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sábado, 28 de março de 2020

Ian Bremmer: Perto de Bolsonaro, Trump parece o Churchill, diz CEO da Eurasia (Veja)

Perto de Bolsonaro, Trump parece o Churchill, diz CEO da Eurasia

Em entrevista a VEJA, Ian Bremmer diz que o 'lockdown' é fundamental 

para salvar a economia e que o mundo sairá da crise mais desglobalizado

Por Eduardo Gonçalves - Atualizado em 27 mar 2020, 18h43 

O presidente da Eurasia, Ian Bremmer Richard Jopson/

Especialista em calcular o risco de crises no mundo, o presidente e fundador da consultoria Eurasia, Ian Bremmer, se tornou, no âmbito internacional, um dos maiores críticos à forma como o presidente Jair Bolsonaro tem lidado com a crise de coronavírus. Em suas análises diárias, ele já disse à população brasileira que pratique o “distanciamento social” de Bolsonaro e que, comparado com o brasileiro, o presidente norte-americano Donald Trump parece um estadista.
Comandada por Bremmer, a consultoria já fazia projeções de que o mundo passaria por um processo de instablidade política e desglobalização antes do surgimento da pandemia do coronavírus, o que agora só tende a se amplificar. Com escritórios ao redor do mundo, incluindo o Brasil, a instituição produz análises a clientes interessados em saber onde há mais oportunidades e menos riscos para aplicar os seus investimentos. Em entrevista a VEJA, Bremmer afirmou que Bolsonaro era a “melhor oportunidade” para a implementação de uma agenda reformista no país, mas que ele vem colocando isso a perder ao priorizar a economia na fase inicial de uma crise de saúde pública.
Como o sr. analisa os pronunciamentos de Bolsonaro e Trump nesta semana de que é mais importante preservar a economia do aplicar um isolamento total para conter o coronavírus? Os dois estão preocupados com os impactos econômicos da crise, e com a sua popularidade também. Mas Trump parece estar focado em medidas de isolamento e alívio financeiro, enquanto Bolsonaro está mais concentrado no lado econômico da equação. Só que a escolha entre a saúde pública e a economia é ainda mais desafiadora para Bolsonaro, dado que o Brasil não tem as mesmas reservas econômicas que os Estados Unidos. Globalmente falando, Bolsonaro está sozinho nesta equação e está apostando perigosamente cedo na preocupação majoritária com a economia em detrimento da saúde das pessoas que movem essa economia. O tempo dirá se eles pagarão um preço político por isso.
Por que o sr. escreveu que Bolsonaro é um “líder ineficaz”? Os governos que têm anunciado medidas mais drásticas estão sendo recompensados com amplo apoio público. Bolsonaro, por outro lado, insiste em subestimar a gravidade e detona os governadores que vêm adotando ações mais fortes. Isso pode lhe custar um preço muito alto do ponto de vista da opinião pública. O único político eleito que rivaliza com Bolsonaro em ineficácia é o presidente do México, Andrés Obrador, que continua percorrendo o país e fazendo campanha. Comparado com os dois, Donald Trump até parece Winston Churchill (o grande líder inglês na II Guerra Mundial). É importante dizer que o lockdown é fundamental para salvar a economia a longo prazo.
Em março de 2016, a Eurasia classificou o impeachment de Dilma Rousseff como “provável”, o que aconteceu meses depois. Bolsonaro também pode cair? Ainda não estamos na categoria do “provável”, mas esse erro de cálculo dele acaba pondo o afastamento no radar. O potencial de ele sofrer uma queda significativa em sua popularidade e um ambiente político desafiador pós-crise criam essa possibilidade. Agora, é claro, dependerá do que ele vai fazer nos próximos meses. Os momentos mais dramáticos ainda estão por vir. Cada vez mais, Bolsonaro demonstra não ter o caráter nem a capacidade de dar uma resposta efetiva. O único lado positivo é que ele tem um time altamente qualificado, como o ministro da Saúde e a equipe econômica.
Globalmente falando, Bolsonaro está sozinho nesta equação e está apostando perigosamente cedo na preocupação majoritária com a economia em detrimento da saúde das pessoas que movem essa economia
Logo após a eleição de 2018, a Eurasia avaliou que Bolsonaro era a “melhor oportunidade” de implementar uma agenda reformista e que as instituições brasileiras “continuavam sólidas”. Ainda concorda com isso? Sim, mas Bolsonaro está perdendo sua janela de oportunidade para fazer um bom governo. Antes dessa crise, víamos um círculo virtuoso, com um Congresso reformista e uma economia em recuperação. Esse círculo agora está quebrado com a crise. O Parlamento deve se concentrar em medidas de alívio de curto prazo, e o erro de cálculo do presidente pode levar a uma queda no seu apoio popular, o que o fará dobrar a aposta na polarização política. Algumas reformas ainda podem avançar, mas, com esses novos fatores em jogo, nossa equipe brasileira rebaixou as trajetórias de curto e de longo prazo do país. É um erro estratégico do presidente priorizar o crescimento econômico na fase inicial da crise.
Nos últimos relatórios, o sr. disse que a pandemia de coronavírus pode paralisar a globalização no mundo e até promover o fenômeno chamado de ‘desglobalização’? Pode explicar melhor. A trajetória da globalização já estava mudando, diante da guerra fria tecnológica entre os Estados Unidos e a China, bem como a importância reduzida do trabalho dos setores da indústria e serviços (também em grande parte por causa da crescimento tecnológico). Agora, com o coronavírus, teremos uma intensificação dramática desse processo. O mundo provavelmente se afastará mais das cadeias de suprimentos “just in time” para as de “just in case”. Também haverá uma escalada na tensão entre EUA e China.
O que o sr. acha do posicionamento de alguns setores da direita americana e brasileira de que as medidas de reação ao coronavírus podem causar mais danos do que a própria doença? Certamente, este é um dilema crítico. Permitir que a economia reinicie dá chances ao surgimento de novos surtos. A ausência de coordenação nacional e global torna esse problema ainda pior.
O erro de cálculo do presidente Jair Bolsonaro pode levar a uma queda no seu apoio popular, o que o fará dobrar a aposta na polarização política
É possível medir o impacto econômico que a pandemia terá no mundo? E no Brasil? Depois da crise, o mundo emergirá muito mais instável politicamente, o que será uma consequência muito diferente da que vivemos no estouro da bolha imobiliária de 2008 e depois do atentado de 11 de setembro de 2001. Nessas duas épocas, nós tivemos uma crise financeira global, mas a arquitetura geral da ordem geopolítica não mudou. O que nós vemos agora é o crescimento da desigualdade, da fragilização das democracias como o sistema de governança mais atraente, e da dificuldade do mundo em responder coletivamente aos desafios globais futuros, como a inteligência artificial e os problemas ambientais. No Brasil, há uma pobreza maior do que em países do hemisfério norte. Portanto, se o surto de coronavírus tiver a mesma dimensão do que nessas nações, a escala de sofrimento humano será muito maior.

