O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador Brasil. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Brasil. Mostrar todas as postagens

domingo, 31 de março de 2019

Para ler os militares, em 1964 e em 2019 - Paulo Roberto de Almeida e Mario Sabino


Sobre as intervenções de militares na política brasileira

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: comentar Ordem do Dia das FFAA; finalidade: expressar minha posição]


Analiso e comento a relação dos militares com a política no Brasil, por ocasião da divulgação da Ordem do Dia das FFAA sobre o significado de 31 de março de 1964, tal como determinou o presidente da República, poucos dias atrás, mas aproveitando, provavelmente sob a influência do general Eduardo Villas Boas, ex-comandante do Exército e atual assessor do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, essa oportunidade para contextualizar os eventos históricos que levaram a 1964, e refletindo sobre o significado especial dessa intervenção tal como vista na presente conjuntura e no âmbito da missão constitucional das FFAA. Aproveito para expor e explicar minha “tese” sobre as intervenções das FFAA e de militares na política brasileira. Não confundir com o vídeo horrível da PR sobre esse dia, que só pode ter sido obra de bolsonaristas radicais, ignorantes e medíocres.

O jornalista Mario Sabino, editor de Crusoé, da qual sou assinante, e um dos animadores do blog político O Antagonista, que sempre leio, escreve sobre, e interpreta, a Ordem do Dia dos militares sobre 1964, obedecendo portanto, ao presidente da República, que pretendia "comemorar" da data de 31 de março, mas que são plenamente conscientes do que a sociedade brasileira realmente deseja, distanciando-se, portanto, ao mesmo tempo, das franjas bolsonaristas mais radicais, que estão sempre pensando em vingar-se daqueles derrotados em 1964, e que governaram o país de 2003 a 2016.
Minha tese sobre as intervenções militares é a de que 1964, diferentemente do que se prega habitualmente, não foi um golpe militar dado pelas FFAA, a exemplo de outras intervenções dos militares na política, no Brasil ou nos demais países da América Latina, mas sim foi uma crise político-militar, resolvido com a intervenção de militares na política, sem que houvesse, inicialmente, a intenção explícita de tomar o poder para nele se perpetuar, o que foi consequência da dinâmica criada pelo movimento que se desenvolveu nos primeiros dias de abril de 1964.
Explico essa minha "tese", para que isso fique muito claro.
Só reconheço TRÊS oportunidades nas quais as FFAA tomaram o poder no Brasil, e nem 1889, nem 1964 pertencem a esses três únicos exemplos ou se enquadram no contexto geral das intervenções militares na política dos países latino-americanos. Quando eu escrevo FFAA, com maiúsculas, estou referindo-me às Forças Armadas enquanto corpo constituído do Estado brasileiro, ou seja, os comandantes militares atuando em conjunto, e com o consenso do conjunto das tropas, por ocasião de algum evento político com significado maior para a história do país. Distingo esse acrônimo, as FFAA, das intervenções de militares na política, muito mais numerosas, pois que situadas no contextos de graves crises políticas nas quais os militares também foram envolvidos, individualmente ou como setores das FFAA, ou que se envolveram a título político por julgarem que era de seu dever, ou sua vontade, participar de eventos, fatos e processos que também tocavam gravemente nos destinos do país. Quais foram, pois essas três únicas oportunidades, no quadro das muitas intervenções de militares na política, que aliás começam no próprio Império e passam notadamente na proclamação da República, que NÃO é, segundo essa minha tese, uma intervenção das FFAA na política, e sim o envolvimento de militares com a política. 1889 é um movimento político, com grande envolvimento de militares republicanos, vários “jacobinos”, que conseguem a própria participação do chefe do Exército (apenas do Exército e não da Marinha) na deposição do gabinete de Ouro Preto (tal como concebia esse movimento o próprio marechal Deodoro da Fonseca, tomado de surpresa, ou enganado, pelos oficiais republicanos). A República é um movimento político com expressiva participação de militares, não um mero golpe militar, ao estilo das quarteladas de caudilhos latinos.
A primeira intervenção das FFAA (e apenas dos comandantes do Exército e da Marinha) na política, depois de todas as agitações de tenentes e outras patentes em episódios da política brasileira nos primeiros 30 anos da República, se dá exatamente em outubro de 1930, quando essa junta de dois comandantes militares (a Aeronáutica ainda não existia enquanto Força) depõe o presidente Washington Luis, o mantém detido por poucos dias, até que as forças do líder revoltoso Getúlio Vargas chega ao Rio de Janeiro e toma posse de um governo provisório, tal como ocorreu com Deodoro em 1889. Ou seja, as FFAA efetuaram essa intervenção para evitar um possível sangrento embate entre forças legalistas e forças revoltosas, que poderia ocorrer nos limites entre os estados de S. Paulo e Paraná, a famosa “batalha de Itararé”, que não ocorreu, e deu margem a que Aparício Torelly, famoso humorista da época, se autoproclamasse “Barão de Itararé”, e assim passasse a assinar suas saborosas crônicas que vão, justamente, até o golpe de 1964 (atenção: eu disse golpe, e não revolução).
A segunda intervenção das FFAA na política brasileira se deu exatamente 15 anos depois, em outubro de 1945, quando elas depõem o ditador Getúlio Vargas, que fazia ensaios continuístas no poder, depois que as FFAA, seus soldados e oficiais participaram da defesa da democracia nos campos de batalha da Segunda Guerra. Não o fizeram exatamente por amor à democracia, mas o ditador estava recebendo o apoio do Partido Comunista e do seu líder, Luis Carlos Prestes, os mesmos que tinham intentado tomar o poder pela força, comandados pela III Internacional e pelo Partido Comunista da União Soviética, em novembro de 1935, ocasião na qual vários soldados e oficiais foram mortos pelos revoltosos comunistas. A partir de então, o Brasil e as FFAA se tornaram oficialmente anticomunistas, e assim permanecerão até hoje, inclusive em 1964, quando militares se envolveram na política novamente, depois de vários outros exemplos ao longo dessas décadas. Assim como 1889, 1937 não é um golpe militar, e sim um golpe de líderes políticos, com participação e apoio de militares, até de sua alta cúpula, mas não um movimento planejado e implementado pelas FFAA para ser o início de um regime militar, com um plano de governo para a ocasião.
