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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Educação em Sobral, CE: separando mito e realidade (FSP)

Transcrevo, sem todas as informações editoriais, matéria que recebi via lista, mas que é importante demais para ser deixada de lado para complementar os dados.

Education
Clodoveu Arruda sent
a very interesting article about public education in Sobral and Ceará published February 25 in Folha de São Paulo, based on studies done by the World Bank.

Ceará e Sobral têm muito a ensinar ao Brasil e ao mundo sobre aprendizagem
Especialistas do Banco Mundial estiveram no município cearense para conhecer as estratégias
FSP, 25/02/2020 
A crise na educação é um dos principais fatores que contribuem para o déficit de capital humano, minando o crescimento sustentável e os esforços para reduzir a pobreza.
 
O percentual de crianças de 10 anos que não conseguem ler e interpretar um texto simples é o que chamamos de Pobreza de Aprendizagem. Mas por que focar na leitura para crianças de 10 anos?
 
Pelo menos por quatro razões: (i) a alta taxa de Pobreza na Aprendizagem é um alerta prévio de que todos os objetivos da educação estão em risco; (ii) leitura é a fundação sobre a qual outras habilidades são construídas; (iii) no decorrer da vida é mais difícil recuperar o atraso e as crianças correm o risco de ficar para trás; (iv) a habilidade de ler com entendimento tem uma forte ligação com os empregos de qualidade.
 
A dimensão da crise de aprendizagem global que enfrentamos é muito grande. Hoje, pouco mais da metade ?53%? das crianças de 10 anos nos países em desenvolvimento não consegue interpretar um texto adequado para sua idade. No Brasil, essa taxa também está próxima de 50%.
 
Nesse contexto, o Banco Mundial estabeleceu uma meta global de aprendizagem ambiciosa, porém factível: até 2030, reduzir, no mínimo pela metade, a proporção de crianças que não sabem ler aos 10 anos. Mas essa é só uma meta intermediária e a ambição é trabalhar com os países e parceiros de desenvolvimento para reduzir esse número a zero!
 
Como chegar lá? Com exemplos como o do estado do Ceará e a cidade de Sobral que melhoraram a qualidade da educação muito mais rápido que o resto do país, alcançando níveis de competências educacionais fundamentais comparáveis com as dos países mais desenvolvidos.
 
Os municípios cearenses tiveram o maior aumento no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) no anos iniciais e finais do Ensino Fundamental desde 2005, quando o Ideb começou a ser medido.
 
Quase todos os seus 184 municípios apresentavam, inicialmente, níveis muito baixos de qualidade no ensino, investindo por aluno cerca de um terço do valor investido em estados mais ricos, como São Paulo.
 
Hoje, o Ceará tem as menores taxas de pobreza na aprendizagem do Nordeste e Norte do Brasil e 9 dos 20 municípios com a melhor colocação no ranking nacional de qualidade da educação nos anos iniciais do Ensino Fundamental, de acordo com a última rodada do IDEB, em 2017.
 
Os resultados educacionais das escolas cearenses estão bem acima do esperado quando se considera o contexto socioeconômico, ou seja, a maioria delas está entre as escolas com maior proporção de alunos mais pobres e ao mesmo tempo está entre os maiores IDEBs do Brasil.
 
Esse sucesso se sustenta em três pilares, que encontram respaldo na evidência internacional sobre sistemas de educação com alto nível de aprendizagem: (i) um compromisso político sustentável com a educação, com ênfase na alfabetização universal na idade certa; (ii) incentivos financeiros para os municípios atingirem as metas de aprendizagem definidas; e (iii) assistência técnica para os municípios com dificuldades em melhorar as taxas de aprendizagem.
 
Esse modelo de incentivos e apoio pressupõe que haja também (iv) um elevado grau de autonomia dos municípios para desenhar e implementar suas políticas de educação e (v) a existência de um sistema robusto e confiável de monitoramento e avaliação, que avalie continuamente os principais resultados da educação, incluindo a aprendizagem dos alunos.
 
O município de Sobral tem liderado o avanço na aprendizagem e é o melhor exemplo da qualidade da educação pública no Ceará, com o melhor Ensino Fundamental do Brasil. Está em primeiro lugar entre os 5570 municípios nos rankings dos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental.
 
As notas de Sobral no IDEB são superiores à média das escolas particulares de São Paulo e apesar das condições socioeconômicas desafiadoras (o Ceará tem o 5º menor PIB per capita entre as 27 Unidades da Federação), os alunos das escolas municipais de Sobral têm um desempenho de leitura comparável aos alunos dos países da OCDE.
 
Não há receita milagrosa na política educacional de Sobral, mas uma abordagem abrangente, composta por diversos programas, atividades e estratégias.
 
As ações incluem dar prioridade a um programa de alfabetização na idade certa; um sistema de monitoramento e avaliação que responsabiliza os atores educacionais a conseguir resultados; seleção de gestores da escola baseada no mérito; disponibilização de materiais didáticos estruturados; formação de professores com foco na prática pedagógica dentro da sala de aula; avaliação da aprendizagem dos estudantes com monitoramento e devolutivas para as escolas; estabelecimento de metas de aprendizagem; estratégias para melhorar a gestão da sala de aula; e motivação de professores e bonificação com base em resultados.
 
