criar mais dois BNDES, desvalorizar a moeda o máximo possível e simplesmente proibir as importações, fechando o país.
A seguir, os trechos mais saborosos de sua longa entrevista. Vale a pena ler tudo, pois seu pensamento revela como pensa grande parte do empresariado protecionista brasileiro. Ele e o Valor vão de vermelho, eu vou de preto. [coloquei o vermelho em itálico. PRA]
Valor: O mercado interno (brasileiro) forte amplia a chegada das importações. Isso incomoda a indústria?
Steinbruch: A importação é uma coisa nova no Brasil. Nós ainda não tivemos tempo de considerar nossa posição. Temos uma ótima situação interna, gente comprando seu primeiro bem — casa, geladeira, fogão, carro — ao mesmo tempo em que lá fora os países estão em dificuldade, com enorme capacidade ociosa. Então, nosso mercado interno, que é uma referência mundial, vira alvo. O Brasil nunca viveu isso, não temos a experiência de ficar tão bem, então pagamos um preço pelo sucesso. O mercado interno vai continuar bom, mas não necessariamente a produção local vai estar trabalhando a plena capacidade. Num curto espaço de tempo as empresas vão fazer um esforço muito grande para exportar, por falta de possibilidade de vender o produto internamente.
Devo confessar que não entendi o raciocínio. Primeiro Steinbruch diz que o mercado interno está muito bom, com as pessoas comprando seus primeiros bens, como casa, geladeira, fogão e carro. Porém, em seguida, ele conclui que estar bom significa, na verdade, estar ruim, pois vários produtos externos passam a ser vendidos aqui dentro. Conclusão: mais opções de compra é algo ruim para a população.
Paradoxalmente, conclui Steinbruch, um mercado interno forte faz com que as empresas brasileiras tenham de "fazer um esforço muito grande para exportar, por falta de possibilidade de vender o produto internamente." Entendeu? Nem eu. E, aparentemente, nem o jornalista. Daí sua próxima pergunta.
Valor: Como assim?
Steinbruch: Há um descontrole de importações em todos os setores. No ano passado, no primeiro semestre, importamos o equivalente a US$ 5,9 bilhões em manufaturas da China. Agora, em 2010, importamos US$ 9,9 bilhões entre janeiro e junho, praticamente dobrou em um ano. E estou falando da China, apenas.
Aqui ele apenas cita um dado. Porém, utilizando-se de um artifício malicioso, Steinbruch transforma essa ausência de conclusão em uma conclusão em si. Basta falar que as importações da China aumentaram de 5,9 para 9,9 bilhões de dólares em apenas um ano e, voilà!, ele transforma um dado numérico em uma coisa vagamente assustadora, fiando-se apenas no preconceito anti-importação que domina toda a imprensa, algo que é tomado como um critério universalmente aceito. À luz desse preconceito, não precisa haver mesmo conclusão alguma, pois o simples fato de estar havendo importações da China já é automaticamente aceito como algo supremamente anormal e condenável. A pergunta a seguir confirma esse raciocínio.
Valor: Isso é discutido na Fiesp? (Observe que sequer há uma indagação sobre os motivos de tal aumento das importações chinesas ser algo ruim.)
Steinbruch: Muito. Ninguém pensava que as empresas brasileiras iriam ter de parar a produção por excesso de estoques enquanto o mercado está com demanda forte, mas isso ocorre porque as importações estão ocupando espaço.
Se as importações chinesas estão "ocupando espaço" dos produtos brasileiros é porque os consumidores brasileiros estão voluntariamente mostrando que preferem aqueles produtos (talvez por serem mais baratos) aos produtos brasileiros. E o senhor Steinbruch não aceita isso. Ele quer, na verdade, um decreto governamental que proíba os consumidores brasileiros de exercerem livremente suas preferências no mercado. Melhor ainda: ele quer que os brasileiros sejam obrigados a comprar apenas os produtos seus e de seus companheiros.
Se você acha que eu estou mentindo ou exagerando, continue lendo o show de horrores que virá a seguir.
Valor: O sr. tem algum caso concreto de empresa que vai fazer isso? (Parar a produção por excesso de estoques).
Steinbruch: Até duas semanas atrás ninguém falava nisso. Se pegar os dados de 31 de julho, vocês não verão. É algo que está acontecendo agora. Há 350 mil toneladas de aço estocadas em Santa Catarina. As empresas vão ser obrigadas à exportar, o que é um esforço muito grande com uma moeda tão valorizada. Vai ter de baixar o preço no mercado interno para competir com o importado, o que é uma competição desleal, mas só vai ter o efeito disso no ano que vem. Qualquer medida que o governo tomasse agora só serviria para 2011, então o governo está atrasado. A economia vai bem, a demanda está forte, mas as empresas brasileiras estão com dificuldade de aproveitar essa bonança.
É até difícil escolher por onde começar. Tentemos pela ordem. Se há 350 mil toneladas de aço paradas em Santa Catarina, restam-lhe 3 opções:
1) Vender tudo no mercado interno — é só baixar o preço que ele vai encontrar o tanto de compradores que ele quiser. Só que, como ele se acostumou com preços altos para seus produtos — tudo estimulado pela expansão do crédito orquestrada pelo Banco Central —, praticar uma redução é algo inconcebível.
2) Exportar a preços vigentes no mercado internacional, algo que para sua tristeza ele não pode controlar.
3) Estocar para vender quando o preço lhe for mais propício.
Depois dessa lamúria, Steinbruch prossegue dizendo que ter de baixar preços para competir com a concorrência dos importados é "uma competição desleal". Como todo grande empresário cartorialista, ele parece ter se acostumado à crença de que vender a preços constantemente altos é um direito inalienável.
Ato contínuo, ele solta o veredicto: o governo tem de agir e tem de agir rápido! Aliás, já está atrasado! As empresas brasileiras não estão conseguindo aproveitar a atual bonança, pois os malditos chineses estão acabando com a festa, atrevendo-se a vender aqui produtos baratos e voluntariamente desejados pelos consumidores brasileiros. Que alguém trate logo de abolir o mercado e seu sistema de preços insensível às volúpias do grande empresariado.
Valor: Mas como convencer as pessoas de que é preciso fazer algo num período de crescimento forte, redução do desemprego e aumento de salários?
Steinbruch: Só perceberemos depois que as empresas começarem a parar mesmo. Aí veremos que alguma coisa furou no modelo, e furou por um descuido nosso, porque ninguém pensou nisso e muita gente não percebeu ainda. Vamos bater num muro a 200 km por hora. Cerca de 95% dos óculos vendidos no país são importados, sabia? Escovas e pentes têm a mesma situação. Não se fabrica mais aqui. Ou incentivamos mais ainda o mercado interno, com financiamento, isenção de imposto, para ter efeito rápido, ou restringimos ao máximo as importações.
Enquanto o resto do mundo se preocupa com nanotecnologia, biotecnologia, tecnologia da informação e robótica, nosso empresariado ainda está preocupado com a produção de pentes e escovas! De acordo com Steinbruch, se o país parar de produzir pentes, ficaremos pobres!
Consequentemente, para impedir a derrocada da portentosa indústria nacional de pentes e escovas, o governo deve abrir as torneiras, dar financiamento barato para as empresas voltarem a produzir tão demandados e insubstituíveis objetos (só falta encontrar algum índio pra fazer escambo), e, só pra garantir, dar uma fechadinha básica nas importações. É assim que um país enriquece.
Se nos aprofundarmos um pouco mais, veremos que tal raciocínio tacanho seria contra a substituição das máquinas de escrever pelos computadores, das velas pelas lâmpadas incandescentes e das carroças pelos automóveis. Steinbruch, se possível, proibiria a importação de laptops, pois isso seria ruim para as representantes da Olivetti no Brasil.
Valor: O novo governo, seja qual for, vai fazer algo próximo disso?
Steinbruch: Isso certamente vai ter de ser feito a partir de 2011. Porque enquanto o Brasil estiver bem e os outros países estiverem mal, isso vai se perpetuar. A empresa estrangeira não tem para quem vender, então manda para cá. O que desorganiza a cadeia é que quem está importando não são os clientes finais da indústria brasileira, mas o intermediário. Se você conversa com os industriais, eles vão te dizer que estão com produção toda vendida até o fim do ano. Só que os clientes não estão retirando a mercadoria. Porque entrou uma opção alternativa, o importado, que não estava previsto. Nem por quem produz, nem por quem compra.
Maldito mercado! Interpondo-se às expectativas sossegadas dos cartorialistas! Ou em 2011 o governo acaba completamente com as importações ou voltaremos à idade da pedra — só que, dessa vez, com escovas e pentes chineses.
Observe que o raciocínio tortuoso de Steinbruch leva a uma conclusão óbvia: quanto mais produtos estrangeiros forem vendidos aqui dentro, quanto maiores as opções e quanto mais baratas forem, pior para os brasileiros. Ou seja: estamos pobres porque somos ricos. Vamos empobrecer porque enriquecemos. Somos miseráveis pois vivemos na fartura. Um país só pode ser rico quando seu mercado interno é dominado por apenas um tipo de produto vendido ao maior preço possível.
Por que é inconcebível para Steinbruch a hipótese de os produtores nacionais simplesmente reduzirem seus preços? Por que o empresariado não aproveita essa maré favorável às importações e compra bens de capital que lhes permita otimizar seu processo produtivo, aumentando assim a produtividade? Isso possibilitaria uma redução de preços e um concomitante aumento dos lucros. Porém, é mais fácil simplesmente pedir para o governo barrar as importações. O que vale é o bem-estar deles e não o dos consumidores.
Valor: Mas a maior parte do que importamos é maquinário e bem intermediário, que complementa a produção. Essa importação não é benéfica ao país?
