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segunda-feira, 25 de março de 2024

O Brasil já viveu na MENTIRA do poder. Agora está vivendo novamente na MENTIRA do poder - Editorial Estadão

 Triste é constatar que TODAS as elites brasileiras, com muito poucas exceções, são cúmplices na mentira que beneficia o roubo, a extorsão, a corrupção e a mendacidade.

Já é assim na política externa, porque seria diferente na política interna?

Paulo Roberto de Almeida

Revisionismo sem vergonha

O Estado de S. Paulo

A volta de Lula deu ânimo adicional aos que pretendem reescrever a história da Lava Jato, como se a corrupção durante os governos do PT não tivesse existido. Mas os fatos se impõem

O programa Especial 10 Anos da Lava Jato, levado ao ar recentemente pela TV Brasil, é um documento histórico. Não por reconstituir com imparcialidade a maior ação de combate à corrupção da história do Brasil, porque isso seria impossível numa TV pública convertida em emissora oficial do PT, mas justamente porque retrata com fidelidade a desfaçatez e a mendacidade do partido de Lula da Silva, ansioso por reescrever a história do período em que as entranhas corruptas do lulopetismo ficaram expostas para todo o País. E nesse revisionismo, diga-se a bem da verdade, o PT e Lula não estão sozinhos – têm a companhia de ministros do Supremo, de empresários corruptos ansiosos para limpar o nome e de políticos interessados em desmoralizar a luta contra a roubalheira.

A volta de Lula da Silva à Presidência certamente deu ânimo adicional aos petistas para distorcer os fatos. Afinal, o chefão petista – aquele que alhures disse que “o mensalão nunca existiu” – vive a alardear que a Lava Jato não passou de uma “conspiração” dos EUA para, por meio do então juiz federal Sérgio Moro, tido por Lula como “capanga” dos norte-americanos, “destruir a indústria de óleo e gás deste país”. Nada menos.

Com uma hora e meia de duração, o tal programa da TV Brasil dedicou somente 1 minuto e 53 segundos à corrupção na Petrobras – e apenas para tratá-la como “pontual”, segundo um sindicalista entrevistado. O resto do tempo foi usado para desancar a Lava Jato, com convidados escolhidos a dedo – todos críticos virulentos da operação.

Esse é o padrão do PT. Nem Lula nem os petistas jamais admitiram a corrupção desvendada pela Lava Jato, malgrado as provas irrefutáveis dos desvios de recursos públicos por meio de contratos fraudulentos entre as maiores empreiteiras do País e a Petrobras. Convenientemente, os erros e abusos cometidos pela força-tarefa da Lava Jato foram usados pelos detratores da operação para desqualificá-la como um todo, como se crimes confessos jamais tivessem sido praticados. Eis o grau da desfaçatez.

Esse discurso revisionista, mais orientado pela mudança dos ventos da política nacional do que pelo apego à verdade factual, contaminou até a atuação do Supremo – Corte que outrora chancelou não uma, mas quase todas as ações da Lava Jato que ora pretende desmoralizar, como se os erros cometidos por alguns membros da força-tarefa tivessem o condão de contaminar a operação em todas as suas dimensões, sobretudo sua dimensão fática.

Talvez se sentindo devedor de Lula, cuja prisão classificou como “um dos maiores erros judiciários da história”, o ministro Dias Toffoli também contribuiu para esse esforço revisionista. Com a volta do petista ao Palácio do Planalto, Toffoli decidiu anular as provas de corrupção e suspender o pagamento de multas impostas à Odebrecht e à J&F por considerar que essas empresas teriam sofrido, ora vejam, “coação institucional” para firmar acordos de colaboração premiada. Em audiência pública recente, no próprio Supremo, nem os prepostos dessas empresas admitiram ter sofrido tal violência estatal.

Mas os fatos insistem em se impor. Levantamento feito pelo Estadão com base em acordos firmados entre os investigados e o Ministério Público mostrou que cinco ex-funcionários de alto escalão da Petrobras aceitaram devolver nada menos que R$ 279,8 milhões ao Tesouro e à empresa. Dessa dinheirama, quase 90% se referem a propinas recebidas por aqueles executivos, subornados por algumas das maiores empreiteiras do Brasil interessadas em obter contratos com a Petrobras. Ao que consta, nenhum desses ex-funcionários corruptos foi coagido pela Lava Jato a confessar que havia embolsado milhões em suborno – e igualmente não há notícia de que o dinheiro que devolveram fosse de mentirinha.

É preciso recolocar as coisas nos seus devidos lugares. Quem quiser acreditar na fábula lulopetista de que o PT e seu chefão foram perseguidos por um poderoso consórcio golpista que envolveu até o FBI, que acredite, pois questões de fé não se discutem. Já quem preza a verdade factual, sem a qual não há democracia, certamente espera que a Lava Jato encontre seu melhor lugar na história

quinta-feira, 21 de março de 2024

O Brasil tem parceiros estrangeiros; o PT tem aliados preferenciais: Putin, por exemplo (G1)

Há uma certa confusão, no governo atual, entre aliados políticos e parceiros comerciais. Creio que não se faz muita diferença entre as duas categorias. PRA

PT parabeniza Putin pela eleição na Rússia e chama vitória de 'feito histórico'

Organismos internacionais criticam eleição na Rússia pela falta de transparência e de real competitividade. Para secretário do PT, vitória de Putin 'ressalta a importância do voto voluntário na Rússia'.

G1, 21/03/2024

Em uma carta pública, o secretário de Relações Internacionais do PT, Romênio Pereira, parabenizou o presidente russo Vladimir Putin pela vitória na eleição no último fim de semana. Pereira chamou a vitória de Putin de "feito histórico" e disse que a conquista do novo mandato "ressalta a importância do voto voluntário na Rússia".

A eleição russa é criticada por organismos internacionais pela falta de transparência e pela ausência de real competitividade. 

