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domingo, 19 de abril de 2020

O Barão do Rio Branco nos escritos de Paulo Roberto de Almeida

O Barão do Rio Branco nos escritos de Paulo Roberto de Almeida

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: coletânea de textos sobre Rio Branco; finalidade: dia do diplomata 2020]


Todo ano, no dia 20 de abril, os diplomatas comemoram o “dia do diplomata”, que foi criado ao início do regime militar, para institucionalizar a cerimônia de formatura das novas turmas do Instituto Rio Branco, cujo surgimento se deu por decreto do presidente Getúlio Vargas, nessa data em 1945, nas comemorações do centenário do nascimento do assim chamado patrono da diplomacia brasileira. Naquela ocasião foram publicados nove volumes das obras do Barão, além da biografia – altamente oficial – do próprio por Álvaro Lins. Em 1959, o político e intelectual baiano Luiz Vianna Filho publicava uma nova biografia, bem mais interessante, ainda que limitada. 
Muitas outras biografias foram escritas, de maior ou menor qualidade. Em 2002, aos cem anos da posse do Barão como chanceler, um seminário foi realizado no Rio de Janeiro, para o qual colaborei com este texto: “O Barão do Rio Branco e Oliveira Lima: Vidas paralelas, itinerários divergentes”, in: Carlos Henrique Cardim e João Almino (orgs.), Rio Branco, a América do Sul e a Modernização do Brasil (Brasília: Comissão Organizadora das Comemorações do Primeiro Centenário da Posse do Barão do Rio Branco no Ministério das Relações Exteriores, IPRI-Funag, 2002, ISBN: 85-87933-06-X, p. 233-278).
A mais recente biografia do Barão, aliás excelente, é a do historiador diplomata Luís Cláudio Villafañe G. Santos: Juca Paranhos, o barão do Rio Branco (São Paulo: Companhia das Letras, 2018, 560 p.). O mesmo autor já tinha publicado, anteriormente, O evangelho do Barão: Rio Branco e a identidade brasileira (São Paulo: Unesp, 2012), ademais de ter organizado a exposição, e o seu guia, sobre os cem anos da morte do Barão, no velho Palácio do Itamaraty no Rio de Janeiro, em 1912. Nessa oportunidade, foram republicadas as obras completas do Barão, em doze volumes, e o livro que resultou do seminário, para o qual colaborei com um texto: “A economia do Brasil nos tempos do Barão do Rio Branco”, in: Manoel Gomes Pereira (org.): Barão do Rio Branco: 100 anos de memória (Brasília: Funag, 2012, 748 p.). Esse livro, assim como as obras completas do Barão, em nova edição ampliada – também organizadas e editadas pelo diplomata Manoel Gomes Pereira –, e o livro de 2002, estão disponíveis na Biblioteca Digital da Funag, em diversos formatos.
Apresento a seguir, alguns dos meus trabalhos em torno do Barão do Rio Branco, seu trabalho na época e o impacto ainda atual do grande chanceler.