Venho ao meu terceiro episódio de intervenção das FFAA na política brasileira, que não é 1964, sequer 1961, e menos ainda as diversas revoltas e ações militares, ou de militares, em 1954 (suicídio de Getúlio, para evitar uma possível intervenção das FFAA na política), em 1955 (garantia pelo general Lott à posse de JK, eleito minoritariamente) e outros episódios menores (revoltas locais de militares). Em 1961 ocorreu, sim, uma reação das FFAA e dos militares na política, mas de forma improvisada e desorganizada em função da crise aberta com a renúncia de Jânio Quadros, um processo que se arrastou por mais de duas semanas, até que se chegasse, no âmbito do Congresso, ao remendo do parlamentarismo também improvisado (e removido um ano depois). Tampouco 1964 se encaixa na “teoria” do golpe militar, e não constitui, em minha visão, em uma intervenção das FFAA na política, que poderia, sim, ocorrer, caso o presidente ousasse uma ruptura democrática (fechar o Congresso, por exemplo), de acordo com a visão do chefe do Estado Maior à época, general Castello Branco, um grande democrata e um dos raros intelectuais (com Golbery) do Exército. 1964 foi um movimento civil-militar, empurrado por governadores ambiciosos, e pela ansiedade das classes médias ante o descalabro inflacionário e político do inepto João Goulart, que patrocinou diversos episódios de quebra de hierarquia nas FFAA (sargentos em setembro de 1963 em Brasília, cabos e marinheiros em 1964, arroubos irresponsáveis sobre um “dispositivo militar” e outro “sindical” no grande caos que foi o seu governo) e ensejou a reação das FFAA e dos militares a partir do gesto ousado de um único general, Olympio Mourão Filho, ao mobilizar tropas e tanques em Juiz de Fora para, irrealisticamente, “depor” Goulart no Rio de Janeiro. Deu no que deu, ao precipitar o movimento, e a direita militar fez o resto, mas nisso Castello Branco não teve parte.
A terceira, e única, intervenção das FFAA, e não de “simples” militares, na política, se refere, não ao Ato Institucional n. 5, em dezembro de 1968, uma reação autoritária ainda comandada pelo presidente, enquanto chefe das FFAA, mas sobretudo enquanto chefe de Estado, e sim ao impedimento do vice-presidente Pedro Aleixo de assumir o poder, em agosto de 1969, quando as FFAA se constituem em Junta Militar e emitem a Emenda Constitucional n. 1 (à Constituição de 1967), e ficam no poder até a eleição, pelo Congresso, do general Emílio Médici, como novo presidente do Brasil, da mesma forma como tinha sido o Congresso que havia “eleito” o general Castello Branco como “presidente” do Brasil, em princípio até 1965, data de nova eleição presidencial no quadro da Constituição de 1946.
Esta é a minha visão das intervenções das FFAA, de um lado, e de militares, de outro, na política brasileira ao longo do século e meio republicano. Atualmente, no governo confuso do presidente Bolsonaro, com militares eleitos e outros escolhidos para participar no governo, em diversos níveis, o que temos é o mais próximo possível de uma intervenção de militares e das FFAA na política, sem o ser, pois não há uma crise declarada, não há um movimento em curso, não existe um programa de governo das FFAA, ou de militares, para conduzir o país, como talvez surgiu bem depois de março-abril de 1964 (o assunto “governo militar” foi finalmente decidido entre o final de 1964 e o início de 1965, dando início a um regime não previsto inicialmente, e que tampouco estava planejado para durar tanto tempo; foi durando por inépcia da esquerda, que foram as verdadeiras responsáveis pela ditadura que finalmente se estabeleceu, e que teve vários ciclos, como demonstrou Elio Gaspari, Marco Antonio Villa e diversos outros historiadores ao longo do tempo, inclusive brasilianistas, como Tom Skidmore).
Resumindo, o que temos hoje é uma espécie de “maçonaria militar” – como já houve outros episódios em nossa história, a independência, a própria República e outras coisas que seria preciso identificar). Eu digo “maçonaria” num sentido lato, e não estrito, pois nem sei se os militares que “mandam” no governo Bolsonaro – que tem uma outra metade, a “kakistocracia”, comandada por uma família medíocre – são ou foram, ou integram de fato, uma das maçonarias existentes no Brasil. Pode ser que sim ou pode ser que não, o que não tem a menor importância. O que é importante é que os militares atualmente “no poder” já estão organizados nesse sentido desde 2013, e mais formalmente entre 2016 e 2017, quando aceitaram conviver com um “cavalo pangaré” no comando da República, pois era o único que tinha restado da grande mixórdia da política brasileira, tingida pela megacorrupção dos companheiros e dos tucanos, e pela mediocridade da classe política de forma geral. Eles, os militares – e não ainda as FFAA – sabem o que NÃO querem, mas não sabem ainda (ou não podem) o que querem, ainda que alguns deles saibam exatamente o que é preciso fazer.
Feitas estas longas digressões sobre as relações das FFAA e dos militares – aprendam a distinguir entre um conceito e outro – passo agora ao texto de Mario Sabino sobre a Ordem do Dia de 31 de março de 2019, que não tem NADA A VER com 1964, a não ser como mera nota de rodapé na bibliografia da história. Quem redigiu a nota, e eu imagino quem seja, sabe exatamente o que é história, o que é atualidade, o que é o governo atual, e quais são as condições, existentes ou não, para uma nova intervenção DE militares na política brasileira (e não das FFAA). Eles estão atentos, vigilantes, são controladores, até o limite da intervenção soft, ou seja, não declarada.
Ouso dizer que é o de que precisamos, no momento, até que a coisa se deteriore eventualmente, em função da mediocridade geral da política e das elites brasileiras. Se e quando isso ocorrer, os militares, e não as FFAA, estarão prontos para exercer o seu “poder moderador”, que deveria ser – se acreditou num determinado momento – o da Suprema Corte, mas que não foi, pela mediocridade da maior parte de seus integrantes.
Estamos numa situação delicada, e as ÚNICAS forças democráticas do país são exatamente as FFAA e os militares (eles mereceriam também maiúsculas, mas também tenho dúvidas sobre alguns de seus integrantes), e cabe a eles conduzir o Brasil a bom porto até 2022, quando teremos mais uma oportunidade de verdadeiramente transformar o país, uma vez que 2018 foi uma nova oportunidade perdida. Termino com Roberto Campos, para quem o Brasil é um país “que não perde oportunidade de perder oportunidades”. Por enquanto ainda estamos nisso, mas espero que estejamos melhor preparados chegando a 2022. Esta é uma das razões pelas quais eu gostaria de fazer do vice-presidente atual o coordenador de uma comissão supraministerial em torno dos preparativos para o Bicentenário da Independência, em 2022. Espero que ele aceite.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 31 de março de 2019