Putin, que está no poder há 24 anos, não tinha outros concorrentes com real chance de vitória. Os outros três candidatos, todos deputados, eram considerados fantoches do governo — eles votaram a favor da guerra na Ucrânia no Parlamento (sinal de alinhamento a Putin) e já fizeram declarações públicas de apoio ao presidente. 

O país vive uma repressão implacável que sufocou os meios de comunicação independentes e grupos de direitos humanos proeminentes. O mais destacado adversário de Putin, Alexei Navalny, líder da oposição, morreu em uma prisão no Ártico em fevereiro. Outros críticos estão na prisão ou no exílio. 

Putin está no poder há 24 anos e é o presidente mais longevo da Rússia desde Josef Stalin, da época da União Soviética. 

"Acompanhamos com grande interesse o desenrolar do recente processo eleitoral presidencial na Rússia, que resultou na reeleição do presidente Vladimir Putin. Com uma participação impressionante de mais de 87 milhões de eleitores, representando 77% do eleitorado do país, esse feito histórico ressalta a importância do voto voluntário na Rússia". escreveu o secretário de Relações Internacionais do PT.

A carta, apesar de pública e aberta, é endereçada a Dmitry Medvedev, aliado de Putin e presidente do partido Rússia Unida, pelo qual o presidente se elegeu. 

"Renovamos nosso compromisso em fortalecer nossos laços de parceria e amizade, trabalhando juntos rumo a um mundo mais justo, multilateral e plural. Enviamos nossas calorosas saudações à Rússia e seu povo neste momento importante e especial para o país", continua Pereira. 


Silêncio no governo 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que também é do PT, ainda não se pronunciou publicamente sobre a vitória de Putin. O Ministério das Relações Exteriores do Brasil também não. 

Interlocutores de Lula no Palácio do Planalto afirmam que o presidente mandou cumprimentos privados a Putin pela vitória eleitoral. 

No início do mandato, Lula foi criticado por declarações que conferiam à Ucrânia parte da responsabilidade pela guerra. A Ucrânia foi invadida pela Rússia em fevereiro de 2022, e a guerra dura até hoje. A decisão de invadir foi unilateral da Rússia. 

Depois da má repercussão, Lula moderou o discurso e não mais disse que a Ucrânia é culpada pela guerra. Ele também tenta criar um grupo de países neutros para intermediar negociações de paz.


Não só no Brasil: relações civis-militares também estressadas nos EUA, desde Trump - Alexander Vindman (ademocracy Journal)

 Alexander Vindman begins his recent piece for Democracy with a troubling revelation. “Over the past two decades,” he writes, “there has been a steady erosion of civil-military relations in the United States due to the politicization of the military.”


Vindman knows what he’s talking about. A retired Army lieutenant colonel, he was removed from his position on the National Security Council in 2020 after he told House impeachment investigators that he had heard President Trump ask the president of Ukraine to investigate Joe Biden.

Check out our latest piece, “Civil-Military Relations: Repairing Fractured Ties”→

READ IT HERE

In his essay for Democracy, Vindman offers a clear-eyed analysis of the state of relations between our military leaders and civilian authorities. It isn’t reassuring. According to Vindman, growing partisanship within the ranks and politicians’ willingness to capitalize on public respect for the military now pose a threat to our national defense—and our democracy. 

Read on to learn the three things that Vindman believes we can do to “mend the growing chasm and ensure that both civilian and military entities work cohesively to uphold the democratic ideals upon which the United States was founded.”

segunda-feira, 4 de março de 2024

Algum retrocesso em vista no sistema internacional? No próprio Brasil? - Paulo Roberto de Almeida

Algum retrocesso em vista no sistema internacional? No próprio Brasil?

Paulo Roberto de Almeida


Nosso sistema imunológico na área política, interna e externa, ainda não conseguiu criar uma vacina eficaz contra as ditaduras, sobretudo as eleitorais e/ou plebiscitárias. Existem algumas na região e várias ao redor do mundo, inclusive no BRICS+, o xodó do Grande Guia, apreciado por muitos. Fatalidade geopolítica ou escolha ideológica?

O quê, exatamente, o Brasil e o povo brasileiro ganham ao ver o seu atual governo apoiar ditaduras execráveis ao redor do mundo, especialmente duas grandes autocracias que pretendem criar uma “nova ordem global”, supostamente oposta, contrária e substitutiva à atual ordem econômica e política mundial, que deriva de Bretton Woods (1944) e de San Francisco (1945), uma ordem baseada em regimes democráticos, de economias de mercados livres e garantidores de direitos humanos?

Repito a pergunta: o que o Brasil ganha ao se opor à atual ordem “ocidental”, aparentemente tão desprezada pelos que nos governam? 

O que se espera com essa “nova ordem global”, que para ser implantada necessitaria o “afastamento” da ordem prevalecente atualmente? Pacífico, consensual, por livre escolha? Ou por imposição da força bruta? Pela força do Direito ou pelo direito da força?

Alguma rationale credível do ponto de vista dos interesses nacionais, dos valores e princípios de nossa Constituição, de nossa diplomacia, das regras e normas que presidem o Direito Internacional e a Carta da ONU?

O governo atual ainda não conseguiu chegar à conclusão de que a guerra de agressão da Rússia de Putin contra a Ucrânia vizinha constituiu uma violação flagrante da Carta da ONU e do Direito Internacional? O que falta para chegar a essa conclusão elementar? 

Seria preciso um “puxão de orelhas” de alguma instância da ONU, o Conselho de Direitos Humanos, por exemplo, ou, eventualmente, um ruling da Corte Internacional de Justiça?

Não bastaria uma simples adequação a certas simples normas éticas, ou a princípios elementares de moral pública?

Como confundir agressor ou agredido, como equiparar as duas partes em conflito, como se elas fossem equivalentes, no plano do Direito, ou da realidade empírica visível aos olhos de todos e cada um?

Confesso minha estupefação em face desses fatos, não apenas como diplomata, ou estudioso das relações exteriores do Brasil e da sua diplomacia, mas como simples cidadão bem informado e engajado nas causas democráticas e dos DH.