Steinbruch: A importação benéfica para o país é difícil de se diferenciar. É aquela que complementa além do limite de produzir. Se há demanda para 105 e produzimos 100, assim os cinco vêm de fora, para equilibrar a inflação. Hoje, com a oferta que temos no mundo, o risco grande que temos não é de inflação, mas de deflação. O Banco Central está errado quando diz que há risco de inflação. O que veremos agora é deflação. Porque a ociosidade do mundo, em termos produtivos, dificulta e muito qualquer processo inflacionário de demanda, que seria nosso caso, então não existe risco de inflação no Brasil. O nível de esforço que os países maduros estão fazendo para conseguir gerar demanda, com bilhões e bilhões de gastos para incentivar a economia é justificável para reanimar a atividade. Aqui fazemos o contrário, estamos castigando o sucesso do ciclo positivo que nós desenvolvemos — mercado interno, emprego, renda familiar —, que é quebrado pela importação, favorecida pela moeda valorizada. Estamos surpresos.
Antes de tudo, observe que Steinbruch não respondeu à pergunta que lhe foi feita. O que ele realmente quer — e disso ele não abre mão — é um maior rigor nas importações, de modo que seja importado rigorosamente apenas aquilo que vai complementar a produção. Ou seja, se a indústria nacional de pentes está produzindo em sua capacidade máxima, mas a demanda por pentes continua insaciável, então nesse caso — e apenas nesse caso —, Steinbruch permite que os chineses vendam seus pentes aqui dentro. Porém, tão logo essa demanda tenha sido saciada, as importações devem voltar a ser restringidas, para que a indústria nacional volte a ser soberana na venda de pentes mais caros.
Quanto à balela sobre risco de deflação, isso apenas mostra como os grandes empresários são contra uma moeda forte — como um padrão-ouro, por exemplo, que é inerentemente deflacionário (no sentido de provocar uma constante redução nos preços). É muito mais fácil viver em uma economia cuja oferta monetária esteja em constante aumento, pois assim os lucros contábeis são mais fáceis e a produção pode ser de menor qualidade.
Valor: Com o quê?
Steinbruch: Uma situação previsível de tranquilidade no segundo semestre mudou para uma surpresa de empresas grandes estarem parando por férias ou reduzindo pessoas por um desequilíbrio entre oferta e demanda por conta do importado. Para um país como o Brasil, que tem matéria-prima, capacidade produtiva, capacidade de ter duas safras agrícolas e petróleo, não vejo onde está o benefício da importação, a não ser que seja para equilibrar preços, para evitar inflação. O Brasil teria que, de alguma forma, se fechar.
Uma situação previsível de tranquilidade foi perturbada pela repentina mudança nas preferências dos consumidores. Empresário que se assusta e se surpreende com o fato de que os consumidores preferem produtos mais baratos me parece estar no ramo errado. Essa é a essência do empreendedorismo: saber antecipar as mudanças no comportamento dos consumidores. Como explicou Israel Kirzner, os empreendedores têm de estar sempre alerta às tendências de mercado. Aqueles que não se adaptarem a isso, certamente perderão fatias de mercado — e os que são poderosos o suficiente, certamente recorrerão ao governo para tentar mudar isso.
Observe, ademais, o totalitarismo nas duas últimas frases de Steinbruch: não há benefício para os brasileiros nas importações. Esta deve ser usada apenas pontualmente com o intuito de controlar o aumento de preços. Fora isso, as importações devem ser proibidas e o país deve se fechar. (Lembra-se que eu falei lá em cima que eu não estava exagerando?)
Valor: Como assim?
Steinbruch: Fazer um pouco o que a China fez. Vocês falaram de máquinas, por exemplo. O certo é que o Brasil pudesse desenvolver, por conta do crescimento contínuo da economia, tecnologia própria, inclusive para máquinas e equipamentos, para avançarmos tecnologicamente. Hoje, importamos equipamento chinês. Por quê? Porque cresceram por 15, 20 anos e tiveram condição de testar equipamento e tecnologia, corrigir, melhorar. Começaram copiando, depois melhorando e hoje eles têm tecnologia própria. O Brasil tem de fazer a mesma coisa.
Esse é um raciocínio delicioso. De acordo com Steinbruch, se o país se fechar, isso milagrosamente fará com que todo o intelecto nacional repentinamente se exacerbe e exiba seu pleno potencial, fazendo com que, do nada, haja um salto tecnológico no país. Para ele, a inteligência, a tecnologia e o capital são coisas que estão ali, adormecidas, apenas esperando uma oportunidade — no caso, um fechamento do mercado — para que possam finalmente despertar e se exibir em sua totalidade.
E ele aparentemente falou isso com um grande ar de seriedade. É como se toda a tecnologia, todo o capital e todo o intelecto prático fossem apenas um adorno que automaticamente entraria em cena tão logo a concorrência estrangeira fosse suprimida; é como se a ausência desses elementos hoje observada não fosse de maneira alguma um obstáculo à conquista do padrão chinês de desenvolvimento. Basta fechar o mercado e as mil flores irão florescer. Haverá, finalmente, o nosso Grande Salto Para a Frente.
Valor: Fechar a economia, então?
Steinbruch: A economia tem que se fechar um pouco para poder propiciar esse salto.
Eu nunca exagero no que falo.
Valor: Mas durante esse processo, não experimentaremos um período de inflação mais alta?
Steinbruch: Você tem que incentivar o bem mais barato fabricado aqui. Nós não temos porque fazer mais caro que lá fora.
Ora, mas o bem mais barato é exatamente o que vem lá de fora! Não era exatamente disso que ele estava reclamando? Como um fechamento do mercado vai permitir que mais bens, melhores e mais baratos sejam produzidos aqui dentro? Para responder isso, ele precisa antes explicar como vai solucionar aquele problema que mencionei duas respostas acima.
Valor: E o caso da Petrobras na exploração do pré-sal que dá prioridade ao fornecedor nacional, mas há máquinas e peças que só existem no exterior?
Steinbruch: E por que não têm máquina aqui? Não é por falta de capacidade nossa, seja tecnológica, gerencial ou financeira, então não é por isso. Temos que nos educar no sentido de colocar desafios maiores para o Brasil. Nós podemos tudo. Temos que dar um trato diferente ao capital que vai para investimento e ao que vai para custeio. O investimento no Brasil é muito caro, temos um custo que não é comparável com o exterior. Essa discussão do BNDES é totalmente secundária e inoportuna.
A Petrobras, que não é boba, concorda comigo e discorda de Steinbruch. Na hora de buscar capital e tecnologia de ponta, ela corre pro exterior. Apenas ficar com esse papo cafona de que não há falta de capacidade tecnológica, gerencial ou financeira no Brasil, e que "temos que nos educar no sentido de colocar desafios maiores para o Brasil. Nós podemos tudo.", não é o suficiente para sanar estes problemas. O problema vem bem mais de longe, e não será solucionado apenas com romantismo.
Valor: Por quê?
Steinbruch: Porque temos que fazer todo o esforço possível e imaginável para favorecer o investimento. Então, o banco de desenvolvimento tem de dar condições para as empresas. Para micro, pequena, média empresa e também para as grandes e gigantes. Temos que ir para fora. Um país que quer liderar tem que ter empresas fortes e isso só ocorre se o governo apostar junto. Foi o que aconteceu em todos os países do mundo. Se for copiar o que aconteceu com Inglaterra, Estados Unidos, é o mesmo modelo. Temos que copiar e depois melhorar. Nós temos que privilegiar o BNDES e outros, como Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. O presidente Lula estava certo quando estimulou o BB e a CEF à fazerem mais, à estarem presentes num momento de crise, à não cortarem o crédito. Foi um momento muito importante.
Esta posição em prol do "crédito fácil que gera crescimento" é muito difícil de ser atacada no atual momento da economia brasileira, em que tudo parece estar indo às mil maravilhas. Da mesma forma, era impossível criticar o Fed durante o período da bonança imobiliária americana, onde tudo aparentemente também era uma maravilha. Alan Greenspan, o então presidente do Fed, era saudado como um gênio monetário, capaz de gerar riqueza por meio da simples impressão de dólares. Deu no que deu. E hoje, o que vou falar no parágrafo seguinte já é amplamente aceito nos EUA (exceto pelos keynesianos); já é amplamente entendido como a causa da expansão artificial e da consequente recessão americana. Aqui no Brasil, como a coisa ainda vai demorar um pouco pra acontecer, tal raciocínio parecerá estranho. Mas economia é assim mesmo: é a arte de entender o que não se vê.
Um aparente "crescimento" econômico trazido por uma expansão do crédito — no caso, os financiamentos subsidiados do BNDES e a redução dos juros feita pelo BACEN —, não chega sequer a ser um crescimento econômico. Tampouco há um genuíno aumento da produção econômica. Inflação e crédito fácil jamais podem aumentar a disponibilidade de bens em uma economia; jamais podem aumentar a produção total. A única coisa que ambos fazem é provocar uma realocação de recursos, favorecendo aqueles que recebem esse dinheiro antes de todo o resto da população, e prejudicando aqueles que recebem esse dinheiro por último.
Durante esse período de realocação dos fatores de produção dentro da economia — período esse que é confundido com crescimento econômico genuíno —, as pessoas erroneamente creem que estão vivendo um período de bonança, quando na verdade estão vivendo um período de desperdício de recursos. Bens de capital estão sendo empregados em projetos que serão insustentáveis no longo prazo.
Esse processo é camuflado pelo fato de que alguns membros da sociedade realmente estão enriquecendo. Porém tal enriquecimento foi trazido apenas e exclusivamente pela criação de dinheiro. E sempre em detrimento daqueles que serão os últimos a receber esse dinheiro recém-criado.
"Ah, mas o PIB cresce!" Não obstante todas as falhas com o cálculo do PIB, é suficiente apenas dizer que, como o PIB mensura os gastos da economia, é óbvio que uma quantidade maior de dinheiro fará com que o valor nominal desses gastos sejam maiores. E mesmo sabendo que o PIB é "corrigido pela inflação de preços", sabemos que o aumento dos preços é sempre menor do que o aumento ocorrido na oferta monetária. Consequentemente, um aumento da oferta monetária de fato causa um aumento do PIB real, mas está-se apenas mensurando gastos, e não produção e poupança, que é o que realmente gera riqueza.
Valor: Como o sr. vê as críticas ao BNDES?