Não é estranho, portanto, que uma equipe de especialistas do Banco Mundial de mais do que oito nacionalidades diferentes estiveram em Sobral no início do mês para conhecer a sua experiência.
 
Dentre todas a lições que eles ouviram, a que mais chamou a atenção foi a importância da liderança política forte e o compromisso para mudar a qualidade da educação pública, além do trabalho árduo com foco e diálogo.
 
É uma grande oportunidade para o mundo e para o resto do Brasil poder aprender com uma experiência educacional tão bem-sucedida.
 
Colaboraram André Loureiro, economista sênior do Banco Mundial, e Omar Arias, gerente de conhecimento da prática global de Educação do Banco Mundial

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

A guerra cultural no Brasil - Daniel Peres (Public Seminar)

The Cultural Counter Revolution in Brazil

Fascism’s advance in education

On February 7, The Guardian published a very important Open Letter, signed by more than 2000 artists, intellectuals, and journalists — among then Caetano Veloso, Noam Chomsky, Nancy Fraser, and Julian Schnabel — to denounce the attacks perpetrated by Bolsonaro’s government against Brazilian democracy and freedom of expression. This open letter was ignited by a Facebook live video by Roberto Alvim — at that moment, federal minister of culture — quoting Goebbels and presenting the government’s plan for a “national and heroic art.”
The government is not only restricting our freedom of expression, though. It is more than that. They are attacking our educational system, and thus attacking our common culture. Brazil is a very diverse country, in terms of culture, and unequal, in terms of wealth and opportunities. It is not at all clear, with such diversity, that one can speak of a common culture. Since the end of our dictatorship, we have been struggling for achieve such commonality, in order to support democracy. But on the other hand, we need democracy to build a common culture, a democracy that respects our diversity at the same time that fights against our inequalities. Now, as the title of Petra Costa’s film states, we are at the edge.
The attacks referenced in the open letter have been very effective. The federal government is pushing to transform common sense, and trying to normalize hideous moral views. Bolsonaro goes on Twitter daily and suggests things like that HIV+ people should stop receiving public health treatment, not only because of its a high cost for taxpayers, but also because of the supposedly immoral behavior attached to HIV. He also recently stated that our indigenous people, especially those still living in the Amazon Forest and National Reserves, are not humans. Paulo Guedes, his minister of finance, now trying to enact an administrative reform, attacks public servants as parasites. Ernesto Araújo, minister of international affairs, keeps defending the idea that the military dictatorship we had from the 1960s until the 1980s never existed, that it is at the most a matter of interpretation.
The actions of Abraham Weintraub, the minister of education, have undoubtedly played a most prominent role. In his policies, he is advancing a counter-revolution in everyday Brazilian life. Since the first day he took office, Weintraub made clear that his objective is to tear apart our public education system, from kindergarten to the University. The government views our school public system as captured by Gramsci and The Frankfurt School, and they see themselves as the crusaders that will free Brazil from the plague of cultural-Marxist infidels, restoring Christianity and true family values in our Schools.
No doubt there is much hypocrisy in all this, but hypocritical or not, the policies — or lack of them — is real. Even though our constitution divided the responsibility for the public education system between municipal (K12), state (High-School), and federal (Universities) governments, that fact is that due to regional disparities, the Federal Government has a prominent role in all the system. The executive branch is particularly vital to all this work. In 2006, working together with congress, our executive created a Public Fund, called FUNDEB, that helps municipalities and states to open, maintain, and improve their schools.
FUNDEB is a fund that must be renewed periodically, and that is when the executive and legislative must come together and compromise concerning our educational system and policies. This fund is set to expire, and the federal government has given no sign that it intends to work with the congress to renew it. So we are now facing the real possibility of a total collapse. The reason for the executive branch not to play ball is only one: to force local governments to adopt the only educational program this fascist government has to offer, the militarization of our schools. The program is called Civic-Military School, and it was created by executive decree on September 2019. To imagine that any country will give its educational system to the military is absurd. To propose to a society that not long ago was facing a brutal military dictatorship do it is even more so.
At the other point in our public educational system, we have our public universities, responsible not only for undergraduate courses but almost for all good graduate ones. More than 90% that our scientific research, in all areas, is done by public Universities. Last year we faced serious budget cuts. This is in itself a huge problem, of course. However, there is more, and it may be useful to make a distinction that is not precisely correct but may help to understand where the danger comes from.
The budget for undergraduate courses comes from one source; that money that pays for everything, from electricity to staff salaries, etc. The budget for graduate courses and all research comes mainly from two other sources, CAPES, that is responsible for M.A. and Ph.D. financing, and CNPq, responsible for financing scientific research. The government doesn’t have much latitude to nominally reduce the budget that keeps — at least for now — the University open and working in its undergrad courses, but it can simply shut down all our public graduate system.
In the presidency of CAPES we now have a true believer in creationism. If this was a private matter, no problem at all. However, it is not, since he is committed to giving creationism the same status as evolutionary theory. The government may want to create a Center for the Research of Intelligent Design, the problem is not that. The problem is that they are trying to blur the difference between what is science and what is not, what is a matter of objective knowledge, and what is only a question of simple — no matter how profound — belief, faith. We do not need to start a discussion about the objectivity of knowledge to see how dangerous this is, in particular for the humanities. Though it should not surprise us given that a high government official said that whether or not a dictatorship occurred is a matter of interpretation. No, it is not! It is a historical fact!
The government launched a further attack against our Universities, however. At the very end of 2019, they presented a law that changes the way the Presidents of the Universities are appointed. If this law passes through congress, the government will have an even stronger hold on our academic life and freedom. They will not only appoint the President of the Universities they chose, but they will outright control all the University, even our University Council.
Brazilian democracy is facing another hard year in 2020, but we will keep fighting and resisting. This moment is a harsh lesson we are passing through, but we will learn. Last week some representative members of Congress, from parties that go from right to left, present an appeal to our Supreme Court to remove Abraham Weintraub from office. Fascism is insidious and grows like cancer. But cancer is not undefeatable, and we can defeat our fascists. Resisting the attacks on education is an important starting point.