Confesso que não entendi certas coisas, e que não consigo suportar a desfaçatez, a mentira e a deformação da realidade. 

Confesso minha desconformidade e meu contrarianismo, fundamentados num ceticismo sadio sobre certas escolhas de autoridades e poderes públicos que me parecem contrárias ao nosso sentido de  Justiça, à nossa definição de democracia e de respeito aos DH. 

Por que admitir tais retrocessos no âmbito interno e no contexto internacional?

Por quê?

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 4/03/2024

domingo, 3 de março de 2024

Lições da Ásia para acelerar o crescimento econômico - O Estado de S. Paulo

Lições da Ásia para acelerar o crescimento econômico 

O Estado de S. Paulo, 3/03/2024

https://www.estadao.com.br/economia/as-licoes-da-asia-para-o-brasil-reduzir-a-miseria-em-5-graficos/




Nas últimas décadas, os países asiáticos alcançaram um resultado extraordinário na redução da pobreza extrema, com impacto profundo em todo o mundo. Como mostrou a série de reportagens Os caminhos da prosperidade, publicada pelo Estadão, a Ásia tirou mais de um bilhão de pessoas da miséria em apenas vinte anos, de acordo com o Banco Mundial.

A queda no número de pessoas vivendo em situação de pobreza extrema – que engloba quem tem renda per capita inferior a US$ 2,15 (R$ 10,75) por dia em valores de 2017, pela paridade do poder de compra (PPP) – foi a maior, no menor prazo, em todos os tempos. E o mais impressionante é que isso aconteceu num período em que o número de habitantes da região teve um aumento de 46,9%, de 3,2 bilhões para 4,7 bilhões.

Em 30 anos, a renda per capita ajustada pelo poder de compra deu um salto. Nos países da Ásia Meridional, ela se multiplicou por seis, de US$ 1.249, em média, em 1990, para US$ 7.824, em 2022, em valores correntes. Na Ásia Oriental e na região do Pacífico, a renda per capita cresceu quase sete vezes, de US$ 3.250 para US$ 22.422. Enquanto isso, no Brasil, o crescimento foi de 2,7 vezes, de US$ 6.440 para US$ 17.270 – menos até do que o aumento ocorrido na média mundial, de 3,7 vezes, no mesmo período.

Afinal, qual o segredo da Ásia para ter reduzido de forma notável a miséria num prazo tão curto? O que os países asiáticos fizeram de diferente para chegar lá? Que lições o Brasil – cuja taxa de pobreza extrema aumentou de 3,3% para 5,8% da população entre 2014 e 2021, conforme o Banco Mundial, atingindo 12,5 milhões de pessoas – pode tirar do sucesso alcançado pela região na diminuição da miséria?

Para responder a estas perguntas, o Estadão produziu cinco gráficos que permitem a visualização imediata de alguns dos fatores que levaram a Ásia – mais especificamente os países localizados na Ásia Meridional e Oriental e na chamada região do Pacífico, onde a evolução foi mais acentuada – a reduzir a pobreza extrema em quase 90% desde 1990.

Embora não exista, segundo os analistas, o que se poderia chamar de um “modelo asiático” para explicar a diminuição da miséria na Ásia nas últimas décadas, é possível apontar alguns caminhos trilhados por países da região – que, em maior ou menor grau, conforme o caso, levaram a este resultado fenomenal. Confira a seguir quais são eles e como o Brasil se coloca em relação a cada ponto.


1. Crescimento econômico acelerado

O economista Dani Rodrik, professor de Economia Política Internacional na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, não deixa margem para dúvidas ao falar sobre o impacto do crescimento na redução da miséria. “Nada funciona mais que o crescimento econômico para as sociedades melhorarem as condições de vida de seus integrantes, incluindo os mais desfavorecidos”, afirma Rodrik, no livro Uma economia, muitas receitas: globalização, instituições e crescimento econômico.

Considerando o que ele diz, os países asiáticos têm sido imbatíveis. Entre 1960 e 2020, a Ásia foi a região que teve o maior crescimento médio por ano do mundo, como mostra o gráfico acima – bem superior ao do Brasil, em especial nas últimas décadas, justamente o período em que os países asiáticos mais cresceram.

Enquanto os países da Ásia Meridional cresceram, em média, 5,6% ao ano entre 1960 e 2021, e os da Ásia Oriental e da Região do Pacífico, 4,9%, o Brasil teve um crescimento anual de 3,9%. Na média, o crescimento do País nos últimos 60 anos até foi superior ao de outras regiões do mundo, graças principalmente ao resultado obtido entre os anos 1960 e 1980. Mas, de 1981 a 2010, a economia perdeu tração e a média foi de apenas 2,1% ao ano. E, de 2011 a 2021, o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) foi de apenas 0,7%, em média, ao ano.

Resumindo: sem turbinar o crescimento econômico, o Brasil dificilmente conseguirá reduzir a miséria e melhorar a qualidade de vida da população, em especial dos mais vulneráveis, como a Ásia conseguiu.


2. Liberdade econômica 

Nas últimas décadas, quando o crescimento ganhou velocidade na região, a maioria dos países asiáticos melhorou sua colocação no principal ranking global de liberdade econômica, produzido pela Heritage Foundation, dos Estados Unidos, favorecendo o desenvolvimento e a redução da miséria.

O Vietnã, por exemplo, que era um país fechado aos investimentos estrangeiros e adotava o sistema de planejamento centralizado até meados dos anos 1980, conforme a orientação do Partido Comunista, aderiu à economia de mercado.

Com isso, o Vietnã, que andava de lado ou até de marcha à ré até então, cresceu uma média de 6,7% ao ano de 1990 a 2022, conforme dados do Banco Mundial, e deu um salto em sua posição na lista dos países com maior liberdade econômica. Nos últimos dez anos, o Vietnã subiu 89 posições no ranking, saindo da 148ª colocação para a 59ª, entre 176 países. Só na lista de 2024, divulgada recentemente, o país subiu 13 posições em relação ao ano passado.