================

Segue a postagem que eu pretendia colocar em primeiro lugar, mas que ficou como anexo à minha longa digressão sobre as FFAA e os militares na política.




Para ler o recado dos militares sobre 64

Mario Sabino
Revista Crusoé, n. 48, 31 de março de 2019

Em 31 de março de 1964, eu estava a uma semana de completar 2 anos de idade  (...); em 1968, ano em que os generais linha-dura derrotaram os generais moderados, eu tinha 6 anos de idade – a professora da primeira série mandou que todos ficássemos debaixo da carteira, enquanto o pau comia na rua entre estudantes e soldados. As mães foram buscar os filhos mais cedo na escola e, enquanto voltávamos para casa, vi caminhões do Exército carregados de moços presos, numa rua com lojas fechadas e pedras, muitas pedras no meio-fio, os restos do conflito que se travara havia pouco. Dias antes do Natal, a família se reuniu e as crianças ouviram que deveríamos tomar cuidado para “não falar mal do governo na frente de estranhos, porque o vovô poderia ser preso”. O regime militar havia baixado o AI-5. Meu avô italiano, socialista, havia sido perseguido por Getúlio Vargas, em conluio com os fascistas, e agora receava ter de enfrentar tudo de novo. Não enfrentou. Morreu menos de dois anos depois, de enfisema pulmonar.
As minhas memórias dos acontecimentos políticos de 1964 e 1968 não se comparam com as dos filhos das vítimas de ambos os lados, mas certamente são semelhantes em insignificância às das dezenas de milhões de cidadãos que hoje têm mais de 55 anos. A maioria dos brasileiros nem era nascida nessa época. Mas 1964 voltou a ser assunto politico, quando deveria ser apenas histórico, por causa da insistência de Jair Bolsonaro.
Meses atrás, eu disse aqui na Crusoé que discutir 1964 a esta altura é como se, em 1964, o tema dos debates fosse a presidência de Hermes da Fonseca, que governou o país de 1910 a 1914. Outra ideia fora de lugar. Mas Jair Bolsonaro ordenou que as Forças Armadas comemorassem – ou rememorassem, vá lá — a data, obnubilado pela tal guerra cultural que os seus ideólogos teimam em trazer para o palco, como se dela dependesse a permanência da direita no poder conquistado nas urnas. Não depende. A direita só continuará no poder se for capaz de tirar o Brasil do buraco, por meio da reforma da Previdência, e proporcionar emprego, educação, saúde, segurança e transporte dignos desses nomes à massa dos eleitores. O resto é conversa mole.
Os militares não queriam saber de 1964, mas se viram obrigados a obedecer à determinação do presidente da República. Bolsonaro é o chefe supremo das Forças Armadas. Se ele manda, está mandado. Os militares queriam deixar isso para lá, porque tudo o que eles não desejam, agora que estão presentes no primeiro escalão da República, é ver ressuscitadas as acusações de que exilaram, prenderam, mataram e torturaram um monte de gente – que, por sua vez, também sequestrou, roubou e matou um monte de gente antípoda. Mas não teve jeito: a imprensa voltou a bater em 1964, porque Bolsonaro encasquetou de reverter a decisão de Dilma de proibir manifestações de militares a respeito da data.
A Ordem do Dia sobre 1964 que o Ministério da Defesa divulgou, a ser lida nos quartéis de Exército, Marinha e Aeronáutica, foi escrita a muitas mãos. Aposto que o General Eduardo Villas Bôas revisou a versão final. Os jornais já disseram, claro, que as Forças Armadas não fizeram autocrítica, mas ninguém ouviu também José Dirceu e Dilma Rousseff declarando-se culpados pelos crimes que cometeram em organizações esquerdistas que queriam implantar outra ditadura no Brasil, a pretexto de lutar pela democracia. Todo mundo acha que fez certo – e será assim até o final dos tempos. A História não é feita de inteiras verdades, porque lhes falta abundância. A História é um edifício alicerçado ao mesmo tempo nas versões de vitoriosos e derrotados. Sob a cúpula dourada que domina a Esplanada dos Inválidos, em Paris, jaz a tumba majestosa de um homem que, em Londres, teria sido enforcado e enterrado numa cova destinada a criminosos da pior estirpe. O próprio Napoleão Bonaparte, com toda a sua vaidade, tinha a dimensão de que “há somente um degrau entre o sublime e o ridículo”. Ele disse a frase ao embaixador polonês depois do fracasso da invasão da  Rússia, em 1812. Não raro, sublime e ridículo, verdade e mentira, terror e terror convivem no mesmo plano, sem degrau que os separe.
Na minha opinião, a Ordem do Dia deste 31 de março é um primor de diplomacia. Obviamente, as Forças Armadas não abrem mão da sua versão, dando uma ajustadinha nos fatos iniciais, mas é altamente significativo que os militares evitem falar em “Revolução de 1964”.
Vou interpretar o texto:
As Forças Armadas participam da história da nossa gente, sempre alinhadas com as suas legítimas aspirações. O 31 de Março de 1964 foi um episódio simbólico dessa identificação, dando ensejo ao cumprimento da Constituição Federal de 1946, quando o Congresso Nacional, em 2 de abril, declarou a vacância do cargo de Presidente da República e realizou, no dia 11, a eleição indireta do Presidente Castello Branco, que tomou posse no dia 15.

