Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;
Este ensaio da escritora Eliane Brum foi elaborado na primeira quinzena do primeiro mês do novo governo, e publicado no El País em 16/01, republicado em meu blog Diplomatizzando pouco tempo depois. A escritora se antecipou a diversos desenvolvimentos que estavam recém sendo revelados naquelas duas semanas iniciais, daí a razão de minha republicação na plataforma Academia.edu, com vistas a alcançar um público mais vasto. Paulo Roberto de Almeida Brasília, 3 de setembro de 2019
O chanceler quer
apagar a história do Brasil
Como o ideólogo do governo Bolsonaro usa
José de Alencar para pregar a assimilação dos indígenas e justificar a abertura
de suas terras para o agronegócio
“Vamos
ler menos The New York Times, e mais José de Alencar e Gonçalves Dias”,
afirmou o chanceler do bolsonarismo, Ernesto Araújo, em seu discurso
de posse. Por quê?
Prestar atenção ao que diz o
chanceler Ernesto Araújo tem se mostrado tarefa penosa, mas fundamental para
compreender como a ideologia do Governo Bolsonaroestá sendo
construída. O diplomata foi indicado por Olavo de Carvalho,
considerado o “guru da nova direita” brasileira, desde sua casa nos Estados
Unidos. Claramente, Araújo tem a pretensão de dar a base intelectual ao que o
bolsonarismo chama de “nova era”. Se integrantes mais preparados do governo
concordam, há dúvidas robustas para suspeitar que não. Araújo, porém, segue
firme em seu propósito, publicando artigos onde consegue espaço.
O discurso de posse como
novo ministro de Relações Exteriores é uma falsificação da história, com o
objetivo de justificar o presente e o futuro próximo. Para fazer parecer que a
estrutura parava em pé, o chanceler usou seu grego, seu latim e até mesmo seu
tupi, abusou do recurso do name-dropping (ótima expressão em
língua inglesa para aqueles que desfiam nomes e citações para impressionar o
interlocutor), dos clássicos à cultura pop. Todos já bem mortos, para que
nenhum deles pudesse contestar a citação. Nenhuma de suas escolhas é um acaso.
Vale a pena se deter em cada uma delas porque, como já escrevi neste espaço, os malucos agora sapateiam no palco — e sapateiam com poder de destruição.
Ernesto Araújo é um
personagem ainda obscuro para o Brasil, embora seja um diplomata de carreira do
Itamaraty. Em seu discurso, ele dispôs de figuras e acontecimentos históricos,
assim como artistas contemporâneos, como se eles estivessem misturados como
bonecos de plástico numa prateleira, para serem usados ao gosto do freguês — e
para o propósito do freguês. Arrancados de seu contexto e esvaziados de
conteúdo, eles foram manipulados pelo chanceler para produzir a sua
falsificação. Cada frase tem ali um objetivo.
O presidente da República, Jair Bolsonaro, compareceu a uma solenidade na Câmara dos Deputados, segunda-feira 15/7, para declarar, entre outras coisas, que as críticas feitas à possibilidade de indicar seu filho Eduardo (PSL-SP) para assumir a embaixada do Brasil em Washington são a melhor prova de que a indicação está correta. Se o filho “está sendo criticado, é sinal de que é a pessoa adequada”, afirmou Bolsonaro na tribuna da Câmara.
Nos últimos dias, várias vozes se levantaram para criticar a pretensão presidencial, interpretada como incompatível com as normas democráticas, a política externa brasileira e suas tradições de pragmatismo e independência, e também como uma atitude de nepotismo. Em sua esmagadora maioria, as críticas foram feitas sem qualquer recorte político-partidário.
A pretensão do presidente não é só nepotismo. É uma mistura de nepotismo com falta de visão estratégica (dos interesses nacionais) e com espírito de provocação. Revela falta de quadros e teimosia. Embaixadores são agentes do Estado, não podem ser reduzidos à condição de preferidos do presidente, especialmente se são seus familiares. Precisam de estofo técnico e intelectual e devem ser indicados a partir de avaliações criteriosas, que levem em conta a formação dos candidatos e sua capacidade de representar adequadamente os interesses do País. Isso tudo é mais do que sabido, e causa espanto que o presidente dê de ombros para obviedade tão grande.
Eduardo Bolsonaro não tem credenciais para representar o Estado brasileiro em Washington. Faltam-lhe experiência, vivência mundana, conhecimento técnico e histórico, consistência e maturidade intelectual. Também não se caracteriza por ter particular disposição para o diálogo, que é a essência da diplomacia. Não é um negociador “natural”, mas um provocador, que pratica a hostilidade permanente e vê inimigos por toda parte.
Ao Brasil em nada interessa que seu embaixador em Washington seja cegamente alinhado com as políticas de Trump, pois isso trava a soberania do País, pode implicar desrespeito aos interesses nacionais e colide com o tradicional pragmatismo da política externa brasileira. O gesto do presidente vem com sabor de “vingança” contra a parcela do corpo diplomático que resiste ou é contra as novas orientações. É mais ressentimento que outra coisa, com uma dose extra de desejo de promover o filho.