526. “O legado do Barão: Rio Branco e a moderna diplomacia brasileira”, Brasília, 26 abril 1996, 7 p.; revisão: 02/05/96, 11 p. Apresentação e comentários ao livro José Maria da Silva Paranhos, Barão do Rio Branco: Uma Biografia Fotográfica,1845-1995, Texto de Rubens Ricupero; organização, iconografia e legendas de João Hermes Pereira de Araujo (Brasília: FUNAG, 1995, 132 p.). Publicado na Revista Brasileira de Política Internacional (vol. 39, n° 2, julho-dezembro 1996, p. 125-135). Divulgado no blog Diplomatizzando (19/04/2020; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/04/dia-20-de-abril-dia-do-diplomata.html). Relação de Publicados n. 198.
936. “O Barão do Rio Branco e Oliveira Lima: Vidas paralelas, itinerários divergentes”, Washington, 14 ago. 2002, 41 p. Texto sobre o relacionamento entre os dois diplomatas, preparado para o seminário sobre os 100 Anos da posse do Barão do Rio Branco como chanceler, realizado nos dias 28 e 29 de agosto, no IRBr, Brasília. Publicado in Carlos Henrique Cardim e João Almino (orgs.), Rio Branco, a América do Sul e a Modernização do Brasil (Brasília: Comissão Organizadora das Comemorações do Primeiro Centenário da Posse do Barão do Rio Branco no Ministério das Relações Exteriores, IPRI-Funag, 2002, ISBN: 85-87933-06-X, p. 233-278). Ensaio incluído no volume: Oliveira Lima: um historiador das Américas, Paulo Roberto de Almeida, André Heráclio do Rêgo (Recife: CEPE, 2017, 175 p.; ISBN: 978-85-7858-561-7, p. 13-54); anunciado no Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/12/oliveira-lima-um-historiador-das.html). Relação de Originais n. 3177; Relação de Publicados n. 382 e 1277.
939. “Reflexões a propósito do centenário do Barão: (ou das dificuldades de ver no plano interno as razões de nossos problemas)”, Washington, 2 setembro 2002, 6 p. Ensaio sobre a relação entre nossos desafios externos e os problemas internos, em relação a texto de Rubens Ricupero sobre o centenário do Barão do Rio Branco e os desafios atuais para o Brasil no plano internacional. Publicado no Meridiano 47 (Brasília: ISSN 1518-1219, n. 28-29, novembro-dezembro 2002, p. 24-27; link: http://www.mundorama.info/Mundorama/Meridiano_47_-_1-100_files/Meridiano_28_29.pdf). Ensaio incorporado ao livro: Paralelos com o Meridiano 47: Ensaios Longitudinais e de Ampla Latitude (Hartford, 2015). Divulgado no blog Diplomatizzando (19/04/2020; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/04/cem-anos-da-posse-do-barao-do-rio.html). Relação de Publicados n. 358.
1727. “Dos arquivos da história: o Itamaraty nas fontes primárias”, Brasília, 20 fevereiro 2007, 4 p. Notas sobre os seguintes volumes: Alvaro da Costa Franco (org.): Com a palavra, o Visconde do Rio Branco: A política exterior no Parlamento imperial [1855-1875] (Rio de Janeiro: Centro de História e Documentação Diplomática; Brasília: Funag, 2005, 574 p.).
2065. “Prata da Casa – Boletim ADB 4o. trimestre 2009”, Brasília, 25 novembro 2009, 1 p. Notas sobre os livros: (...) Luiz Felipe de Seixas Corrêa: O Barão do Rio Branco: Missão em Berlim – 1901/1902 (Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009, 140 p.; ISBN: 978-85-7631-161-4). Publicado no Boletim ADB (ano 16, n. 67, outubro-novembro-dezembro 2009, seção “Prata da Casa”, p. 31). Relação de Publicados n. 943ter.
2372. “A economia do Brasil nos tempos do Barão”, Paris, 4 março 2012, 32 p. Ensaio preparado para seminário internacional em homenagem ao Barão do Rio Branco no centenário de sua morte (Rio de Janeiro, maio de 2012). Publicado como “A economia do Brasil nos tempos do Barão do Rio Branco”; In: Manoel Fomes Pereira (org.): Barão do Rio Branco: 100 anos de memória. Brasília: Funag, 2012, 748 p.; ISBN: 978-85-7631-413-4; p. 523-563. Relação de Publicados n. 1084.
2407. “O Barão do Rio Branco e as estratégias do Brasil: a grande e as pequenas”, Brasília, 10 de julho de 2012, 6 p. Colaboração ao primeiro número da revista do Curso Sapientia. Publicada na Revista Sapientia (ano 1, n. 2, setembro 2012, p. 23-25; ISSN: ; link: http://www.cursosapientia.com.br/revista/ed2/). Divulgado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2012/09/estrategias-de-politica-externa-grande.html). Relação de Publicados n. 1073.
2419. “Prata da Casa, Boletim ADB - 3ro. trimestre 2012”, Brasília, 20-25 agosto 2012, 5 p. Notas sobre os seguintes livros:  (...) 2) Luís Cláudio Villafañe G. Santos: O evangelho do Barão: Rio Branco e a identidade brasileira (São Paulo: Unesp, 2012, 176 p.; ISBN: 978-85-393-0244-4).
2434. “O Barão do Rio Branco: então e agora”, Brasília, 14 Outubro 2012, 11 p. Texto-guia para palestra na Universidade Federal de Passo Fundo, dia 18/10, Revisto integralmente para ser incorporado ao livro: Nunca Antes na Diplomacia...: A política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Appris, 2014, p. 289; ISBN: 978-85-8192-429-8). Relação de Originais n. 2596. Relação de Publicados n. 1133.
2466. “O Barão em todos os seus estados...”, Hartford, 20 fevereiro 2013, 3 p. Especial para o Boletim ADB, 1/2013, resumindo as Obras Completas do Barão (2012), a obra coletiva: Gomes Pereira, Manoel (org.). Barão do Rio Branco: 100 Anos de Memória (Brasília: Funag, 2012, 748 p.; ISBN: 978-85-7631-413-4), e dois livros ilustrados: caricaturas e exposição. Publicado no Boletim ADB (ano 20, n. 80, janeiro-fevereiro-março 2013, p. 4-7; ISSN: 0104-8503). Relação de Publicados n. 1092.
2483. “Prata da Casa, Boletim ADB – 2do. trimestre 2013”, Hartford, 27 Abril 2012, 3 p. Notas sobre os seguintes livros: (...) 4) Manoel Gomes Pereira: Barão do Rio Branco: 100 anos de memória (Brasília: Funag, 2012, 748 p.; ISBN: 978-85-7631-413-4).
2773. “Prata da Casa, Boletim ADB – 1ro. trimestre 2015”, Hartford, 15 fevereiro 2015, 3 p. Notas sobre os seguintes livros: (...) 6) Centro de História e Documentação Diplomática: II Conferência da Paz, Haia, 1907: a correspondência telegráfica entre o Barão do Rio Branco e Rui Barbosa (Brasília: FUNAG, 2014, 272 p.; ISBN 978-85-7631-508-7).
2852. “Prata da Casa, Boletim ADB – 3ro. trimestre 2015”, Hartford, 11 julho 2015, 3 p. Notas sobre os seguintes livros: (...) 5) Benjamin Mossé: Dom Pedro II: Imperador do Brasil (O Imperador visto pelo barão do Rio Branco) (Brasília: Funag, 2015, 268 p.; ISBN: 978-85-7631-551-3).
3213. “Diplomatas ganham o seu sindicato próprio: farão bom uso?”, Brasília, 19 dezembro 2017, 2 p. Comentários e transcrições, do Visconde do Rio Branco, e de Ribeiro Couto. Postado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/12/diplomatas-ganham-o-seu-sindicato.html).
3408. “A economia política do Barão, na obra de L. C. Villafañe”, Brasília, 7 fevereiro 2019, 13 p. Resenha do livro de Luís Cláudio Villafañe G. Santos: Juca Paranhos, o barão do Rio Branco (São Paulo: Companhia das Letras, 2018, 560 p.; ISBN: 978-85-359-3152-5). Publicado em Meridiano 47 - Journal of Global Studies 20 (agosto 2019; link: http://periodicos.unb.br/index.php/MED/issue/view/1811); disponível nos links: http://periodicos.unb.br/index.php/MED/article/view/22839/23240 e https://doi.org/10.20889/M47e20007). Divulgado no blog Diplomatizzando (24/08/2019; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/08/a-economia-politica-do-barao-na-obra-de.html); disponível na plataforma Academia.edu (link:https://www.academia.edu/40165256/A_economia_politica_do_Barao_na_obra_de_L._C._Villafane). Relação de Publicados n. 1318.
3412. “Prata da Casa, outubro de 2018 a fevereiro de 2019”, Brasília, 20 fevereiro 2019, 6 p. Resenhas dos seguintes livros para a Revista da ADB:  (...) 5) Villafañe G. Santos, Luís Cláudio: Juca Paranhos, o barão do Rio Branco (São Paulo: Companhia das Letras, 2018, 560 p.; ISBN: 978-85-359-3152-5).