sexta-feira, 20 de março de 2020

As panelas do Brasil nas páginas do Le Monde - Bruno Meyerfeld

Au Brésil, concerts de casseroles contre l’inaction de Jair Bolsonaro face au coronavirus
La vague de protestation contre l’attitude irresponsable du président a finalement provoqué un infléchissement de sa position et la déclaration de l’état de « catastrophe publique ».
Par Bruno Meyerfeld 
Le Monde, 19/03/2020, 18h53

Ils accueillent désormais chacune de ses interventions : mercredi soir, à nouveau, un grand panelaço (concert de casseroles) – le troisième en seulement deux jours – a résonné dans plusieurs villes du Brésil : Rio, Sao Paulo, Brasilia, ou encore Porto Alegre, pour protester contre la gestion calamiteuse de la crise du coronavirus par Jair Bolsonaro.
« Fasciste ! », « Bolsonaro dehors ! », « Va te faire enc… ! » Confinés dans leurs appartements, à coups de louche ou de spatule, sur des poêles ou sur des marmites, une partie du pays a donc décidé de tambouriner sa colère et de faire entendre sa voix, menaçante. Car les panelaços charrient ici un message lourd de sens : ce sont eux qui rythmèrent, voilà quatre ans, la destitution de la présidente de gauche Dilma Rousseff.
Avec quatre morts, 428 cas confirmés et plus de 11 000 cas suspects, le Brésil est bel et bien atteint par le Covid-19. L’épidémie frappe désormais pratiquement toutes les régions, et jusqu’au sommet de l’Etat : mercredi, ce sont tout bonnement le président du Sénat, le ministre de l’énergie et le chef du cabinet de sécurité institutionnel (GSI) et bras droit de Bolsonaro, Augusto Heleno, qui ont été testés positifs au coronavirus. Selon une étude préliminaire faite par des chercheurs d’Oxford, dévoilée par le journal en ligne Intercept, l’épidémie pourrait faire jusqu’à 478 000 morts dans le pays.

« Ça va passer »
Mais jusqu’à tout récemment, le président du Brésil se distinguait par son déni, son insouciance, et même son ironie. Pour Jair Bolsonaro le coronavirus n’était qu’un « fantasme », une « hystérie », voire une « grossesse » – « Ça va passer (…), un jour un enfant va naître », a-t-il tenté d’expliquer. Testé négatif par deux fois au coronavirus, le chef de l’Etat n’a pas hésité, dimanche, à prendre des bains de foule au milieu de ses partisans, et a clamé, mardi, qu’il organiserait sans faute, le 21 mars, une grande fête avec ses amis et sa famille pour célébrer joyeusement ses 65 ans.
Est-ce l’effet des humiliants concerts de casseroles ? ou la pression combinée des élites militaires, du corps médical, des parlementaires et des agents économiques ? Mercredi, M. Bolsonaro a semblé enfin prendre conscience de l’ampleur de la crise. En une seule journée, pas moins de deux conférences de presse ont été organisées par le président, entouré d’une flopée de ministres, dont le ministre de la santé, Luiz Henrique Mendetta, qui se démenait depuis des jours pour raisonner le chef de l’Etat : tous assis à une longue table face au public, alignés et masqués, dans une mise en scène des plus anxiogènes.
« C’est grave et c’est préoccupant », a admis M. Bolsonaro, visiblement mal à l’aise avec son discours comme avec son masque, qu’il retira à une dizaine de reprises, le laissant finalement pendre à une oreille. Face aux journalistes, le président a détaillé l’ensemble des mesures prises en urgence par son gouvernement pour faire face à la pandémie : décret déclarant l’état de « catastrophe publique », plan de soutien à l’économie de 28 milliards d’euros, fermeture de la frontière avec le Venezuela, création d’un cabinet de crise, réquisition des forces de l’ordre pour faire respecter les quarantaines… « Je n’ai jamais abandonné le peuple brésilien », soutiendra-t-il sur les réseaux sociaux, plus tard dans la soirée.

Demande de destitution
Le retournement était spectaculaire, mais prévisible. Depuis le début de la semaine, Jair Bolsonaro était en effet acculé, cible des foudres de la quasi-totalité de la classe politique brésilienne pour son attitude jugée irresponsable. Le président de la Chambre des députés, Rodrigo Maia, a d’ailleurs reçu en ce début de semaine une première demande de destitution du chef de l’Etat, rédigée par un député d’opposition. Celle-ci a cependant peu de chance d’aboutir, M. Maia ne semblant pas vouloir rajouter une crise institutionnelle à une crise sanitaire.
Plus grave : Jair Bolsonaro a aussi été contesté avec plus ou moins d’intensité par certains de ses alliés historiques. Notamment la députée locale de Sao Paulo, Janaina Paschoal, ultraconservatrice, un temps pressentie comme vice-présidente, qui a exigé le départ du chef de l’Etat. Mais aussi l’homme d’affaires à succès Luciano Hang, soutien de la première heure et chef des magasins Havan ; et même Damares Alves, ministre de la famille et pasteure évangélique, qui a soutenu publiquement l’action du ministre de la santé, Luiz Henrique Mandetta, vantant son attitude« calme et concentrée »… tout l’inverse de celle du président.
Critiqué, le président n’est cependant pas encore lâché par sa base. Preuve de l’extrême division du pays : aux casseroles de la colère ont répondu mercredi soir plusieurs panelaços de soutien à Jair Bolsonaro. « Mais si ça continue, la colère va se disséminer. Tout dépendra en fait de la situation de l’économie, qui reste au Brésil la principale déterminante de la popularité d’un président », insiste Eduardo Mello, politologue à la Fondation Getulio-Vargas. Mauvais signe : mercredi, la Bourse de Sao Paulo a plongé de 10 %, atteignant son pire niveau en trois ans.