A Indonésia, que também liberalizou de forma considerável sua economia, ganhou 52 posições na lista no mesmo período, passando de 105ª colocada no ranking para 53ª. Embora ainda mantenha o protagonismo do Estado em certas atividades, o país teve um crescimento do PIB um pouco mais baixo que o do Vietnã, de 4,7% ao ano, em média, entre 1990 e 2022 – mas ainda ficou bem acima da media mundial, de 2,9%.

O Brasil, enquanto isso, continuou como um país majoritariamente não livre, ocupando uma posição vexatória na lista. De 2015 até 2024, o País caiu seis posições no ranking, do 118º lugar para o 124º, ficando bem abaixo do Vietnã, da Indonésia e de outros países emergentes de alto crescimento na Ásia, como Bangladesh e Cambodja. O crescimento médio do Brasil entre 1990 e 2022 foi de apenas 2,1% ao ano, três vezes menor que o do Vietnã e duas vezes menor que o da Indonésia.

A China é a exceção que confirma a regra. Mesmo tendo liberalizado sua economia no fim dos anos 1970 e crescido 9% ao ano, em média, desde 1990, um recorde mundial, a China ocupa apenas a 151º colocação no ranking dos países mais livres na economia, perdendo 12 posições de 2023 para 2024.

Apesar da liberdade existente no comércio internacional e na área monetária, além da relativa liberdade que há nos negócios e na área tributária, de acordo com o levantamento, a China é considerada como uma economia reprimida no direito de propriedade, na liberdade de investimento, na saúde fiscal e na efetividade da Justiça, entre outras áreas, o que acaba afetando sua avaliação final.

“A liderança do Partido Comunista da China detém o controle direto da atividade econômica”, diz o relatório de 2024 da pesquisa da Heritage Foundation. “O quadro regulatório permanece complexo e desigual. As regras arbitrárias e frequentemente revisadas para os negócios e a legislação trabalhista submetem o setor privado aos caprichos do governo comunista.”

Em geral, porém, a liberdade econômica tem uma relação direta com o crescimento e leva à redução da miséria e à melhoria da qualidade de vida da população. A tendência normalmente é de os países com a economia mais reprimida terem menor probabilidade de obter sucesso na redução da pobreza.

“As economias (asiáticas) começaram a crescer mais rápido quando deixaram de lado as políticas de intervenção do Estado e focaram no mercado, enquanto os governos continuaram a desempenhar um papel proativo”, afirma Takehiko Nakao, ex-presidente executivo e do Desenvolvimento da Ásia (ADB, na sigla em inglês), no prefácio do livro A viagem da Ásia para a prosperidade, publicado pela instituição em 2020.

Segundo Nakao, a política de substituição de importações, ancorada no protecionismo, na falta de concorrência e em taxas de câmbio sobrevalorizadas, que foi largamente adotada por países em desenvolvimento no pós-guerra – inclusive no Brasil, onde está sendo ressuscitada –, levou a “sérias ineficiências” e a crises na balança de pagamentos, especialmente na América Latina.


3. Abertura comercial e integração na economia global

Para crescer em progressão geométrica, gerando milhões de empregos e melhorando a renda dos mais pobres, os países asiáticos – muitos deles fechados ao exterior até três ou quatro décadas atrás – deram uma guinada radical e procuraram se integrar à economia global.

Apesar de alguns terem crescido em ritmo acelerado mesmo com a manutenção de certas restrições às importações, como Indonésia e Bangladesh, os que obtiveram os melhores resultados foram aqueles que abriram para valer o comércio exterior, como Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Cingapura e, numa segunda onda, a China, e mais recentemente o Vietnã.

Ao se abrirem para o mundo, promovendo uma redução substancial nas tarifas incidentes sobre as importações e multiplicando as exportações, especialmente de manufaturados e de serviços de alta tecnologia, eles alavancaram o crescimento econômico. A participação de muitos países asiáticos em acordos de livre comércio também deu uma grande contribuição para dinamizar as economias locais.

O Brasil, ao contrário, continua a ser um país relativamente fechado, cuja participação em acordos de livre comércio resume-se ao Mercosul – e, mesmo assim, com diversas restrições nas trocas entre os países do bloco. O acordo do Mercosul com a União Europeia, que estava bem encaminhado, acabou “fazendo água” porque o governo Lula queria, entre outras reivindicações, restringir a participação das empresas estrangeiras nas compras governamentais.

Em nome da proteção à indústria nacional, o Brasil ainda mantém elevadas tarifas sobre importações, encarecendo a modernização da produção, que permitiria ganhos de eficiência e produtividade, e restringindo a concorrência com os produtos importados, em prejuízo dos consumidores – sejam eles pessoas físicas ou jurídicas.

Na média, as importações dos países da Ásia Oriental e da Região do Pacífico representam hoje 28,8% do PIB, de acordo com o Banco Mundial. Na Ásia Meridional, as importações chegam a 25,9% do PIB. Em ambos os casos, ainda é um volume inferior à média global, de 30,5% do PIB, mas as duas regiões já estão quase chegando lá.

No Brasil, apesar de as importações terem crescido de 7% para 19,3% do PIB entre 2000 e 2022, continuam bem abaixo das médias asiáticas e internacional, dificultando o desenvolvimento do País e a redução da pobreza.

As exportações brasileiras até ganharam corpo nas últimas décadas e hoje estão mais ou menos no nível da Ásia Meridional, na faixa de 20% do PIB. No entanto, isso ocorreu principalmente em razão da explosão das vendas de commodities agrícolas e minerais ao exterior e não pela integração do País na cadeia global de suprimentos ou pela venda de produtos manufaturados e de maior valor agregado.

Agora, mesmo com o crescimento verificado nos últimos 20 anos, o volume de exportações do Brasil ainda está bem abaixo da média mundial e dos volumes negociados pela Ásia Oriental, o que mostra o enorme espaço ainda existente para o País ampliar sua fatia no comércio exterior e sua integração na economia mundial, com efeitos positivos no desenvolvimento e na diminuição da miséria.