Cem anos da posse do Barão do Rio Branco (1902) como chanceler - Paulo Roberto de Almeida (2002)

Dando continuidade à publicação de meus textos sobre o Barão do Rio Branco, transcrevo um pequeno artigo que fiz em 2002, como reflexão a partir de artigo do embaixador Rubens Ricupero, publicado pouco antes, e que transcrevo ao final desta postagem.
Paulo Roberto de Almeida

Reflexões a propósito do centenário do Barão
(ou das dificuldades de ver no plano interno as razões de nossos problemas)

Paulo Roberto de Almeida
Washington, 2 setembro 2002

Em artigo publicado na Folha de São Paulo do dia 1º de setembro [in fine], o Embaixador Rubens Ricupero traça brilhante retrospecto da ação competente do Barão do Rio Branco à frente da chancelaria brasileira, do final de 1902 ao início de 1912. Está ali plenamente justificada a opção preferencial do Barão por uma estreita aliança com os Estados Unidos, em face do agressivo imperialismo europeu, então em seu auge expansionista. Os desafios se colocavam mais no plano global do que no regional, uma vez que neste o Barão soube negociar todas as pendências fronteiriças com pleno conhecimento de causa.
Na arena internacional, porém, como escreve Ricupero, “os desafios globais tinham natureza diferente e pertenciam a outra esfera, a das relações com as grandes potências, perante as quais estávamos inferiorizados por um diferencial de poder tamanho que éramos obrigados a inventar um jogo defensivo mais sutil e indireto.” Daí a tentativa do Barão, em grande medida frustrada, de multilateralizar a doutrina Monroe, em torná-la um instrumento de defesa coletiva do continente em face da agressividade européia, o que não foi logrado justamente porque os EUA estavam então adotando os mesmos métodos “civilizadores” dos europeus. 
Em todo caso, a estratégia política do Barão – de construir uma estreita aliança com os EUA – foi por Ricupero considerada como apropriada em seu contexto, sendo consagrada como norma da política externa brasileira nas fases subsequentes do período republicano: “As fórmulas do barão deram certo, convertendo-se por longos anos em paradigma incontornável da política externa brasileira.” Ricupero, no entanto, coloca a questão de saber se essa estratégia poderia ser adequada igualmente para nossa própria época, daí o sentido do seu título interrogativo: “O que faria o Barão?”. 
Diz Ricupero que, atualmente, “talvez pela primeira vez em um século, defrontamo-nos com dilemas tão desafiadores como os de 1902. Eles apresentam semelhanças de ordem geral com os do passado já que de novo temos de nos definir diante de alteração radical na estrutura mundial de poder e em relação a uma fase muito mais intensa de globalização.” A diferença, contudo, é que o império ameaçador tornou-se aquele mesmo com o qual pretendíamos nos aliar um século atrás: “Desta vez, no entanto, não é o sistema multipolar a incorporar novo ator principal como os EUA, mas são estes últimos que engolem o multipolarismo para concentrar quase todo o poder. O problema é saber se esse poder será exercido unilateralmente ou se sera possível, em alguma medida, colocá-lo a serviço de ordem internacional consentida, tolerante, generosa e justa e que papel poderia ter a diplomacia brasileira nesse esforço.”
Ricupero não traz respostas à questão de como conviver com esse novo desafio, nem especulando sobre o que faria o Barão, hoje, nem sobre o que ele mesmo propõe como estratégia defensiva ou ofensiva do Brasil nesse novo contexto. Sua conclusão soa quase como uma dúvida existencial do Brasil na presente conjuntura, na qual defensores e adversários do projeto da Alca se dividem em igual número por todo o espectro político e econômico nacional. Pergunta ele, à guisa de conclusão: “Será viável construir um tipo de inserção internacional que compatibilize uma Alca mais equilibrada e equânime com as oportunidades abertas pelo multilateralismo comercial em relação à Europa, à Ásia, a todas as regiões e países, essência da genuína globalização?”
Minha presente reflexão, longe de pretender contestar a brilhante argumentação de Ricupero, vai no sentido de colocar uma interrogação mais profunda, vinculada à própria orientação da política externa ou, o que me parece ainda mais fundamental, ao problema da determinação das origens dos nossos problemas de inserção internacional e das raízes desses mesmos problemas.
Observando o debate sobre a Alca e as demais negociações em que estamos engajados, sobre as alternativas de políticas comercial, industrial e diplomática que deveríamos implementar na próxima fase da consolidação econômica e democrática a partir de 2003, não posso deixar de registrar como os diferentes interlocutores sociais e políticos que intervêm nesse debate tendem a atribuir a fatores externos as principais fontes de desafios para o Brasil. De certa forma, os motivos de nossos desequilíbrios são dados, ora pelos tão vilipendiados capitais voláteis, ora pelo protecionismo europeu ou americano, qunado não pelo unilateralismo e prepotência dos países mais ricos, como no suposto projeto de “anexação colonial”, agora representado pela Alca.
Frente a esses desafios, o Brasil sempre tendeu a adotar uma postura defensiva e retraída, como na luta contra a prepotência inglesa do século 19, que pretendia acabar com o tráfico negreiro, na resistência envergonhada contra as pressões de uma das mais velhas ONGs do mundo, a Anti-Slavery Society, à época engajada em ver acelerada a abolição da escravidão no Brasil, reclamando oficialmente contra a propaganda contrária que se fazia na Europa, no início do período republicano, à ida de emigrantes para o Brasil – como se eles não fossem tratados praticamente como substitutos dos escravos nas plantações de café –, bem como contra, já então, os esforços dos EUA de constituir, no plano hemisférico, uma “customs union”, tal como proposta na primeira conferência americana de Washington, em 1889-1890, virtual antecessora do atual projeto da Alca. 
Nos anos 40 e 50 do século passado, por outro lado, quando toda a sociedade se mobilizava na tarefa da industrialização nacional, pretendíamos ter capitais estrangeiros para tal, mas de preferência sem o apêndice incômodo dos capitalistas estrangeiros, isto é, gostaríamos que os países ricos financiassem nosso esforço industrializador mediante adequada transferência de capitais mas preservando totalmente o controle sobre vetores e mecanismos desse processo. Tratava-se, como no século 19, de aceitar as benesses do mundo externo sem incorporar suas obrigações, em termos de educação das massas, de promoção de direitos sociais ou, mais prosaicamente, das obrigações e contrapartidas decorrentes de um mundo verdadeiramente interdependente. 