Steinbruch: Não precisamos de um BNDES, mas de três bancos como o BNDES para atender a demanda por investimentos e a formação de empresas globais.
Quanto mais crédito fácil, melhor é para aqueles que recebem esse dinheiro primeiro. Nesse caso, o senhor Steinbruch está sendo bastante coerente. Ele está defendendo aquilo que é bom exclusivamente para ele.
Valor: Além de fortalecer o BNDES, que medidas podem fomentar os investimentos?
Steinbruch: A mais imediata seria diminuir a taxa de juros, para desvalorizar a moeda.
O brasileiro não pode ter uma moeda forte, com um bom poder aquisitivo, que lhe permita comprar mais coisas de fora. Não. O ideal é que o brasileiro tenha uma moeda que ninguém aceita lá fora, valendo menos que capim. A moeda ideal é aquela suficiente para comprar apenas os produtos produzidos pelo senhor Steinbruch e por seu círculo de amigos fiespianos. O resto é desnecessário.
Valor: Mas já passamos por processo de redução de juros e mesmo assim a moeda continuou se valorizando...
Steinbruch: Se derreteu a moeda cortando juros, imagina elevando, como fazemos agora. Nossa taxa precisa ser um ou dois pontos percentuais acima da inflação.
As noções econômicas de Steinbruch são completamente invertidas. Para ele, uma moeda "derretida" é aquela moeda forte, com poder de compra no mercado internacional. Já uma moeda literalmente derretida, sem poder de compra algum lá fora, é para ele uma moeda robusta, geradora de prosperidade. Aparentemente, enquanto o dólar não estiver na casa dos 15 reais, Steinbruch não vai sossegar.
Valor: Então não passa só pelos juros, certo?
Steinbruch: Não, podemos também controlar importação. Tanto do ponto de vista quantitativo quanto qualitativo. Há muitos bens, como lâmpadas, que chegam custando um centavo de dólar. Precisamos ter gente treinada, investimento em pessoal para que possam controlar e desenvolver sistemas. Os países maduros têm isso, porque eles também foram alvos. Os Estados Unidos têm uma bíblia para você poder entrar lá e um pessoal profissional para controlar o que entra. Agora, o alvo somos nós e nós não temos essa experiência, então vem tudo para cá.
O modelo de prosperidade de Steinbruch deve ser a Coréia do Norte. Lá não há lâmpadas sendo vendidas a um centavo de dólar. Lá as importações são bem controladas. Lá há investimentos e gente treinada para controlar e desenvolver sistemas (nucleares). Lá certamente há "uma bíblia para você poder entrar lá e um pessoal profissional para controlar o que entra".
Enquanto isso, nós, coitados, somos bombardeados por uma oferta de produtos chineses baratos, algo que não pode acontecer. No Brasil de Steinbruch, haveria um exército de funcionários seus em todos os portos e aeroportos, inspecionando direitinho o que entra e ditando a nós, brasileiros, o que podemos consumir ou não.
Valor: A Usiminas entrou com um pedido de antidumping contra a importação de chapa grossa de aço. Acha que a abertura de processos antidumping pode ser uma saída?
Steinbruch: Tem que fazer. A gente vai deixar de ser um país produtor industrial para ser um importador? É um castigo que não podemos pagar.
Castigo é poder comprar produtos baratos de fora. Benção é ser obrigado a comprar apenas os produtos feitos por Steinbruch e sua claque.
Valor: Então devem partir das empresas as medidas de controle?
Steinbruch: Tem que ser algo coordenado com o governo.
Esse coordenação entre governo e empresariado foi um arranjo de muito sucesso na Itália e na Alemanha da década de 1930.
Valor: Mas o governo atual ou o futuro vai fazer isso?
Steinbruch: Tem que fazer. O Brasil vai ter que adotar uma política dura porque hoje em dia é muito mais importante para nós a produção e o emprego [indústria] que a fazenda [campo]. O problema para nós é muito mais dar garantia à produção e ao emprego que a questão econômica e financeira, que já está equacionada. A prioridade agora é o Ministério do Desenvolvimento, tanto com incentivo para exportar quanto para evitar importação desordenada. Cada porto tem que ter um controle e isso precisa ser integrado.
Aqui Steinbruch é explícito. Ele defende uma burocracia responsável por fazer planejamento econômico, em que a decisão sobre o que será produzido, em qual quantidade e para quem será vendido fica a cargo de burocratas, e não dos consumidores. Nada de "importação desordenada". Cada porto deverá ter um agente contratado por Steinbruch, inspecionado absolutamente tudo o que entra no país, e dando seu selo de aprovação. (E aposto que você achou que eu estava exagerando nas minhas três respostas acima).
Valor: O que mais preocupa o empresariado?
Steinbruch: Preocupa tudo. Está faltando mão de obra, estamos colocando escola dentro do canteiro de obra, fazendo o que podemos para formar gente, algo que é um limitador do crescimento brasileiro.
Agora Steinbruch passou a concordar comigo e, consequentemente, a se contradizer. Como um país com esse nível de educação vai repentinamente se modernizar via fechamento dos portos? Apenas essa frase já está em contradição com metade das suas ideias acima expostas.
Valor: O que acaba por aumentar os salários. Isso é um empecilho?
Steinbruch: Aumentar salário para o consumo de produção nacional é razoável. Duro é aumentar salário para o cara consumir bem importado, isso é uma distorção. Estamos em condições de avançar e agregar outros 50 milhões de consumidores na economia. É um país fantástico, mas ainda temos muito o que fazer. Enquanto lá fora estão fazendo de tudo, o possível e o impossível para ressuscitar a economia, aqui não precisamos disso.
Aumento salarial bom mesmo é só aquele que é gasto integralmente na compra de produtos com o selo Steinbruch. Se o aumento salarial for gasto no consumo da produção nacional, isso será apenas "razoável". Mas duro mesmo é o sujeito se atrever a gastar seu salário comprando o que ele quer, principalmente coisas importadas. Aí já é demais. "Isso é uma distorção".
São pensamentos totalitários como esses do senhor Steinbruch que fazem com que o capitalismo tenha uma má fama, sendo visto como um sistema manipulado, no qual empresários e governo fazem conluio para benefício mútuo em detrimento de toda a população, principalmente a de menor renda, que se torna obrigada a comprar produtos nacionais mais caros.
Como bem disse Benito Mussolini,
"O fascismo deveria ser mais apropriadamente chamado de corporativismo, pois trata-se de uma fusão entre o poder do estado e o poder das grandes empresas".
Apenas o livre mercado pode colocar essa gente no seu devido lugar.
[Fim da transcrição]
==============
Retomo:
Bem, depois desse exercício de refutação bem conduzido pelo Leandro Roque, retomo minha linguagem mais dura, já empregada num post anterior, e acho que agora os leitores concordarão comigo. O "empresário" em questão não é apenas um idiota, o que ele é, obviamente. Se trata também de alguém de má-fé, já que apresenta seu interesse pessoal como sendo o interesse nacional.
Creio que os leitores concordarão comigo.
Era o que se queria demonstrar.
Paulo Roberto de Almeida
Concordo, não pelo processo, ou ameaça de, mas porque isso não resolve o problema fundamental, que seria o de explicar porque um idiota é um idiota. Claro, nem todos podem perceber imediatamente que existe um idiota desatado nos espaços públicos, inclusive porque o idiota em questão pode dizer algumas coisas perfeitamente razoáveis, que parecem de senso comum e muitos concordariam com ele.
Eu, como tenho pouca paciência para a burrice e a estupidez, e tenho verdadeira alergia à má-fé e à desonestidade intelectual, quando percebo que um idiota quer nos fazer a todos de idiotas, saio logo dizendo que ele é um idiota.
Mas esse não é o bom método, sei disso, pois o que se deve fazer é explicar, com palavras perfeitamente inteligíveis, se possível evitando chamar o idiota de idiota, que seus argumentos são completamente equivocados, e deixariam o Brasil e todos nós em situação muito pior do que antes (sem a aplicação da economia política da idiotice).
Eu sei disso, e só pratico meu exercício ofensivo por absoluta falta de tempo e de paciência para sentar e refutar cada um dos argumentos idiotas -- sem chamá-los de idiotas, apenas de equivocados -- e avançar meus próprios argumentos de melhor qualidade (que pretensão, diriam alguns, mas acho que, depois de ter estudado tanto, tenho esse direito).
Pois, o idiota em questão está aí abaixo, e foi em relação a ele mesmo que começou todo este debate em torno de minha linguagem ofensiva. Eu deveria ter feito como fez o economista do Instituto Mises do Brasil (Leandro Roque, editor e articulista do Instituto Ludwig von Mises Brasil): rebater o fulano em questão -- virão como não o chamei de idiota desta vez? -- e explicar aos leitores onde está o fundamento da posição correta.
Pois bem, sem tempo para fazer a mesma coisa, permito, portanto, transcrever a refutação que segue abaixo.
Espero que, depois de ler, muitos concordem comigo em minhas assertivas, qualquer que seja a linguagem usada...
Paulo Roberto de Almeida
PS: Para o vermelho e preto, favor dirigir-se ao post original. Como eu sou um completo incompetente em matéria de blogs, coloco o que seria em vermelho em itálico.
Um vermelho-e-preto com Benjamin Steinbruch - o homem que quer fechar o país
Blog Libertatum, 26 de agosto de 2010
Confira a seguir a entrevista que Benjamim Steinbruch concedeu ao jornal Valor Econômico, com os didáticos comentários de Leandro Roque, editor e articulista do Instituto Ludwig von Mises Brasil
Benjamim Steinbruch é um empresário multifacetado. Hoje, ele pode facilmente ser chamado de magnata do aço. Um dos fundadores do grupo Vicunha, que mexe com produtos têxteis, Steinbruch foi incumbido, nos anos 1990, de diversificar os negócios da empresa, e acabou entrando nos processos de privatização da CSN e da Vale. Mais tarde, abriu mão de suas ações na Vale e aumentou sua participação na CSN, empresa da qual hoje é presidente.
Esse é o seu lado empreendedor.