Daniel Peres is Professor of Philosophy at Federal University of Bahia (UFBA), Brazil.
Related Names:  Abraham WeintraubJair Bolsonaro

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

TOPBOOKS - Editora dos livros do Liberty Fund no Brasil

TOPBOOKS - Editora dos livros do Liberty Fund no Brasil

PROGRAMA DE COEDIÇÕES
Instituição educacional privada, o LIBERTY FUND tem por filosofia estimular o ideal de uma sociedade composta de indivíduos livres e responsáveis, ideal que se forma na Antigüidade e atravessa toda a História. Para isso, coordena e patrocina diversos programas educativos, alimentando a discussão sobre questões permanentes, relativas à organização social do mundo. Além do apoio a programas de pós-graduação e intercâmbio universitário, a cada ano mais de 180 conferências são proferidas por intelectuais e acadêmicos, em todos os continentes, e cerca de 20 livros são lançados em edições críticas.

No Brasil, o LIBERTY FUND vem realizando colóquios desde 1990, e em 2003 iniciou, em parceria com a TOPBOOKS, um programa editorial que tornará disponíveis para o leitor brasileiro textos clássicos fundamentais da cultura do homem, até então inéditos aqui, com ensaios introdutórios de renomados intelectuais e projeto gráfico e capas do designer Victor Burton. Dos 20 títulos escolhidos para compor a Coleção Liberty Classics já foram editados 19.
Dos 10 escolhidos na primeira etapa do convênio, em 2003 (leia aqui), somente A fábula das abelhas ou vícios privados, benefício público, de Bernard Mandeville (com comentário crítico, histórico e explanatório de F. B. Kaye e introdução à edição brasileira de Denis Lerrer Rosenfield), ainda está em produção. Por conta da importância, da densidade e do tamanho do texto (mais de 1.400 páginas em dois volumes), este livro – que fechará em grande estilo a Coleção Liberty Classics – foi programado para o segundo semestre de 2015, quando a Topbooks completa 25 anos de fundação. 
Da segunda fase do programa, também composta de 10 títulos, já lançamos todos. O primeiro deles saiu em julho de 2006: O homem racional / Uma interpretação moderna da ética aristotélica, do filósofo americano Henry Babcock Veatch, apontado entre os melhores livros de introdução à ética, em geral, e à ética aristotélica , em particular. O segundo, que chegou às livrarias em novembro do mesmo ano, está entre as mais prestigiadas obras do filósofo, historiador e crítico italiano Benedetto Croce: História como história de liberdade. Já o terceiro desta segunda etapa, Os deveres do homem e do cidadão de acordo com as leis do direito natural, do pensador alemão Samuel Pufendorf, saiu do forno em abril de 2007, e entre setembro e outubro do mesmo ano vieram a lume mais dois títulos: Princípios de política aplicáveis a todos os governos, do suíço Benjamin Constant, um dos líderes do jornalismo liberal, e A crise do século XVII – Religião, a Reforma e mudança social, composto de nove ensaios produzidos entre 1956 e 1967 pelo historiador inglês Hugh Trevor-Roper. 
Em março de 2008 publicou-se mais um: a obra clássica do historiador francês François Guizot, intitulada A história das origens do governo representativo na Europa, e em dezembro do mesmo ano chegaram às livrarias as Conferências sobre retórica e belas-letras do economista e filósofo escocês Adam Smith. O último foi Ensaios – Uma antologia, de Lord Acton, e o penúltimo – Reflexões sobre a Revolução na França, do irlandês Edmund Burke – alcançou o maior sucesso de vendas: a primeira edição esgotou em poucos meses, e a segunda já está no prelo. 
Com tal iniciativa, pretende-se contribuir para o debate sobre as liberdades individuais e coletivas, gesto oportuno neste momento de complexas transformações no país e no mundo.

