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quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Juca Paranhos, Barao do Rio Branco - Emb. Luis Claudio Villafane - 23/11, 10hs

IPRI: palestra-debate “Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco”


O Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI) tem o prazer de convidar para mais um evento da série “Diálogos Internacionais do IPRI” com a palestra-debate “Juca Paranhos, o barão do Rio Branco”, em torno da obra recentemente publicada do embaixador Luís Claudio Villafañe G. Santos. 
O evento será realizado em 23 de novembro, às 10h, no Auditório Paulo Nogueira Batista, Anexo II do Ministério das Relações Exteriores.

domingo, 30 de setembro de 2018

Juca Paranhos, biografia do Barao do Rio Branco, de L.C. Villafanne G. Santos, por Mariana Alvim (BBC)

Caça a mapas antigos e espionagem: as aventuras do Barão de Rio Branco pelas fronteiras do Brasil

"Estão aí os traços característicos do segundo Rio Branco: genuíno patriotismo, culto amoroso ao pai, organização conservadora (...) São impulsos de um mesmo motor, o amor ao país."
As palavras do diplomata Joaquim Nabuco descrevem o Barão do Rio Branco, ou José Maria da Silva Paranhos Júnior (1845-1912) - filho do Visconde do Rio Branco, primeiro-ministro do Brasil e deputado conservador. Os elogios são o testemunho do momento em que o barão saía do desconhecimento para a exaltação após vencer uma disputa territorial contra a Argentina, em 1895 - cumprindo tardiamente um projeto de ascensão social traçado desde o nascimento pelo pai.
A imagem de um diplomata que só abre mão da timidez para colocar a erudição à serviço da pátria é pintada aí, perdurando até hoje na personificação do barão, uma das figuras históricas mais reverenciadas do país.

Mas um novo livro que acaba de chegar às livrarias mostra que essa é uma entre as várias versões possíveis do Barão do Rio Branco. Há também o Paranhos Júnior boêmio, decepcionado com seus rumos profissionais ou ainda às voltas com o sustento financeiro da família.
"Havia uma expectativa imensa em cima dele. Ele nasceu durante o Antigo Regime: naquele momento, a ideia de sucesso era fazer com que as famílias transcendessem. O pai, o visconde, é um filho ilegítimo que consegue uma ascensão social muito grande mas que só poderia ser completa ao transformar os Paranhos em uma das grandes famílias do império. Ele não conseguiria fazer isso sozinho, precisava dos filhos. E era (o barão do) Rio Branco quem seria o próximo patriarca da família", explica Luís Cláudio Villafañe, autor da biografia Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco, da Companhia das Letras.
A história de Juca Paranhos se entrelaça com marcos de importantes mudanças no Brasil - da transição da monarquia para a República ao fim da escravidão. Mas é só depois dos 50 anos de idade, em sua atuação em disputas por fronteiras contra a Argentina, França e Bolívia, que o barão do Rio Branco consegue imprimir sua digital na história do país.

Deputado pelo Mato Grosso sem nunca ter pisado lá

A biografia escrita por Villafañe detalha como, desde pequeno, cada passo de Juca Paranhos foi planejado com esmero pelo visconde. Esta trajetória incluiu a formação em Direito e o patrocínio do pai à carreira parlamentar, em que o barão assumiu uma cadeira na Câmara dos Deputados pelo Mato Grosso sem sequer pisar naquela província - algo que só seria feito na véspera de um segundo mandato. O voto censitário se reduzia a algumas dezenas de pessoas: homens e com rendimentos acima de uma determinada faixa.
Membro do Partido Conservador, Juca carregaria consigo este posicionamento ideológico ao longo da vida. Era monarquista convicto também, tendo que se conformar e readaptar à chegada da República em 1889.
"Os Paranhos chegam no final da festa do Antigo Regime, e esta festa está acabando. Tudo o que eles não querem é que isso aconteça: eles partilham dos valores daquele regime e querem validá-los", explica Villafañe, que pesquisa a biografia do barão desde 2012. "O Barão do Rio Branco é uma grande janela deste mundo que está caindo e aquele que está surgindo."
'O Barão do Rio Branco é uma grande janela deste mundo que está caindo e aquele que está surgindo', aponta Luís Cláudio Villafañe
Nessa transição, o fim da escravidão expõe também a postura conservadora e aversa às rupturas de Juca. A promulgação da Lei do Ventre Livre levava a assinatura do pai, o visconde - correspondendo a uma vertente do Partido Conservador que via riscos de violência e imprevisibilidade na insistência à manutenção do trabalho escravo.
O filho teve atuação discreta neste processo e, posteriormente, defendeu uma transição gradual ao fim da escravidão - para ele, idealmente extinta somente com a morte do último cativo nascido antes da Lei do Ventre Livre. Nisso também foi vencido, já que a Lei Áurea é assinada em 1888.

Casamento tardio e a contragosto

Sem sorte no jogo da política, as coisas também não eram pacíficas no amor.
Se nos grandes planos do visconde para o filho estava a ascensão social, o casamento era um ponto crucial nesta trajetória. A realidade mostrou, porém, um cenário muito diferente da expectativa.
Juca Paranhos frequentava aquela que era uma das casas de espetáculos mais polêmicas do Rio de Janeiro, o Alcazar Lyrique du Père Arnaud, fundado na década de 1860 na atual rua Uruguaiana e uma afronta ao moralismo da época. Ali, Juca conheceu a jovem belga Marie Philomène Stevens, que foi tentar a vida no Rio se apresentando no palco do cabaré. Começou ali um relacionamento que nunca seria aprovado pelo visconde e se estendeu por mais de duas décadas, até a morte dela.
Eles tiveram cinco filhos, mas a belga nunca foi celebrada com uma parceira à altura por Juca. Por muitos anos, o barão era "oficialmente" solteiro e mantinha a família em outra casa. O casamento só veio 17 anos depois de relacionamento. No fim da vida, uma carta de Marie reproduzida na biografia escrita por Villafañe expõe as dores de um relacionamento conturbado - pelo qual, em outro documento, diz ter "pago muito caro por sua coroa de baronesa". 
"Eu já sofri tanto por ti que me é impossível responder com calma, já que tu só sabes me dizer coisas desagradáveis como quando me disse que todos seus filhos são desequilibrados porque eu sou a mãe deles e, além disso, não se discute com uma mulher que se crê louca", diz a carta.
A biografia mostra também que a vida privada e a fama de farrista pesou no círculo social e político no entorno de Juca - sendo quase um consenso que emperrou, por exemplo, sua nomeação como cônsul-geral do Brasil em Liverpool, posição que acabou por ocupar por quase duas décadas.