Porém, como infelizmente acontece com a maioria dos grandes empresários brasileiros, Steinbruch também possui seu lado cartorial: ele é o presidente em exercício da FIESP, entidade que define o que os paulistas e, por conseguinte, os brasileiros podem importar ou não. O atual presidente da FIESP, Paulo Skaf, coerentemente é afiliado ao Partido Socialista Brasileiro. A mídia, que não domina assuntos teóricos, fez troça dessa afiliação de Skaf: "Um empresário socialista? Como pode?" Ora, Skaf está demonstrando corretamente suas preferências. O atual regime brasileiro, em que os grandes empresários fazem conluio com o governo para benefício de ambos e em detrimento do resto da população, nada mais é do que a variante fascista (corporativista) de um arranjo socialista.
Mas estou digressionando. Voltemos a Steinbruch. Sua entrevista a seguir foi dada ao jornal Valor Econômico, muito embora seu conteúdo pareça diretamente saído da Carta Capital ou do A Hora do Povo. Sua proposta econômica é módica, sensata e equilibrada: quer criar mais dois BNDES, desvalorizar a moeda o máximo possível e simplesmente proibir as importações, fechando o país.
A seguir, os trechos mais saborosos de sua longa entrevista. Vale a pena ler tudo, pois seu pensamento revela como pensa grande parte do empresariado protecionista brasileiro. Ele e o Valor vão de vermelho, eu vou de preto. [coloquei o vermelho em itálico. PRA]
Valor: O mercado interno (brasileiro) forte amplia a chegada das importações. Isso incomoda a indústria?
Steinbruch: A importação é uma coisa nova no Brasil. Nós ainda não tivemos tempo de considerar nossa posição. Temos uma ótima situação interna, gente comprando seu primeiro bem — casa, geladeira, fogão, carro — ao mesmo tempo em que lá fora os países estão em dificuldade, com enorme capacidade ociosa. Então, nosso mercado interno, que é uma referência mundial, vira alvo. O Brasil nunca viveu isso, não temos a experiência de ficar tão bem, então pagamos um preço pelo sucesso. O mercado interno vai continuar bom, mas não necessariamente a produção local vai estar trabalhando a plena capacidade. Num curto espaço de tempo as empresas vão fazer um esforço muito grande para exportar, por falta de possibilidade de vender o produto internamente.
Devo confessar que não entendi o raciocínio. Primeiro Steinbruch diz que o mercado interno está muito bom, com as pessoas comprando seus primeiros bens, como casa, geladeira, fogão e carro. Porém, em seguida, ele conclui que estar bom significa, na verdade, estar ruim, pois vários produtos externos passam a ser vendidos aqui dentro. Conclusão: mais opções de compra é algo ruim para a população.
Paradoxalmente, conclui Steinbruch, um mercado interno forte faz com que as empresas brasileiras tenham de "fazer um esforço muito grande para exportar, por falta de possibilidade de vender o produto internamente." Entendeu? Nem eu. E, aparentemente, nem o jornalista. Daí sua próxima pergunta.
Valor: Como assim?
Steinbruch: Há um descontrole de importações em todos os setores. No ano passado, no primeiro semestre, importamos o equivalente a US$ 5,9 bilhões em manufaturas da China. Agora, em 2010, importamos US$ 9,9 bilhões entre janeiro e junho, praticamente dobrou em um ano. E estou falando da China, apenas.
Aqui ele apenas cita um dado. Porém, utilizando-se de um artifício malicioso, Steinbruch transforma essa ausência de conclusão em uma conclusão em si. Basta falar que as importações da China aumentaram de 5,9 para 9,9 bilhões de dólares em apenas um ano e, voilà!, ele transforma um dado numérico em uma coisa vagamente assustadora, fiando-se apenas no preconceito anti-importação que domina toda a imprensa, algo que é tomado como um critério universalmente aceito. À luz desse preconceito, não precisa haver mesmo conclusão alguma, pois o simples fato de estar havendo importações da China já é automaticamente aceito como algo supremamente anormal e condenável. A pergunta a seguir confirma esse raciocínio.
Valor: Isso é discutido na Fiesp? (Observe que sequer há uma indagação sobre os motivos de tal aumento das importações chinesas ser algo ruim.)
Steinbruch: Muito. Ninguém pensava que as empresas brasileiras iriam ter de parar a produção por excesso de estoques enquanto o mercado está com demanda forte, mas isso ocorre porque as importações estão ocupando espaço.
Se as importações chinesas estão "ocupando espaço" dos produtos brasileiros é porque os consumidores brasileiros estão voluntariamente mostrando que preferem aqueles produtos (talvez por serem mais baratos) aos produtos brasileiros. E o senhor Steinbruch não aceita isso. Ele quer, na verdade, um decreto governamental que proíba os consumidores brasileiros de exercerem livremente suas preferências no mercado. Melhor ainda: ele quer que os brasileiros sejam obrigados a comprar apenas os produtos seus e de seus companheiros.
Se você acha que eu estou mentindo ou exagerando, continue lendo o show de horrores que virá a seguir.
Valor: O sr. tem algum caso concreto de empresa que vai fazer isso? (Parar a produção por excesso de estoques).
Steinbruch: Até duas semanas atrás ninguém falava nisso. Se pegar os dados de 31 de julho, vocês não verão. É algo que está acontecendo agora. Há 350 mil toneladas de aço estocadas em Santa Catarina. As empresas vão ser obrigadas à exportar, o que é um esforço muito grande com uma moeda tão valorizada. Vai ter de baixar o preço no mercado interno para competir com o importado, o que é uma competição desleal, mas só vai ter o efeito disso no ano que vem. Qualquer medida que o governo tomasse agora só serviria para 2011, então o governo está atrasado. A economia vai bem, a demanda está forte, mas as empresas brasileiras estão com dificuldade de aproveitar essa bonança.
É até difícil escolher por onde começar. Tentemos pela ordem. Se há 350 mil toneladas de aço paradas em Santa Catarina, restam-lhe 3 opções:
1) Vender tudo no mercado interno — é só baixar o preço que ele vai encontrar o tanto de compradores que ele quiser. Só que, como ele se acostumou com preços altos para seus produtos — tudo estimulado pela expansão do crédito orquestrada pelo Banco Central —, praticar uma redução é algo inconcebível.
2) Exportar a preços vigentes no mercado internacional, algo que para sua tristeza ele não pode controlar.
3) Estocar para vender quando o preço lhe for mais propício.
Depois dessa lamúria, Steinbruch prossegue dizendo que ter de baixar preços para competir com a concorrência dos importados é "uma competição desleal". Como todo grande empresário cartorialista, ele parece ter se acostumado à crença de que vender a preços constantemente altos é um direito inalienável.
Ato contínuo, ele solta o veredicto: o governo tem de agir e tem de agir rápido! Aliás, já está atrasado! As empresas brasileiras não estão conseguindo aproveitar a atual bonança, pois os malditos chineses estão acabando com a festa, atrevendo-se a vender aqui produtos baratos e voluntariamente desejados pelos consumidores brasileiros. Que alguém trate logo de abolir o mercado e seu sistema de preços insensível às volúpias do grande empresariado.
Valor: Mas como convencer as pessoas de que é preciso fazer algo num período de crescimento forte, redução do desemprego e aumento de salários?
Steinbruch: Só perceberemos depois que as empresas começarem a parar mesmo. Aí veremos que alguma coisa furou no modelo, e furou por um descuido nosso, porque ninguém pensou nisso e muita gente não percebeu ainda. Vamos bater num muro a 200 km por hora. Cerca de 95% dos óculos vendidos no país são importados, sabia? Escovas e pentes têm a mesma situação. Não se fabrica mais aqui. Ou incentivamos mais ainda o mercado interno, com financiamento, isenção de imposto, para ter efeito rápido, ou restringimos ao máximo as importações.
Enquanto o resto do mundo se preocupa com nanotecnologia, biotecnologia, tecnologia da informação e robótica, nosso empresariado ainda está preocupado com a produção de pentes e escovas! De acordo com Steinbruch, se o país parar de produzir pentes, ficaremos pobres!
Consequentemente, para impedir a derrocada da portentosa indústria nacional de pentes e escovas, o governo deve abrir as torneiras, dar financiamento barato para as empresas voltarem a produzir tão demandados e insubstituíveis objetos (só falta encontrar algum índio pra fazer escambo), e, só pra garantir, dar uma fechadinha básica nas importações. É assim que um país enriquece.
Se nos aprofundarmos um pouco mais, veremos que tal raciocínio tacanho seria contra a substituição das máquinas de escrever pelos computadores, das velas pelas lâmpadas incandescentes e das carroças pelos automóveis. Steinbruch, se possível, proibiria a importação de laptops, pois isso seria ruim para as representantes da Olivetti no Brasil.
Valor: O novo governo, seja qual for, vai fazer algo próximo disso?
Steinbruch: Isso certamente vai ter de ser feito a partir de 2011. Porque enquanto o Brasil estiver bem e os outros países estiverem mal, isso vai se perpetuar. A empresa estrangeira não tem para quem vender, então manda para cá. O que desorganiza a cadeia é que quem está importando não são os clientes finais da indústria brasileira, mas o intermediário. Se você conversa com os industriais, eles vão te dizer que estão com produção toda vendida até o fim do ano. Só que os clientes não estão retirando a mercadoria. Porque entrou uma opção alternativa, o importado, que não estava previsto. Nem por quem produz, nem por quem compra.
Maldito mercado! Interpondo-se às expectativas sossegadas dos cartorialistas! Ou em 2011 o governo acaba completamente com as importações ou voltaremos à idade da pedra — só que, dessa vez, com escovas e pentes chineses.
Observe que o raciocínio tortuoso de Steinbruch leva a uma conclusão óbvia: quanto mais produtos estrangeiros forem vendidos aqui dentro, quanto maiores as opções e quanto mais baratas forem, pior para os brasileiros. Ou seja: estamos pobres porque somos ricos. Vamos empobrecer porque enriquecemos. Somos miseráveis pois vivemos na fartura. Um país só pode ser rico quando seu mercado interno é dominado por apenas um tipo de produto vendido ao maior preço possível.