PRIMEIRA FASE
ALTHUSIUS
Importante teórico do consentimento, do contrato, do federalismo e do corporativismo, o alemão Althusius (1557-1638) conciliou idéias bíblicas, aristotélicas e neocalvinistas em um original sistema político, baseado em princípios das leis natural e contratual. A recuperação de seu pensamento se deve, sobretudo, a dois aspectos, sintetizados na Política: sua filosofia do direito e seu federalismo. Apesar da moldura teológica, fundada na religião calvinista, trata-se do primeiro livro a apresentar uma teoria abrangente do federalismo republicano, enraizada no conceito de associação simbiótica e na idéia do consenso.
Pensador seminal, Althusius foi resgatado por teóricos alemães que, no século XIX, lutaram pela unificação da Alemanha segundo princípios federativos. Seu pensamento também foi assimilado pelos americanos, que construíram o federalismo moderno com base no individualismo e reintroduziram a idéia do Estado como associação política, mais que como instituição reificada. No século XX, a importância do autor foi observada pelo teórico liberal alemão Carl Friedrich, que em 1932 relançou a edição de 1614 da Política acrescentando elucidativo prefácio sobre a vida e a obra do autor. Hoje, quando os cientistas sociais se preocupam em investigar o problema da liberdade em relação com a família, as comunidades étnicas e outras formas de associação, as idéias de Althusius sobre o constitucionalismo e a regulação filosófica dos processos políticos voltam a ganhar atualidade.

BABBITT
Quando Democracia e Liderança foi publicado em 1924, o crítico Herbert Read afirmou, com justiça, que a motivação de Irving Babbitt (1865-1933) era "o restabelecimento de padrões humanistas no lugar das confusões utilitárias humanitárias ou românticas", então muito em voga. O livro tornou-se um marco do pensamento político moderno, o mais representativo do pensador da cultura e ensaísta americano, que não deixou uma obra extensa porque gastou grande parte da sua vida em controvérsias públicas, contestando os valores e convicções mais arraigados nos meios acadêmicos de sua época e atacando filósofos como Rousseau, Francis Bacon, Karl Marx e John Dewey.
Babbitt nunca hesitou em remar contra a corrente dos movimentos intelectuais de seu tempo, submetendo a exame crítico implacável todas as convicções morais e estéticas de seus contemporâneos. Combateu o marxismo, o freudismo, o instrumentalismo e o naturalismo. Desdenhava o sucesso fácil e a popularidade. Já na estética, opôs-se violentamente às diversas doutrinas que defendiam a arte pela arte, afirmando o propósito moral e a dimensão ética da experiência artística. Como teórico da educação, combateu com fervor a decadência da universidade americana. Seu diagnóstico da erosão dos padrões éticos e culturais da América e sua defesa do autodomínio moral contra o culto à despreocupação são temas que permanecem atuais.

BURCKHARDT
Jacob Burckhardt (1818-1897) considerava a beleza e a liberdade os dois valores fundamentais da existência humana, e a tentativa de estabelecer um vínculo entre eles está presente em toda a sua obra, sejam os textos teóricos sobre a História da Arte, sejam as cartas escritas ao longo de quase 60 anos, que refletem uma impressionante coesão de pensamento. Defensor da moderação, esse historiador suíço de expressão alemã era pessimista em relação aos grandes fenômenos sociais de seu século: a democracia de massa, o igualitarismo e o culto do crescimento econômico e do progresso. Filia-se, nesse sentido, à tradição de liberalismo aristocrático de Edmund Burke, Alexis de Tocqueville e Ortega y Gasset.
Endereçadas a alguns dos mais importantes pensadores da sua época, entre eles Friedrich Nietzsche, estas Cartas tratam com entusiasmo de temas que mobilizavam os debates intelectuais nas mais diversas áreas: arte, arquitetura, história, poesia, música, religião. Burckhardt fez do indivíduo o centro de suas investigações: para ele, grandes personalidades podem alterar o rumo de épocas inteiras. Ao mesmo tempo, acreditava que as culturas amadurecem e entram em declínio como tudo na natureza. Daí a descrença no progresso histórico, na contracorrente do otimismo que prevalecia na época, e a rejeição ao sistema hegeliano, segundo o qual a História expressa a realização de um espírito absoluto. Sua defesa das verdadeiras e vigorosas raízes espirituais da liberdade e seu elogio da beleza continuam na ordem do dia.

LORD ACTON
Considerado o homem mais culto da Inglaterra vitoriana, Lord Acton (1834-1902) fez da defesa da liberdade uma verdadeira religião, e seus ensaios são fundadores de uma tradição liberal no Ocidente. Escrevendo sobre os temas mais diversos, Acton empenhou-se em demonstrar uma linha evolutiva da liberdade no mundo sem que esta convicção comprometa o rigor de seu método histórico. Ele concilia a pesquisa criteriosa dos arquivos primários com a necessidade de uma fundamentação da História no juízo moral, mesmo quando este juízo contraria as convicções do próprio historiador.
É a liberdade o tema que unifica esta abrangente Antologia, reunião de seus ensaios mais representativos, como "A história da liberdade na Antigüidade" e "A história da liberdade do cristianismo" - partes de uma inacabada e ambiciosa História da Liberdade. Lord Acton enfatizou a objetividade na busca da verdade histórica e desempenhou papel fundamental na transformação da historiografia inglesa em disciplina científica, inspirada na escola alemã, e ao mesmo tempo preocupada com o sentido da História, que reside, segundo ele, na liberdade humana. Por sua obra e pela influência que exerceu, é um pensador católico de suprema importância e suas originais análises da natureza da liberdade individual e política permanecem atuais.