A ajustadinha foi que a vacância em 2 de abril foi motivada pelo movimento dos quartéis no dia 31. João Goulart não saiu porque quis, mas porque foi apeado pelas Forças Armadas — e a Constituição de 1946 não previa general eleito indiretamente para a presidência da República. “Dar ensejo” é um eufemismo. Segue a Ordem do Dia:

Enxergar o Brasil daquela época em perspectiva histórica nos oferece a oportunidade de constatar a verdade e, principalmente, de exercitar o maior ativo humano – a capacidade de aprender. 
Desde o início da formação da nacionalidade, ainda no período colonial, passando pelos processos de independência, de afirmação da soberania e de consolidação territorial, até a adoção do modelo republicano, o País vivenciou, com maior ou menor nível de conflitos, evolução civilizatória que o trouxe até o alvorecer do Século XX. 
O início do século passado representou para a sociedade brasileira o despertar para os fenômenos da industrialização, da urbanização e da modernização, que haviam produzido desequilíbrios de poder, notadamente no continente europeu. 
Como resultado do impacto político, econômico e social, a humanidade se viu envolvida na Primeira Guerra Mundial e assistiu ao avanço de ideologias totalitárias, em ambos os extremos do espectro ideológico. Como faces de uma mesma moeda, tanto o comunismo quanto o nazifascismo passaram a constituir as principais ameaças à liberdade e à democracia.

A contextualização histórica é correta e, ao afirmar que o século XX assistiu ao avanço de ideologias totalitárias em ambos os extremos do espectro ideológico, e que comunismo e nazifascismo são faces da mesma moeda, os autores mandam um recado principalmente para as franjas bolsonaristas que continuam a sonhar com um golpe direitista. O recado é que os militares não participarão dessa aventura irresponsável. Tiveram a capacidade de aprender. O parágrafo seguinte enfatiza o combate das Forças Armadas contra os totalitarismos e, assim, reforça o recado:

Contra esses radicalismos, o povo brasileiro teve que defender a democracia com seus cidadãos fardados. Em 1935, foram desarticulados os amotinados da Intentona Comunista. Na Segunda Guerra Mundial, foram derrotadas as forças do Eixo, com a participação da Marinha do Brasil, no patrulhamento do Atlântico Sul e Caribe; do Exército Brasileiro, com a Força Expedicionária Brasileira, nos campos de batalha da Itália; e da Força Aérea Brasileira, nos céus europeus.

A Ordem do Dia fornece uma moldura para o que ocorreu em 1964, inserindo o 31 de março no âmbito da Guerra Fria e como consequência dela:

A geração que empreendeu essa defesa dos ideais de liberdade, com o sacrifício de muitos brasileiros, voltaria a ser testada no pós-guerra. A polarização provocada pela Guerra Fria, entre as democracias e o bloco comunista, afetou todas as regiões do globo, provocando conflitos de natureza revolucionária no continente americano, a partir da década de 1950.
O 31 de março de 1964 estava inserido no ambiente da Guerra Fria, que se refletia pelo mundo e penetrava no País. 

Está certo, mas houve também conflitos de natureza revolucionária na Europa Ocidental, centro nevrálgico da Guerra Fria, e nem por isso países como França, Itália e Alemanha Ocidental, sacudidos por atentados terroristas, deixaram de ser democráticos. Na sequência, o texto aborda características próprias daquele momento brasileiro:  

 As famílias no Brasil estavam alarmadas e colocaram-se em marcha. Diante de um cenário de graves convulsões, foi interrompida a escalada em direção ao totalitarismo. As Forças Armadas, atendendo ao clamor da ampla maioria da população e da imprensa brasileira, assumiram o papel de estabilização daquele processo. 

A ampla maioria da classe média realmente clamava pela intervenção militar, diante dos desatinos de João Goulart, aliado a esquerdistas desmiolados. É fato. A grande imprensa brasileira também foi bulir com os granadeiros nos bivaques. O Globo, O Estado de S.PauloFolha de S.Paulo e Jornal do Brasil (que tinha Alberto Dines como editor-chefe) eram favoráreis a que os militares assumissem o controle da situação. A “estabilização” era para ser provisória, mas se perpetuou por 21 anos.
O texto, então, dá um salto de mais de uma década, para evitar falar do endurecimento do regime a partir de 1968. O aspecto salutar é que, se omite,  não o justifica. Vamos ao trecho:

Em 1979, um pacto de pacificação foi configurado na Lei da Anistia e viabilizou a transição para uma democracia que se estabeleceu definitiva e enriquecida com os aprendizados daqueles tempos difíceis. As lições aprendidas com a História foram transformadas em ensinamentos para as novas gerações. Como todo processo histórico, o período que se seguiu experimentou avanços. 
As Forças Armadas, como instituições brasileiras, acompanharam essas mudanças. Em estrita observância ao regramento democrático, vêm mantendo o foco na sua missão constitucional e subordinadas ao poder constitucional, com o propósito de manter a paz e a estabilidade, para que as pessoas possam construir suas vidas. 
Cinquenta e cinco anos passados, a Marinha, o Exército e a Aeronáutica reconhecem o papel desempenhado por aqueles que, ao se depararem com os desafios próprios da época, agiram conforme os anseios da Nação Brasileira. Mais que isso, reafirmam o compromisso com a liberdade e a democracia, pelas quais têm lutado ao longo da História.