Visconde: morte com desgosto

É esta página da vida do filho a última que o Visconde do Rio Branco pôde ver. Há sinais de que ele morreu frustrado em suas expectativas de ascensão familiar, vendo o filho como um obscuro cônsul e longe de um "bom casamento".
"Tem até uma coisa até freudiana. O barão só vai brilhar depois que o pai morre", aponta Villafañe, atualmente diplomata do Brasil na Nicarágua.
Buscando uma recolocação na República e o contorno de dificuldades financeiras, o barão acaba conquistando de forma improvável a chefia da defesa do Brasil em uma arbitragem contra a Argentina, mediada pelos Estados Unidos, na disputa conhecida como a Questão de Palmas.
A Argentina reivindicava os territórios que hoje compõem parte do oeste do Paraná e Santa Catarina, argumentando que tratados do século 18 apontavam para uma divisão entre Portugal e Espanha definida pelos rios Jangada e Chapecó, e não pelo Pepiri-Guaçu e Santo Antônio - como seria favorável ao Brasil.
Com a assistência de auxiliares, o barão recuperou documentos e mapas em locais como o Arquivo Geral de Simancas, na Espanha, e o Depósito Geográfico do Ministério dos Negócios Estrangeiros da França. Com cálculos matemáticos e interpretações historiográficas - como a de que a cartografia portuguesa era mais avançada que a espanhola no século 18 -, Juca conseguiu reunir evidências para a versão brasileira. 

Depois de se debruçar sobre montanhas de papéis em meio a noites mal dormidas, o barão tratou de conquistar também, nos Estados Unidos, autoridades e a opinião pública. Para isso, contratou um consultor jurídico nos EUA, John Bassett Moore, que abriria espaço para o acesso a membros da arbitragem americana.
"O lobby, como se comprova, é uma atividade com larga tradição nos Estados Unidos", diz a biografia de Villafañe.
Com o "trabalho inegavelmente brilhante", como classifica o autor, Paranhos Júnior foi vitorioso na disputa e finalmente consagrado por seu talento como geógrafo e historiador. Para um Brasil que se via às voltas com a violenta Revolução Federalista, a vitória contra a Argentina veio como uma redenção para o país e o presidente Floriano Peixoto. Juca foi recebido como herói nacional em meio ao carnaval de 1895, em que foi homenageado pelo Clube dos Fenianos, uma das grandes sociedades carnavalescas do Rio.
"Obviamente, ele era um grande erudito, mas ninguém sabia. Ele foi atrás (dessa conquista). E não é ilegítimo: ele foi se reconstruir como personagem. Isso é contrário às biografias em que ele aparece como um sujeito que nasceu pronto", aponta o escritor de Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco.

Frente a frente com o maior geógrafo do mundo

A fama com a Questão de Palmas o impulsionaria como principal representante brasileiro em outro imbróglio: a Questão do Amapá.
Tratava-se também de uma guerra de versões sobre rios acordados em tratados. Na prática, o Brasil poderia perder parte importante da região Norte, sobretudo na fronteira entre o Amapá e a Guiana Francesa. Em arbitragem mediada pela Suíça, Brasil e França foram à mesa. 
Rio Branco enfrentava um jogo mais desafiador do que o de Palmas: a proximidade histórica e cultural entre França e Suíça; além do verdadeiro exército de diplomatas, advogados e especialistas no outro lado da mesa, incluindo Vidal de la Blanche, o maior geógrafo da época.
O barão dedicava horas sem dormir desvendando documentos antigos 
Juca também empreendeu mais uma caça a mapas por arquivos na Inglaterra, Espanha e França; no caso do Amapá, adotou ainda uma nova estratégia. Infiltrou Emílio Goeldi, naturalista suíço estabelecido no Pará, para assessorar os conselheiros da Suíça em sua decisão - sanando dúvidas ou coletando impressões desfavoráveis.
"Por ora o que desejo é que v. sa. Trate de ir fazendo relações em Berna (...) é indispensável que v. sa. Não seja considerado um auxiliar meu, e sim como um cientista que apenas veio tratar de estudos ou trabalhos que nenhuma relação têm com a causa que vai ser julgada", diz um documento reproduzido na biografia, que classifica a atuação de Goeldi como um "espião sem licença para matar, mas eficaz".
"Rio Branco atuava como um exército de um só homem nas questões dos limites. Era ao mesmo tempo o pesquisador que escarafunchava arquivos em busca de velhos mapas e documentos empoeirados, o historiador que desvendava os manuscritos e criava uma narrativa consistente (...) e o advogado implacável, munido da jurisprudência e do conhecimento do direito para construir argumentos irrefutáveis", afirma o livro.
Na Suíça, a arbitragem foi favorável ao Brasil, mais uma vez fazendo do barão o centro de uma aclamação geral.
"Do Amazonas ao Prata há um nome que parece irradiar por todo o círculo do horizonte num infinito de cintilações: o do filho do emancipador dos escravos, duplicando a glória paterna com a de reintegrador do território nacional", diria Rui Barbosa sobre a conquista em 1900.

Disputa por fronteiras como chanceler

Dali para frente, Rio Branco imaginava um futuro em confortáveis postos europeus, mas teve que ceder à pressão do presidente Rodrigues Alves para assumir o Ministério das Relações Exteriores.
O Acre, região que o Brasil reconhecia como pertencente à Bolívia por três décadas, passou a atrair hordas de brasileiros pela extração da borracha. Os planos do país andino em arrendar aquele território a uma companhia com capital americano e britânico catalisou a pressão para que o Brasil reivindicasse-o. Para completar, parte daquela região era demandada também pelo Peru.
Diferentemente dos outros episódios em que foi consagrado, Paranhos apostou em um acordo direto, e não na arbitragem, para o caso. O Tratado de Petrópolis previa o pagamento, pelo Brasil, de indenização, favores e até cessão de partes do território à Bolívia. Este aceno, com perdas para o Brasil, colocou o barão sob forte escrutínio na imprensa e na opinião pública.
Rio Branco resolveu, então, escrever artigos para jornais sob um pseudônimo. "Kent", entre outros argumentos, defendia que a arbitragem seria demorada e teria um resultado incerto. Afinal, o Brasil havia reconhecido a soberania da Bolívia sobre aquele território de 1867 a 1902.
Após muitas quedas de braço, o Congresso aprovou o Tratado de Petrópolis - depois também de forte mobilização política empreendida por Rodrigues Alves e por Rio Branco.
"Sem dúvida alguma a negociação do Acre foi o desafio mais difícil enfrentado pelo chanceler; a solução alcançada, vista à distância de mais de um século, pode ser considerada um sucesso espetacular", diz Villafañe na biografia. 
O próprio Barão registraria em um dos seus escritos: "para mim vale mais esta obra (...) do que as duas outras, julgadas com tanta bondade pelos nossos cidadãos".

Um barão para a posteridade

A "bondade" a que se referiu Jucá de fato corresponde à imagem heroica que ficou de sua figura. Para Villafañe, isto é tributário de suas inegáveis qualidades, mas também é perpetuada por outras condições históricas do país.
"Uma ideia base da nacionalidade brasileira é a do território. O Rio Branco está muito associado a essa ideia. Nesse sentido, Rio Branco é um grande pai da pátria, deslocado um século (após a independência)", aponta o biógrafo.
Villafañe afirma também que, como Winston Churchill fez em relação ao conhecimento sobre a Segunda Guerra, o Barão de Rio Branco também pautou a historiografia à sua maneira - interpretação endossada com o fortalecimento do Itamaraty e a formação do Estado Novo.
Se empresta a sua figura ao país, Juca também se preocupou durante toda a vida com a imagem do país no exterior.
"Ele era elitista, mas seria injusto dizer que isso fosse pura vaidade. Nessa Era dos Impérios (expressão cunhada pelo historiador Eric Hobsbawm para resumir a dinâmica geopolítica do período entre 1875 e 1914), a visão que determinado país projetava no mundo dizia como esse país seria tratado. A África foi partilhada pelas potências europeias com a ideia de que ali não tinha nada de civilizado, então era terra de ninguém", aponta o diplomata.
"Para Rio Branco, era importante projetar para o Brasil uma ideia de estabilidade, modernidade, civilização - isso garantia uma tratamento melhor nesse mundo."