POLANYI
De uma família de ilustres cientistas na Hungria, o químico Michael Polanyi (1891-1976) experimentou em primeira mão os horrores do totalitarismo e das duas guerras mundiais (serviu como médico do exército austro-húngaro na primeira), o que determinou em parte a sua contestação a qualquer modelo social centralizado e planificado de maneira supostamente científica. O interesse de Polanyi pela vida política na Europa se intensificou nos anos 30, quando a civilização tremia ante as ameaças do futuro, e se consolidou nos anos 40, quando os europeus passaram a olhar melancolicamente para o passado.
Os ensaios reunidos em A lógica da liberdade (1951) representam os esforços renovados do autor "para esclarecer a posição da liberdade em resposta a diversas questões levantadas por nosso conturbado período da História". Polanyi combatia a visão instrumentalista e pragmática da ciência então em voga, por acreditar que ela ameaçava a liberdade pública e perdia de vista os mistérios da existência. Essa relação entre a ciência e liberdade, entre a ideologia e a pesquisa, é o ponto de partida dessa obra e da correspondência que Polanyi manteve com economistas e intelectuais como F. A. Hayek, John Maynard Keynes e T. S. Eliot.

HUME
As implicações do pensamento do escocês David Hume (1711-1776) são unanimemente reconhecidas como revolucionárias. Seu empirismo cético engendrou problemas filosóficos que subverteram as correntes dominantes do pensamento ocidental da época, influenciando os rumos da história, da política, da demografia, da economia, da literatura, da moral e da estética. Sua independência o fez questionar as mais arraigadas convicções do cristianismo e das ciências naturais de seu tempo, e até mesmo o projeto cartesiano de conciliação entre ciência e religião foi alvo de seus ataques.
Para se chegar a uma compreensão correta das idéias de Hume, faz-se necessária a leitura atenta destes Ensaios, que lançam os fundamentos de uma filosofia prática, estreitamente ligada à vida cotidiana. Publicados pela primeira vez em 1741, são textos fluentes, em tom informal, dirigidos fundamentalmente ao leitor comum, que Hume desejava atingir após o fracasso de seu Tratado sobre a natureza humana, por acreditar que o intercâmbio permanente entre os "homens de letras" e os "homens do mundo" era benéfico para todos. Essa aproximação entre filosofia e cotidiano é uma das principais contribuições dos escritos aqui reunidos.

PASSMORE
O filósofo e cientista político John Passmore realiza em A perfectibilidade do homem (1970) um ambicioso balanço das diversas formas de se interpretar os conceitos de perfeição e perfectibilidade ao longo da História, desde os antigos gregos aos dias atuais, passando pelo cristianismo, o Renascimento, o Iluminismo, o anarquismo, as utopias, o comunismo e as teorias evolucionistas do homem e da sociedade. O autor recorre não somente a obras filosóficas e teológicas mas também a literárias, como os romances de George Orwell e Zamiatin.
Nascido na Austrália em 1914, Passmore traça neste livro um panorama amplo e refinado no qual explora as variações do conceito de perfectibilidade do homem e as diferentes conseqüências da idéia de que indivíduo e sociedade podem ser aperfeiçoados, aí incluídas as conseqüências negativas - das quais o turbulento século XX é fértil em exemplos - muitas vezes catastróficas para as liberdades e responsabilidades individuais e para o destino político e econômico das nações. E mostra como a ação social e o progresso científico se tornaram caminhos para o aperfeiçoamento do homem. Obra profunda e incisiva, nem por isso deixa de ser acessível ao leitor comum, por conta de sua linguagem clara e distante do jargão acadêmico.

OAKESHOTT
Para Michael Oakeshott (1901-1990), o desafio específico dos historiadores é deixar de lado quaisquer preocupações de ordem prática ou ideológica em sua abordagem do passado, pois uma das maiores ilusões do ser humano é a crença em sistemas que nos levarão à perfeição final numa terra prometida. Desafio extremamente difícil, porque geralmente nosso interesse predominante não está na História em si, mas na política retrospectiva, e temos a tendência a transformar sistemas filosóficos em evangelhos. Sobre a História(1983) reúne cinco ensaios do pensador inglês que abordam temas centrais da ciência política, como a natureza da História, o primado da lei e a luta pelo poder inerente à condição humana.
Oakeshott se destaca entre os filósofos políticos modernos por ter levado até os limites do entendimento humano suas dúvidas quanto aos fundamentos racionais. É um equívoco, porém, classificá-lo como cético; ao contrário, sua compreensão da liberdade decorre do fato de acreditar que não estamos condenados a "obter e gastar" - à "dança macabra das necessidades e satisfações" - e que existem diferentes maneiras de respondermos ao mundo. A original abordagem histórica deste pensador inglês foi forjada pela leitura de Sócrates, Santo Agostinho, Montaigne e Hobbes, mas ele não entendia os clássicos como repositórios de conhecimentos e lições de uso prático, e sim como introduções a modos de pensar.