terça-feira, 17 de março de 2020

Bullshitter: um jornalista alemão especialmente furioso com Bolsonaro - Philipp Lichterbeck

COLUNA CARTAS DO RIO

Com um 'bullshiter' no Planalto, covid-19 pode virar a peste negra brasileira

Se o coronavírus infectar milhares de brasileiros nas próximas semanas, o maior culpado já tem nome: Jair Bolsonaro. O Brasil é governado por um psicopata que age de forma criminosa, escreve Philipp Lichterbeck.
     Deutsche Welle
Jair Bolsonaro participa de protestos no dia 15 de março
Em 15 de março, Bolsonaro participou de protestos que havia pedido para serem cancelados
Antes das eleições de 2018, escrevi aqui sobre a hostilidade do bolsonarismo em relação à ciência. Agora, está comprovado aonde isso leva. Direto para a catástrofe. A situação no Brasil pode muito bem ser comparada à Idade Média na Europa. Naquela época, o fanatismo religioso fez com que fossem esquecidos os conhecimentos dos gregos e romanos no campo da higiene. Um resultado: a peste negra atravessou a Europa e matou milhões que nem sabiam como pegaram a doença, porque o veículo de transmissão – pulgas que passavam de ratos para humanos – era desconhecido.
A covid-19 é a peste negra do Brasil. Se o novo coronavírus fizer com que milhares de brasileiros adoeçam nas próximas semanas e levar não apenas o sistema de saúde, mas também a sociedade brasileira à beira do caos, haverá para isso um principal culpado. O nome dele é Jair Bolsonaro, ele é chefe de Estado de 210 milhões de pessoas e disse que não se importa com o coronavírus. Ele age de forma criminosa. O Brasil é liderado por um psicopata, e o país faria bem em removê-lo o mais rápido possível. Razões para isso haveria muitas. Também não parece mais absurdo que os generais já estejam fartos do caos que o presidente está causando, enquanto uma pandemia ameaça o Brasil.
O problema não é apenas a maldade do presidente, que, por vaidade e cálculo político, coloca em risco a vida de centenas de pessoas e desrespeita acintosamente as recomendações da Organização Mundial da Saúde. É, antes, sua limitação cognitiva. A visão de mundo de Bolsonaro e de seus seguidores é, na sua primitividade, algo difícil de superar. Tudo o que é complexo demais para eles, descrevem como invenção da mídia e dos comunistas. Foi o que o bispo Edir Macedo, chefe da medieval IURD, acabou de dizer, literalmente, sobre o coronavírus.
O colunista da DW Brasil, Philipp Lichterbeck
O colunista da DW Brasil, Philipp Lichterbeck
Já em 2019 foi possível ver até onde a hostilidade à ciência do bolsonarismo pode levar, quando o presidente demitiu um dos cientistas mais respeitados do país ao ficar contrariado com seus dados sobre os incêndios florestais na Amazônia. Isso deveria ter sido um aviso. Porque decisões responsáveis são tomadas com base no conhecimento, e não no delírio. Quando se trata de resolver problemas reais, como a pandemia do coronavírus, a verdade tem uma clara vantagem prática: ela funciona. E, da mesma forma: quem sabe muito, se torna humilde; quem sabe pouco, arrogante. E arrogância é, definitivamente, algo que não falta a este presidente e à sua turma.
Na Europa e, especialmente, na Ásia, vê-se agora como a ciência é importante para lidar com a pandemia do coronavírus. Aumenta novamente a demanda por cientistas e políticos sóbrios, enquanto os populistas, com suas mentiras e teorias da conspiração, são postos de lado. A situação é extrema demais para ser relegada a extremistas. Mas no Brasil, o extremista ocupa o mais alto cargo do Estado.
O governo brasileiro teve tempo suficiente para evitar o pior quando os dois primeiros casos de covid-19 foram notificados em São Paulo. Se o governo cuidasse do bem-estar dos brasileiros, rapidamente teria começado a restringir a vida pública e a preparar a população. Hoje, se conhece, a partir dos exemplos de China, Itália, Espanha e França, a forma rápida e devastadora com que o coronavírus pode se espalhar. Também está claro que isso não interessa ao presidente e a seus seguidores.
O filósofo Harry G. Frankfurt escreve em seu livro On Bullshit (Sobre falar merda) que o "bullshitter" é pior que o mentiroso, porque este último ainda tem pelo menos uma conexão com a verdade que ele nega. Já o bullshitter não se importa com nada. Ele diz qualquer absurdo para agradar seus seguidores e satisfazer sua vaidade.
Se o bullshitter é seu vizinho José ou sua tia Márcia, pode até ser bastante divertido. Mas se o bullshitter é o presidente do Brasil e se, ao mesmo tempo, o país enfrenta uma pandemia, então realmente é possível que venha o pânico contra o qual todos estão alertando. O problema não se chama coronavírus. Ele se chama Bolsonaro. O tempo está voando.
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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, ele colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais na Alemanha, Suíça e Austria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.
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quarta-feira, 11 de março de 2020