Ao dizer que a lei de anistia de 1979 viabilizou a transição para uma democracia definitiva – definitiva, frise-se –, as Forças Armadas voltam a dar um recado, desta vez para ambos os extremos do espectro ideológico: não há mais lugar para golpes de qualquer espécie no Brasil. Os militares avançaram, porque igualmente aprenderam com a história. O verbo “aprender” é relevante nessa Ordem do Dia. E, embora reconheçam o papel dos responsáveis por 1964 (será assim até o final dos tempos, repito), eles reafirmam mais que isso o compromisso com a liberdade e democracia. O “mais que isso” não é muleta conectiva. É conteúdo fundamental.
Para ler os militares, é preciso prestar atenção aos detalhes. As Forças Armadas estão em 2019 (não é à toa que ressaltam os 55 anos do 31 de março), ao contrário de Bolsonaro e as suas franjas, que não saem de 1964, para a alegria da esquerda que usa o passado para arruinar o presente.

Mario Sabino

sexta-feira, 29 de março de 2019

Jair Bolsonaro’s Southern Strategy - Jon Lee Anderson (New Yorker)


Se Bolsonaro tivesse uma "estratégia meridional, como argumenta Jon Lee Anderson, da New Yorker, isso representaria um enorme progresso, pois significaria que haveria algo, ainda que minimamente racional, em lugar do caos criado pela famiglia Bolsonaro, com três zeros igualmente caóticos dividindo o trabalho para atrapalhar o governo, um na política externa, outro na interna e um terceiro sabe-se lá com quem exatamente, pois os vínculos com as milícias criminosas é o que foi reportado pela imprensa.
Ou seja, ainda falta um enorme progresso para que se chegue a um arremedo de estratégia.
Por enquanto, o que se tem é um "esquecimento" providencial de coisas do passado, das quais se encarregou de lembrar Jon Lee: “I would prefer that my son die in an accident than show up with some guy with a mustache.” 
Mas Anderson também parece minimizar a gigantesca corrupção do regime lulopetista: 
[Lula's] administration did little to diminish Brazil’s tradition of corruption, and not enough to reduce crime or develop industry,...". 
De fato, Lula foi o maior mafioso quadrilheiro de toda a história do Brasil, o maior ladrão do hemisfério, um psicopata megalomaníaco.
Paulo Roberto de Almeida

The New Yorker, April 1, 2019 Issue
Jair Bolsonaro’s Southern Strategy
In Brazil, a budding authoritarian borrows from the Trump playbook.

Jair Bolsonaro promises prosperity and order. His critics fear tyranny.