Por que é inconcebível para Steinbruch a hipótese de os produtores nacionais simplesmente reduzirem seus preços? Por que o empresariado não aproveita essa maré favorável às importações e compra bens de capital que lhes permita otimizar seu processo produtivo, aumentando assim a produtividade? Isso possibilitaria uma redução de preços e um concomitante aumento dos lucros. Porém, é mais fácil simplesmente pedir para o governo barrar as importações. O que vale é o bem-estar deles e não o dos consumidores.
Valor: Mas a maior parte do que importamos é maquinário e bem intermediário, que complementa a produção. Essa importação não é benéfica ao país?
Steinbruch: A importação benéfica para o país é difícil de se diferenciar. É aquela que complementa além do limite de produzir. Se há demanda para 105 e produzimos 100, assim os cinco vêm de fora, para equilibrar a inflação. Hoje, com a oferta que temos no mundo, o risco grande que temos não é de inflação, mas de deflação. O Banco Central está errado quando diz que há risco de inflação. O que veremos agora é deflação. Porque a ociosidade do mundo, em termos produtivos, dificulta e muito qualquer processo inflacionário de demanda, que seria nosso caso, então não existe risco de inflação no Brasil. O nível de esforço que os países maduros estão fazendo para conseguir gerar demanda, com bilhões e bilhões de gastos para incentivar a economia é justificável para reanimar a atividade. Aqui fazemos o contrário, estamos castigando o sucesso do ciclo positivo que nós desenvolvemos — mercado interno, emprego, renda familiar —, que é quebrado pela importação, favorecida pela moeda valorizada. Estamos surpresos.
Antes de tudo, observe que Steinbruch não respondeu à pergunta que lhe foi feita. O que ele realmente quer — e disso ele não abre mão — é um maior rigor nas importações, de modo que seja importado rigorosamente apenas aquilo que vai complementar a produção. Ou seja, se a indústria nacional de pentes está produzindo em sua capacidade máxima, mas a demanda por pentes continua insaciável, então nesse caso — e apenas nesse caso —, Steinbruch permite que os chineses vendam seus pentes aqui dentro. Porém, tão logo essa demanda tenha sido saciada, as importações devem voltar a ser restringidas, para que a indústria nacional volte a ser soberana na venda de pentes mais caros.
Quanto à balela sobre risco de deflação, isso apenas mostra como os grandes empresários são contra uma moeda forte — como um padrão-ouro, por exemplo, que é inerentemente deflacionário (no sentido de provocar uma constante redução nos preços). É muito mais fácil viver em uma economia cuja oferta monetária esteja em constante aumento, pois assim os lucros contábeis são mais fáceis e a produção pode ser de menor qualidade.
Valor: Com o quê?
Steinbruch: Uma situação previsível de tranquilidade no segundo semestre mudou para uma surpresa de empresas grandes estarem parando por férias ou reduzindo pessoas por um desequilíbrio entre oferta e demanda por conta do importado. Para um país como o Brasil, que tem matéria-prima, capacidade produtiva, capacidade de ter duas safras agrícolas e petróleo, não vejo onde está o benefício da importação, a não ser que seja para equilibrar preços, para evitar inflação. O Brasil teria que, de alguma forma, se fechar.
Uma situação previsível de tranquilidade foi perturbada pela repentina mudança nas preferências dos consumidores. Empresário que se assusta e se surpreende com o fato de que os consumidores preferem produtos mais baratos me parece estar no ramo errado. Essa é a essência do empreendedorismo: saber antecipar as mudanças no comportamento dos consumidores. Como explicou Israel Kirzner, os empreendedores têm de estar sempre alerta às tendências de mercado. Aqueles que não se adaptarem a isso, certamente perderão fatias de mercado — e os que são poderosos o suficiente, certamente recorrerão ao governo para tentar mudar isso.
Observe, ademais, o totalitarismo nas duas últimas frases de Steinbruch: não há benefício para os brasileiros nas importações. Esta deve ser usada apenas pontualmente com o intuito de controlar o aumento de preços. Fora isso, as importações devem ser proibidas e o país deve se fechar. (Lembra-se que eu falei lá em cima que eu não estava exagerando?)
Valor: Como assim?
Steinbruch: Fazer um pouco o que a China fez. Vocês falaram de máquinas, por exemplo. O certo é que o Brasil pudesse desenvolver, por conta do crescimento contínuo da economia, tecnologia própria, inclusive para máquinas e equipamentos, para avançarmos tecnologicamente. Hoje, importamos equipamento chinês. Por quê? Porque cresceram por 15, 20 anos e tiveram condição de testar equipamento e tecnologia, corrigir, melhorar. Começaram copiando, depois melhorando e hoje eles têm tecnologia própria. O Brasil tem de fazer a mesma coisa.
Esse é um raciocínio delicioso. De acordo com Steinbruch, se o país se fechar, isso milagrosamente fará com que todo o intelecto nacional repentinamente se exacerbe e exiba seu pleno potencial, fazendo com que, do nada, haja um salto tecnológico no país. Para ele, a inteligência, a tecnologia e o capital são coisas que estão ali, adormecidas, apenas esperando uma oportunidade — no caso, um fechamento do mercado — para que possam finalmente despertar e se exibir em sua totalidade.
E ele aparentemente falou isso com um grande ar de seriedade. É como se toda a tecnologia, todo o capital e todo o intelecto prático fossem apenas um adorno que automaticamente entraria em cena tão logo a concorrência estrangeira fosse suprimida; é como se a ausência desses elementos hoje observada não fosse de maneira alguma um obstáculo à conquista do padrão chinês de desenvolvimento. Basta fechar o mercado e as mil flores irão florescer. Haverá, finalmente, o nosso Grande Salto Para a Frente.
Valor: Fechar a economia, então?
Steinbruch: A economia tem que se fechar um pouco para poder propiciar esse salto.
Eu nunca exagero no que falo.
Valor: Mas durante esse processo, não experimentaremos um período de inflação mais alta?
Steinbruch: Você tem que incentivar o bem mais barato fabricado aqui. Nós não temos porque fazer mais caro que lá fora.
Ora, mas o bem mais barato é exatamente o que vem lá de fora! Não era exatamente disso que ele estava reclamando? Como um fechamento do mercado vai permitir que mais bens, melhores e mais baratos sejam produzidos aqui dentro? Para responder isso, ele precisa antes explicar como vai solucionar aquele problema que mencionei duas respostas acima.
Valor: E o caso da Petrobras na exploração do pré-sal que dá prioridade ao fornecedor nacional, mas há máquinas e peças que só existem no exterior?
Steinbruch: E por que não têm máquina aqui? Não é por falta de capacidade nossa, seja tecnológica, gerencial ou financeira, então não é por isso. Temos que nos educar no sentido de colocar desafios maiores para o Brasil. Nós podemos tudo. Temos que dar um trato diferente ao capital que vai para investimento e ao que vai para custeio. O investimento no Brasil é muito caro, temos um custo que não é comparável com o exterior. Essa discussão do BNDES é totalmente secundária e inoportuna.
A Petrobras, que não é boba, concorda comigo e discorda de Steinbruch. Na hora de buscar capital e tecnologia de ponta, ela corre pro exterior. Apenas ficar com esse papo cafona de que não há falta de capacidade tecnológica, gerencial ou financeira no Brasil, e que "temos que nos educar no sentido de colocar desafios maiores para o Brasil. Nós podemos tudo.", não é o suficiente para sanar estes problemas. O problema vem bem mais de longe, e não será solucionado apenas com romantismo.
Valor: Por quê?
Steinbruch: Porque temos que fazer todo o esforço possível e imaginável para favorecer o investimento. Então, o banco de desenvolvimento tem de dar condições para as empresas. Para micro, pequena, média empresa e também para as grandes e gigantes. Temos que ir para fora. Um país que quer liderar tem que ter empresas fortes e isso só ocorre se o governo apostar junto. Foi o que aconteceu em todos os países do mundo. Se for copiar o que aconteceu com Inglaterra, Estados Unidos, é o mesmo modelo. Temos que copiar e depois melhorar. Nós temos que privilegiar o BNDES e outros, como Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. O presidente Lula estava certo quando estimulou o BB e a CEF à fazerem mais, à estarem presentes num momento de crise, à não cortarem o crédito. Foi um momento muito importante.
Esta posição em prol do "crédito fácil que gera crescimento" é muito difícil de ser atacada no atual momento da economia brasileira, em que tudo parece estar indo às mil maravilhas. Da mesma forma, era impossível criticar o Fed durante o período da bonança imobiliária americana, onde tudo aparentemente também era uma maravilha. Alan Greenspan, o então presidente do Fed, era saudado como um gênio monetário, capaz de gerar riqueza por meio da simples impressão de dólares. Deu no que deu. E hoje, o que vou falar no parágrafo seguinte já é amplamente aceito nos EUA (exceto pelos keynesianos); já é amplamente entendido como a causa da expansão artificial e da consequente recessão americana. Aqui no Brasil, como a coisa ainda vai demorar um pouco pra acontecer, tal raciocínio parecerá estranho. Mas economia é assim mesmo: é a arte de entender o que não se vê.
Um aparente "crescimento" econômico trazido por uma expansão do crédito — no caso, os financiamentos subsidiados do BNDES e a redução dos juros feita pelo BACEN —, não chega sequer a ser um crescimento econômico. Tampouco há um genuíno aumento da produção econômica. Inflação e crédito fácil jamais podem aumentar a disponibilidade de bens em uma economia; jamais podem aumentar a produção total. A única coisa que ambos fazem é provocar uma realocação de recursos, favorecendo aqueles que recebem esse dinheiro antes de todo o resto da população, e prejudicando aqueles que recebem esse dinheiro por último.
Durante esse período de realocação dos fatores de produção dentro da economia — período esse que é confundido com crescimento econômico genuíno —, as pessoas erroneamente creem que estão vivendo um período de bonança, quando na verdade estão vivendo um período de desperdício de recursos. Bens de capital estão sendo empregados em projetos que serão insustentáveis no longo prazo.