Josias de Souza: Bolsonaro vai ao exterior falar mal do próprio Brasil


 Língua tóxica de Bolsonaro desestimula investidores
Josias de Souza, 10/03/202

Noutros tempos, presidentes da República viajavam ao exterior para construir uma imagem positiva do país. Hoje, quem ouve Jair Bolsonaro falar nos Estados Unidos sobre a nação que ele preside fica com a sensação de que Brasil já acabou e as pessoas não se deram conta.
No Brasil descrito por Bolsonaro a Justiça Eleitoral é uma ramificação do Judiciário incompetente o bastante para engolir fraudes que tentaram tungar o seu próprio mandato. E o Congresso, embora já tenha aprovado a reforma trabalhista sob Michel Temer e a reforma previdenciária na atual administração, é um antro de conspiradores contra o interesse nacional.
Só uma coisa se salva no Brasil de Bolsonaro: o próprio Bolsonaro. O presidente inclusive melhorou muito desde a campanha de 2018. Antes, dizia não entender nada de economia. Encostou sua ignorância no Posto Ipiranga. Agora, considera-se um especialista. Tão bom que consegue decifrar em uma palavra a crise que quebra a cabeça de economistas do mundo inteiro: é "fantasia", diz Bolsonaro, invencionice da mídia.
No Brasil de Bolsonaro, o presidente negocia o orçamento impositivo com os parlamentares e depois atiça as ruas contra o Parlamento. É como se o presidente quisesse se consolidar como uma espécie de conto do vigário no qual os parlamentares caíram. 
Bolsonaro chama de fraudulentas as urnas que o elegeram. Não exibe as provas que diz possuir. O presidente faz tudo isso em meio a uma crise que ele assegura ser fantasiosa. Um presidente assim parece capaz de tudo, menos de produzir a tranquilidade que estimularia investidores estrangeiros a colocarem dinheiro no Brasil.
Josias de Souza, 11/03/202


terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Bolsonaro, a Amazonia e a China - Heriberto Araújo and Melissa Chan (WP)


How Bolsonaro’s risky bet on China in the Amazon could backfire

Heriberto Araújo is a reporter who is currently working on a book about the human and environmental costs of the Amazon’s destruction. Melissa Chan is a reporter focused on transnational issues, often involving China’s influence beyond its borders. They were both previously based in Beijing. Their recent trip to Brazil was supported by the Pulitzer Center.

The cowboys and prospectors of the Amazon couldn’t be any happier. One year into his tenure, Brazilian President Jair Bolsonaro is delivering on his campaign promise to reinforce, at whatever the cost, Brazil’s status as an agricultural colossus. In 2019, Brazil recorded its second highest ever soy production numbers and exported more than 50 percent more soybeans than the United States. Beef sales jumped 15 percent to reach an all-time high, including over $7 billion sold overseas.
China, the country’s largest trade partner, has driven this meat and grain boom, buying $31 billion worth of its food commodities last year. The partnership seems to work well: Brazil has the land, and China the demand. But Bolsonaro might want to think twice about this relationship.
Before his election, Bolsonaro had run on an anti-China platform. “The Chinese are not buying in Brazil,” he warned during the campaign. “They are buying [up] Brazil.”
Since then, his posture has radically changed. Last October, he visited Beijing and declared that Brazil and China “were born to walk together.” His powerful minister of agriculture, Tereza Cristina, has even established a special China department to cater to Brazil’s largest customer.
This hasn’t turned off his supporters — for now. On China, “when he is wrong, he recognizes it and changes course. He isn’t ashamed of this,” Agamenon da Silva Menezes told us when we stopped by his office. The cattleman and representative of one of the most vocal ranching associations in the Amazon had supported Bolsonaro in the election.
For Bolsonaro, economic prosperity trumps environmental preservation. Agriculture and deforestation are the main drivers of emissions in the country, and logging the Amazon’s trees for timber, then converting that cleared land to expand the boundaries of soy fields and cattle pastures in order to sell more to China has become, in Bolsonaro’s mind, part of the country’s manifest destiny.
He has mostly ignored the global outcry to save the Amazon, which is critical to fighting climate change due to its ability to store massive amounts of carbon emissions. He has also cut the budget of the government’s environmental protection agency, hamstringing its ability to police the jungle, and sent the army in to finish paving the more than 800 miles of a highway bisecting the region, meant to facilitate the transport of grain to China through the Amazon basin. Deforestation rates in the Amazon reached a 10-year high in 2019 and jumped a staggering 183 percent between December 2018 and December 2019.
Meanwhile, China — a signatory to the Paris agreement on climate change — has kept quiet over its contribution to the crisis. When it comes to Brazil, Beijing has put its food security priorities ahead of its environmental commitments and chosen to do business with no questions asked.
Yet Bolsonaro’s bet on China may backfire. Meat prices in Brazil haveskyrocketed domestically, fueling inflation. That’s a worrisome trend in a country where churrasco (barbecue) is almost a religion and where inflation sparked massive demonstrations in 2013 that threatened to derail then-President Dilma Rousseff’s bid for a second term. Experts and officials agree that the rising cost of beef at home is a direct consequence of record beef sales to China, where a devastating swine flu that has halved its pig population has led many Chinese to buy more beef as a replacement protein.
This hasn’t just come at the expense of Brazilian consumers. In some cases, it has even come at the cost of Brazilian sellers. Powerful Chinese state-owned enterprises recently bullied Brazilian exporters, renegotiating contracts at the last minute and pushing them to sell meat at a loss.
Now, Bolsonaro’s ambitious trade plans with China might face further jeopardy. Brazil had benefited from the trade war between the United States and China, stepping in to sell more soy and beef to the Asian superpower as U.S. farmers got cut out. But the boom times may be over, with the new trade deal essentially a purchase agreement with a pledge from Beijing to buy $36 billion worth of agricultural products from the United States this year, much of it soy, and $43 billion the next.
In order to honor its commitment, China has no choice but to pivot back to the United States. As a result, Bolsonaro’s staunchest supporters — farmers — may face a soy surplus this season, just when the harvest is forecast to reach an all-time high. In January, Brazil’s soy exports dropped more than 26 percent from the same period last year.
The coronavirus also looks set to severely hit China’s domestic growth and, in turn, demand for Brazilian food commodities. With many workers still under quarantine and on unpaid leave across the country, appetite for expensive, imported beef will — and already has — start to wane.
Bolsonaro now faces a dilemma. He can take a step back from the vagaries of Chinese demand and do what his admirers claim he’s good at: learning from his mistakes and changing course. He can work on preserving the Amazon; environmentalists say it is possible to develop the region sustainably. Or, he can double down on his partnership with China — and put Brazil’s, and the world’s, future prosperity at risk.