Em todos esses episódios e processos, o que chama a atenção é a dificuldade dos setores dominantes no Brasil em ver a origem dos problemas no próprio Brasil, em nossas esclerosadas estruturas sociais, em nosso deficiente aparelhamento produtivo, em nossa incapacidade em reconhecer que a ineficiência geral do sistema econômico deriva, essencialmente, da baixa qualificação geral do nosso povo, o que deriva, obviamente, dos níveis ínfimos de educação formal da maioria da população. Passa-se a imagem de que com um ambiente externo mais favorável – menos protecionismo, mais financiamento internacional, maior estabilidade de preços nos mercados mundiais, mais cooperação ao desenvolvimento sob a forma de transferência de tecnologia, maiores possibilidades externas, enfim, revertendo em maiores oportunidades internas – poderíamos impulsionar de forma decisiva e célere nosso processo de desenvolvimento econômico e social. 
Tenho um certo grau de respeito por essa visão “técnica” dos nossos principais problemas, inclusive pela forma competente como sabemos (e sempre soubemos) mobilizar, mediante uma diplomacia que demonstra uma certa competência técnica, essas “possibilidades externas” para convertê-las em oportunidades nacionais. Não posso, porém, deixar de receber com um certo sorriso de desconfiança essas tentativas nossas de transferir para outra esfera a origem de nossos problemas seculares de desenvolvimento, sempre postergando para depois a solução de questões cruciais que, elas sim, estão na raiz de nosso vergonhoso atraso social. Como explicar de outra forma o fato, em si bastante auspicioso, de que tenhamos conseguido conformar a décima mais importante economia do planeta – depois de termos sido durante décadas os primeiros fornecedores de vários produtos primários, verdadeiros monopolistas de algumas commoditiesbastante transacionadas nos mercados mundiais – e continuarmos, por outro lado, a ostentar uma das mais indecentes estruturas de repartição social da renda que se conhece nesse mesmo planeta? Como conciliar, de um lado, a pujança de nossa indústria – nacional e multinacional – e a tremenda competitividade de nossa agricultura com, de outro lado, níveis tão iníquos de educação e saúde para milhões de nossos compatriotas?
Não sei se esses fatos perturbam meus colegas diplomatas e, de forma geral, nossos líderes políticos, mas a mim isso causa um imenso desconforto, não apenas nas reuniões e conferências internacionais a que assisto por dever de ofício, mas como simples cidadão brasileiro, como pessoa humana pertencente a uma coletividade. Não posso, assim, deixar de reagir com um certo ceticismo – embora sadio, pois o pessimismo absoluto não constrói nada de permanente – a esses belos discursos em prol da soberania nacional e do desenvolvimento, de manutenção do tratamento preferencial e mais favorável para países em desenvolvimento, de aumento na cooperação internacional e do estabelecimento de regras especiais no comércio mundial para lidar com os “problemas específicos dos países em desenvolvimento”. Sou, sim, profundamente cético, para não dizer que sou virtualmente contrário, em relação às possibilidades criadoras dessa pretensa “importação de desenvolvimento”, talvez por acreditar, como já afirmava o saudoso Barbosa Lima Sobrinho, que “capital se faz em casa”, e que ele se faz, basicamente, mediante a formação de recursos humanos. 
Por isso gostaria de terminar estas reflexões repetindo a mesma fórmula de que utilizei-me em palestra efetuada no Instituto Rio Branco, em 2 de abril de 2002, por ocasião do lançamento de meu livro Formação da Diplomacia Econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império (São Paulo-Brasília: Senac-Funag, 2001). Se eu não corresse o risco de parecer demagógico, à pergunta de saber para quê, enfim, deveria servir nossa diplomacia, tida como excelente, eu responderia, simplesmente, que ela deveria servir para colocar crianças na escola, algo que continua a ser o nosso grande problema (e drama) nacional. Se admitirmos que já conseguimos colocar a maior parte dessas crianças na escola e que o problema não é mais este (mas ele ainda é, certamente, o do desempenho escolar), então eu diria que a diplomacia deveria servir, antes de mais nada, para melhorarmos a qualidade de nosso sistema educacional, que continua a ser extremamente deficiente. De resto, de que adianta ter uma diplomacia avançada, mas um povo sem condições de competir na arena da economia mundial?
Estas são, finalmente, as raízes de nosso medo diante da Alca e diante de outros tantos desafios do cenário internacional: não temos confiança em nós mesmo, pois que somos um povo fragilizado pela ausência, quase dois séculos depois de o País ter-se tornado independente e da existência de um Estado constituído, de uma verdadeira Nação, que ainda resta a construir em seu tecido social e em sua formação cultural. Como diplomata ou como cidadão, essa anomia estrutural me traz bastante desconforto, ao passo que os desafios apontados por Ricupero no cenário internacional nada mais são senão meros embates de interesses setoriais que saberemos conduzir da melhor forma possível.
Mas eu me sentirei frustrado se, ao cabo desses processos negociadores e tendo sabido defender ao melhor possível os chamados “interesses nacionais” – com Alca ou sem Alca, não importa muito aqui –, eu olhar novamente para dentro e constatar que, finalmente, o cenário interno no Brasil mudou muito pouco, a despeito de um ou outra “vitória diplomática” no plano externo. 
Alternativamente, eu me sentirei sinceramente recompensado se, ao examinar novamente o itinerário da nossa diplomacia no início do século XXI – quando, por exemplo, completarmos dois séculos de exercício diplomático contínuo a partir do território nacional, em 2008 – puder constatar que essa diplomacia não precisará mais servir, ainda que hipoteticamente, para colocar crianças na escola. Se tivermos logrado vencer a batalha interna da formação do povo e da qualificação educacional da população eu me sentirei recompensado, como diplomata e como cidadão.
Até lá, temos muito trabalho pela frente, e não apenas no plano da diplomacia econômica e comercial, ainda que este esforço continuado fosse apenas para manter e justificar nossa fama de excelentes. Na verdade, não me importa muito saber o que faria o Barão em face desse tipo de desafio, pois não o considero o mais importante que temos. De fato, não creio que necessitemos de um novo Barão – seja ele quem for: um diplomata genial ou toda uma categoria profissional tida por excelente – e sim de uma consciência clara de que nossos principais problemas não são de ordem externa e sim, todos, de natureza interna. Mãos à obra, portanto, pois tenho a impressão de que a história não absolverá nossa geração diplomática, se daqui até lá não contribuirmos com todas as nossas forças para colocarmos o País real em compasso com a suposta excelência de sua diplomacia.