Rio Branco reenquadrado, por Luis Claudio Villafane (entrevista na IstoÉ)

Luís Cláudio Villafañe G. Santos traça um perfil pouco heroico do patrono da diplamacia brasileira, revelando segredos, como suas aventuras amorosas e envolvimento com jogatina e espionagem

Crédito: Alexia Fidalgo
O escritor Luis Claudio Villafañe (Crédito: Alexia Fidalgo)
O diplomata carioca Luís Cláudio Villafañe G. Santos, de 58 anos,  pesquisou ao longo de mais de dez anos para concluir o livro “Juca Paranhos, O Barão do Rio Branco” (Companhia das Letras). O volume tem mais de 500 páginas, mas é o contrário da típica biografia monumental, em que o biografado surge como vulto da pátria. Para Santos, trata-se de evitar o heroísmo e assim fazer surgir o perfil realista de José Maria da Silva Paranhos Filho (1845-1912), o barão do Rio Branco. Santos traça um perfil nada heroico do patrono da diplomacia brasileira. Revela segredos de alcova, caça e conflitos internacionais. Mas também apresenta uma interpretação do papel e do legado do Barão.
Ainda é possível dizer algo de novo ou encontrar novidades em uma das personagens mais biografadas do Brasil como o Barão do Rio Branco?
Claro que sim. Para começar, as boas biografias do Rio Branco são antigas – a do Álvaro Lins é de 1945 e a do Viana Filho de 1959. De lá para cá, há alguns ensaios de qualidade, mas nenhuma biografia propriamente dita. Além de documentos revelados na pesquisa, o livro faz um resgate de histórias que caíram no esquecimento e reinterpreta os diversos episódios à luz das discussões historiográficas atuais. E, também, a própria abordagem biográfica mudou muito, já não cabe a construção de um herói da nacionalidade, com uma trajetória linear, sem contradições, erros, inseguranças e incertezas. O Rio Branco real acerta, erra, se reinventa, trai e é traído, etc.
Que fatos novos você revela no livro?
Em relação às biografias existentes há uma coleção de novidades. Algumas estavam enterradas em livros antigos ou documentos esquecidos, outras conhecidas apenas pelos raros estudiosos e algumas que identifiquei ao longo da pesquisa. Dou exemplos. Eu resgatei um tratado secreto que o Rio Branco assinou com o Equador para uma ação militar conjunta em uma eventual guerra contra o Peru, algo que nenhum biógrafo anterior jamais mencionou. Eu publiquei o texto desse acordo em uma revista especializada em 2017, mas o tema era desconhecido na historiografia brasileira. Desencavei no Arquivo Histórico do Itamaraty um minucioso estudo que não chegou a ser publicado de um bibliotecário do Ministério sobre as anotações que o Barão fazia nos livros de sua vasta biblioteca, com muitas coisas interessantes. Resgatei histórias esquecidas como a do genro-espião, o quase assassinato de um colega de faculdade pelo jovem Juca, o uso de lobistas e mesmo de informantes infiltrados junto aos juízes nas arbitragens sobre os territórios de Palmas e do Amapá, entre outras.
Você corrobora a interpretação tradicional que atribui a Rio Branco um papel fundamental tanto no estabelecimento das fronteiras do Brasil como da definição do papel do Brasil na geopolítica americana. Há outros aspectos a acrescentar nessa interpretação?
O papel do Rio Branco na definição das fronteiras é inegável e transcendente. Trata-se, sem dúvida, de seu maior legado. Mas, mesmo essa história está mal contada. No livro eu aprofundo essa questão das negociações de limites, cuja interpretação está até hoje muito baseada na narrativa que o próprio Rio Branco criou. Por exemplo, a negociação com o Peru, onde se poderia ter perdido todo o Acre, mesmo depois de pago – em dinheiro e territórios – para a Bolívia, é sempre apresentada como uma coisa quase burocrática, quando demorou mais de cinco anos e quase resultou em uma guerra que teria sido muito complicada. É o próprio Rio Branco que dá origem a essa interpretação porque ficava melhor para ele, conforme explico no livro.
O Rio Branco viveu mais de vinte anos na Europa e um par de anos nos Estados Unidos. Ele compartia plenamente a visão das elites desses países em relação ao sistema internacional. O que almejou fazer na América foi, de alguma maneira, reproduzir o arranjo europeu, criar uma espécie de “concerto americano” em que os Estados Unidos, o Brasil, a Argentina, o Chile e o México se entenderiam para manter o continente em paz e longe das intervenções europeias.
Muitas vezes, Rio Branco parece ter agido de forma maquiavélica para beneficiar um país aliado ou uma situação favorável ao Brasil?
Em termos de relações internacionais, Rio Branco foi o que hoje chamaríamos de um realista. Ele entendia que o poder é o elemento mais importante nas relações entre os países e agiu de acordo com esse entendimento. No livro, eu dou elementos para que o leitor ou leitora faça seu próprio julgamento em cada episódio. Por exemplo, a questão da retificação das fronteiras com o Uruguai, em que o Brasil cedeu, sem compensação, o condomínio da Lagoa Mirim e do rio Jaguarão teve também um elemento de cálculo político para constranger a Argentina; mas definir em que medida pesou mais a vontade de remediar uma situação injusta ou se foi por causa da rivalidade com a Argentina fica por conta de quem interpreta a questão.
Você adentra um terreno desafiador que coloca em nexo a diplomacia e a moldagem de conceitos de identidade nacional. De que forma essa relação se altera com as mudanças de regime e de modelo de Estado e Nação no Brasil do Império à Nova República?
Eu tratei especificamente dessa questão da ligação entre política externa e identidade nacional em um livro anterior, que, pelo papel do Rio Branco nesse processo, acabou se chamando O Dia em que Adiaram o Carnaval (UNESP, 2010). Por ter sido uma monarquia por quase sete décadas, com a conservação de muito do imaginário, das relações socias e das formas de legitimação do Antigo Regime – em contraste com os Estados Unidos e com os países vizinhos – nas bases como se entende o fenômeno hoje em dia, o nacionalismo foi tardio no Brasil e, assim, ainda que tendo atuado quase um século depois da independência, pode-se dizer que o Rio Branco tem um papel relevante como formador da nacionalidade. Mas isso eu exploro mais a fundo nesse outro livro de 2010.
Nesse processo, Rio Branco ofereceu um modelo de nacionalidade? Quem entre os seus sucessores exerceram o mesmo papel, sem esquecer o antecessor Joaquim Nabuco?
O papel do Rio Branco como formador da nacionalidade está muito ligado a seu desempenho, político e discursivo, na consolidação das fronteiras. A questão do território – que precederia a nação, um legado da natureza que a colonização portuguesa nos teria transmitido – está na base da construção da ideia de nacionalidade no Brasil. O Rio Branco resgatou e atualizou esse mito fundador e, assim, destaca-se entre seus contemporâneos nesse processo de fortalecimento do sentimento nacional. A política externa tem um papel importante na construção da nacionalidade, pois afinal é a política pública que lida especificamente com o “outro” e a alteridade é fundamental na construção da identidade.