Esse processo é camuflado pelo fato de que alguns membros da sociedade realmente estão enriquecendo. Porém tal enriquecimento foi trazido apenas e exclusivamente pela criação de dinheiro. E sempre em detrimento daqueles que serão os últimos a receber esse dinheiro recém-criado.
"Ah, mas o PIB cresce!" Não obstante todas as falhas com o cálculo do PIB, é suficiente apenas dizer que, como o PIB mensura os gastos da economia, é óbvio que uma quantidade maior de dinheiro fará com que o valor nominal desses gastos sejam maiores. E mesmo sabendo que o PIB é "corrigido pela inflação de preços", sabemos que o aumento dos preços é sempre menor do que o aumento ocorrido na oferta monetária. Consequentemente, um aumento da oferta monetária de fato causa um aumento do PIB real, mas está-se apenas mensurando gastos, e não produção e poupança, que é o que realmente gera riqueza.
Valor: Como o sr. vê as críticas ao BNDES?
Steinbruch: Não precisamos de um BNDES, mas de três bancos como o BNDES para atender a demanda por investimentos e a formação de empresas globais.
Quanto mais crédito fácil, melhor é para aqueles que recebem esse dinheiro primeiro. Nesse caso, o senhor Steinbruch está sendo bastante coerente. Ele está defendendo aquilo que é bom exclusivamente para ele.
Valor: Além de fortalecer o BNDES, que medidas podem fomentar os investimentos?
Steinbruch: A mais imediata seria diminuir a taxa de juros, para desvalorizar a moeda.
O brasileiro não pode ter uma moeda forte, com um bom poder aquisitivo, que lhe permita comprar mais coisas de fora. Não. O ideal é que o brasileiro tenha uma moeda que ninguém aceita lá fora, valendo menos que capim. A moeda ideal é aquela suficiente para comprar apenas os produtos produzidos pelo senhor Steinbruch e por seu círculo de amigos fiespianos. O resto é desnecessário.
Valor: Mas já passamos por processo de redução de juros e mesmo assim a moeda continuou se valorizando...
Steinbruch: Se derreteu a moeda cortando juros, imagina elevando, como fazemos agora. Nossa taxa precisa ser um ou dois pontos percentuais acima da inflação.
As noções econômicas de Steinbruch são completamente invertidas. Para ele, uma moeda "derretida" é aquela moeda forte, com poder de compra no mercado internacional. Já uma moeda literalmente derretida, sem poder de compra algum lá fora, é para ele uma moeda robusta, geradora de prosperidade. Aparentemente, enquanto o dólar não estiver na casa dos 15 reais, Steinbruch não vai sossegar.
Valor: Então não passa só pelos juros, certo?
Steinbruch: Não, podemos também controlar importação. Tanto do ponto de vista quantitativo quanto qualitativo. Há muitos bens, como lâmpadas, que chegam custando um centavo de dólar. Precisamos ter gente treinada, investimento em pessoal para que possam controlar e desenvolver sistemas. Os países maduros têm isso, porque eles também foram alvos. Os Estados Unidos têm uma bíblia para você poder entrar lá e um pessoal profissional para controlar o que entra. Agora, o alvo somos nós e nós não temos essa experiência, então vem tudo para cá.
O modelo de prosperidade de Steinbruch deve ser a Coréia do Norte. Lá não há lâmpadas sendo vendidas a um centavo de dólar. Lá as importações são bem controladas. Lá há investimentos e gente treinada para controlar e desenvolver sistemas (nucleares). Lá certamente há "uma bíblia para você poder entrar lá e um pessoal profissional para controlar o que entra".
Enquanto isso, nós, coitados, somos bombardeados por uma oferta de produtos chineses baratos, algo que não pode acontecer. No Brasil de Steinbruch, haveria um exército de funcionários seus em todos os portos e aeroportos, inspecionando direitinho o que entra e ditando a nós, brasileiros, o que podemos consumir ou não.
Valor: A Usiminas entrou com um pedido de antidumping contra a importação de chapa grossa de aço. Acha que a abertura de processos antidumping pode ser uma saída?
Steinbruch: Tem que fazer. A gente vai deixar de ser um país produtor industrial para ser um importador? É um castigo que não podemos pagar.
Castigo é poder comprar produtos baratos de fora. Benção é ser obrigado a comprar apenas os produtos feitos por Steinbruch e sua claque.
Valor: Então devem partir das empresas as medidas de controle?
Steinbruch: Tem que ser algo coordenado com o governo.
Esse coordenação entre governo e empresariado foi um arranjo de muito sucesso na Itália e na Alemanha da década de 1930.
Valor: Mas o governo atual ou o futuro vai fazer isso?
Steinbruch: Tem que fazer. O Brasil vai ter que adotar uma política dura porque hoje em dia é muito mais importante para nós a produção e o emprego [indústria] que a fazenda [campo]. O problema para nós é muito mais dar garantia à produção e ao emprego que a questão econômica e financeira, que já está equacionada. A prioridade agora é o Ministério do Desenvolvimento, tanto com incentivo para exportar quanto para evitar importação desordenada. Cada porto tem que ter um controle e isso precisa ser integrado.
Aqui Steinbruch é explícito. Ele defende uma burocracia responsável por fazer planejamento econômico, em que a decisão sobre o que será produzido, em qual quantidade e para quem será vendido fica a cargo de burocratas, e não dos consumidores. Nada de "importação desordenada". Cada porto deverá ter um agente contratado por Steinbruch, inspecionado absolutamente tudo o que entra no país, e dando seu selo de aprovação. (E aposto que você achou que eu estava exagerando nas minhas três respostas acima).
Valor: O que mais preocupa o empresariado?
Steinbruch: Preocupa tudo. Está faltando mão de obra, estamos colocando escola dentro do canteiro de obra, fazendo o que podemos para formar gente, algo que é um limitador do crescimento brasileiro.
Agora Steinbruch passou a concordar comigo e, consequentemente, a se contradizer. Como um país com esse nível de educação vai repentinamente se modernizar via fechamento dos portos? Apenas essa frase já está em contradição com metade das suas ideias acima expostas.
Valor: O que acaba por aumentar os salários. Isso é um empecilho?
Steinbruch: Aumentar salário para o consumo de produção nacional é razoável. Duro é aumentar salário para o cara consumir bem importado, isso é uma distorção. Estamos em condições de avançar e agregar outros 50 milhões de consumidores na economia. É um país fantástico, mas ainda temos muito o que fazer. Enquanto lá fora estão fazendo de tudo, o possível e o impossível para ressuscitar a economia, aqui não precisamos disso.
Aumento salarial bom mesmo é só aquele que é gasto integralmente na compra de produtos com o selo Steinbruch. Se o aumento salarial for gasto no consumo da produção nacional, isso será apenas "razoável". Mas duro mesmo é o sujeito se atrever a gastar seu salário comprando o que ele quer, principalmente coisas importadas. Aí já é demais. "Isso é uma distorção".
São pensamentos totalitários como esses do senhor Steinbruch que fazem com que o capitalismo tenha uma má fama, sendo visto como um sistema manipulado, no qual empresários e governo fazem conluio para benefício mútuo em detrimento de toda a população, principalmente a de menor renda, que se torna obrigada a comprar produtos nacionais mais caros.
Como bem disse Benito Mussolini,
"O fascismo deveria ser mais apropriadamente chamado de corporativismo, pois trata-se de uma fusão entre o poder do estado e o poder das grandes empresas".
Apenas o livre mercado pode colocar essa gente no seu devido lugar.
[Fim da transcrição]
==============
Retomo:
Bem, depois desse exercício de refutação bem conduzido pelo Leandro Roque, retomo minha linguagem mais dura, já empregada num post anterior, e acho que agora os leitores concordarão comigo. O "empresário" em questão não é apenas um idiota, o que ele é, obviamente. Se trata também de alguém de má-fé, já que apresenta seu interesse pessoal como sendo o interesse nacional.
Creio que os leitores concordarão comigo.
Era o que se queria demonstrar.
Paulo Roberto de Almeida
A construcao subrepticia do fascismo (é bom que se avise antes...)
Alguns podem achar o conceito muito forte: fascismo.
Esses podiam até estar pensando que certos companhheiros no poder estavam mais interessados é na construção do "socialismo".
Ora, isto não existe e não tem a menor chance de acontecer: desde que o socialismo fez chabu, deu dois suspiros e depois morreu, por absoluta incapacidade estrutural a funcionar devidamente, deixando atrás de si apenas morte, destruição, terra arrasada, pessoas famélicas ou mortos aos milhões, não há mais condições de se pensar em construir, ou reconstruir o monstro disfuncional. Esse Frankstein já morreu, e disso os companheiros estão bem conscientes (inclusive porque eles estão muito melhores no capitalismo, tomando o seu uisque pago pela burguesia, e pela classe média, vivendo à larga com o dinheiro público, e nem querem ouvir essa loucura completa, de "construir o socialismo). Apenas meia dúzia de malucos de partidecos ridículos ainda fala de socialismo e luta de classes. Os companheiros que contam já se aboletaram no capitalismo, em sua versão corporativa.
Isso tem um nome, e se chama fascismo, ponto.
Se eles forem inteligentes, vão evitar as bobagens que um coronelão aloprado, megalomaníaco e narcisista, comete bem ali ao lado, levando seu país ao desastre completo, até a derrocada final. Mas é que o caudilho encarnou demais na figura mussoliniana, e esse circo só pode dar errado.
Os companheiros são mais inteligentes: eles vão construir um fascismo institucional, aos poucos, comendo pelas beiradas, como dizia um outro caudilho dos pampas.
Enfim, já escrevi o que penso. Fiquem com dois textos de conjuntura.
Paulo Roberto de Almeida
Continuísmo
Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
27 de agosto de 2010
O presidente Luiz Inácio da Silva não se aguenta: morre pela boca, mas nunca deixa passar uma excelente oportunidade de ficar calado.