Paulo Roberto de Almeida
Washington, 938: 2 de setembro de 2002.

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(artigo original de Rubens Ricupero)

O QUE FARIA O BARÃO?

Cem anos atrás, a política externa brasileira enfrentava dois formidáveis desafios que voltam a nos pôr à prova sob roupagem diferente. O primeiro era como lidar com uma súbita transformação da estrutura mundial de poder que nos afetava diretamente. O segundo era inserir o país num sistema internacional profundamente alterado por um processo de globalização sem precedentes. 
Nesta semana, em Brasília, deu-se início às comemorações do centenário da longa gestão do barão do Rio Branco como ministro das Relações Exteriores, a partir de 1º de dezembro de 1902, nove anos e pouco da mais brilhante e criativa estratégia externa desenvolvida pelo Brasil. Não eram só as questões globais que nos pressionavam então. Os problemas fronteiriços eram prementes e alguns, como o do Acre, explosivos e inadiáveis. Tratava-se, porém, no fundo, de questões típicas do século 19, a serem resolvidas com métodos daquele século, corretamente aplicados, o que se fez com incomparável competência. Estavam também inseridas no eixo das relações com nações das quais não nos separavam grandes diferenças de poder, ou, quando estas existiam, tendiam a favorecer-nos (casos da Bolívia e do Peru no Acre). 
Já os desafios globais tinham natureza diferente e pertenciam a outra esfera, a das relações com as grandes potências, perante as quais estávamos inferiorizados por um diferencial de poder tamanho que éramos obrigados a inventar um jogo defensivo mais sutil e indireto. De um lado, pesavam sobre nós as ameaças do imperialismo europeu no apogeu de sua arrogância e agressividade. A ilha da Trindade tinha sido ocupada pelos ingleses anos antes, tivéramos choques armados e sangrentos com os franceses em Calçoene, no Amapá, e haveríamos de provar no futuro a prepotência teutônica no perigoso incidente do Panther. Do outro lado, a emergência dos Estados Unidos como potência global era um verdadeiro terremoto na estrutura de poder tradicionalmente dominada pela Europa e não podia ser ignorada, pois ocorria no espaço continental a que pertencíamos. A estratégia de Rio Branco consistirá essencialmente em fazer uso do segundo fenômeno para neutralizar os perigos decorrentes do primeiro, mediante a "aliança não-escrita" ou opção preferencial por Washington. 
Explorando, no jargão marxista, as "rivalidades intra-imperialistas", o barão apoiou a Doutrina Monroe e o pan-americanismo patrocinados pelos EUA. É verdade que o poder americano se expressava às vezes de modo truculento -na política do "Big Stick" de Teddy Roosevelt, por exemplo. Ela se exercia, contudo, longe de nossas fronteiras, contra Cuba, contra o Panamá, contra a América Central, contra o Caribe, não no Amapá ou em Roraima. O que pragmaticamente interessava a Paranhos era obter o apoio ou a simpatia americanos nas questões fronteiriças contra os europeus e os latino-americanos e colaboração e ajuda na projeção do Brasil no continente ou no mundo. Quando isso não era possível, não hesitava em tomar partido contra os EUA, como fez nas instruções a Rui Barbosa em Haia. Seu objetivo era tornar a Doutrina Monroe uma política de defesa coletiva das Américas, e não mais um instrumento unilateral dos americanos, o que não conseguiu devido às resistências encontradas na Conferência Interamericana de Buenos Aires de 1909. 
Ao mesmo tempo que assim lidava magistralmente com o poder mundial em mutação, Rio Branco percebeu que a fase da globalização vitoriana modificava em prejuízo do Brasil o sistema de poder na América do Sul. Na nova etapa da divisão internacional de trabalho que veio então à luz, os mais favorecidos foram a Argentina e, em menor grau, o Uruguai, exportadores de produtos temperados (carnes, trigo, cereais, lãs), em forte demanda na Europa urbanizada pela Revolução Industrial. Fornecedora de produtos tropicais de sobremesa (açúcar, café, cacau) desde o início da colônia, a economia brasileira beneficiou-se menos em matéria de investimentos e financiamentos ingleses, de expansão das exportações e até do afluxo de imigrantes em termos relativos à população. A rápida prosperidade da Argentina e sua modernização em decorrência da plena integração da economia ao sistemaeuropeu não poderiam deixar de acarretar um reforço do poderio militar e estratégico platino em época de aguda rivalidade com o Brasil. 
Aqui também o caminho encontrado pelo barão para contra-arrestar essa tendência foi acentuar a inserção brasileira no sistema econômico cujo centro era não a Europa, mas os EUA. A realidade objetiva justificava a escolha, pois nesse período o mercado americano absorvia cerca de 36% das exportações brasileiras (contra 25% a 18% hoje), era o principal importador do nosso café (mais de 50%), da borracha e do cacau, os investimentos ianques concentravam-se na indústria de transformação, no automóvel, no novo, em contraste com os britânicos, que preferiam as ferrovias e os serviços públicos (como hoje fazem os capitais espanhóis e portugueses). 
As fórmulas do barão deram certo, convertendo-se por longos anos em paradigma incontornável da política externa brasileira. Agora, talvez pela primeira vez em um século, defrontamo-nos com dilemas tão desafiadores como os de 1902. Eles apresentam semelhanças de ordem geral com os do passado já que de novo temos de nos definir diante de alteração radical na estrutura mundial de poder e em relação a uma fase muito mais intensa de globalização.
Desta vez, no entanto, não é o sistema multipolar a incorporar novo ator principal como os EUA, mas são estes últimos que engolem o multipolarismo para concentrar quase todo o poder. O problema é saber se esse poder será exercido unilateralmente ou se sera possível, em alguma medida, colocá-lo a serviço de ordem internacional consentida, tolerante, generosa e justa e que papel poderia ter a diplomacia brasileira nesse esforço. O mesmo dilema nos desafia no caso da atual fase da globalização, que marginalizou a Argentina, deixou o Brasil em posição precariamente intermediária, mas inconfortável, e privilegiou o México por meio de sua incorporação ao espaço econômico da América do Norte. Será viável construir um tipo de inserção internacional que compatibilize uma Alca mais equilibrada e equânime com as oportunidades abertas pelo multilateralismo comercial em relação à Europa, à Ásia, a todas as regiões e países, essência da genuína globalização? 