Rio Branco defendia a aliança íntima com os Estados Unidos. A diplomacia brasileira posterior buscou se afastar dessa intimidade? Houve uma espécie de angústia da influência em relação a essa convicção no Itamaraty ao longo do século XX?
Essa interpretação é um mito que o livro desafia. A suposta prescrição invariável de Rio Branco em favor de um alinhamento com os Estados Unidos não se sustenta. Antes de mais nada, a ideia de priorizar as relações com os Estados Unidos precede Rio Branco; foi uma política perseguida de forma estridente já imediatamente depois da proclamação da república e, inclusive, vinha do Manifesto Republicano de 1870. De fato, em determinados momentos, Rio Branco entendeu que seria importante ao menos aparentar uma sintonia com os Estados Unidos, principalmente como proteção contra ingerências das potências europeias. Essa política, que teve seu ponto máximo na III Conferência Pan-americana, realizada no Rio de Janeiro em 1906, desandou a partir da Conferência da Paz na Haia em 1907 e ao fim do período de Rio Branco as relações com os Estados Unidos estavam em seu ponto mais baixo em muitas décadas. Foram os sucessores do Barão que, para legitimar suas escolhas, passaram a atribuir ao Rio Branco essa ideia de uma aliança incondicional com os Estados Unidos. Essa visão durou ao longo de grande parte do século XX e se reforçou com a tese da “aliança não escrita”, inventada na década de 1960 muito mais para legitimar a política daquela década, depois do golpe de 1964, do que como descrição válida das relações entre os dois países no início do século XX.
Você poderia descrever em poucas linhas a pessoa de Juca Paranhos, como personalidade, gostos, aspecto físico e psicológico? Ele não parecia ser um grande intelectual, apesar de inteligente.
Uma das coisas que diferencia o livro das biografias anteriores é, justamente, mostrar a evolução do personagem ao longo de sua vida. Minha análise atende a prescrição de Pierre Bourdieu de desmascarar o que ele chamou de “ilusão biográfica”: mostrar os biografados como personagens planos, cujas principais características sociais, pessoais e de caráter permanecem praticamente inalteradas durante toda sua trajetória. Ao contrário, eu procuro mostrar as transformações do Rio Branco ao longo de sua vida, suas contradições, inseguranças, recuos e momentos em que ele se reinventou.
Quanto à questão do legado intelectual, o Rio Branco não deixou uma obra “acadêmica” de relevo; ficaram muitos textos dispersos, de diversos tipos, que inclusive eventualmente têm contradições entre si. Foram, na maior parte dos casos, escritos de circunstância. Isso não deixou de ser uma vantagem para os que, desde então, passaram a atribuir ao Barão a paternidade de suas políticas como forma de legitimá-las. Mas, vale dizer, mesmo sem ter escrito obras de maior fôlego, o Rio Branco foi um grande erudito nas áreas de história e geografia do Brasil, conhecimento que ele aproveitou muito bem para sustentar sua atuação diplomática e política.
Você busca traçar um perfil menos monumental desse vulto pátrio, símbolo da hegemonia (rural) oligárquica o Império que não hesita em defender e consolidar a República Velha. No que ele fraquejou, errou e acertou? 
O livro, em suas quinhentas e tantas páginas, está aí para responder a essa pergunta. Não me furto em mostrar as hesitações, erros de avaliação e contradições; e também os grandes acertos e vitórias, bem como as polêmicas que enfrentou. A trajetória do Rio Branco é uma janela extraordinária para acompanhar as transformações que o Brasil e o mundo passaram durante as várias décadas de sua atuação política, do fim do Império ao início da República, e não somente na política externa. O livro explora também a relação entre a política interna e a política externa e a atuação do Rio Branco na política interna; desfaz o mito de sua suposta autonomia na condução da política externa. Então, como hoje, a política externa reflete a situação interna e os debates políticos e mesmo partidários.
 Que lição Paranhos legou ao Brasil, e que pode ainda hoje pode ser considerada fundamental para a instauração de um Estado e uma Nação brasileiras? O “concerto americano” esboça de alguma forma os tratados atuais entre os países do continente?
A ideia de um “concerto americano” que ele tinha em mente é muito distinta do que se pode propor hoje. Sua visão das relações internacionais, na linha dos seus contemporâneos, era essencialmente oligárquica. Vale dizer que é nesse período em que a noção de uma hierarquia entre os países como uma coisa natural e legítima começa a ser posta em questão. A ideia da igualdade das nações teve na Conferência da Haia de 1907 um marco importante. É um episódio que eu exploro no livro e aí se vê que, ao contrário do Rui Barbosa, o Barão aceitava com muito mais naturalidade a preponderância das grandes potências. Esse exercício de buscar na atuação e nas ideias do Rio Branco antecedentes ou justificativas para políticas atuais foi usado e abusado pelos seus sucessores no Itamaraty, mas não resiste a uma análise mais detida.
Num exercício de especulação fantasiosa, como Rio Branco reagiria ao papel atual do Itamaraty?
Não cabe muito essa especulação. A agenda das relações internacionais hoje é muito diferente. Qual seria a posição do Rio Branco sobre mudança climática, exploração dos fundos marinhos? Mesmo temas que já existiam – comércio, direitos autorais, transportes, etc. – são profundamente diferentes hoje.
Quais foram as principais surpresas e dificuldades durante esses (talvez seis) anos de pesquisas em arquivos?
São mais de dez anos de pesquisas. Já para o livro sobre o papel da política externa na construção da nacionalidade, publicado em 2010, estava trabalhando com o Rio Branco. As investigações para aquele livro vêm, naturalmente, de antes e assim acho que passo já dos dez anos pesquisando, direta ou indiretamente, sobre o Rio Branco. Investigar um tema é sempre descobrir coisas novas que, muitas vezes, mudam a interpretação que se tinha. O resultado nunca é como se imaginou que seria no início, o que é o melhor sinal de que a pesquisa valeu a pena. Não tive nenhuma dificuldade específica de acesso à documentação e as surpresas foram surgindo naturalmente pelo caminho.
Você poderia estabelecer uma comparação entre sua interpretação de Rio Branco e as de outros biógrafos, como Luís Viana Filho e outros que aparentemente praticaram a biografia-exaltação?
As biografias falam dos biografados e de suas épocas, mas também refletem o momento em que foram escritas. Um dos grandes desafios do biógrafo é dar elementos para que os leitores e as leitoras possam se relacionar empaticamente com o biografado. No caso, foi necessário um esforço para situar a visão de mundo, as inseguranças, as expectativas, os dilemas e a teia de relações sociais de um personagem que nasceu em 1845 e se socializou e atuou em um contexto bastante diferente do nosso, um mundo que sofreu transformações importantes durante sua existência. Esse esforço tem de ser atualizado a cada releitura. Explicar o Rio Branco em 1945, como fez o Álvaro Lins, é muito diferente do desafio enfrentado pelo Viana Filho, em 1959, e da tarefa de mostrar esse personagem, complexo e muitas vezes contraditório, para o público de hoje.