sábado, 25 de janeiro de 2020

Bolsonaro e sua circunstância - Editorial Estadão

Bolsonaro e sua circunstância

O assessor que se inspirou em Goebbels só foi exonerado porque houve uma grita generalizada. O conteúdo da fala é o que Bolsonaro já disse inúmeras vezes

Editorial Estadão, 18/01/2020


Não causa surpresa o derretimento acelerado da popularidade do presidente Jair Bolsonaro detectado por uma pesquisa XP/Ipespe recentemente divulgada. O levantamento mostrou que, em um ano, a expectativa positiva em relação ao desempenho do governo para o restante do mandato caiu nada menos que 23 pontos porcentuais, de 63% para 40%. O índice de entrevistados que consideram Bolsonaro “ruim” ou “péssimo” passou de 20% para 39% no mesmo período. Pode-se dizer que esses números refletem não um ou outro problema em especial, mas o conjunto da obra. 
O governo Bolsonaro parece se esforçar para inspirar em cada vez mais brasileiros a sensação de que suas decisões estapafúrdias, que carecem de lastro jurídico ou mesmo de racionalidade, não são meros acidentes ou fruto de circunstâncias passageiras, e sim reflexo preciso daquilo que o presidente é. 
Não se trata apenas de despreparo para o cargo, dificuldade que se poderia amenizar com alguma dedicação aos livros e atenção aos conselhos de quem já viveu a experiência de governar; a esta altura, passado um ano de mandato, já está claro que Bolsonaro desacredita deliberadamente o exercício da Presidência porque não saberia fazer de outra forma e, graças a essa limitação insuperável, convenceu-se de que foi eleito para desmoralizar a política e sua liturgia institucional, algo que ele faz como ninguém. Vista em retrospectiva, a reunião ministerial em que o presidente apareceu de chinelos e camisa (falsificada) de time de futebol logo nos primeiros dias de governo parece hoje, perto do que já vimos, um encontro de estadistas. 
Num dia, o ministro da Educação aparece num vídeo dançando com um guarda-chuva, numa imitação circense do filme Dançando na Chuva, para acusar seus críticos de difundirem fake news; noutro, o secretário da Cultura toma emprestado trechos de um discurso de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda da Alemanha nazista, para anunciar o advento de uma cultura “nacional” financiada pelo Estado, causando horror e estupefação no País e fora dele. Entre um e outro desses momentos nada edificantes de seus assessores, o próprio presidente Bolsonaro achou tempo e oportunidade para fazer piadas de mau gosto sobre um vasto cardápio de temas grosseiros, como se estivesse em um churrasco com amigos. 
Enquanto isso, sempre que pressionado a tomar decisões realmente relevantes para o País, como autorizar privatizações potencialmente polêmicas, cortar privilégios de servidores públicos e reduzir subsídios, o presidente hesitou. Mesmo a reforma da Previdência, que o governo celebra como um feito de Bolsonaro, foi sabotada em vários momentos pelo presidente, tendo sido aprovada graças à mobilização de parlamentares e alguns técnicos do governo. Preocupado em construir seu próprio partido e sua candidatura à reeleição, sobre a qual fala quase todos os dias, Bolsonaro dedica todo o seu tempo não a pensar em maneiras de promover o desenvolvimento do País, mas a alimentar polêmicas de cunho claramente eleitoreiro, enquanto assina medidas destinadas à irrelevância – mas só depois de causar tumulto e insegurança jurídica no País. 
Quando confrontado pelos jornalistas a respeito disso ou a respeito dos cada vez mais volumosos problemas do clã Bolsonaro e de alguns de seus assessores mais próximos com a Justiça ou com a lisura administrativa, o presidente reage de forma truculenta. Mais recentemente, disse que os jornalistas são uma “espécie em extinção” e mandou que a imprensa tomasse “vergonha na cara” e tratasse de “deixar o governo em paz”. (Ver editorial A tenacidade da imprensa.) 
Não são rompantes, e perde tempo quem acredita na possibilidade de que, com o tempo, Bolsonaro vá temperar seu comportamento. O assessor que se inspirou em Goebbels para anunciar o “renascimento da cultura nacional” só foi exonerado porque houve uma grita generalizada diante de tamanho absurdo. Noves fora o plágio nazista, o conteúdo da fala que custou o cargo ao tal secretário é essencialmente o que Bolsonaro já disse e repetiu inúmeras vezes, mesmo antes da eleição. Portanto, ninguém pode se dizer surpreendido, nem mesmo os eleitores mais ingênuos. Bolsonaro é Bolsonaro há muito tempo.

domingo, 19 de janeiro de 2020

Demissão do secretário pró-nazista não muda Bolsonaro - Vera Magalhães (OESP)

Discordo da última frase: "É democracia que chama.". Impossível: Bolsonaro nunca atenderia a um "chamado da democracia". São as instituições que constrangem...

Mudança x concessão

Demissão de Alvim não sinaliza que Bolsonaro vá mudar, mas que foi obrigado a recuar