MANDEVILLE
"Não pode haver dúvidas de que a obra de Mandeville teve uma enorme circulação e levou muitas pessoas a refletir sobre problemas importantes", escreveu o economista F. A. Hayek a propósito de A fábula das abelhas. Já Samuel Johnson afirmou que a leitura de Mandeville na juventude alargou muito sua visão das coisas. Ainda hoje, quase três séculos após sua primeira edição, este livro ainda impressiona pelo frescor do estilo, pela vitalidade do pensamento e por sua interpretação original e mordaz da dinâmica social e econômica da História.
Publicado originalmente em 1714, A fábula das abelhas defende a tese de que vícios privados trazem benefício público, como já sugere o subtítulo da obra. Quando cada indivíduo trabalha tendo em vista somente os próprios interesses, acaba contribuindo para o bem coletivo, afirma o holandês Bernard Mandeville (1670-1733). Daí sua rejeição a qualquer interferência dos poderes públicos na vida social, antecipando a teoria do laissez-faire e aproximando-se das idéias de Adam Smith sobre a "mão invisível" do desenvolvimento econômico, que por sua vez resultou na tese do "egoísmo ético" da economia moderna, isto é: a de que o vício é o alicerce da prosperidade nacional e da felicidade. Quase 300 anos depois, as teses de Mandeville continuam a alimentar debates sobre os rumos do mundo em que vivemos.

HUMBOLDT
Friedrich Hayek classificou Wilhelm von Humboldt (1767-1835) como "o maior filósofo da liberdade", e Lord Acton se referiu a ele como "a figura mais importante da Alemanha". A leitura de Os limites da ação do Estado, publicado originalmente em 1852, ajuda a entender por quê. Valiosa introdução ao pensamento político liberal clássico, trata-se de um livro crucial para o desenvolvimento do liberalismo na Europa no século XIX. Neste livro - que teve influência decisiva sobre outro ensaio clássico, Da Liberdade, de John Stuart Mill - Humboldt aborda a relação entre a liberdade e o desenvolvimento da personalidade individual, discute a ação do Estado no cerceamento dos cidadãos e sugere instrumentos para frear este papel limitador.
Crítico radical de qualquer forma de intervenção estatal na vida dos cidadãos, Humboldt parte do princípio de que todas as regulamentações governamentais contêm algum grau de coação, o que pode levar os homens a esperar orientação e ajuda externa em vez de buscá-las eles próprios. A vida em comunidade é um tema central na sua filosofia política, e é justamente em Os limites da ação do Estado que Humboldt desenvolve seu conceito do homem como um animal social, empenhado em progredir e cultivar-se. Daí a crítica aos grandes Estados, pois o autor estava convencido de que eles impediam o pleno desenvolvimento dos indivíduos.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Histoire Culturelle du Brésil - ARBRE et IHEAL-CREDA

L'Association pour la Recherche sur le Brésil en Europe (Arbre) et les éditions de l'Iheal-Creda vous convient l25 février 2020 à 19h, à la Maison de l'Amérique Latine pour une discussion autour de l'ouvrage:
Présentation par Laura de Mello e Souza, professeur d’histoire du Brésil, Sorbonne Université
Débat avec les auteurs: 
Silvia Capanema (Université Sorbonne Paris Nord), 
Olivier Compagnon (IHEAL), Jacques Leenhardt (EHESS)

En présence des coordinatrices de l’ouvrage : 
Juliette Dumont (IHEAL) et Anaïs Fléchet (Paris-Saclay, UVSQ)
Des rythmes du candomblé aux avant-gardes esthétiques les plus radicales, la culture joue un rôle central dans l’émergence du Brésil contemporain. Issu du dialogue entre historiens français et brésiliens, cet ouvrage parcourt des domaines variés, de la littérature romantique à la musique populaire en passant par le théâtre et le cinéma, la mise en scène des corps, la mémoire et la fabrique de héros culturels. Les constructions identitaires, les politiques culturelles, les phénomènes d’emprunts et de métissage sont au coeur de la réflexion. Quatre décennies après l’émergence de l’histoire culturelle, cet ouvrage dresse un bilan d’étape et pointe les tendances actuelles de la recherche. Au fil des treize essais qui le composent, il donne à voir, à lire et à entendre la diversité brésilienne dans la perspective d’une histoire culturelle transnationale, loin de toute tentation exotique. 

Histoire culturelle du Brésil (XIXe - XXIe siècles), Sous la direction de: Juliette Dumont, Anaïs Fléchet et Mônica Pimenta Velloso. Ont également collaboré à cet ouvrage : Silvia Capanema, Olivier Compagnon, Diogo Cunha, Jacques Leenhardt, Isabel Lustosa, Marco Morel, Marcos Napolitano, Pascal Ory, Rosangela Patriota, Sébastien Rozeaux, Mariana Villaça.