Na quarta-feira teve duas chances e aproveitou as duas. Na primeira, contou em público uma versão mentirosa de um episódio ocorrido há oito anos, em que posou de vítima de preconceito por parte do diretor editorial do jornal Folha de S. Paulo. Isso apesar de as testemunhas estarem bem vivas para contestar.
Na segunda vez, discursava aos militares sobre a nova lei que reforça a estrutura do Ministério Defesa quando do coração lhe brotaram as palavras de lamento - sempre "em tom de brincadeira" - por não ter enviado uma "emendinha" propondo ao Congresso "mais alguns anos de mandato".
Note-se que não se referiu a disputa, mas a extensão.
O presidente Lula não se segura. De vez em quando externa o que lhe vai às profundas da alma, coisas que jamais esquece: a derrota da CPMF e a impossibilidade de ter aprovada a chance de alcançar um terceiro mandato sem traumas institucionais.
O problema com o imposto do cheque não é o dinheiro. Isso não faz falta ao governo. Lula não se conforma é com a derrota política que o fez perceber a impossibilidade de aprovar a emenda do terceiro mandato no Senado.
Assuntos sobre os quais nunca cogitamos não vêm à tona assim sem mais nem menos. Muito menos um tema como esse.
Ultimamente o presidente vem fazendo referências cruzadas a respeito. Lamenta o fim do segundo mandato, diz o quanto ficará saudoso do poder, insinua influência permanente no governo da "presidenta" que já considera eleita e ordena à tropa que empenhe todo esforço na eleição de uma bancada gigante de senadores.
De preferência derrotando todos aqueles que lhe fizeram oposição mais aguerrida. Não quer só maioria, quer vingança.
E para quê, se chega ao fim o seu tempo?
Aí é que está. Se realmente conseguir eleger Dilma a Lula parecerá que pode conseguir qualquer coisa. Maioria no Senado, voltar à Presidência em 2014, exercê-la de fato até lá com o beneplácito da "presidenta" de direito.
Por que tanta vontade de ter maioria no Senado, qual o projeto que indica essa necessidade?
No caso de Dilma não se aplica o preceito de que a criatura dá adeus ao criador tão logo assuma o poder. Ocorre quando o criador não tem o controle real das coisas, a começar pelo partido e pela figura que atua no imaginário popular.
Se ousar contra ele, a criatura sabe que a tempestade não lhe será leve.
Muito além. Não é (só) a liberdade dos humoristas que está sendo violada com as proibições impostas pela Lei Eleitoral. São as garantias de toda a sociedade, além da Constituição como fiadora da liberdade de expressão.
De onde é louvável a iniciativa da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão de entrar com ação direta de inconstitucionalidade contra o veto ao exercício da crítica política nos 90 dias que antecedem as eleições.
Lamentável é terem se passado 13 anos de (quase) total insensibilidade com a violência da lei, a despeito dos isolados reclamos.
Meta comum. Os caminhos são diferentes, mas o objetivo dos governos da Venezuela, da Argentina e do Brasil é o mesmo: tutelar a sociedade e assegurar trânsito livre de críticas aos respectivos projetos de poder, por intermédio do controle da informação.
O governo Lula ensaia, recua e insiste em manietar a imprensa por meio de instâncias colegiadas e sugestões corporativas. Os Kirchner alteram as leis para prejudicar os grandes grupos de comunicação.
Chávez é explícito. Hoje prende e arrebenta, mas nem sempre foi assim, embora caminhe nesse sentido desde o início. Os fascinados por "governos do povo" - os bem-intencionados, não os vendidos - é que não percebem o andar da carruagem do autoritarismo.
Só se dão conta e protestam quando suas vozes já não podem mais ser ouvidas.
=============
Pela causa
MERVAL PEREIRA
O GLOBO, 28/08/10
O secretário da Receita Federal, Otacílio Cartaxo, tem razões para se sentir “constrangido e traumatizado”, mas não tem sentido dizer que foi pego “de surpresa”. Ou melhor, só tem sentido se junto admitir que a repartição que chefia está completamente descontrolada, e pedir demissão. Colocado no cargo por um movimento corporativo para substituir a secretária Lina Vieira, aquela que disse que a então ministra Dilma Rousseff pediu para que aliviasse uma investigação sobre a família Sarney, Cartaxo tenta retirar qualquer cunho político do acontecido, mesmo que para isso se desmoralize, levando junto o órgão que comanda.
O aparelhamento do Estado faz a segunda vítima nos últimos dias, portanto, sendo a primeira a Empresa de Correios e Telégrafos que, entregue ao comando inepto de indicados pelo PMDB, está em franca decadência.
Na verdade, se pegarmos a relação de pessoas que tiveram o sigilo fiscal quebrado na agência da Receita Federal em Mauá, São Paulo, é um grande escândalo.
São mais de cem contribuintes, da apresentadora da TV Globo Ana Maria Braga aos sócios das Casas Bahia, passando pelo vice-presidente do PSDB Eduardo Jorge Caldas e mais três pessoas ligadas ao candidato do PSDB à Presidência, José Serra.
Isso mostra que havia um mercado de venda de sigilo fiscal. Mas não mostra, como quer apressadamente garantir Cartaxo e o corregedor da Receita, que não há interesse político por trás da quebra do sigilo dos contribuintes ligados ao PSDB.
Os interesses comerciais que predominaram na quebra do sigilo da maior parte das pessoas relacionadas como vítimas da ação de funcionários da agência da Receita Federal não retiram a gravidade da ação claramente política que aconteceu na mesma agência.
Tanto que os dados fiscais de Eduardo Jorge foram parar em documentos a que a “Folha de S. Paulo” teve acesso a partir de vazamento de informações do próprio comitê eleitoral da candidata oficial, Dilma Rousseff.
É muito forçada essa indignação toda da direção do PT, quando se sabe que anteriormente um caso que poderia ter tido consequências ainda mais graves foi desarmado também por denúncias da imprensa, desta vez da revista “Veja”.
O núcleo de comando do comitê da campanha de Dilma Rousseff, através do jornalista Luiz Lanzetta, entrou em contato com notório araponga para contratá-lo para missões de espionagem.
O escopo da missão abrangia não apenas pessoas ligadas ao candidato oposicionista, como o próprio José Serra, que teria seus telefones pessoais grampeados.
Para aproveitar o pacote, o araponga colocaria escutas também no próprio comitê, devido a uma disputa de poder interna entre o grupo que o contratava, ligado ao hoje candidato a senador em Minas Fernando Pimentel, e o grupo de assessores paulistas.
O fato de a agência da Receita Federal em Mauá ter se transformado num balcão de vendas de informações sigilosas não reduz a gravidade do caso nem despolitiza a questão, se essa foi a intenção dos dirigentes da Receita ao anunciarem seu “constrangimento” diante da descoberta.
O que pode haver de comum nos casos é que as informações podem ter sido conseguidas através de pagamento de propina.
Digo “podem” porque existe também a possibilidade de que as informações sobre as pessoas ligadas ao PSDB tenham sido conseguidas na base do “amor à causa”.
É natural que a corrupção se misture às atividades políticas ilegais, pois transpostas as barreiras da legalidade muitos veem nessas ações clandestinas também uma maneira de fazer um dinheirinho extra.
Logo após as denúncias contra o assessor do gabinete civil Waldomiro Diniz, flagrado apanhando propina do bicheiro Carlos Cachoeira para si e supostamente para campanhas políticas, fato revelado no início do primeiro governo Lula, o então presidente do PT, José Genoino, cunhou a seguinte frase: ‘O erro pela causa o presidente aceita. O erro em causa própria, não’.
Este é um exemplo clássico de critério ético elástico, que gera um movimento descontrolado.
Tudo pode ter começado ‘pela causa’, o que não justifica nada, e terminado em ‘causa própria’.
Outro caso exemplar desse descontrole é o do então secretário-geral do PT, Silvio Pereira, responsável pela indicação de ocupantes dos principais cargos da República no início do governo.
Envolvido no escândalo do mensalão, o Tribunal de Contas da União apontou indícios de superfaturamento nos contratos da GDK com a estatal Petrobrás, onde Silvinho mandava e desmandava.
Descobriu-se no decorrer das investigações que a empresa dera um jipe Land Rover de presente ao ex-secretáriogeral do PT.
O mais grave de tudo é que mais uma vez investigações sobre desvios de condutas na órbita das instituições do Estado que foram aparelhadas pelo PT e partidos aliados parece que não darão em nada.
O caso dos “aloprados” da eleição de 2006, apanhados em flagrante pela Polícia Federal quando negociavam em um hotel em São Paulo a compra de um dossiê contra o então candidato ao governo do estado, José Serra, ainda hoje está insolúvel.
Aquela montanha de dinheiro, cuja fotografia vazou dos bastidores da Polícia Federal para contrariedade de seus comandantes e da cúpula do PT, ainda está até hoje sem uma explicação razoável de sua proveniência.
Não se sabe de ninguém que tenha sido preso pelo crime cometido.
O crime agora descoberto na Receita Federal tem a mesma destinação: produzir dossiês contra adversários políticos, uma baixaria a mais numa campanha eleitoral que vem sendo marcada pela ilegalidade, a começar pelo próprio presidente da República, multado várias vezes pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Esses podiam até estar pensando que certos companhheiros no poder estavam mais interessados é na construção do "socialismo".
Ora, isto não existe e não tem a menor chance de acontecer: desde que o socialismo fez chabu, deu dois suspiros e depois morreu, por absoluta incapacidade estrutural a funcionar devidamente, deixando atrás de si apenas morte, destruição, terra arrasada, pessoas famélicas ou mortos aos milhões, não há mais condições de se pensar em construir, ou reconstruir o monstro disfuncional. Esse Frankstein já morreu, e disso os companheiros estão bem conscientes (inclusive porque eles estão muito melhores no capitalismo, tomando o seu uisque pago pela burguesia, e pela classe média, vivendo à larga com o dinheiro público, e nem querem ouvir essa loucura completa, de "construir o socialismo). Apenas meia dúzia de malucos de partidecos ridículos ainda fala de socialismo e luta de classes. Os companheiros que contam já se aboletaram no capitalismo, em sua versão corporativa.