sábado, 29 de setembro de 2018

Juca Paranhos, a biografia do Barao do Rio Branco, por Luis Claudio Villafane G. Santos (IstoÉ)

Biografia conta como Rio Branco se envolveu em casos amorosos, jogatina, espionagem, compra de jornalistas e manipulação de tratados internacionais — sem perder a reputação

O barão indômito
MODERNO Rio Branco com seus assessores no Itamaraty por volta de 1911 (Moniz Brandão, Antônio Batista Pereira e AraújoJorge): trajes leves para negociações pacíficas
A história do Brasil costuma ser mal contada, mesmo quando se trata de versões oficiais de vultos pátrios. O Barão do Rio Branco não foge à regra. Ele foi celebrado como patrono da diplomacia brasileira e consagrado em vida pela multidão em 1904, como o herói que estabeleceu as fronteiras do País ao incorporar 900 mil quilômetros quadrados ao território nacional, com destaque para o Acre, a sua maior façanha. Mas quase nada se sabe da personalidade e das ações de José Maria da Silva Paranhos Júnior (1845-1912), o Juca Paranhos.
É certo que o Barão, como era chamado, mereceu centenas de estudos e duas grandes biografias: de Álvaro Lins, publicada em 1945, e de Luís Viana Filho, em 1959. Mas nenhum desses textos desceu a detalhes que poderiam abalar o monumento. O homem real surge enfim com a biografia “Juca Paranhos, O Barão do Rio Branco”, do historiador e diplomata carioca Luís Cláudio Villafañe G. Santos, lançada pela Companhia das Letras.
“O Rio Branco real acerta, erra, se reinventa, trai e é traído” Luís Cláudio Villafañe G. Santos, historiador
A pesquisa para o livro durou 10 anos. Santos diz que não teve dificuldades para vasculhar os documentos do Itamaraty, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Arquivo Nacional e Biblioteca Nacional. Neles, descobriu histórias e documentos esquecidos. Além disso, tentou reinterpretar vários episódios com base em métodos historiográficos atuais. “Já não cabe a construção de um herói da nacionalidade, com uma trajetória linear”, afirma.
“O Rio Branco real acerta, erra, se reinventa, trai e é traído. Procuro mostrar suas transformações ao longo da vida, suas contradições, inseguranças, recuos e momentos em que se reinventou.”
No cancã
O Barão foi o caso raro do monarquista que se adaptou à vida republicana. Santos retrata esse personagem de dois mundos: “A trajetória de Rio Branco é uma janela extraordinária para acompanhar as transformações que o Brasil e o mundo passaram durante as várias décadas de sua atuação política, do fim do Império ao início da República”.
A exemplo do pai, o militar e político José Maria da Silva Paranhos (1819-1880), triunfou pela competência. Membro do Partido Conservador, tornou-se presidente do Conselho de Ministros e braço direito de dom Pedro II, que lhe concedeu o título de Visconde do Rio Branco. Não pertencia à nobreza de raiz. Por isso, orientou o filho a manter os privilégios à custa do trabalho.
Desde o início, o temperamento de Juca revelou-se indomável. O rapaz de 1,82 metro e trajes de poeta romântico mudou-se para São Paulo, onde estudou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Começou a escrever ensaios históricos
e viveu “algumas aventuras romanescas, nem sempre louváveis”, como disse. Furtou leitões e quase matou um colega por acidente ao voltar de uma caçada. Em sua primeira viagem à Europa, perdeu tanto dinheiro em um cassino de Monte Carlo que
só ficou com o suficiente para comprar bilhete de trem de regresso a Paris. De volta ao Rio de Janeiro, para horror do imponente visconde — com seu 1,90 metro —, Juca apaixonou-se pela belga Marie Philomène Stevens, “cocotte comedienne” do teatro Alcazar Lyrico, especializado na dança do cancã. O pai o obrigou a mandar a amante à Europa. Apesar disso, as longas temporadas em Liverpool e Paris permitiram que tivesse seus cinco filhos com ela.
3 FASES DE UM HERÓI
À medida que expandia a circunferência da cintura e o território nacional, conquistou cargos e passou de nobre conservador a intrépido diplomata da República. Virou alvo dos jornais de oposição, que o caricaturizavam como um fanfarrão autocrático e desafiador, com a indefectível perna apoiada. Para melhorar a imagem, subornou jornalistas para escreverem artigos elogiosos. Desse modo, queria fazer frente ao inimigo Edmundo Bittencourt, dono do liberal “Correio da Manhã”. Rapidamente tornou-se um personagem popular nas ruas da capital federal, onde costumava caminhar, ostentando o cigarro de palha. Na virada do século XX, passou a morar em um cômodo improvisado no Palácio do Itamaraty. O fato de o prédio não dispor de uma cozinha lhe dava pretexto para frequentar restaurantes, como o Minho, localizado na rua do Ouvidor (ainda aberto), onde se refestelava com feijoadas e pescados.
ANTES E DEPOIS Caricatura de “A Avenida” (1903) colorida por Rio Branco: o Barão oferta um pedaço do Brasil à Bolívia
Tratado secreto
Como ministro das Relações Exteriores, dedicou-se às negociações de limites com os governos da França, Holanda, Bolívia, Peru e Uruguai. O êxito se deveu também à manipulação. Uma das revelações do livro é que ele negociou secretamente um tratado com os equatorianos para tentar abocanhar parte do território peruano e criar uma fronteira entre Brasil e Equador. Em litígios territoriais, contratava espiões. Dessa forma, obteve um parecer favorável do mediador da representação suíça à fixação da fronteira da Guiana Francesa no rio Oiapoque. Segundo Santos, o Barão foi responsável por criar uma imagem serena nas refregas diplomáticas. Dizia, por exemplo, que o acordo com a Bolívia para anexar o Acre havia sido tranquilo. Na realidade, as negociações quase causaram a guerra num processo que levou 5 anos até a assinatura do Tratado de Petrópolis, em 1903.
ANTES Rio Branco em sua biblioteca em Paris em 1898 (Crédito:Divulgação)
Divulgação
Quanto à visão geopolítica, o Barão não parecia ser um visionário. Preconizava a submissão às grandes potências, ao contrário do rival Rui Barbosa. Durante o Império, considerava “inevitável” a abolição da escravatura, por não harmonizar com a imagem de país quase europeu que queria divulgar. Mas, para o bem da economia nacional, propunha adiar o fim da escravidão até a data da morte do último escravo nascido antes da Lei do Ventre Livre, promulgada por seu pai em 1871. Portanto, sonhava em prolongar o trabalho escravo até a década de 1950.
DEPOIS Gabinete / quarto no Itamaraty, no dia seguinte à sua morte, em foto tirada às escondidas por Augusto Malta (Crédito:Divulgação)
Divulgação
Na República, tentou ser mais moderno e expansionista. Esforçou-se para que o Brasil se alinhasse à cultura ocidental e compartilhasse dos ideais das elites europeias. Assim planejou instaurar um “concerto americano” que unisse os países do continente para garantir a paz. Mas, ao contrário da lenda, sua atuação na política não foi autônoma. “Então, como hoje, a política externa refletia a situação interna e os debates políticos e mesmo partidários”, diz Santos. Segundo ele, o maior legado de Rio Branco foi a consolidação das fronteiras, proeza definitiva para a formação da identidade nacional. Mas suas ideias soam agora datadas. Santos imagina que, se ele ressuscitasse no mundo atual, ficaria confuso. “A agenda das relações internacionais hoje é muito diferente”, afirma.

terça-feira, 31 de julho de 2018

O Barao do Rio Branco, em nova biografia: Luis Claudio Villafane G. Santos

Aguardem o lançamento deste livro. Ele promete...