Vera Magalhães
O Estado de S. Paulo, 19/01/2020

Como tudo no Brasil de hoje, o filme Dois Papas foi tragado pela polarização rasa e redutora que engolfa da política às artes, passando pelo esporte e pelas relações familiares. Direita e esquerda “adotaram" cada uma um Papa, alheias à complexidade de uma Igreja de milhares de anos e aos aspectos sutis da obra.  
Numa das cenas mais marcantes do filme, os dois monstros Anthony Hopkins (Bento 16) e Jonathan Pryce (ainda Bergoglio) discutem a diferença entre mudança e concessão. “Eu mudei”, diz o argentino ao Papa, diante de cobranças sobre a revisão que ele fez de dogmas e ritos da Igreja. “Não, você fez concessões”, replica Bento. “Não, eu mudei. É algo diferente.” De fato. 
Em mais um episódio de espantosa gravidade, o País foi dormir na quinta-feira e acordou na sexta assombrado por um pesadelo: num vídeo de composição macabra, o então secretário nacional de Cultura, Roberto Alvim, recitava com excitação indisfarçada e olhos vidrados um texto com trechos copiados de Joseph Goebbels, o mais fanático dos ideólogos do nazismo, que foi com Hitler até o final e morreu e matou a mulher e os seis filhos para não fazer nenhuma concessão e não abdicar da ideologia mortífera que ajudou a implementar. 
A reação foi avassaladora, mas não unânime. Num sinal de deterioração profunda do tecido social, houve quem defendesse o discurso tresloucado de Alvim pela necessidade de uma cultura que ou será nacional ou “não será nada”, alinhada aos valores cristãos e da família, e lamentasse sua demissão. Outros contemporizaram, celebrando a “rapidez” com que o presidente demitiu Alvim. E é aqui que entra a diferença entre mudança e concessão a que aludi no início do texto. 
O presidente de fato se indignou com o que o auxiliar disse? Não, de forma alguma. Menos de 24 horas antes de demiti-lo e poucas antes de ele publicar sua ópera bufa, Bolsonaro o saudou numa das lives semanais – também elas obra da estética autoritária do bolsonarismo, não nos enganemos – como o redentor da cultura nacional. Finalmente, disse o presidente do Brasil, tínhamos um secretário da Cultura digno do posto. E ali Alvim já desfiava sua política cultural sectária, anunciando um prêmio que contemplaria apenas os alinhados com o regime. 
Bolsonaro mudou entre os dois atos, o da louvação e o da demissão? Não, fez uma concessão. A contragosto, momentânea. Que não muda o caráter francamente autoritário de seu projeto de poder para a educação, a cultura, a política externa e os costumes, para ficar em poucas áreas.  
Na manhã de sexta o presidente ainda relutava em rifar Alvim. Tanto que a primeira nota do Palácio diz que ele já havia se explicado, e o fã de Goebbels se pôs a dar entrevistas em que reiterava o conteúdo da frase copiada. O que levou Bolsonaro a fazer sua concessão foi a evidência de que a comunidade judaica, aliada política importante de seu projeto, não aceitaria uma demonstração tão violenta de antissemitismo vinda de um auxiliar direto do presidente. 
Portanto, não haverá mudança. As manifestações racistas, autoritárias e francamente persecutórias a vários setores da sociedade continuarão vindo diariamente do presidente e da ala ideológica do governo.  
Mas foi riscada mais uma linha no chão. A sociedade não tolerará mais esses arroubos e nem as tentações de aparelhar e tutelar a vida nacional num projeto que é tudo, menos liberal e democrático. Quantos e quais setores ainda estarão dispostos a fechar os olhos para essa evidência em nome da política econômica é algo que será definidor dos próximos anos.  
Mas Bolsonaro foi avisado: pode xingar, ofender, tentar calar a imprensa, que não vai adiantar. Ele não vai mudar. Mas terá de fazer concessões. É democracia que chama.

domingo, 20 de outubro de 2019

Lula e Bolsonaro, de olho em 2022 - Veja

Lula é o principal nome da esquerda contra Bolsonaro em 2022

Pesquisa exclusiva VEJA/FSB mostra também que atual presidente perderia para Sergio Moro e ganharia por pouco de Luciano Huck num hipotético segundo turno