L’ouvrage est consultable en ligne sur OpenEdition Books  https://books.openedition.org/iheal/8606 et disponible sur le Comptoir des Presses d'Universités: http://www.lcdpu.fr/livre/?GCOI=27000100349610 
Agenda de la Maison de l'Amérique latine: http://www.mal217.org/fr/agenda/histoire-culturelle-du-bresil


Préface, introduction générale et bibliographie au lien suivant

Éditions de l'IHEAL-Creda
Campus Condorcet
bureau 5019 - 5e étage
5, cours des Humanités
93322 Aubervilliers cedex
Tél.: +331 88 12 01 45 - +33 6 86 45 43 82


Association pour la Recherche sur le Brésil en Europe
75019 Paris

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Diplomacia bolsonarista afeta interesses comerciais brasileiros - José Luiz Tejon (Sputnik)

A inacreditável política externa olavo-bolsonarista, a medíocre diplomacia terraplanista estão ameaçando os interesses comerciais brasileiros.
Paulo Roberto de Almeida

'É intolerável falar gracinhas e arriscar negócios', diz analista sobre relação do Brasil com Irã

Alinhamento do Brasil aos EUA gera "desconfiança" no Irã e pode afetar vendas brasileiras para país persa, mas "bom senso deve prevalecer" ao invés das "bravatas", disse especialista em agronegócio à Sputnik Brasil.

O posicionamento da diplomacia brasileira de apoio aos Estados Unidos no caso do assassinato do general Qassem Soleimani, morto em um bombardeio ordenado pelo presidente norte-americano, Donald Trump, gera especulações de possíveis represálias comerciais por parte de Teerã ao Brasil.
Perder uma fatia desse mercado causaria impacto nas exportações brasileiras. O Irã é hoje o 4º maior comprador de alimentos do Brasil, com gastos de US$ 2,2 bilhões no ano passado, principalmente milho, soja, farelo de soja, carne bovina e açúcar.
Para o especialista em agronegócio José Luiz Tejon, professor da Fundação Escola de Comércio Armando Álvares Penteado (Fecap), qualquer situação política e diplomática envolvendo o Irã é "muito sensível", por isso o  governo deveria se "preocupar mais em fazer o país e o PIB crescerem", ao invés de gastar energia com conflitos "ideológicos" e que não interessam ao agronegócio brasileiro.

'Brasil só deveria ter uma preocupação: aumentar PIB'

"O Brasil só deveria ter uma preocupação, que é seríssima e devia nortear completamente a cabeça dos lideres brasileiros, nós temos que aumentar o PIB, hoje na ordem de 1,8 trilhão, ridículo para o tamanho de um país como o Brasil", disse Tejon.
A Argentina, que se mantém neutra na briga entre EUA e Irã, é quem poderia sair beneficiada, abocanhando parte das importações iranianas.
Negociações entre Irã e Argentina vem ocorrendo desde outubro e devem se intensificar com a ida de empresários argentinos, a maioria de setor agropecuário, para Teerã. A missão é coordenada pelo Bripaem, bloco composto por sete países da América do Sul, incluindo o Brasil.
Segundo Tejon, o comportamento brasileiro gera "desconfiança do cliente [Irã] com relação ao que o fornecedor pode fazer [Brasil]".
"O governo iraniano, quando o governo brasileiro se posiciona a lado de seu maior inimigo, os Estados Unidos, fica preocupadíssimo. Espero que o Brasil não faça isso, mas já houve embargos de comida na história da humanidade. O governo está dominado pelo Trump, daqui a pouco poder ter um embargo americano e o Brasil entra junto, o que seria uma aberração", disse o jornalista e publicitário.

'Argentina está aqui do lado'

"Em contrapartida, a Argentina está aqui do lado, ela que também foi desnecessariamente desafiada por razões ideológicas pelo Brasil, com a economia numa encrenca e precisando ir atrás de negócios", acrescentou.
Com preocupação, o professor lembrou que o Brasil sedia entre 4 e 6 de fevereiro, em Brasília, uma reunião do Grupo de Trabalho sobre Questões Humanitárias e de Refugiados, que tem como uma de suas pautas buscar um maior isolamento comercial do Irã.
"É absolutamente impertinente, desnecessário e intolerável o Brasil ficar falando gracinhas e colocar em risco negócios", criticou Tejon. Para ele, o governo brasileiro tem uma "paixão esquisita" pelos EUA, pois apresenta saldo comercial desfavorável com o país, enquanto a "conta com chineses, asiáticos e islâmicos é positiva".

'Uma coisa é o Trump, outra é o Brasil'

"Uma coisa é o Trump, dono de uma economia de 20 trilhões de dólares, arrotar para o mundo. Outra coisa é o Brasil, que precisa crescer, precisa dobrar o tamanho de seu agronegócio, precisa arrumar cliente e de mercados internacionais", disse Tejon.
Apesar das críticas, ele acredita que o agronegócio brasileiro não é "facilmente substituível" e o "bom senso prevalecerá", e não "bravas estúpidas".
"Se analisarmos todo a vida pré-eleitoral e o ano de 2019, é um fala fala, mas no fundo acaba prevalecendo o bom senso", ponderou.