NOVA BIOGRAFIA DO BARÃO DO RIO BRANCO:



Sumário
Introdução
parte I: Juca Paranhos — na sombra do pai (1845-1876)
  1. E agora, José?
  2. Em família
  3. Juca Paranhos
  4. Vida de estudante
  5. Viagem à Europa e difícil começo no Brasil
  6. O deputado Paranhos Júnior
  7. Em nome do pai: A Nação e A Vida Fluminense
  8. O boêmio
  9. A tormentosa remoção
parte II: a redenção do boêmio (1876-1902)
  1. Cônsul-geral do Brasil nos domínios da rainha Vitória
  2. Paris e São Petersburgo
  3. O publicista do Terceiro Reinado
  4. Discutindo a abolição
  5. Enfrentar a República ou aderir a ela?
  6. A Questão de Palmas
  7. Nova York e Washington
  8. De volta a Paris
  9. A Questão do Amapá
  10. Berna
  11. Berlim
parte III: um saquarema no Itamaraty (1902-1912)
  1. Tel brille au second rang qui s’éclipse au premier
  2. No imbróglio do Acre, no meio do fogo político do Rio, entre gente toda nova
  3. O Tratado de Petrópolis
  4. O pesadelo do Barão
  5. Por preguiça e hábito
  6. Rio Branco, os Estados Unidos e o monroísmo
  7. Que classe de país é este?
  8. O ataque surpresa contra o Rio de Janeiro
  9. Há muito tempo nas águas da Guanabara
  10. Sim, agora, morto é que ele começava realmente a viver
Notas
Fontes
Bibliografia
Cronologia
Índice remissivo

DISPONÍVEL EM OUTUBRO

Prefácio do Embaixador Alberto da Costa e Silva:
Quem, de sobrecasaca ou em mangas de camisa, se demora a examinar um mapa antigo ou caminha pelas páginas deste livro, vai nele mudando de feições e de comportamento, até assumir a imagem com que entrou na história e na qual reconhecemos o barão do Rio Branco. Seus contemporâneos fizeram dele julgamentos conflitantes, mas os que teve por contrários às suas posições ou por desafetos ressentidos não impediram que fosse o mais popular dos homens públicos de seu tempo — e, por isso mesmo, um dos mais caricaturados — e que, no dia seguinte ao da sua morte, o país já o consagrasse como um dos seus maiores.
Nesta biografia, a primeira que se publica no século XXI e é, sob muitos aspectos, inovadora, o barão do Rio Branco de nossa admiração não esconde o amante egoísta, o vaidoso que alimentava a claque de seu teatro pessoal, o centralizador que desmerecia a ajuda dos colaboradores, o sedento de glória, o glutão e o esbanjador para quem todo dinheiro era pouco.
Reexaminando o muito que se escreveu sobre ele, assim como a sua correspondência ativa e passiva, e lendo, dia a dia, linha a linha, o que, na época, estampavam os jornais, Luís Cláudio Villafañe G. Santos trouxe para a nossa companhia um Rio Branco confiante no forte saber que lhe moldava os argumentos e as ações. E tão bem contada é a sua vida e tão nítidos os retratos, que ele sai deste livro, nos toma pelo braço e nos convida para jantar no Hotel dos Estrangeiros.

Alberto da Costa e Silva

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Sem esquecer seu artigo sobre Joaquim Nabuco: 


O Americanismo de Joaquim Nabuco


Nos desprendemos da Europa tão completa e definitivamente como a Lua da Terra: o americanismo de Nabuco

Resumo

O artigo analisa a evolução do pensamento de Joaquim Nabuco sobre o lugar dos Estados Unidos na política externa brasileira. A ênfase recai sobre o período em que ele atuou como embaixador do Brasil em Washington

Palavras-chave

Joaquim Nabuco; americanismo; política externa brasileira; Brasil-EUA

sábado, 17 de fevereiro de 2018

Politica externa brasileira: o que faria o Barao hoje, se vivo fosse? (2016) - Paulo Roberto de Almeida

Este trabalho foi elaborado, com base em notas anteriores, no período intermediário do impeachment conduzido entre maio e agosto de 2016, para servir como material de discussão a grupo de estudos de caráter acadêmico. Não foi publicado nessa forma, embora partes dele possam ter servido a trabalhos anteriores, e deles provinham, que já tinham sido publicados.
Como o "redescobri" agora, coloco à disposição dos interessados, lembrando, uma vez mais, que ele é de meados de 2016, e pode estar defasado num ou noutro ponto específico.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 17 de fevereiro de 2018

Política externa brasileira: o que faria o Barão hoje, se vivo fosse?

Paulo Roberto de Almeida
Diplomata de carreira; professor no Uniceub (Brasília)
Brasília, 1/06/2016
  
Se, por um desses acasos históricos, o Barão do Rio Branco, falecido mais de cem anos atrás, retornasse eventualmente entre nós, quais seriam suas grandes preocupações diplomáticas? Esgotada a tarefa de remodelar a geografia dos limites territoriais, por meio de negociações de fronteiras com todos os nossos vizinhos, o Barão talvez se preocupasse com temas mais permanentes, ou mais estruturais, sobretudo numa fase – como foi a sua – de transição nas relações internacionais.
De fato, um século atrás, o mundo assistia aos primeiros passos da transposição hegemônica das velhas potências europeias para o novo poder emergente, os Estados Unidos da América, país com o qual o Barão do Rio Branco tentou estabelecer uma estratégia de coexistência de zonas de influência: os EUA ao norte, o Brasil ao sul. Obviamente, o Barão tinha consciência dos meios limitados do Brasil do início do século XX, mas ele se perguntaria, de igual modo, o que o Brasil precisaria fazer, atualmente, para ocupar seu espaço no chamado concerto das nações.
Os argumentos alinhados abaixo, foram pensados bem mais na perspectiva da política externa dos governos lulopetistas, de janeiro de 2003 a maio de 2016, do que no da nova diplomacia que está sendo construída, apresentada e implementada pelo novo governo interino, em meio ao processo de impeachment ainda em curso. Reflexões a partir dessa nova política externa terão de ser feitas após mais algum tempo de testes práticos da diplomacia profissional do Itamaraty, depois de quase uma década e meia de influência partidária sobre as grandes linhas das relações exteriores do Brasil sob o comando dos governos lulopetistas desde o início do novo milênio.