 Illustration by Bráulio Amado; photograph by Simon Dawson / Bloomberg / Getty

The authoritarian leaders taking power around the world share a vocabulary of intolerance, insult, and menace. Jair Bolsonaro, who was elected President of Brazil on promises to end crime, right the economy, and “make Brazil great,” has spent his career gleefully offending women, black people, environmentalists, and gays. “I would be incapable of loving a homosexual son,” he has said. “I would prefer that my son die in an accident than show up with some guy with a mustache.” As a national legislator, he declared one political rival, Maria do Rosário, “not worth raping.” Immigrants are “scum.” The United Nations is “a bunch of communists.” He supports the torture of drug dealers, the use of firing squads, and the empowerment of a hyper-aggressive police force. “A policeman who doesn’t kill,” he has said, “isn’t a policeman.”
On New Year’s Day, Bolsonaro was inaugurated in the capital city of Brasília. Standing in the back of a Rolls-Royce Silver Wraith convertible, he waved at crowds of supporters, and they shouted back, “The captain has arrived!” “The legend!” Bodyguards trotted alongside the car, flanked by uniformed cavalrymen on elegant white horses. Bolsonaro is sixty-four, tall and slim, with sharply parted dark hair and heroically bushy eyebrows. His third wife, Michelle, stood next to him, waving at the masses.
After the inaugural ceremony, Bolsonaro gave a speech outside Planalto, the Presidential palace; huge video screens magnified his image for tens of thousands of supporters. Many wore Brazilian flags draped over their shoulders and T-shirts featuring the outline of Bolsonaro’s face, in the style of the movie poster for “The Godfather.” At the ceremony, Bolsonaro had spoken broadly of the need to “unite the people.” Now, addressing his most fervent supporters, he could relax. He said that he had come to free them from the scourge of socialism—an allusion to his left-leaning predecessors Luiz Inácio Lula da Silva and Dilma Rousseff, who had governed from 2003 to 2016. “Our flag will never be red,” he said. “It will be red only if we need to bleed over it.” The crowd took up a chant: “Never red!”
A former Army captain, Bolsonaro served seven undistinguished terms in the Chamber of Deputies, Brazil’s highest legislative body, representing four different political parties. Over twenty-seven years, he delivered some fifteen hundred speeches and introduced more than a hundred and fifty bills, but only two passed—one exempting computer equipment from taxation and another approving a controversial cancer drug. Mostly, he spoke on behalf of the armed forces, even calling for a restoration of the repressive military dictatorship that governed Brazil from 1964 to 1985. In one interview, he discounted the idea that democracy could bring order and prosperity: “You’ll only change things by having a civil war and doing the work the military regime didn’t do. . . . If a few innocent people die, that’s all right.”
Like many autocrats, Bolsonaro came to power with a suddenness that alarmed the élites. He had run a low-budget campaign, consisting mostly of a social-media effort overseen by his son Carlos. At events with supporters, he posed for selfies making a gesture as if he were shooting a machine gun. He promised to “reconstruct the country”—and to return power to a political right that had been in eclipse for decades. In the inaugural ceremony, he vowed to “rescue the family, respect religions and our Judeo-Christian tradition, combat gender ideology, conserving our values.”
Afterward, Bolsonaro received a procession of foreign dignitaries, and as they stepped up to pay their respects the crowd greeted them with cheers or boos. The Hungarian autocrat Viktor Orbán got perfunctory applause; the bolsonaristas seemed not to know who he was. The Israeli Prime Minister, Benjamin Netanyahu, who is fending off charges of fraud and bribery, got a riotous cheer. Bolivia’s President, Evo Morales, the only left-wing leader to attend, was subjected to shouts of “Get out, communist,” and “índio de merda”—“fucking Indian.”
Despite Bolsonaro’s divisive rhetoric, American conservatives were enthusiastic about his Presidency. He had expressed leeriness of China and hostility toward socialists in Cuba and Venezuela; he promised to move Brazil’s Embassy in Israel from Tel Aviv to Jerusalem. Donald Trump didn’t attend the inauguration, but he tweeted his solidarity: “The USA is with you!” Bolsonaro, who sees in Trump a kindred spirit and an opportunity, tweeted back, “Together, under God’s protection, we shall bring prosperity and progress to our people!”
Brasília, built in the late nineteen-fifties, is a city of immense spaces, with sweeping lawns and public buildings in curvilinear shapes—a “Jetsons”-era vision of optimism for the future. As the seat of government, it is home to tens of thousands of middle-class bureaucrats and their families. It is also a place where destitute people camp out in improvised shelters alongside highways and use grand fountains to wash their laundry. The country’s population, two hundred and nine million people, is bitterly polarized. Violent crime is endemic. In 2017, nearly sixty-four thousand Brazilians were murdered, an average of about a hundred and seventy-five every day. The economy, after several years of devastating recession, is virtually stagnant. Twenty-five per cent of the population lives below the poverty line of five dollars and fifty cents a day.
A decade ago, Brazil was prospering, amid a boom in oil and other commodities. Luiz Inácio Lula da Silva, the President at the time, was a charismatic leftist; the son of farmworkers, he had gone from shoeshine boy to steelworker and union leader before taking office, in 2003. Lula was popular, and his Workers’ Party (known by its Portuguese initials, P.T.) instituted generous domestic programs. His administration did little to diminish Brazil’s tradition of corruption, and not enough to reduce crime or develop industry, but, as long as commodities prices stayed high, the economy thrived. In 2005, his government finished paying off a fifteen-billion-dollar loan to the International Monetary Fund, a year ahead of schedule.
In 2010, Lula stepped aside, having reached the legal limit of two consecutive terms, and his protégée Dilma Rousseff—a leftist guerrilla in her youth—became Brazil’s first female President. But commodities prices were slipping, and in her second term a corruption scandal exploded around the state-run oil company, Petrobras. Brazilians came to the streets to protest, and Rousseff’s political rivals sensed an opportunity. In 2016, they began hearings to impeach her, on charges of improperly using loans from state banks to obscure a budget deficit. Rousseff’s supporters complained of hypocrisy, noting that many members of the Brazilian legislature had been indicted for crimes ranging from bribery and money laundering to kidnapping and slavery. (The legislator who led the impeachment effort, Eduardo Cunha, was subsequently convicted of taking forty million dollars in bribes.) But the bid to remove Rousseff worked. It also helped draw attention to Bolsonaro. During the proceedings, he dedicated his vote to Carlos Brillhante Ustra, who had commanded the military unit that captured and tortured Rousseff when she was a young guerrilla.
For Brazilians watching the news in recent years, the country can appear to be perilously in decline. An enormous scandal—called Operação Lava Jato, or “Operation Car Wash”—seems to involve every third official in the government. Two dams have collapsed at mine sites in the countryside, releasing millions of gallons of waste. Last September, an accidental fire broke out at the two-hundred-year-old National Museum, destroying an irreplaceable ethnographic collection. “The country is overwhelmed by a terrible feeling that we have failed as a nation,” Gunter Axt, a Brazilian historian, told me. “And perhaps it is true.”