Hoje em dia, confusão pouca é bobagem. No episódio, ela se repõe, ampliada. Quanto mais atrito e dissonância, melhor. Como quem nada quer, o bolsonariano extremista Olavo de Carvalho buscou dar sua contribuição ao debate. Para ele, Eduardo não deveria aceitar a embaixada pois, caso o fizesse, deixaria de dar continuidade à investigação sobre o Foro de São Paulo, que, na sua opinião, tem muito maior relevância para o ajuste de contas com a esquerda, meta estratégica do governo. Em sua obsessão anticomunista e do alto da soberba de se achar qualificado para opinar sobre tudo e todos, o astrólogo parece vetar Eduardo porque deseja ficar com o campo livre para continuar posando de “embaixador informal” nos EUA.
A teia de interesses comuns que enreda Brasil e Argentina é densa e não se limita ao comércio
Governantes podem fazer muitas coisas. Mas nem o mais poderoso autocrata consegue mudar seu país de lugar ou escolher os vizinhos. Por isso, considerações geopolíticas constituem um dado das relações internacionais, assim como o trato de cada nação com as que lhe são próximas representa uma dimensão crucial de sua diplomacia.
É tradição da política externa brasileira evitar conflitos com nossos dez vizinhos ou, quando se tornam inevitáveis, resolvê-los por meio da negociação.
O princípio da não-ingerência nos assuntos internos alheios regeu quase sempre o nosso relacionamento com os Estados que compartilham o espaço sul-americano. A retórica contida, a forma de expressão da ação diplomática voltada para a boa vizinhança.
Uma vez mais, a grosseria veio abraçada à ignorância dos fatos que governantes têm por obrigação conhecer. A teia de interesses comuns que enreda Brasil e Argentina não só é densa, como resulta de um longo processo pelo qual, nas palavras do embaixador Marcos Azambuja, os dois países passaram de inimigos a rivais, de rivais a aliados e de aliados a sócios.
Isso não se resume ao comércio, que fez da Argentina nosso terceiro parceiro e principal mercado para a indústria automobilística nacional. Envolve ainda investimentos produtivos de parte a parte —incluindo o setor de defesa—, proveitoso turismo, cooperação científica, militar e policial.
Foram enlaces importantes dessa tessitura o Acordo Tripartite Brasil-Argentina-Paraguai para o aproveitamento das hidrelétricas de Itaipu e Corpus, em 1979; o Acordo de Cooperação para o Desenvolvimento e a Aplicação dos Usos Pacíficos da Energia Nuclear de 1980, que levou, 11 anos depois, à criação da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares; o apoio do Brasil à demanda argentina sobre as Ilhas Malvinas, em 1982; e, finalmente, o Tratado de Assunção, que criou o Mercosul, em 1991.
Além disso, Brasil e Argentina jogaram juntos, em muitos momentos, nas negociações agrícolas da OMC, no G20 e no Conselho de Segurança da ONU.
Relações desse quilate requerem respeito e abominam o xingatório.
O presidente boquirroto não consegue se conter no seu esporte habitual de falar bobagens, inclusive ridicularizando seu próprio filho, a quem prometeu, ou se dobrou à demanda de nomeação como embaixador em Washington, primeiro dizendo que não queria vê-lo derrotado, depois que era uma espécie de casamento com uma virgem, que na verdade se revela grávida antes da cerimônia. Lembrei-me imediatamente do famoso romance de Alessandro Manzoni, I Promessi Sposi (Os Noivos), publicado pela primeira vez em 1827, quando a Itália ainda se encontrava ocupada por potências estrangeiras. Ainda vamos ter novas declarações absurdas a respeito desse patético projeto de enviar um patético representante junto a um patético presidente, o mesmo homem que atua contra os interesses do Brasil, não apenas na questão dos imigrantes, mas sobretudo no plano do comércio internacional. O patético presidente americano está desmantelando, destruindo todas as instituições multilaterais criadas pelos Estados Unidos desde Bretton Woods. O futuro patético (se for) embaixador bolsonarista junto à corte trumpista já fez declarações inaceitáveis contra os honestos trabalhadores imigrantes brasileiros nos EUA, dizendo que eles seriam uma "vergonha para o Brasil". Vergonha é o dito deputado, que não defende os interesses de seus concidadãos, para apoiar, vergonhosamente, a construção do muro trumpista na fronteira com o México. Nunca antes na diplomacia brasileira tivemos seres tão patéticos no comando da política externa brasileira. Paulo Roberto de Almeida
Placar da indicação de Eduardo Bolsonaro à embaixada nos EUA
Senado poderá aprovar ou rejeitar a indicação do filho do presidente ao cargo em Washington; para que Eduardo seja confirmado como embaixador, são necessários 41 votos dos 80 senadores que votam (maioria simples); o presidente da Casa não vai votar
Caso seja indicado, o deputado federalEduardo Bolsonaro(PSL-SP) será sabatinado na Comissão de Relações Exteriores. Independentemente do resultado na comissão, o nome segue para oplenário do Senado, que fará uma votação. Caso seja nomeado para a embaixada em Washington, Eduardo se tornará a primeira pessoa sem carreira na diplomacia a assumir o posto desde o fim da ditadura militar (veja quem foram os embaixadores desde 1986). A indicação do filho presidentetem sido criticada por ex-embaixadores.
OEstadoprocurou todos os 81 senadores e perguntou como eles votariam em relação à indicação do filho do presidente ao cargo. Ao Estado, a assessoria de Davi Alcolumbre, presidente do Senado, informou que o senador não votaria, ainda que o regimento da Casa permita.