4. Atração de investimentos estrangeiros 

Nos últimos 30 anos, o ingresso de investimentos estrangeiros contribuiu de forma decisiva para alavancar o crescimento econômico da Ásia, gerando emprego e renda, principalmente nos países que alcançaram a maior redução na pobreza. Embora demonizados como uma forma de “imperialismo” por partidos e militantes anticapitalistas, os investimentos estrangeiros se tornaram fundamentais para dinamizar a economia até em países comunistas como o Vietnã e a própria China.

Apesar de classificada como um país reprimido na atração de investimentos pela Heritage Foundation, a China conseguiu atrair um volume espetacular de dólares desde a liberalização da economia, nos anos 1970. Segundo os números da Unctad (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento), o estoque de investimentos estrangeiros no país passou de 5,24% do PIB em 1990 para 21,2% em 2022.

Em termos absolutos, o estoque aumentou de US$ 249 bilhões em valores correntes para US$ 3,8 trilhões, 15 vezes mais, e o fluxo continua forte. Só em 2022, ingressaram US$ 189,1 bilhões em aportes externos na China – 2,5 vezes mais do que no Brasil, mesmo com as empresas estrangeiras buscando novos pontos de produção nos últimos anos, para diversificar suas bases por um número maior de países.

A Ásia Meridional, que só mais recentemente mudou de atitude em relação ao capital estrangeiro, ainda tem um estoque relativamente baixo de investimentos externos, equivalente a 13,1% do PIB, enquanto no Sudeste Asiático como um todo o estoque chega a 99,3% do PIB, segundo a Unctad, e a 98,2% no mundo.

No Brasil, embora o estoque de investimentos estrangeiros, de 43,6% do PIB, seja bem maior do que o da Ásia Meridional, ainda representa mais ou menos a metade do volume do Sudeste Asiático e do estoque mundial. Além disso, o aumento do estoque de capital externo no País ficou em 107,6% desde 2000, bem abaixo dos 211,9% da Ásia Meridional, dos 158,8% da Ásia Oriental e dos 142,2% do Sudeste Asiático, de acordo com a Unctad – o que ajuda a explicar o crescimento mais acelerado dos países da Ásia, que criou condições para a redução da miséria na região.


5. Investimento em infraestrutura e máquinas

Além da liberalização da economia, da abertura comercial e do ingresso de capital estrangeiro em grande escala, os investimentos em infraestrutura, na construção civil e em máquinas e equipamentos puxaram o crescimento econômico asiático. O alto volume de investimentos na região também deu uma contribuição relevante para o aumento da produtividade, a modernização da produção e a melhora nas condições de vida da população, com avanços nos transportes, no acesso a energia e no saneamento básico, entre outras áreas.

Na Ásia Oriental e na Região do Pacífico, que inclui a China, onde os investimentos em obras de infraestrutura e na modernização da produção foram gigantescos nas últimas décadas, a taxa de investimento chegou a 35% do PIB em 2022, quase dez pontos acima da média mundial, de 26% do PIB. Na Ásia Meridional, a taxa alcançou 28% do PIB, também acima da média mundial.

No Brasil, onde os economistas costumam dizer que seria preciso uma taxa de investimento de pelo menos 25% do PIB ao ano para o País melhorar sua infraestrutura e modernizar sua produção, com ganhos de produtividade e eficiência, a taxa não passou de 19% em 2022 – e, ainda assim, foi a maior desde 2014. Em 2023, no primeiro ano do governo Lula 3, o volume de investimentos voltou a cair, para 16,5% do PIB. Isso explica, em boa medida, o baixo crescimento do Brasil nos últimos anos.

Em alguns países asiáticos, como a China, a Indonésia e Bangladesh, o Estado ainda responde por boa parte dos investimentos em infraestrutura. Tal estratégia contribui para gerar emprego e renda e turbinar o crescimento econômico, mas quase sempre leva a uma deterioração significativa nas contas públicas e acaba tendo impacto negativo na economia mais adiante.

E é este o caminho que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer seguir mais uma vez no Brasil, com o lançamento de uma nova versão PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), adotado em gestões anteriores do PT, fortemente ancorado em investimentos de empresas estatais, financiamentos subsidiados de bancos públicos e em obras realizadas diretamente pelo governo federal.

Não dá para minimizar, porém, o papel dos investimentos privados nos resultados alcançados pela Ásia. A maioria dos estudos sobre o desenvolvimento econômico e a redução da miséria (na região) se concentra nas políticas macroeconômicas”, afirma o pesquisador Scott Paul Hipsher, na publicação O papel do setor privado na redução da pobreza na Ásia. “Mas eles dependem tanto das decisões microeconômicas tomadas pelas empresas privadas quanto das decisões macroeconômicas tomadas pelos governos.”

No Brasil, os dados mostram o quanto o protagonismo do setor privado é relevante para alavancar os investimentos, apesar de o debate sobre o tema se concentrar nos aportes governamentais. Em 2022, o crescimento na taxa de investimento se deu exatamente quando as operações do governo federal atingiram um dos menores níveis em todos os tempos, de 0,78% do PIB, incluindo os aportes das estatais, em razão do espaço reduzido existente no Orçamento e da necessidade de manter as contas públicas sob controle.