Isso tem um nome, e se chama fascismo, ponto.
Se eles forem inteligentes, vão evitar as bobagens que um coronelão aloprado, megalomaníaco e narcisista, comete bem ali ao lado, levando seu país ao desastre completo, até a derrocada final. Mas é que o caudilho encarnou demais na figura mussoliniana, e esse circo só pode dar errado.
Os companheiros são mais inteligentes: eles vão construir um fascismo institucional, aos poucos, comendo pelas beiradas, como dizia um outro caudilho dos pampas.
Enfim, já escrevi o que penso. Fiquem com dois textos de conjuntura.
Paulo Roberto de Almeida
Continuísmo
Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
27 de agosto de 2010
O presidente Luiz Inácio da Silva não se aguenta: morre pela boca, mas nunca deixa passar uma excelente oportunidade de ficar calado.
Na quarta-feira teve duas chances e aproveitou as duas. Na primeira, contou em público uma versão mentirosa de um episódio ocorrido há oito anos, em que posou de vítima de preconceito por parte do diretor editorial do jornal Folha de S. Paulo. Isso apesar de as testemunhas estarem bem vivas para contestar.
Na segunda vez, discursava aos militares sobre a nova lei que reforça a estrutura do Ministério Defesa quando do coração lhe brotaram as palavras de lamento - sempre "em tom de brincadeira" - por não ter enviado uma "emendinha" propondo ao Congresso "mais alguns anos de mandato".
Note-se que não se referiu a disputa, mas a extensão.
O presidente Lula não se segura. De vez em quando externa o que lhe vai às profundas da alma, coisas que jamais esquece: a derrota da CPMF e a impossibilidade de ter aprovada a chance de alcançar um terceiro mandato sem traumas institucionais.
O problema com o imposto do cheque não é o dinheiro. Isso não faz falta ao governo. Lula não se conforma é com a derrota política que o fez perceber a impossibilidade de aprovar a emenda do terceiro mandato no Senado.
Assuntos sobre os quais nunca cogitamos não vêm à tona assim sem mais nem menos. Muito menos um tema como esse.
Ultimamente o presidente vem fazendo referências cruzadas a respeito. Lamenta o fim do segundo mandato, diz o quanto ficará saudoso do poder, insinua influência permanente no governo da "presidenta" que já considera eleita e ordena à tropa que empenhe todo esforço na eleição de uma bancada gigante de senadores.
De preferência derrotando todos aqueles que lhe fizeram oposição mais aguerrida. Não quer só maioria, quer vingança.
E para quê, se chega ao fim o seu tempo?
Aí é que está. Se realmente conseguir eleger Dilma a Lula parecerá que pode conseguir qualquer coisa. Maioria no Senado, voltar à Presidência em 2014, exercê-la de fato até lá com o beneplácito da "presidenta" de direito.
Por que tanta vontade de ter maioria no Senado, qual o projeto que indica essa necessidade?
No caso de Dilma não se aplica o preceito de que a criatura dá adeus ao criador tão logo assuma o poder. Ocorre quando o criador não tem o controle real das coisas, a começar pelo partido e pela figura que atua no imaginário popular.
Se ousar contra ele, a criatura sabe que a tempestade não lhe será leve.
Muito além. Não é (só) a liberdade dos humoristas que está sendo violada com as proibições impostas pela Lei Eleitoral. São as garantias de toda a sociedade, além da Constituição como fiadora da liberdade de expressão.
De onde é louvável a iniciativa da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão de entrar com ação direta de inconstitucionalidade contra o veto ao exercício da crítica política nos 90 dias que antecedem as eleições.
Lamentável é terem se passado 13 anos de (quase) total insensibilidade com a violência da lei, a despeito dos isolados reclamos.
Meta comum. Os caminhos são diferentes, mas o objetivo dos governos da Venezuela, da Argentina e do Brasil é o mesmo: tutelar a sociedade e assegurar trânsito livre de críticas aos respectivos projetos de poder, por intermédio do controle da informação.
O governo Lula ensaia, recua e insiste em manietar a imprensa por meio de instâncias colegiadas e sugestões corporativas. Os Kirchner alteram as leis para prejudicar os grandes grupos de comunicação.
Chávez é explícito. Hoje prende e arrebenta, mas nem sempre foi assim, embora caminhe nesse sentido desde o início. Os fascinados por "governos do povo" - os bem-intencionados, não os vendidos - é que não percebem o andar da carruagem do autoritarismo.
Só se dão conta e protestam quando suas vozes já não podem mais ser ouvidas.
=============
Pela causa
MERVAL PEREIRA
O GLOBO, 28/08/10
O secretário da Receita Federal, Otacílio Cartaxo, tem razões para se sentir “constrangido e traumatizado”, mas não tem sentido dizer que foi pego “de surpresa”. Ou melhor, só tem sentido se junto admitir que a repartição que chefia está completamente descontrolada, e pedir demissão. Colocado no cargo por um movimento corporativo para substituir a secretária Lina Vieira, aquela que disse que a então ministra Dilma Rousseff pediu para que aliviasse uma investigação sobre a família Sarney, Cartaxo tenta retirar qualquer cunho político do acontecido, mesmo que para isso se desmoralize, levando junto o órgão que comanda.
O aparelhamento do Estado faz a segunda vítima nos últimos dias, portanto, sendo a primeira a Empresa de Correios e Telégrafos que, entregue ao comando inepto de indicados pelo PMDB, está em franca decadência.
Na verdade, se pegarmos a relação de pessoas que tiveram o sigilo fiscal quebrado na agência da Receita Federal em Mauá, São Paulo, é um grande escândalo.
São mais de cem contribuintes, da apresentadora da TV Globo Ana Maria Braga aos sócios das Casas Bahia, passando pelo vice-presidente do PSDB Eduardo Jorge Caldas e mais três pessoas ligadas ao candidato do PSDB à Presidência, José Serra.
Isso mostra que havia um mercado de venda de sigilo fiscal. Mas não mostra, como quer apressadamente garantir Cartaxo e o corregedor da Receita, que não há interesse político por trás da quebra do sigilo dos contribuintes ligados ao PSDB.
Os interesses comerciais que predominaram na quebra do sigilo da maior parte das pessoas relacionadas como vítimas da ação de funcionários da agência da Receita Federal não retiram a gravidade da ação claramente política que aconteceu na mesma agência.
Tanto que os dados fiscais de Eduardo Jorge foram parar em documentos a que a “Folha de S. Paulo” teve acesso a partir de vazamento de informações do próprio comitê eleitoral da candidata oficial, Dilma Rousseff.
É muito forçada essa indignação toda da direção do PT, quando se sabe que anteriormente um caso que poderia ter tido consequências ainda mais graves foi desarmado também por denúncias da imprensa, desta vez da revista “Veja”.
O núcleo de comando do comitê da campanha de Dilma Rousseff, através do jornalista Luiz Lanzetta, entrou em contato com notório araponga para contratá-lo para missões de espionagem.
O escopo da missão abrangia não apenas pessoas ligadas ao candidato oposicionista, como o próprio José Serra, que teria seus telefones pessoais grampeados.
Para aproveitar o pacote, o araponga colocaria escutas também no próprio comitê, devido a uma disputa de poder interna entre o grupo que o contratava, ligado ao hoje candidato a senador em Minas Fernando Pimentel, e o grupo de assessores paulistas.
O fato de a agência da Receita Federal em Mauá ter se transformado num balcão de vendas de informações sigilosas não reduz a gravidade do caso nem despolitiza a questão, se essa foi a intenção dos dirigentes da Receita ao anunciarem seu “constrangimento” diante da descoberta.
O que pode haver de comum nos casos é que as informações podem ter sido conseguidas através de pagamento de propina.
Digo “podem” porque existe também a possibilidade de que as informações sobre as pessoas ligadas ao PSDB tenham sido conseguidas na base do “amor à causa”.
É natural que a corrupção se misture às atividades políticas ilegais, pois transpostas as barreiras da legalidade muitos veem nessas ações clandestinas também uma maneira de fazer um dinheirinho extra.
Logo após as denúncias contra o assessor do gabinete civil Waldomiro Diniz, flagrado apanhando propina do bicheiro Carlos Cachoeira para si e supostamente para campanhas políticas, fato revelado no início do primeiro governo Lula, o então presidente do PT, José Genoino, cunhou a seguinte frase: ‘O erro pela causa o presidente aceita. O erro em causa própria, não’.
Este é um exemplo clássico de critério ético elástico, que gera um movimento descontrolado.
Tudo pode ter começado ‘pela causa’, o que não justifica nada, e terminado em ‘causa própria’.
Outro caso exemplar desse descontrole é o do então secretário-geral do PT, Silvio Pereira, responsável pela indicação de ocupantes dos principais cargos da República no início do governo.
Envolvido no escândalo do mensalão, o Tribunal de Contas da União apontou indícios de superfaturamento nos contratos da GDK com a estatal Petrobrás, onde Silvinho mandava e desmandava.
Descobriu-se no decorrer das investigações que a empresa dera um jipe Land Rover de presente ao ex-secretáriogeral do PT.
O mais grave de tudo é que mais uma vez investigações sobre desvios de condutas na órbita das instituições do Estado que foram aparelhadas pelo PT e partidos aliados parece que não darão em nada.
O caso dos “aloprados” da eleição de 2006, apanhados em flagrante pela Polícia Federal quando negociavam em um hotel em São Paulo a compra de um dossiê contra o então candidato ao governo do estado, José Serra, ainda hoje está insolúvel.
Aquela montanha de dinheiro, cuja fotografia vazou dos bastidores da Polícia Federal para contrariedade de seus comandantes e da cúpula do PT, ainda está até hoje sem uma explicação razoável de sua proveniência.
Não se sabe de ninguém que tenha sido preso pelo crime cometido.
O crime agora descoberto na Receita Federal tem a mesma destinação: produzir dossiês contra adversários políticos, uma baixaria a mais numa campanha eleitoral que vem sendo marcada pela ilegalidade, a começar pelo próprio presidente da República, multado várias vezes pelo Tribunal Superior Eleitoral.