José Benedito da Silva, Veja, 18/10/2019
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está inelegível desde janeiro de 2018, quando foi condenado em segunda instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex no Guarujá. Apesar das várias entrevistas concedidas dentro da cadeia, ele não fala diretamente ao eleitorado e à militância desde abril daquele ano, quando foi encarcerado na Polícia Federal em Curitiba para cumprir uma pena de oito anos e dez meses de prisão. É réu ainda em mais nove processos e investigado em outros inquéritos sob a suspeita de ser corrupto ou ter praticado crimes como lavagem de dinheiro, tráfico de influência e formação de organização criminosa. Além disso, é o principal líder de um partido que foi varrido do poder em meio a uma grave crise econômica e política no país e a denúncias de diversos malfeitos envolvendo sua gestão e a de Dilma Rousseff. Em resumo, uma biografia para enterrar de vez a carreira de qualquer homem público no mundo.
Mas o Brasil, como dizia Tom Jobim, não é coisa para principiantes, e, a despeito dessa ficha da pesada, Lula resiste na forma de um espectro político. Sua capacidade de recuperar o prestígio perdido entre a maior parte da população após a farta relação de malfeitos é discutível. Na esquerda, porém, ele continua sendo o maior nome por aqui (o que também diz bastante sobre a qualidade da esquerda no país). De quebra, pode ainda pregar uns bons sustos nos adversários de fora do universo petista, conforme mostra uma pesquisa exclusiva VEJA/FSB sobre as eleições presidenciais de 2022. Um dos dados mais interessantes do levantamento, realizado entre 11 e 14 de outubro, consiste nas projeções do que seria hoje um confronto de segundo turno entre Jair Bolsonaro e as figuras mais conhecidas da esquerda. Lula perde por 46% a 38% (a margem de erro é de 2 pontos porcentuais para mais ou para menos), mas se sai melhor que políticos de fora da cadeia. Fernando Had­dad, batido por Bolsonaro na última eleição, perderia novamente do atual presidente em 2022 por 47% a 34%. O pedetista Ciro Gomes repete o fiasco de 2018 na pesquisa VEJA/FSB: não chegaria sequer ao segundo turno. Para especialistas, Lula continua a ser uma alternativa forte à esquerda porque soma a fidelidade da base petista à lembrança dos fugazes tempos de prosperidade de sua era no poder. “O primeiro governo dele foi muito virtuoso. Manteve políticas de FHC e foi capaz de oferecer duas coisas que o brasileiro médio deseja: estabilidade macroeconômica e inclusão social. A resiliência de Lula vem dessa imagem que o eleitor tem dele”, avalia o cientista político Carlos Pereira, professor da FGV-RJ.
INIMIGO ÍNTIMO – Bolsonaro e Moro: o ministro é o único que ganharia do presidente em um eventual segundo turno
INIMIGO ÍNTIMO – Bolsonaro e Moro: o ministro é o único que ganharia do presidente em um eventual segundo turno (Eraldo Peres/AP/AP)
A volta de Lula ao jogo político ainda depende do enorme caminho que ele precisa enfrentar na Justiça para limpar sua ficha. Mas essa trilha parece bem menos difícil de percorrer hoje do que há alguns meses. No dia 17, o Supremo Tribunal Federal voltou a se debruçar sobre a questão da prisão após condenação em segunda instância no país. Permitida desde 2016, em meio ao clamor da sociedade pelo endurecimento contra os crimes de colarinho-branco, a medida deve cair, já que o entendimento de alguns ministros sobre o tema mudou. O recuo tiraria Lula de trás das grades, uma vez que seu processo ainda não transitou em julgado, mas não seria suficiente para sua pretensão política, porque ele ainda ficaria inelegível pela Lei da Ficha Limpa, que veta a candidatura de condenado em duas instâncias. Pelo mesmo motivo, Lula recusa-se a aceitar a progressão ao regime semiaberto a que tem direito desde setembro por ter cumprido um sexto da pena e ter tido bom comportamento. A mudança de status permitiria a ele sair da cadeia para trabalhar ou até ir para prisão domiciliar, mas sem poder disputar eleições, pois continuaria ficha-suja. O ex-­presidente mantém a cantilena de que só sairá da cadeia se tiver sua inocência reconhecida — para ele, aceitar a medida paliativa seria concordar com a condenação imposta pelo então juiz Sergio Moro e confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) e pelo STJ.
O julgamento que de fato importa a Lula é o do recurso que pede a suspeição de Moro com base em várias alegações, que vão dos procedimentos em relação ao petista (como a condução coercitiva em 2016, antes de ele ter sido intimado a depor) à aceitação do convite para ser ministro da Justiça do governo Bolsonaro, e por ter auxiliado de forma ilegal o Ministério Público Federal na acusação, como demonstraram diálogos entre ele e o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava-Jato em Curitiba, revelados pelo site The Intercept Brasil em parceria com veículos como VEJA. A questão será decidida pela Segunda Turma do STF, que tem cinco ministros. Dois votaram contra a pretensão do petista — Edson Fachin e Cármen Lúcia. Gilmar Mendes, que pediu vistas e prometeu devolver o processo à pauta até novembro, e Ricardo Lewandowski são votos certos a favor de Lula, o que jogaria a decisão nas mãos do ministro Celso de Mello, que já colocou Moro sob suspeição uma vez. Em 2013, ao julgar um habeas-corpus apresentado pelo doleiro Rubens Catenacci, condenado no caso Banestado, Mello entendeu que o então titular da 2ª Vara Criminal de Curitiba havia extrapolado suas funções ao monitorar os advogados do réu, inclusive com interceptação telefônica, e ajudar o trabalho da acusação — as duas reclamações são feitas também pela defesa de Lula no atual processo. Se prevalecer a tese de suspeição, o julgamento que deixou o petista inelegível será anulado. Nesse caso, ele deixará de ser ficha-suja e poderá se candidatar nas eleições.
ESTRATÉGIA – Doria, no Japão: tentativa de virar a alternativa de centro-direita
ESTRATÉGIA – Doria, no Japão: tentativa de virar a alternativa de centro-direita (Governo do Estado de São Paulo/.)
Mesmo se toda essa reviravolta ocorrer e Lula voltar à disputa, a esquerda terá de bater de frente com Bolsonaro, que se lançou prematuramente à reeleição e continua sendo um adversário duro de superar. Na pesquisa VEJA/FSB, Bolsonaro aparece numericamente à frente em quase todos os cenários. Em levantamento semelhante realizado em agosto deste ano, ele já liderava, algo até certo ponto natural para quem venceu as eleições há menos de um ano, mas que mostra também uma grande resiliência diante de vários percalços enfrentados no período: as queimadas na Amazônia, o desgaste internacional, o barraco sem fim no PSL (confira a reportagem), as polêmicas que envolvem seus filhos e as acusações do uso de candidatas-laranja pela legenda. Bolsonaro também conseguiu manter estáveis os índices de avaliação de seu governo (33% de ótimo/bom), de sua maneira de administrar o país (43% aprovam) e das expectativas em relação ao fim de seu mandato (43% acham que será ótimo ou bom). Embora seja a maior ameaça vinda da esquer­da, a eventual volta de Lula ao palco eleitoral pode, apesar do paradoxo, representar uma boa notícia para o presidente, já que permitiria a ele repetir o discurso vitorioso que o levou ao poder: evocar o fantasma da vitória do PT. Para Rafael Cortez, analista político da Tendências Consultoria, não há dúvida de que Bolsonaro tem como principal fonte de capital político o combate à esquerda. “O melhor cenário para ele seria enfrentar o PT, mas não necessariamente Lula, que representa um risco muito maior que Haddad”, afirma Cortez. Por isso, entende o especialista, o presidente usa a estratégia de mobilização permanente do eleitorado que responde mais rapidamente a uma eventual ameaça de volta da esquerda.