When Bolsonaro won his party’s nomination, in July, 2018, he seemed to offer a total inversion of political power and ideology. The military, despite a constitutional mandate to stay out of politics, backed him openly, as did a raft of wealthy business interests. His strongest competitor, Lula, was sidelined;Sérgio Moro, the judge who oversaw the Car Wash trials, had sentenced him to twelve years in prison, on charges of corruption and money laundering. Still, Lula retained a large lead in the polls, and he appealed to the Supreme Court to allow him to remain free so that he could run in the election. The appeal was denied, a few days after the commander of the Brazilian Army suggested on Twitter that the armed forces wanted him in jail. This February, Lula, who is seventy-three, was given an additional thirteen-year sentence. Moro is now Bolsonaro’s minister of justice.
Bolsonaro’s Vice-President, Hamilton Mourão, told me that his boss’s greatest virtue was his humble roots. “People have to understand, he comes from one of the poorest parts of São Paulo state,” he said. “He is a self-made man. He understands the problems of poor people, and he says what they want to hear.” Bolsonaro is often compared with Trump, but Mourão disputed the analogy. “Trump has always had a lot of money,” he said. “Bolsonaro was never rich. But both came in the moments that their countries needed them.”
Bolsonaro grew up in Eldorado, a sleepy town in Brazil’s “banana heartland,” south of São Paulo. His parents, who were of Italian and German descent, moved there when he was a boy, and his father, an itinerant dentist, set up a practice. One of six children—several of whom have never left Eldorado—Bolsonaro did not get along with his father, whom he has described as a heavy drinker who inspired discord in the family. He has claimed, perhaps straining credulity, that he did not speak to his father until he was twenty-eight, at which point he stopped hoping for him to change and decided to buy him a drink; after that they became “good friends.”
In 1970, during the first decade of military rule, a Brazilian Army unit descended on Eldorado in pursuit of Carlos Lamarca, an officer who had gone rogue and joined a Marxist guerrilla group. As the soldiers ransacked houses and searched the woods for hideouts, Bolsonaro, who was fifteen, was enthralled; he offered to help them in their search.
Three years later, Bolsonaro was accepted into the Army’s cadet corps, and he soon transferred to the élite Agulhas Negras (Black Needles) Military Academy. While he was training, Brazil’s Army was engaged in a vicious campaign to eliminate leftists. Thousands of Brazilians were detained in secret torture centers, and more than four hundred were killed, their bodies disappeared. Bolsonaro apparently played no part in the repression, but he hasn’t condemned it. He has said of the military regime that its “biggest mistake was to torture and not kill.”
In 1985, Brazil returned to democratic rule, and the military returned to its barracks. Soon afterward, Bolsonaro wrote an unauthorized magazine article in which he complained about the military hierarchy and argued for increased wages for the troops. His superiors imprisoned him for two weeks, for creating an “environment of unrest.” A year later, he faced a more serious charge: as part of his campaign to increase wages, he had conspired to put pressure on commanders by setting off grenades at military garrisons around Rio. Although he proclaimed his innocence, investigators found sketches for the bombing plan drawn in his hand. Bolsonaro was found guilty by a disciplinary committee but cleared in the Superior Military Court, where a majority of judges decided that there was insufficient evidence; he was allowed to enter the reserves as a captain, with a full pension. There were reports that Bolsonaro had been treated favorably, to prevent unrest in the lower ranks—although several judges chided him for being “consumed by vanity.”
Around that time, Bolsonaro won a seat on Rio’s city council, representing the Christian Democratic Party. In 1990, he was elected to the Chamber of Deputies, where he became known for intemperate behavior, registering more disciplinary proceedings than any of his peers. In 2003, he grew violent during a dispute with the legislator Maria do Rosário, twice shoving her roughly in the chest. When she protested, he said that she was a “slut” and told her to “go cry.” In 2014, he called out to Rosário during a congressional session, crudely reminding her of the incident. Bolsonaro was fined twenty-five hundred dollars for having “offended his colleague’s honor.”
During Bolsonaro’s Presidential campaign, women protested his candidacy, under the slogan #NotHim. Nevertheless, he got more than half the female vote. When he was denounced, it often seemed only to strengthen his support. Last September, a month before the first round of voting, he visited the provincial city of Juiz de Fora. He was relaxed, wearing jeans and a T-shirt, as his supporters carried him through the streets on their shoulders. Suddenly, a man carrying a knife concealed in a plastic bag lurched forward and stabbed him in the stomach. The attack nearly killed Bolsonaro; his liver, lung, and intestines were punctured, and he lost a great deal of blood. But it gave him a clear bounce in the polls. On October 7th, he won forty-six per cent of the vote. His nearest opponent—Fernando Haddad, called in at the last minute to replace the imprisoned Lula—got twenty-nine per cent. In the second round, Bolsonaro beat Haddad again, and he began to speak of the attack in providential terms. At his inauguration, he thanked God for saving him so that he could “carry out the honorable mission of governing Brazil.”
In late November, Bolsonaro appeared at an anniversary celebration for Brazil’s Paratrooper Infantry Brigade, from which he graduated, in 1977. The Brigade is stationed inside the Military Village, a fastidiously maintained complex on the run-down outskirts of Rio de Janeiro. When Bolsonaro arrived, in a procession of black S.U.V.s, officers in camouflage swarmed around, greeting him with salutes and affectionate hugs. Bolsonaro stood at the podium, watching with satisfaction, as parachutists jumped from planes and descended onto a wide lawn.
Later, Bolsonaro spoke to a group of reporters, who seemed unfazed by the habitual abuse that he directed at them. One asked about rumors that he was using a colostomy bag after the assault, and that he would have to undergo more surgery. He said yes, with a disdainful look. Asked whether his son Carlos might join his administration, Bolsonaro replied defensively: “My children are still with me, without any problem. He can have a place in the government if he so desires.”
Bolsonaro’s three sons from his first marriage, who are in their mid-thirties, are a central part of his political team. He calls them Zero One, Zero Two, and Zero Three. Flávio, the eldest, won a seat in the Senate last year. Carlos, who helped run his father’s campaign, is an alderman in the Rio city council. Eduardo, the youngest, is possibly the most extreme of the brothers. In the impeachment proceedings against Rousseff, he stood behind his father, mouthing along with his words as he cast his vote in the name of her torturer. A former federal policeman, Eduardo recently joined Steve Bannon’s far-right organization, the Movement, as its Latin America representative. (Bolsonaro also has a fourth son, Renan, a law student, from his second marriage, and a young daughter, Laura, with his current wife.)
Bolsonaro’s administration is heavily stocked with military leaders; eight of the twenty-two cabinet positions are filled by ex-generals. His ideas are informed by Olavo de Carvalho, a philosopher and a former astrologer who has attracted a following with eccentric interpretations of works by Machiavelli, Descartes, and others. Carvalho, seventy-one, lives in Richmond, Virginia, where he identifies with American “redneck” culture by hunting bears, smoking cigarettes, and drinking. Two current cabinet ministers were appointed on his recommendation: the education minister, Ricardo Vélez Rodríguez, a conservative theologian; and the foreign minister, Ernesto Araújo. Both subscribe to Carvalho’s notions that “cultural Marxism” has contaminated Western society and that climate change is a Marxist plot. Carvalho lends a patina of intellectualism to Bolsonaro’s proposals; recently Carvalho told an interviewer that Brazil’s problem with violent crime might have been averted if the military regime had killed the right twenty thousand people.