O Barão agora: qualquer semelhança é mera coincidência?
Talvez ele começasse pela pergunta clássica dos estadistas: o Brasil possui uma estratégia, grande ou pequena? Talvez, embora nem sempre se perceba. Os militares talvez tenham pensado em alguma, e ela sempre envolve grandes meios, para defender as grandes causas: a soberania, a integridade territorial, a preservação da paz e da segurança no território nacional e no seu entorno imediato. Enfim, todas aquelas coisas que motivam os militares. Os diplomatas, também, talvez tenham escrito algo em torno disso, e ela sempre envolve o desenvolvimento nacional num ambiente de paz e cooperação com os vizinhos e parceiros da sociedade internacional, no pleno respeito dos compromissos internacionais e da defesa dos princípios e valores constitucionais, que por acaso se coadunam com a Carta da ONU. Mas eles também acham que está na hora de “democratizar” o sistema internacional, que ainda preserva traços do imediato pós-Segunda Guerra, ampliando o Conselho de Segurança da ONU, reformando as principais organizações econômicas multilaterais e ampliando as possibilidades de participação dos países em desenvolvimento nas instâncias decisórias mundiais; enfim, todo aquele discurso que vocês conhecem bem.
Tudo isso é sabido, e repassado a cada vez, nas conferências nacionais de estudos estratégicos, em grandes encontros diplomáticos, nos discursos protocolares dos líderes nacionais. Até parece que possuímos de fato uma grande estratégia, embora nem sempre isso seja percebido por todos os atores que dela participam, consciente ou inconscientemente. Aparentemente, ela seria feita dos seguintes elementos: manutenção de um ambiente de paz e cooperação no continente sul-americano e seu ambiente adjacente, num quadro de desenvolvimento econômico e social com oportunidades equivalentes para todos os vizinhos, visando a construção de um grande espaço econômico integrado, de coordenação e cooperação política, num ambiente democrático, engajado coletivamente na defesa dos direitos humanos e na promoção da prosperidade conjunta dos povos que ocupam esse espaço.

Quais seriam os grandes objetivos do Barão, hoje?
Muito bem, mas esses são objetivos genéricos, até meritórios e desejáveis, que precisam ser implementados de alguma forma, ou seja, promovidos por meio de iniciativas e medidas ativas, o que envolve inclusive a remoção dos obstáculos que se opõem à consecução desses grandes objetivos. É aqui que entra, de verdade, a grande estratégia, quando se tem de adequar os meios aos objetivos, não simplesmente na definição de metas genéricas. A estratégia é que permite se dizer como, e sob quais condições, o povo do país e suas lideranças vão mobilizar os recursos disponíveis, as ferramentas adequadas e os fatores contingentes – dos quais, os mais importantes são os agentes humanos – por meio dos quais será possível alcançar os grandes objetivos e afastar as ameaças que se lhes antepõem. Uma verdadeira estratégia diz o que deve ser feito, na parte ativa, e também, de maneira não simplesmente reativa, como devemos agir para que forças contrárias não dificultem o atingimento das metas nacionais.
Nesse sentido, se o grande objetivo brasileiro – que integra nesta concepção sua “grande estratégia” – é a consolidação de um espaço econômico democrático e de cooperação econômica no continente, devemos reconhecer que avançamos muito pouco nos últimos anos. A despeito da retórica governamental, não se pode dizer, atualmente, que a integração e a democracia progrediram tremendamente na última década. Ao contrário, olhando objetivamente, esses dois componentes até recuaram em várias partes, e não se sabe bem o que o Brasil fez para promovê-los ativamente. O presidente anterior foi visto abraçado com vários ditadores ou candidatos a tal, esqueceu-se de defender a liberdade de expressão, os valores democráticos e os direitos humanos onde eles foram, e continuam sendo, mais ameaçados, quando não vêm sendo extirpados ou já desapareceram por completo. A integração que realmente conta, a econômica e comercial, cedeu espaço a uma ilusória integração política e social que até pode ter rendido muitas viagens de burocratas e políticos, mas não parece ter ampliado mercados e consolidado a abertura econômica recíproca.
Desse ponto de vista, o Brasil parece ter falhado em sua grande estratégia, se é verdade que ele realmente possui uma. Se não possui, está na hora de pensar em elaborar a sua. Passada a retórica grandiloquente – contra-produtiva, aliás – da liderança e da união exclusiva e excludente, contra supostas ameaças imperiais, pode-se passar a trabalhar realisticamente na implementação da grande estratégia delineada sumariamente linhas acima. A julgar pela experiência recente, não parece que sequer começamos a retificar os equívocos mais eloquentes do passado imediato, quando apoiamos ditadores e adotamos uma concepção muito peculiar dos direitos humanos e dos valores democráticos. O que diria o Barão, a esse respeito?
Talvez ele devesse começar examinando as pequenas estratégias desenvolvidas nos últimos anos. Na verdade, o Barão seria naturalmente levado a elaborar uma grande estratégia, obviamente diversa daquela de sua época, e adaptada aos requisitos do presente. Negligenciando o fato de que ele, quando vivo, já era quase um santo protetor da diplomacia brasileira, uma personalidade incontrastável, incontestável, o “dono” da política internacional do Brasil, além e acima de qualquer presidente, pode-se imaginar que ele atuaria segundo as instruções do presidente de turno, mas com certa latitude de ação, em vista de sua reconhecida competência para certos temas.
Vamos imaginar, contudo, que ele apenas atuaria como um chanceler qualquer, em face dos mesmos desafios ou agendas, que se colocariam a um chanceler de nossos dias, nas circunstâncias atuais do Brasil, país que deixou de ser simplesmente em desenvolvimento, e um instável crônico na América Latina, para se tornar um “emergente”, um país dotado de pretensões a ter uma influência regional e global. É com base, exatamente, nessas premissas, que podemos, em primeiro lugar, criticar as diversas estratégias que o Brasil seguiu nos últimos tempos, e às quais poderíamos chamar de pequenas.