PROMISSOR – O apresentador Luciano Huck: conversas políticas constantes
PROMISSOR – O apresentador Luciano Huck: conversas políticas constantes (Antonio Milena/.)
Bolsonaro tem ainda dois possíveis adversários fortes no horizonte. Segundo a pesquisa VEJA/FSB, em simulações de segundo turno, o presidente perde para Moro (38% a 34%) e vence o apresentador Luciano Huck (43% a 39%), em ambos os casos no limite da margem de erro. Para especialistas, o problema deles é chegar ao segundo turno. “O principal fator é que o próprio presidente incentiva a polarização o tempo todo, o que prejudica o centro”, afirma Alberto Carlos Almeida, autor de O Voto do Brasileiro (2018). Caso consigam ultrapassar essa barreira, Huck e Moro provocam uma situação curiosa, segundo a pesquisa: atraem até eleitores da esquerda que, por rejeição ao atual presidente, votariam em qualquer um para derrotá-lo. O apresentador evita colocar-se como candidato, porém tem mantido uma agenda de encontros cujo principal tema é a discussão de problemas do país. Sem estar filiado a nenhuma legenda, mas militante de movimentos de renovação política suprapartidários como RenovaBR e Agora!, ele tem conversado com líderes de siglas diversas — a última especulação é que iria para o Cidadania. Já o ex-juiz da Lava-Jato também nega ser presidenciável, diz que apoia Bolsonaro por uma questão de lealdade, conforme afirmou recentemente em entrevista a VEJA, mas nem o capitão nem seus aliados mais próximos acreditam nisso. O potencial eleitoral de Moro é enorme. Ele aparece à frente em quatro cenários de segundo turno. Além de vencer o presidente, derrota Haddad, Huck e Lula (veja o quadro). Na mesma pesquisa, o ex-­juiz da Lava-Jato é apontado como o melhor ministro do governo por 31% dos entrevistados, bem acima do segundo colocado, Paulo Guedes (Economia), com 6%. A população também apoia algumas de suas propostas, entre elas o encarceramento após condenação em segunda instância — 70% são a favor da medida.
CAMPANHA – Fernando Haddad: nome oficial do PT, mas fará o que Lula mandar
CAMPANHA – Fernando Haddad: nome oficial do PT, mas fará o que Lula mandar (Ricardo Stuckert/.)
Enquanto Huck e Moro surgem fortes na pesquisa VEJA/FSB, o governador de São Paulo, João Doria, ainda enfrenta dificuldades para se mostrar competitivo e emplacar como uma alternativa de poder mais ao centro. Nos três cenários de primeiro turno abordados no levantamento, o tucano tem no máximo 5% dos votos. Em um possível confronto direto com Bolsonaro no segundo turno, perderia por 46% a 26%. Embora negue em público, Doria tem pretensão presidencial e, por isso, já entrou em rota de colisão com Bolsonaro — a quem apoiou em 2018 —, inclusive com bate-bocas públicos. Na terça 15, em Taubaté, no interior paulista, foi recebido por bolsonaristas com carro de som e cartazes e faixas nos quais era acusado de ter traí­do o presidente. “Vai pra casa, vagabundo”, reagiu o tucano. Um dia depois, o governador reconheceu que se excedera no episódio.
POUCOS VOTOS – Ciro: longe de ser alternativa da esquerda para 2022
POUCOS VOTOS – Ciro: longe de ser alternativa da esquerda para 2022 (Miguel Schincariol/AFP)
Enquanto forças mais à direita começam a batalhar, o PT tem sido cauteloso nos movimentos. Para consumo externo, o partido ainda sinaliza com uma nova candidatura de Fernando Haddad e não fala abertamente sobre a hipótese de Lula disputar a eleição, até para não criar mais animosidade em torno do julgamento. Por ora a estratégia petista é defender a ideia de que Had­dad rode o país para apoiar os candidatos do partido na tentativa de reconquistar prefeituras que perdeu em 2016, como a da própria capital paulista. Enquanto isso, avalia-se que o papel imediato de Lula, caso saia realmente da prisão, deve ser o de “líder da oposição”, para reagrupar as forças de esquerda e atrair até o centro. Um dos primeiros compromissos caso a temporada de cárcere em Curitiba se encerre deverá ser procurar o ex-presidente Michel Temer para reconquistar o MDB, que foi fundamental para sustentar os dois mandatos do petista, mas que, ao deixar o governo, também foi decisivo para a queda de Dilma. Hoje, o trabalho do ex-presidente seria muito difícil, até mesmo entre parte da esquerda, que defende há tempos a superação do “lulacentrismo”. Recuperar eleitores perdidos para Bolsonaro também será prioridade do petista. Lula passa parte do tempo na cela vendo programas evangélicos na TV aberta e anotando o nome dos pastores e as ideias que defendem, numa tentativa de, quando for solto, reconquistar esse contingente religioso que já o apoiou, mas migrou para Bolsonaro. Até alguns petistas de carteirinha trocaram de barco. Levantamento feito por VEJA com dados do TSE mostra que 2 631 filiados ao PT foram para o PSL de Bolsonaro, num movimento que supera a questão ideológica. É um indicativo de uma onda maior. A aposta é que, com essa volatilidade, do mesmo jeito que foram, esses eleitores podem voltar. Como a advogada Karina Magalhães, de 29 anos, de Maracaju (MS), que é filha de professora e desde muito jovem teve contato com o movimento sindical da classe, mas trocou o petismo pelo bolsonarismo depois da Lava-­Jato. “Bolsonaro foi a opção para ter renovação, ruptura, mudança”, afirma Karina, eleitora do PT de 2002 a 2014. Agora ela se diz “totalmente contra” algumas das propostas de Bolsonaro, vê o presidente “perdido” e mal influenciado pelos filhos e já não garante o voto nele em 2022.
A ameaça à reeleição de Bolsonaro, de direita ou de esquerda, será maior ou menor dependendo do desempenho do presidente. O analista político da FSB Alon Feuerwerker diz que o capitão precisa se preocupar em evitar um “efeito Macri”, referência ao presidente argentino Mauricio Macri, que deve perder a eleição para a esquerda kirchnerista em razão da crise econômica. “Os principais concorrentes do presidente são dois nomes não filiados a nenhum partido e que nem podem concorrer em 2022: a estagnação econômica e a taxa de desemprego”, afirma. Ainda faltam três anos para as eleições, uma eternidade no frenético e volúvel tabuleiro nacional do poder. Um fracasso de Bolsonaro e a permanência por mais tempo do indesejável clima de polarização radical, que destrói novas alternativas de liderança, representam o alimento capaz de fortalecer o espectro Lula — e a velha assombração política pode ressurgir, fazendo o país retroceder às retóricas e discussões do passado. O Brasil não é mesmo para principiantes.
Colaborou João Pedroso de Campos
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Publicado em VEJA de 23 de outubro de 2019, edição nº 2657

Podcast A+

A nova pesquisa Veja/FSB sobre os possíveis cenários para a eleição presidencial de 2022 é o tema deste episódio do A+, o podcast de política da FSB Comunicação. Com mediação do jornalista Rafael Lisbôa, os analistas políticos da FSB, Alon Feuerwerker e Alexandre Borges, e o diretor do Instituto FSB Pesquisa, Marcelo Tokarski, debatem os números do novo levantamento, que também avaliou o governo Bolsonaro.