Much of Bolsonaro’s political support comes from agribusiness, the arms industry, and the religious right, a nexus of power referred to as the Three “B”s—beef, bullets, and Bibles. In Brasília, I met with Alberto Fraga, one of his oldest friends and a close political ally, who headed the “bullet bloc” in congress for two decades, until a recent conviction on bribery charges. (Fraga is appealing the decision.) In office, Bolsonaro had moved quickly to loosen gun laws, and Fraga, who was a police officer for twenty-eight years, was pleased that more people would be able to own weapons. (It was also good for business; the stock value of Taurus, Brazil’s largest gun manufacturer, has doubled since Bolsonaro secured his party’s nomination.) “Guns don’t increase crime,” Fraga said. “Public policies do.” He had forty-eight guns himself, he told me, shrugging: “I like them.”
Bolsonaro posits authoritarian violence as the way to solve Brazil’s crime problem. In one television interview, he said that officers who kill dozens of troublemakers “need to be decorated, not prosecuted.” His allies, like Trump’s, at least feign exasperation at their leader’s rhetorical excesses. Fraga told me, “I think that’s just him talking. We need to get him to control that.” But these sorts of views are common among his loyalists. The newly elected governor of Rio de Janeiro state recently initiated a “shoot to kill” policy against armed criminals and recommended that police helicopters patrolling the favelas carry snipers to “slaughter” anyone openly carrying a weapon. In February, police officers in the Fallet-Fogueteiro favela killed thirteen young men, most of whom were reportedly executed after they had surrendered.
Bolsonaro’s programs risk giving greater license to a police force that is famously violent and corrupt. For years, Marielle Franco, a popular left-wing city councilwoman, spoke out against extrajudicial killings by police officers in the city’s favelas. In March, 2018, Franco, an openly bisexual black woman, was killed in downtown Rio.
One afternoon, I visited Marcelo Freixo, a fifty-one-year-old congressman from Franco’s party, who has spent years investigating Rio’s milícias—paramilitary groups, linked to the police, that compete for territory with criminal gangs in the favelas. Because he has received many death threats, he lives in a closely guarded building, next to an Army base, and travels with armed guards provided by the state. He told me that he believed Franco was killed by former members of the police’s Élite Squad, working for a group of hit men known as the Crime Bureau. “Her assassination was the most sophisticated in the history of modern Rio,” he said. Franco was tracked by men driving a car with a cloned license plate, and killed with four precise shots to the head; the weapon was a submachine gun often used by Rio’s military police. Freixo surmised that her killers were hired by rival politicians. “You can’t understand Rio unless you understand the organized crime here,” he said. “Naples has nothing on us. It’s not a parallel state—it is the state.”
Franco’s killing has led to one of the Bolsonaro administration’s biggest scandals, as the Brazilian press has noted links between suspects and the President’s family. Flávio served in the state legislature alongside Franco, and the two sometimes clashed. Like his father, he has argued to legalize the milícias, in the hope of putting pressure on drug-trafficking gangs. In January, it was revealed that Flávio had employed the wife and the mother of Adriano Magalhães da Nóbrega, a former policeman who was now the leader of the Crime Bureau. Nóbrega was wanted in connection with the killing, but he had fled before he could be detained. As an investigation began, Flávio persuaded a friendly judge to have it quashed, but another judge reversed the ruling, and the inquiry has continued. Flávio maintains that he has “nothing to hide,” and Jair Bolsonaro says that he believes his son—though he has promised to let justice take its course. Steve Bannon dismissed the case as politically motivated—a witch hunt. The forces of “cultural Marxism,” he said, had attacked the Bolsonaros, who were “extraordinary people.”
The investigation has produced no conclusions, but there has been some political fallout. Jean Wyllys, one of the country’s three openly gay lawmakers, was on a trip abroad when the news broke about Flávio’s connection with the Crime Bureau. Wyllys, a friend and political ally of Franco’s, announced that he would not return to Brazil; he did not want to choose between living with bodyguards and risking death. Wyllys was an antagonist of Bolsonaro’s. When Bolsonaro cast his vote during Rousseff’s impeachment, Wyllys spat at him. After Wyllys announced that he was not returning, Bolsonaro tweeted, “Great Day!” with a thumbs-up emoji. Freixo, from his apartment in Rio, shot back: “How about you start behaving like President of the Republic and stop acting like a brat? Show some dignity.”
On the left, the new administration has inspired fears that the country is “going back to 1964,” the year that the military seized power. But some liberals have strained to understand the new order on its own terms. One of the most visible is Fernando Gabeira, a founder of Brazil’s Green Party who is legendary for his involvement in a Marxist guerrilla group that, in 1969, kidnapped the American Ambassador to Brazil. In the eighties, Gabeira gained additional celebrity by posing for seaside photographs wearing only a crocheted bikini bottom.
Gabeira is now seventy-eight. A lean man with silver hair and rimless glasses, he lives in an apartment near Ipanema Beach. Working as a television interviewer, he spoke with Bolsonaro supporters during the campaign, trying to understand their motivations. Gabeira told me that he saw Bolsonaro’s victory as a reaction to the “moral collapse” of the left, owing to the P.T.’s corruption scandals. In his view, “the left is finished unless it deals with its failings and engages in self-criticism.” Many leftists evidently believe that the criticism is better applied elsewhere; after Gabeira had a friendly exchange with Bolsonaro on the air, he was accused of “normalizing barbarism.”
Brazil, particularly in the countryside, is a traditionalist, Catholic country, and at times the urban left has made it easy for Bolsonaro to score points. In Rio, a woman who works as a literary translator told me about a fracas in her son’s public high school. Last year, amid a debate on gender identity, the chancellor decreed that the female school uniform was valid for both sexes, and some male students and teachers began wearing skirts to class. Conservative parents were furious. “You can just imagine,” she said. The school had also hosted a commemoration of China’s bloody Cultural Revolution, with activities that uncritically celebrated Mao’s “achievements.” Worst of all, the teachers belonged to a communist-linked union, and often went on strike, sometimes for months. A parents’ group was formed to get the children back into the classroom, with little success. “The Maoist and gay stuff was crazy, but we were able to deal with it,” she said. “We couldn’t get the union to budge.” She laughed bitterly and held open her hands. “And so now we have the fascists.”
In situations like these, Bolsonaro has deftly exploited conservative resentments. Under Rousseff, the government offended traditionalists by legalizing same-sex marriage and designing materials for schools to combat homophobia. During the Presidential race, Bolsonaro repeatedly told crowds that the P.T. had tried to introduce a “gay kit” to their children. A rash of messages linked to his campaign arrived on voters’ phones, accusing P.T. candidates of endorsing pedophilia.
For gay Brazilians, these actions intensified a sense of siege. There has been an alarming increase in homophobic attacks. Brazil already had the world’s highest levels of lethal violence against L.G.B.T.Q. people, with four hundred and forty-five murders reported in 2017. During the Presidential election, some fifty attacks took place that were directly linked to Bolsonaro’s supporters; among them were at least two incidents in which trans women were killed by men who invoked his name.