Considerando só os investimentos diretos do governo, a taxa foi de apenas 0,26%, patamar semelhante ao de 2021, o menor em 17 anos. Mas, graças ao aumento dos investimentos privados, estimulados pela manutenção das regras do jogo no mundo dos negócios e a redução das alíquotas de importação e dos impostos, que agora estão sendo revertidas, a taxa chegou aos 19% mencionados acima, voltando ao nível de oito anos antes.


quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Atitudes de Lula em questões internacionais prejudicam Brasil na política externa - R7, Portal Correio

Atitudes de Lula em questões internacionais prejudicam Brasil na política externa, dizem especialistas

Presidente brasileiro se tornou 'persona non grata' para Israel após comparar ações de defesa israelense ao nazismo

Os gestos e as atitudes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva têm prejudicado o Brasil na área da política externa, avaliam especialistas consultados pelo R7. Os exemplos citados são as declarações sobre as ações de defesa de Israel, que o considerou “persona non grata”, do conflito entre Rússia e Ucrânia e a tentativa de relativizar o regime ditatorial de Nicolás Maduro na Venezuela. As informações são do R7, parceiro nacional do Portal Correio.

Desde o início do conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas, Lula tem buscado o papel de conciliador, visando um cessar-fogo permanente na região. A mesma atitude tem sido tomada em relação à guerra da Rússia na Ucrânia. Nas principais ocasiões, o petista enviou o assessor especial para assuntos internacionais, Celso Amorim, para se reunir com membros de ambos os governos na tentativa de se buscar uma solução.

Lula registrou diversas dificuldades para colocar em prática seu plano de o Brasil ser protagonista e pacificador nas questões internacionais voltadas para a área da segurança. O líder brasileiro criticou os Estados Unidos, por supostamente alimentar a guerra na Ucrânia, e recebeu uma repreenda da Casa Branca, que afirmou que o Brasil estava “papagueando” o discurso adotado pela Rússia para negar que tem culpa.

O episódio mais recente e polêmico ocorreu nessa segunda-feira (19), quando Israel classificou Lula como “persona non grata” no país até que haja uma retratação sobre as declarações feitas pelo presidente brasileiro.

No fim de semana, o petista comparou as ações de defesa israelense no conflito contra o grupo terrorista Hamas ao nazismo. “O que está acontecendo na Faixa de Gaza, com o povo palestino, não existiu em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu. Quando Hitler decidiu matar os judeus”, afirmou o petista na ocasião.

Depois do mal-estar causado pela fala do presidente, o governo israelense tornou Lula “persona non grata” no país. O embaixador brasileiro em Tel Aviv, Frederico Meyer, foi chamado por Lula para consultas e embarca para o Brasil nesta terça (19). 

“Cada vez que o presidente Lula viaja ao exterior, traz estragos e prejuízos em termos de política externa. E são episódios tristes para os brasileiros, que compõem tradicionalmente um povo pacífico, aberto e amigo com as demais nações. No caso de Israel, os gestos parecem fechar as portas aos israelenses e desrespeitam os judeus que em solo brasileiro estão. É uma tremenda ofensa”, avalia a professora de direito da Universidade de São Paulo (USP) Maristela Basso.

“Por outro lado, acirra também a polarização no país, uma vez que, aqueles que seguem o pensamento ideológico-partidário de Lula, se sentem autorizados à revanche antissemita. É extremamente prejudicial nas relações internacional e interna, porque serve de combustível para a eventual prática de crime”, acrescenta.

Para a professora de direito da USP, os gestos de Lula fazem com se que perca completamente o espaço de conciliador que o Brasil buscava ocupar entre países que estão em disputa, como Israel e Palestina e Rússia e Ucrânia.

“Perdeu a credibilidade. Essas manifestações são incompatíveis com o posto de líder, de conciliador. Qualquer pretensão que se tinha, de ser o protagonista, de ocupar espaço de liderança, acabou”, argumenta.

Outro episódio citado pelos especialistas trata-se do regime ditatorial de Nicolás Maduro na Venezuela. No ano passado, Lula disse que o ditador merece mais respeito, apesar de o governo dele ser conhecido por episódios de violação de direitos humanos, censura à imprensa e prisão a opositores. O petista evitou dizer se o país vizinho é uma democracia, mas destacou que a situação política do país não pode sofrer interferência de outras nações.

Para o diplomata e diretor de Relações Internacionais do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, Paulo Roberto de Almeida, as declarações do presidente podem prejudicar a política externa brasileira.

“A declaração de Lula é absolutamente equivocada nos planos histórico, diplomático e político. Não há equiparação possível ao Holocausto, que foi organizado por um Estado contra uma determinada população. Foi um massacre. Não há precedentes na história”, avalia.

“Temos duas questões que caracterizam o [mandato] Lula 3, que deveria ser mais maduro pelas experiências dos mandatos anteriores. O que a gente repara é que tem havido tensões internas e externas que derivam das posturas típicas do PT. No campo econômico, o intervencionismo que vimos em casos como a Vale e a Petrobras. No campo da política externa, o que se nota são posições mais próximas do partido [PT] que as da diplomacia brasileira,” explicou.

“Quando Lula cita o Holocausto, isso ultrapassa a linha do aceitável por ser um fato único na história da humanidade. O Holocausto é algo inimaginável até em relação a outros genocídios, por ter sido um projeto estatal do hitlerismo de eliminar todos os judeus. Isso é algo inédito na humanidade. Essa palavra ‘Holocausto’ o Lula pronunciou por ignorância histórica e causou um choque no povo judeu.”

O advogado especialista em direito internacional Bernardo Pablo Sukiennik argumenta que a classificação do brasileiro como ‘persona non grata’, como reação israelense, amplifica a crise gerada pelo petista.

“Isso quer dizer que essa pessoa, no caso o Lula, não é mais bem-vinda em Israel. Não há previsão de visita ao Estado, mas com essa nomenclatura estão deixando claro que, enquanto o governo for liderado por Isaac Herzog e Benjamin Netanyahu, ele não é bem-vindo lá”.

O diplomata Almeida avalia a reação israelense como grave, pois não há precedentes na histórica republicana brasileira deste tipo de movimento e, dessa forma, mostra a gravidade da situação.

“Após a ‘persona non grata’, a retaliação pode atingir acordos e tratados de cooperação entre os dois países. Não creio que chegue a muito, até porque perderiam muito comercialmente, mas pode ser que seja feita uma espécie de corretivo ao Brasil. Além de sinalizar aos demais líderes mundiais de que não vão aceitar manifestações com esse tipo de conteúdo.”