Alternativas estratégicas para o Barão no século XXI
A primeira estratégia pequena, na verdade mesquinha, seria a de ter exibido, durante os oito anos da doutrina do “nunca antes neste país”, uma orientação de política externa não exatamente nacional, mas mais propriamente partidária, para não dizer sectária. Quando o Barão foi convidado para ser chanceler, cargo que ensaiou recusar, seja por motivos de saúde, de dinheiro ou qualquer outro, a primeira coisa que ele adiantou era a de que não vinha servir qualquer partido, qualquer causa política, mas o Brasil, em benefício da nação e de seu prestígio na região e no mundo.
Cem anos depois, parece que tivemos não apenas uma diplomacia estreitamente partidária, mas até um chanceler que, talvez insatisfeito por ser “apenas” diplomata, resolveu se inscrever num partido, ou melhor, no partido do poder, o que aparentemente nunca lhe foi exigido como chanceler ou como funcionário de Estado. Mas, como defensor de um governo partidário, ele resolveu se filiar a esse partido. Como todo militante desse partido, como naquelas agrupações religiosas que exigem o dízimo, tem de contribuir com sua cota de boa vontade financeira, o mesmo chanceler escolheu ser conselheiro de algumas coisas, para arredondar o salário, já que o Brasil é hoje um país caro (talvez em função de algumas políticas de pequena estratégia que o mesmo partido aplica). O Barão, provavelmente, desprezaria gestos como esse.
A segunda estratégia pequena que o Barão lamentaria, se hoje contemplasse a diplomacia dos oito anos do “nunca antes”, seria justamente essa tal de “diplomacia Sul-Sul”. O Barão nunca compreenderia, e nunca admitiria, como se consegue ser tão reducionista, tão simplista, tão estreito geograficamente nas escolhas de relacionamento internacional, ele que sempre se bateu para equilibrar as relações do Brasil entre a velha Europa, os EUA emergentes, e a América do Sul, todos tão presentes em nossas relações imediatas. A despeito dessa “aliança não escrita” com os EUA, de que falam alguns acadêmicos, o Barão, na verdade, nunca se deixou prender, ou enredar, numa relação exclusiva, ou privilegiada, com qualquer sócio maior, mas procurava sempre manter equidistância dos grandes centros de poder, das velhas potências coloniais – mas ainda agressivamente imperialistas – e da nova potência que despontava no hemisfério – e já agressivamente imperialista, precisamente. Menos ainda ele compreenderia que o Brasil só tivesse olhos para o seu entorno imediato – claro, porque a África não “existia”, dominada que era pela Europa, e que a Ásia também se debatia na colonização direta e indireta das mesmas potências – e descurasse por completo das relações com aqueles que eram nossos principais mercados e fornecedores de capitais. Ele sorriria com certa complacência antes essas propostas de “nova geografia comercial internacional”, sabedor que, em matéria de comércio, toda e qualquer geografia é boa, desde que se consiga realizar todos os intercâmbios, nos dois sentidos, que interessariam ao Brasil.
Justamente, mesmo se ele tivesse de administrar uma “estratégia Sul-Sul” para o Brasil – fatalidade lamentável que ele certamente se escusaria por completo de iniciar – ele jamais se permitiria ser complacente, leniente, inconsequente ou descuidado em relação aos direitos do Brasil. Ele jamais permitiria, por exemplo, que tripudiassem injustamente sobre nossas exportações – como infelizmente ocorre muito frequentemente com certo vizinho arrogante – ou que, ao arrepio de tratados bilaterais e de contratos internacionais, outros vizinhos inconsequentes invadissem nossas propriedades legítimas para esbulhar-nos de nossos direitos, rasgando unilateralmente compromissos que tinham sido solenemente contraídos anteriormente. Por muito menos ele fez deslocar tropas para proteger nacionais ameaçados de maus tratos; ainda que não fosse o caso de fazê-lo em todas as circunstâncias, o Barão certamente teria sido bem mais vigoroso na reação a certos atos de expropriação ilegal.
Por exemplo: ainda que confrontado a uma declaração inevitável de expropriação de bens nacionais, ele JAMAIS assinaria uma nota na qual se reconhecia o direito soberano de outro país de, sem a cortesia de sequer um alerta preliminar, expropriar, sem negociações ou consulta prévia, propriedades nacionais, em total desrespeito às normas do direito internacional e à letra de tratados que constituíam obrigações para as duas partes. Ele certamente consideraria certas atitudes registradas nesses tempos caóticos de diplomacia confusa não só como marcas de uma pequena estratégia, mas como uma demonstração cabal de uma estratégia vergonhosa.
A mais forte razão, o Barão se guardaria escrupulosamente, e faria com que o seu presidente também observasse esse tipo de recato, de jamais interferir nos assuntos políticos internos de outros países, seja demonstrando apoios eleitorais indevidos, seja adiantando preferências ideológicas ou ainda rompendo normas e costumes de direito internacional e de relações diplomáticas. A melhor forma de manter boas relações com quaisquer vizinhos – mesmo os mais turbulentos – e com todo e qualquer país da comunidade internacional é manter reserva total quanto aos assuntos internos desses outros países, mesmo quando se possa, em privado, manter preferência por um outro personagem da vida política que possa ter influência nas relações com o Brasil. Expressar publicamente interesse nesse tipo de assunto é a mais pequena estratégia que o Barão poderia conceber, e isso ele deixou registrado em vários escritos públicos.
Finalmente, o Barão tampouco consentiria em dividir o processo de tomada de decisão em múltiplas cabeças, em fracionar o comando da diplomacia em diversos centros independentes de formulação e de execução de uma política nacional, como deve ser a política internacional de um país. Consciente, provavelmente, de que a política externa é uma espécie de política interna por outros meios, e sabedor de que a diplomacia, como a arte da guerra, exige unidade de formulação, de decisão e de implementação das ações requeridas, ele obstaria por completo a qualquer fragmentação da atuação diplomática do Brasil em unidades separadas de atuação. Já ao assumir a chefia do Ministério, e confrontando-se com a provecta figura de Cabo Frio, ele apressou-se em inaugurar um busto em homenagem a essa magnífica figura do Império, como forma de afastá-lo dos assuntos correntes, encaminhando-o a uma merecida aposentadoria que ainda tardou a acontecer. Independentemente desses dissabores, ele jamais consentiria, por exemplo, que dirigentes partidários, representantes de interesses especiais, neófitos palacianos ou quaisquer outros aprendizes de diplomatas lhe viessem sugerir esta ou aquela política em matérias que fossem de sua competência exclusiva. Como “general” da diplomacia, ele sabia que comando não se divide: ou se assume, ou se assiste a confusão predominar em temas que têm a ver com a segurança nacional.

O Brasil precisaria ter uma “grande estratégia”?
Enfim, falamos das “pequenas estratégias” que o Barão não teria, e não poderia ter, para as relações internacionais do Brasil, mais de cem anos depois de sua morte, se por acaso voltasse ao nosso convívio. Mas faltou falar, positivamente, de uma grande estratégia que o Barão do Rio Branco poderia exibir na atualidade.
E por que uma estratégia teria de ser “grande”? Não existe nenhum motivo especial para isso: trata-se apenas de um adjetivo, talvez exagerado, que visa, de certo modo, enfatizar o aspecto crucial para o país na determinação de suas políticas mais essenciais; neste caso, grande pode ser considerado como algo diferente de setorial (como poderia ser apenas defesa ou desenvolvimento). Grandes países, com grande interface ou exposição internacional, ou, ainda, países capazes de grande projeção internacional, costumam ter grandes estratégias. Talvez seja o caso do Brasil.
O Brasil é um ator relevante malgré lui, ou seja, possui massa e presença de dimensões relevantes, embora não consiga determinar o curso dos eventos e dos processos no subcontinente, mesmo mobilizando as armas de sua política – a diplomacia – ou “ameaçando” (o que, aliás, seria difícil de concretizar) recorrer à política das armas – para a qual lhe faltariam os requisitos de base, justamente. Mesmo no terreno das proposições de política, não se pode dizer que o Brasil tenha constituído um manancial de iniciativas significativas, capazes de alterar, de maneira sensível, o peso e o papel da região no contexto mundial.
Quais são, numa análise realista, os componentes dessa grande estratégia? A resposta a esta questão implica necessariamente identificar os principais desafios colocados ao Brasil na realização dos supremos interesses nacionais. Quais são estes últimos, portanto? Em plena transparência de propósitos, não parece restar dúvidas de que o objetivo supremo da nação – ademais daquelas questões básicas de soberania, que já consideramos não prioritárias – é o atingimento de uma etapa superior no seu processo de desenvolvimento, de maneira a garantir bem estar e vida digna a todos os brasileiros, como condição da plena integração do país ao sistema internacional num status de potência capaz e plenamente dotada dos meios de ação para atuar positivamente nesses sistema, em conformidade com os propósitos da Carta das Nações Unidas e dos demais instrumentos da cooperação internacional. 

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1/06/2016