(Rubens Ricupero é embaixador)
(Folha de São Paulo, 01/09/02)

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Carnaval: em 1912, com a morte de Rio Branco, o Brasil teve dois - Ricardo Westin (Poder 360)

Morte do Barão do Rio Branco fez Brasil ter dois Carnavais em 1912



O primeiro foi em fevereiro
E o segundo em abril
Charge de 1912 critica brasileiros que caíram na folia apenas uma semana depois da morte do Barão do Rio Branco Reprodução/O Malho/Biblioteca Nacional

Os foliões nunca se esbaldaram tanto quanto em 1912. Naquele ano, o Brasil teve dois Carnavais. O primeiro foi em fevereiro, seguindo o calendário regulamentar. A festança se repetiria em abril, na Páscoa, com outros cinco dias de fantasia, confete e serpentina.

Paradoxalmente, o Carnaval em dobro teve origem na morte de um herói nacional: o Barão do Rio Branco, ministro das Relações Exteriores havia quase uma década. Vítima de insuficiência renal, ele morreu aos 66 anos em 10 de fevereiro, um sábado, quando faltava exatamente uma semana para os festejos.

Revista O Malho noticia morte do Barão do Rio Branco e exalta seus feitos diplomáticos Reprodução/Biblioteca Nacional

O Brasil caiu em luto. No Rio de Janeiro, a capital da República, uma multidão chorosa fez fila no Palácio do Itamaraty para ver o cadáver de Rio Branco e acompanhou o caixão até o Cemitério do Caju, onde o ministro foi enterrado com honras de chefe de Estado.
Dada a comoção generalizada, os clubes do país que organizavam bailes à fantasia, em especial os do Rio, acharam que seria desrespeitoso promover a esbórnia em pleno período de luto. Por isso, decidiram cancelar os bailes em cima da hora e remarcá-los para a semana da Páscoa.

Em sinal de luto pela morte de Rio Branco, clubes do Rio adiam bailes de Carnaval de fevereiro para abril Reprodução/O Paiz/Biblioteca Nacional

O problema é que, para os foliões mais afoitos, um mês e meio seria uma espera longa e torturante demais. Quando chegou o sábado de Carnaval, eles concluíram que uma semana de luto por Rio Branco já tinha sido mais do que suficiente. Vestiram a fantasia e foram para as ruas munidos de confete, serpentina e lança-perfume (que só seria proibido em 1961, pelo presidente Jânio Quadros).

Charge de 1912 critica brasileiros que caíram na folia apenas uma semana depois da morte do Barão do Rio Branco Reprodução/O Malho/Biblioteca Nacional

Passada a Quaresma, veio a segunda rodada de festejos. No Carnaval bônus, a gandaia foi mais diversificada do que no primeiro Carnaval. Os foliões puderam se divertir tanto nas guerras de confetes nas ruas quanto nos bailes de máscaras nos clubes.

Cariocas fantasiados se divertem no segundo Carnaval de 1912 Reprodução/O Malho/Biblioteca Nacional

Apesar de não ter funcionado, a ideia de adiar o Carnaval por causa da morte de Rio Branco não chegava a ser descabida. Documentos históricos guardados no Arquivo do Senado mostram que, de fato, o Barão do Rio Branco tinha status de herói.
Em 1904, quando ele já era ministro, os senadores e deputados aprovaram um projeto de lei que lhe concedeu uma pensão vitalícia de 2 contos de réis mensais pelo “reconhecimento aos inolvidáveis serviços prestados ao país”.
O senador Arthur de Souza Lemos (PA), num relatório de 1910 a respeito de um tratado entre o Brasil e o Uruguai negociado por Rio Branco, classificou o ministro de “legendário” e destacou o seu “tato delicadíssimo” nas negociações internacionais.
O grande feito de Rio Branco foi ter concluído o traçado das fronteiras do Brasil, que na virada do século passado ainda tinha linhas nebulosas e pendentes. Antes de ser ministro, apenas como diplomata, ele atuara nas arbitragens internacionais que garantiram ao país o oeste de Santa Catarina (disputado com a Argentina), em 1895, e a área que compreende o Amapá, Roraima e o norte do Pará e do Amazonas (disputada com a França), em 1900.

O Barão do Rio Branco se tornou o patrono da diplomacia brasileira por ter alargado as fronteiras do país Ministério das Relações Exteriores

Graças ao sucesso nas duas missões, Rio Branco se tornou ministros das Relações Exteriores em 1902. Logo veio outro êxito: em 1903, após intensas negociações, assinou com a Bolívia o Tratado de Petrópolis, que incorporou o Acre ao território nacional.
De acordo com o historiador e diplomata Luís Cláudio Villafañe G. Santos, autor da biografia Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco (editora Companhia das Letras), não é exagero considerá-lo herói:
— Se juntarmos todas as áreas que Rio Branco ganhou para o Brasil, teremos um território equivalente a toda a Região Sul mais o estado de Pernambuco. Isso não é pouca coisa. Além disso, é preciso lembrar que, na disputa com os franceses, o pleito deles era chegar até o Rio Amazonas. Foi graças a Rio Branco que isso não aconteceu.
Dado o seu prestígio, ele foi convidado pelos caciques políticos de São Paulo para concorrer à Presidência da República em 1910, mas não aceitou. Em seu lugar, entrou Ruy Barbosa, que foi derrotado pelo marechal Hermes da Fonseca.