“Não necessariamente envolve romper acordos, porque não seria do interesse do governo nem de empresas israelenses que exportam ao Brasil, principalmente, na área de segurança, mas mostra um descontentamento para a manutenção, pelo menos temporária, de cooperação”, acrescenta Almeida.

Parlamentares evangélicos repudiaram as palavras de Lula

As Frentes Parlamentares Evangélicas (FPE) do Congresso Nacional e do Senado Federal
repudiaram as palavras de Lula. Em nota, os parlamentares disseram que comparar os ataques de Israel ao Hamas com o nazismo, que vitimou seis milhões de judeus, é provocar um conflito ideológico desnecessário.

“Com a ressalva do respeito às pessoas que inocentemente morrem, Israel, ao contrário de Hitler, está exercendo o seu direito de sobreviver diante de um grupo com o objetivo de eliminar os judeus”, diz o documento.

Para a FPE, “não é justo exigir que uma nação se mantenha passiva diante de um ataque covarde que estupra e mata jovens, idosos e crianças das formas mais horríveis e continua com a política de se esconder atrás de reféns (civis inocentes)”.

Ainda de acordo com a nota, as verbalizações do presidente “não representam o pensamento da maioria dos brasileiros e comprometem a política internacional de forma desnecessária”.

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quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Brasil teve de pagar por sua independência; como Portugal usou o dinheiro? - Rodrigo Tavares (FSP)

Um professor catedrático convidado numa universidade portuguesa consultou-me sobre a dívida externa do Brasil na interação com Portugal na época da independência; eu disse tudo o que sabia naquele momento, sem consultar meus escritos a esse respeito. PRA

 

PORTUGAL  UNIÃO EUROPEIA



Brasil teve de pagar por sua independência; como Portugal usou o dinheiro?

Rompimento foi oficializado em 1825, mas verdadeira independência só veio décadas depois

Rodrigo Tavares

Folha de S. Paulo, 7.fev.2024 às 17h00

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/rodrigo-tavares/2024/02/brasil-teve-de-pagar-por-sua-independencia-como-portugal-usou-o-dinheiro.shtml

 

Após 1822, Portugal lutou de todas as formas possíveis, durante alguns anos, contra a independência do Brasil. Mas o que fizeram os portugueses quando, por pressão inglesa, finalmente aceitaram a perda da colônia e firmaram o Tratado de Paz, Amizade e Aliança, em 1825? Celebraram com júbilo. Um aviso do governo (versão original disponível aqui) convocou a corte para uma "grande galla", deram-se férias aos tribunais e iluminou-se toda a cidade de Lisboa ("luminarias geraes").

Ata que convocou a corte portuguesa para a 'grande galla' – Reprodução colunas e blogs

 

O Brasil teve de pagar por sua independência. O valor total foi 2 milhões de libras esterlinas, o que incluiu a amortização de um empréstimo de 1,3 milhão de libras contraído por Portugal, em 1823, junto a bancos ingleses da família Rothschild, precisamente para custear a guerra que travou contra o Brasil para anular a sua independência. A dívida era portuguesa, mas o Tesouro brasileiro foi obrigado a assumi-la. Além disso, como constava no tratado, dom João 6°, rei de Portugal, manteve, inusitadamente, o título de imperador do Brasil. Por isso os portugueses celebraram.

Ao nascer, o Brasil foi amamentado com dívidas. Mesmo antes do tratado, contraiu empréstimos, em 1822 e 1824, destinados à "aquisição de vasos de guerra" e ao pagamento de passivos do período colonial, apresentando como garantia as rendas da Província do Rio de Janeiro.

Para construir uma memória do Brasil independente, a narrativa oficial enfatizou o corte político, o grito patriótico do novo líder, o brio de uma nova nação. Porém, o Brasil manteve o cordão umbilical financeiro com Portugal por muitos anos.

Além de assumir a dívida de Portugal com bancos ingleses, a reparação a Portugal envolveu vários outros parâmetros, como uma indenização de 250 mil libras a dom João 6° pela perda das suas propriedades particulares existentes no Brasil; a compensação pelos bens confiscados ou destruídos de outros portugueses que voltaram a Portugal (e para esse efeito foi criada em 1827 uma comissão mista que acolheria as reclamações dos súditos de governo a governo); as despesas com o transporte de tropas durante a guerra de independência; o pagamento de uma frota de navios de guerra que ficaram no Brasil (7 naus, 9 fragatas, 12 corvetas, 16 brigues, 8 escunas, 4 charruas e 5 navios-correios).

Quadro 'Independência ou Morte', de Pedro Américo, no Museu do Ipiranga - Eduardo Knapp/Folhapress

Nesse pacote incluiu-se também os recursos autorizados pelo governo brasileiro para custear a guerra movida por dom Pedro 1° a seu irmão dom Miguel, após ter abdicado em 1831 do trono brasileiro. Incestuosamente, foi o Brasil que teve de pagar para que o seu antigo imperador fosse rei no país contra o qual tinha lutada pela independência.

Quando dom João 6° voltou a Portugal, em 1821, a maior parte da moeda de ouro e de prata existente foi levada no barco, ficando o Tesouro Público "sem real em seus cofres" (expressão do então ministro da Fazenda, Martim Francisco Ribeiro de Andrada). A dívida com Portugal após a independência só agravou ainda mais uma situação que já era espinhosa. Ao todo, foram contraídos 15 empréstimos entre 1824 e 1888, alguns com deságios de 35%, usados tanto para satisfazer os déficits dos ministérios da Fazenda, da Marinha e da Guerra quanto para pagar a dívida lusa. A relação do Tesouro brasileiro com a família Rothschild manteve-se intacta até às primeiras décadas do século 20em 1855, tornaram-se os agentes exclusivos do Estado brasileiro.

O pagamento da dívida total não foi nem imediato nem fácil. Tiveram de ser adotadas três convenções: a "convenção direta e especial" de 1825 (o instrumento de ratificação original está disponível nos arquivos nacionais de Portugal), uma convenção sobre a liquidação final de contas em 1840 (cujo documento de ratificação é visível aqui) e, finalmente, uma "convenção para o ajuste de contas pendentes" em 1842 (consultável aqui).

Em 1828, o Brasil deu o primeiro calote ao pagamento da dívida. Pela convenção de 1825, a dívida teria que ser paga em quatro parcelas. Não aconteceu. As negociações relativas à amortização tornaram-se cada vez mais complexas, estendendo-se pelo menos até 1860, quando "caíram no esquecimento" causado pelo desgaste.

Quatro acadêmicos portugueses e brasileiros consultados pela coluna, especialistas em dívida pública dos dois países no século 19, indicaram que não é claro quanto tempo o Brasil demorou a pagar a dívida original a Portugal (e à família Rothschild). Pela convenção de 1842, teria que ser amortizada até 1853. Porém, como declarou Marcelo de Paiva Abreu, professor-titular na PUC-Rio, "tipicamente o Brasil em meados do século 19 tomava novos empréstimos para saldar os velhos empréstimos quando venciam os prazos iniciais." Torna-se assim difícil determinar quando é que a dívida a Portugal foi quitada.

Além disso, não há evidências de que Portugal tenha adiantado quantias devidas pelo Brasil e, posteriormente, recebido reembolso, como nota Nuno Valério, professor catedrático da Universidade de Lisboa e um dos maiores especialistas em história econômica portuguesa.

Paulo Roberto de Almeida reforça que, para sabermos se o Tesouro brasileiro pagou a indenização a dom João 6° pela perda das suas propriedades no Brasil, teríamos que examinar os relatórios do Ministério da Fazenda e, se existirem, os registros do Tesouro nos anos subsequentes a 1825, "uma tarefa monstruosa e quase impossível de ser feita." Almeida é autor do livro Formação da Diplomacia Econômica do Brasil: as Relações Econômicas Internacionais no Império (Brasília: Funag, 2017).

O mal de uns é o bem de outros. O pagamento da dívida brasileira foi essencial para que Portugal pudesse reorganizar as suas finanças. A primeira metade do século havia sido dramática. As guerras com a França revolucionária e imperial (1793-1795, 1801 e 1807-1814) pilharam o país. A guerra civil entre absolutistas e liberais, que assolou Portugal entre 1832 e 1834, afundou-o ainda mais. Foi àquela altura que houve as primeiras suspensões de pagamentos dos encargos com a sua dívida pública, em 1837 e em 1846. Durante o reinado de dona Maria 2ª (1834-1853), Portugal teve 27 ministros da Fazenda.

É dessas cinzas que ascende em Portugal um dos seus mais importantes políticos daquele século: António Fontes Pereira de Melo (1819-1887). Foi ministro das Obras Públicas e presidente do Conselho de Ministros, uma espécie de primeiro-ministro da altura. Hoje dá o nome a uma das principais avenidas de Lisboa.

Foi ele que encabeçou o "fontismo", um período marcado pelo início de um grande programa de obras públicas sustentado no liberalismo econômico. Para investir em infraestrutura, Portugal teve, primeiro, de sanear as contas públicas, beneficiando-se, para isso, do pagamento ao longo dos anos da dívida brasileira. O pagamento, por parte do Brasil, do empréstimo de 1823 aos credores privados ingleses melhorou a credibilidade de Portugal nos mercados. Conseguiu, assim, reestruturar a sua dívida externa e continuar a financiar-se internacionalmente.

Com isso, construíram-se as primeiras ferrovias (a primeira é de 1856), alargou-se a malha viária (de 200 km existentes em 1850 para 10 mil km em 1890), os portos foram modernizados e toda a costa portuguesa foi robustecida com uma rede de faróis. Construíram-se escolas públicas por todo o país.

Além disso, os telégrafos surgiram em 1850 e o telefone, em 1882. O país apresentou taxas de crescimento relevantes, com um rendimento per capita equivalente a 77% da média europeia. Até que perdeu a mão, ficou demasiado alavancado e entrou em colapso financeiro no final do século. Faltou ainda fazer muita coisa. A sociedade manteve-se sobretudo rural e o analfabetismo rondava os 79% em 1890.

Essa rede de infraestrutura ainda está ativa. Uma das linhas de trem construídas durante o "fontismo", que une Lisboa a Sintra, é ainda hoje usada diariamente por 200 mil passageiros, incluindo milhares de brasileiros.

Uma das escolas construídas por Fontes Pereira de Melo foi o Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, que mais tarde deu origem ao Instituto Superior Técnico (IST) e ao Instituto Superior de Economia e Gestão (Iseg), ambos da Universidade de Lisboa, onde atualmente estudam dezenas de milhares de brasileiros.

Seria um exagero inferir que os brasileiros residentes em Portugal se beneficiam do pagamento pelo Brasil da dívida a Portugal. A história não é assim tão justa e a economia não é circular. Mas é, sim, possível concluir que a dívida brasileira prejudicou a nova nação e promoveu o desenvolvimento econômico da velha. O Brasil só se tornou verdadeiramente independente de Portugal muitas décadas depois da independência no papel.

Esse papel foi o Tratado de Paz, Amizade e Aliança firmado pelos representantes dos dois países em 29 de agosto de 1825. Dom Pedro 1° ratificou-o no dia seguinte, mas o manteve secreto até setembro. Enquanto em Portugal o tratado foi celebrado com júbilo público, no Brasil tentou-se esconder o documento para não causar nenhuma decepção.

Para uma descrição detalhada das negociações financeiras entre Portugal e o Brasil no século 19, recomendo: Teixeira Soares (1972), "O Reconhecimento do Império do Brasil", Revista de Ciência Política, Vol. 6 (3), p. 43-64; e Daniel Valle Ribeiro (1978), "A Mediação Inglesa no Reconhecimento da Independência do Brasil", Estudos Ibero-Americanos IV.