Jornal O Paiz dá destaque ao enterro de Rio Branco Reprodução/Biblioteca Nacional

O Barão do Rio Branco vinha de uma família influente na política do Império. Seu pai era o Visconde do Rio Branco, o primeiro-ministro de dom Pedro II que coordenou a aprovação da Lei do Ventre Livre (1871).
De acordo com documentos do Arquivo do Senado, o senador Quintino Bocayuva (RJ) fez um discurso em maio de 1912 homenageando o recém-finado ministro das Relações Exteriores:
— Rio Branco foi durante sua vida e depois de sua morte a mais alta e a mais gloriosa representação da nacionalidade brasileira e um símbolo venerado do mais puro acendrado patriotismo. Seu nome ficou indelevelmente gravado no bronze de nossa história pátria.

Telegramas de condolências que o Senado recebeu do exterior pela morte de Rio Branco Reprodução/Arquivo do Senado

Na Mensagem Presidencial que enviou ao Congresso na abertura do ano legislativo de 1912, também em maio, o marechal Hermes da Fonseca lamentou a perda.
“Todas as homenagens são devidas à memória do integrador do território pátrio. O meu governo a ele prestou, no momento dos seus funerais, toda as honras que podia, certo de que, por maiores que elas fossem, ainda seriam poucas em comparação aos excelsos serviços prestados ao país pelo incomparável extinto”, escreveu o presidente.
Meses depois, em dezembro, o Senado e a Câmara autorizaram o governo federal a gastar até 1,5 mil contos de réis na construção de um monumento em homenagem ao ministro.
No Rio, o grande ponto de concentração do primeiro Carnaval de 1912 foi a Avenida Central. No segundo Carnaval daquele ano inesquecível, a multidão voltou a se reunir na mesma via, agora rebatizada pela prefeitura de Avenida Rio Branco.

Quatro dias após a morte do ministro, decreto da prefeitura do Rio muda o nome da Avenida Central para Avenida Rio Branco Reprodução/O Paiz/Biblioteca Nacional

Nos festejos derradeiros de 1912, um grupo de cariocas gaiatos saiu com a seguinte marchinha zombeteira: “Com a morte do barão, / tivemos dois Carnavá. / Ai, que bom, / ai, que gostoso / se morresse o marechá”.
O raciocínio era bem simples: na hipótese do presidente morrer, 1912 teria três Carnavais.


Foliões aproveitam o Carnaval extra de 1912 no Rio de Janeiro Reprodução/O Malho/Biblioteca Nacional

Reportagem e edição: Ricardo Westin
Pesquisa: Arquivo do Senado
Coordenação e edição de multimídia: Cássio Costa
Edição de fotografia: Pillar Pedreira
Fonte: Agência Senado

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Rio Branco, a diplomacia e o conhecimento da história - Cesar Maia

Conhecer a história é essencial. Melhor, em todo caso, do que ficar repetindo o que disseram filósofos alemães que não têm absolutamente nada a ver com a nossa diplomacia ou política externa...

RIO BRANCO E O PRATA!Da coluna de Cesar Maia, 9/10/2019

(José Alfredo Vidigal Pontes, historiador, autor dos livros ‘A Política do Café com Leite: Mito ou História?’ E ‘1932: O Caráter Nacional de um Movimento Democrático’ - O Estado de S. Paulo, 07)

“Um diplomata não serve a um regime e sim a um país”
Barão do Rio Branco

Nada mais atual e oportuno do que essa frase em epígrafe de José Maria da Silva Paranhos Júnior, mais conhecido como barão do Rio Branco. Monarquista convicto, serviu a cinco presidentes republicanos. Graças a ele resolvemos exemplarmente nossos problemas fronteiriços, propiciando boa coexistência e frutíferas relações.

No sul do País as trocas entre os povos antecederam o próprio estabelecimento das fronteiras, numa época em que eram apenas domínios espaciais ainda indefinidos dos impérios coloniais ibéricos. O comércio platino fortaleceu tanto os hispânicos como os luso-brasileiros, numa relação mútua de prosperidade, em meio a pontuais conflitos armados.

Apesar de seu passado monarquista, o barão foi convidado em 1893 por Floriano Peixoto a defender o Brasil numa querela fronteiriça com a Argentina, a qual envolvia boa parte da região oeste dos atuais Estados do Paraná e Santa Catarina. Em alguns meses preparou um estudo de seis volumes, A Questão de Limites Entre o Brasil e a República Argentina, e o enviou a Grover Cleveland, o então presidente norte-americano e árbitro da questão. Esse litígio, conhecido na época com a Questão de Palmas, foi decidido inteiramente a favor do Brasil por decisão de Cleveland, acatando os sólidos argumentos de Rio Branco. Pois ele não só conhecia profundamente os termos do Tratado de Madri (1750), como também a minuciosa e sigilosa cartografia hidrográfica luso-brasileira acumulada sucessivamente pelos brilhantes diplomatas Luís da Cunha e Alexandre de Gusmão.

O barão demonstrou claramente que não existe diplomacia eficiente sem conhecimento histórico, nem História sem embates diplomáticos.

Outra questão tratada na época por Rio Branco, ainda como embaixador especial, foi a do condomínio de acesso dos uruguaios ao Rio Jaguarão e à Lagoa Mirim, com civilizadas concessões da parte do Brasil. Três anos depois, em 1902, o barão era convidado a assumir o Ministério das Relações Exteriores, no governo Rodrigues Alves, sendo confirmado por todos os presidentes até sua morte, em 1912.

Como ministro, resolveu satisfatoriamente as questões do Acre e do Amapá, mas, anteriormente, ainda como advogado, deu prioridade às questões pendentes no Prata, pois tinha plena consciência de sua vital importância geopolítica para o Brasil. A partir da independência das antigas colônias sul-americanas, no século 19, foram realizadas as últimas grandes definições de fronteiras platinas mediante conflitos armados: a Questão Cisplatina, que resultaria na formação do Uruguai, e a Guerra do Paraguai. Na última década ainda restavam a Questão de Palmas, citada cima, e a da Lagoa Mirim para resolver e nesse momento Rio Branco foi convocado dado seu notório saber acerca dos antecedentes históricos das relações platinas.

A partir de 1580 houve um grande fluxo de comércio entre Buenos Aires e o Rio de Janeiro, durante a união das coroas ibéricas. Os luso-brasileiros levavam açúcar, tabaco, tecidos e escravos africanos em troca de prata e couros. Porém, a partir de 1640, com a restauração da independência portuguesa, essas transações diminuíram. O império português estava vulnerável e descapitalizado, tendo como inimigos os espanhóis e os holandeses. Foi dentro desse contexto de penúria monetária que, em 1680, o Conselho Ultramarino, em Lisboa, decidiu fundar Colônia do Sacramento, atrevida cidadela na banda oriental do Prata, bem defronte a Buenos Aires, a qual procurava retomar o fluxo de comércio com a América espanhola e o consequente acesso a pagamentos em moeda.

Enfrentamentos bélicos nessa região começaram a partir de então, mas também um próspero comércio entre as duas praças. Nessa época Buenos Aires era um pequeno porto com cerca de 8 mil habitantes, atrofiado pelo centralismo de Lima, que monopolizava a aduana da prata de Potosí.

Quase um século depois, quando Colônia do Sacramento passou para o domínio espanhol, o censo de 1778 apontou 24 mil habitantes em Buenos Aires, o triplo. Era então uma cidade bem equipada de serviços, cuja atividade comercial havia favorecido a expansão urbana.

De outro lado, a existência de Colônia do Sacramento contribuiu para a formação de uma identidade local portenha, a qual seria o embrião de um sentimento regional, aumentando a importância relativa de Buenos Aires no império espanhol e resultando na criação do Vice-Reinado do Prata.

A cidadela portuguesa do Prata, além de ter criado condições geopolíticas para a assinatura do Tratado de Madri, estimulou a ocupação dos atuais Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul: gado selvagem dos pampas começou a ser levado para o abastecimento de Minas Gerais e Rio de Janeiro por tropeiros paulistas. O tropeirismo passou, então, a se constituir num fator estrutural no desenrolar de nossa história econômica, tornando viável a ocupação do sul do País, o abastecimento das minas de ouro e acumulando capital privado em São Paulo, que se imbricaria posteriormente com o açúcar, o café, as ferrovias e a indústria.

É curioso registrar que essa contribuição é originária inicialmente de muares, equinos e bois soltos pelos hispânicos que haviam retornado à vida selvagem. Rio Branco era ciente de todo esse histórico do processo de ocupação da Bacia do Prata, no qual o comércio foi o grande protagonista.

Uma reflexão sobre esse passado nos remete à importância da saudável integração econômica entre países vizinhos sem barreiras tarifárias.

O barão demonstrou que não há diplomacia eficiente sem conhecimento histórico...

sexta-feira, 28 de junho de 2019

Villafañe abre na ABL o ciclo de conferências sobre o Barão do Rio Branco

Diplomata e historiador Luís Cláudio Villafañe abre na ABL o ciclo de conferências sobre o Barão do Rio Branco


O diplomata e historiador Luís Cláudio Villafañe abre na Academia Brasileira de Letras o ciclo de conferências Legado de Rio Branco: interpretações e atualidade, sob coordenação do Acadêmico e jornalista Merval Pereira. O evento está programado para o dia 4 de julho, quinta-feira, às 17h30min, no Teatro R. Magalhães Jr. (Avenida Presidente Wilson, 203, Castelo, Rio de Janeiro), com o tema Procedo neste caso como teria procedido o Barão: O legado de Rio Branco como fonte de legitimidadeEntrada franca. 
A Acadêmica e escritora Ana Maria Machado é a coordenadora geral dos Ciclos de Conferências de 2019.
Serão fornecidos certificados de frequência. 
O ciclo terá mais duas conferências no mês de julho, sempre às quintas-feiras, no mesmo local e horário: Rio Branco hoje: os desafios do ofício, com o diplomata Marcos Azambuja, no dia 11; e Rio Branco: a persistência de um novo paradigma para a política externa, diplomata e professor Gelson Fonseca, dia 25.
O CONFERENCISTA
Luís Cláudio Villafañe Gomes Santos, diplomata e historiador, nasceu no Rio de Janeiro em 18 de setembro de 1960. Bacharel em Geografia pela Universidade de Brasília e bacharel em Diplomacia pelo Instituto Rio Branco, possui pós-graduação em Ciência Política pela New York University e mestrado e doutorado em História pela Universidade de Brasília.
Nomeado Embaixador do Brasil na República da Nicarágua por Decreto de 16 de fevereiro de 2017.
Como diplomata serviu no Escritório Financeiro do Itamaraty em Nova York, nas Embaixadas do Brasil na Cidade do México, Washington, Montevidéu e Quito, e na Missão do Brasil junto à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em Lisboa.
Villafañe é autor de diversos livros sobre a história das relações exteriores do Brasil, entre os quais, O Evangelho do Barão (Unesp, 2012) e O dia em que adiaram o carnaval (Unesp, 2010). Foi curador da mostra oficial sobre o centenário da morte do patrono da diplomacia brasileira “Rio Branco: 100 anos de memória”, exibida em Brasília e no Rio de Janeiro em 2012.
Publicou artigos em revistas especializadas e participou em obras coletivas no Brasil, Estados Unidos, Europa e América Latina, dentre as quais a coleção Historia General de América Latina, publicada pela Unesco.
Ademais de sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (Rio de Janeiro) e da Academia de Geografía e Historia de Nicaragua (Manágua), é pesquisador associado ao Observatório das Nacionalidades (Fortaleza).
Vencedor do Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), melhor livro do ano (2018) na categoria Biografia/Autobiografia/Memória, com Juca Paranhos, o barão do Rio Branco.

27/06/2019

Acadêmico Merval Pereira convida para o ciclo "Legado de Rio Branco: interpretações e atualidade"