'Trabalho hercúleo' da ministra Tereza Cristina

Segundo ele, grande parte desse pragmatismo se deve ao "trabalho hercúleo" da ministra da Agricultura, Tereza Cristina.
"Ela tem sido uma tremenda diplomata, apagado uma série de focos incendiários", disse o professor sobre série de viagens internacionais que a ministra tem feito para abrir mercados ao Brasil.
Para ilustrar seu posicionamento, José Luiz Tejon finaliza com uma corruptela de um verso do escritor português Luís de Camões.
“Quem faz a guerra, não faz o comércio”, disse.
O verso original, de Os Lusíadas, é “quem não quer comércio, busca a guerra”.
As opiniões expressas nesta matéria podem não necessariamente coincidir com as da redação da Sputnik

sábado, 18 de janeiro de 2020

OCDE e resultados - William Waack (O Estado de S. Paulo)

OCDE e resultados

O governo brasileiro comemora um gesto amistoso do governo americano

William Waack
O Estado de S. Paulo, 16/01/2020
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,ocde-e-resultados,70003160810

Dá para entender a empolgação do governo brasileiro com a renovada garantia verbal de Washington de apoiar o Brasil como primeiro da fila para ingresso na OCDE. Trata-se de comemorar algum carinho vindo de Trump, depois de vários tapas.  
A OCDE congrega aproximadamente 80% do comércio e investimentos mundiais, e aí estão incluídos os 36 integrantes da organização e seus “key partners”, entre os quais figuram BrasilChinaÍndiaIndonésia e África do Sul. Na América Latina, o México faz parte desde 1994, e o Chile, desde 2010. A Colômbia foi convidada oficialmente em 2018 e, desde 2015, a OCDE negocia a entrada da Costa Rica.  
A mais recente adesão foi da pequena Lituânia, completando o “cerco” de países bálticos junto à Rússia, cujo acesso foi congelado em 2014 logo após a anexação da Crimeia. É óbvio que é um gesto político a aceitação de países na organização – cuja lista de membros iniciais em 1961 obedecia às principais alianças políticas e militares ocidentais da (mais as então “neutras” Áustria e Suíça).  
A Índia tem relutância de caráter doméstico em integrar-se ao grupo, enquanto a entrada da China é parte de uma formidável relação geopolítica com os Estados Unidos, mas os dois gigantes asiáticos são alvo de resistência americana por uma outra questão que envolve o Brasil: é a designação como “país em desenvolvimento” aplicada pela Organização Mundial do Comércio. Essa definição, que garante tratamento preferencial a esse grupo dentro da OMC (e interessa, obviamente, ao Brasil), é alvo de Trump.  
Em outras palavras, Trump acha que um país não merece fazer parte da OCDE(“desenvolvidos”) e, ao mesmo tempo, desfrutar de tratamento preferencial na OMC, cujo sistema de regras multilaterais o Brasil se esforçou durante décadas para desenvolver e consolidar e está agora sob feroz ataque do amigão na Casa Branca. Onde teremos de ceder?  
Em questões de comércio, aliás, o Brasil recebeu as piores bofetadas verbais do presidente americano, que acusou o País (sem justificativa) de “manipulador da própria moeda”. A quase infantil alegria com que a diplomacia brasileira se alinha a Trump em votações na ONU (como o voto contra resolução anual da ONU que condena o embargo econômico a Cuba, posição que uniu todos os governos civis brasileiros) contrasta com o pragmatismo com que vários setores manobram no amplo e complexo campo das relações bilaterais com os EUA.  
Os militares brasileiros, interessados em garantir acesso a tecnologias, não aderiram ao esforço americano (entre outros países) de limitar por princípio o direito do Irã de desenvolver métodos de separação de isótopos (enriquecimento de urânio), pois isso significaria colocar sob risco o próprio sistema de propulsão nuclear do projeto de submarino brasileiro. Os acordos para a utilização da Base de Alcântara pelos americanos não incluem restrições ao desenvolvimento de mísseis pelo Brasil, uma velha e tradicional pressão americana.  
Pragmática em relação a Washington tem sido sobretudo a postura dos setores dinâmicos do agronegócio, que frearam arroubos diplomáticos brasileiros de apoio a Trump equivalentes a uma espécie de vassalagem quando se trata de posturas sobretudo na intrincada situação do Oriente Médio. Produtores brasileiros são os principais competidores dos Estados Unidos na produção de grãos e proteínas, num difícil jogo para profissionais que envolve a União Europeia e, claro, o principal parceiro comercial, a China – os interesses do agronegócio foram, até aqui, a principal oposição a alguns aspectos relevantes da política externa de Bolsonaro.  
Todo mundo reconhece que relações entre países dependem de gestos também. Mas resultados práticos contam mais ainda.

Brasil na OCDE: O que o país cedeu aos EUA em troca de apoio à entrada no 'clube dos países ricos' - Época Negócios

Brasil na OCDE: O que o país cedeu aos EUA em troca de apoio à entrada no 'clube dos países ricos'

O apoio às pretensões brasileiras de estar na OCDE era considerado pelo Itamaraty como seu principal resultado na política internacional de alinhamento aos Estados Unidos adotada na gestão atual


Depois de parecer que não o faria, o presidente americano, Donald Trump, deve cumprir uma promessa que fez ao presidente Jair Bolsonaro no primeiro semestre do ano passado — a de apoiar o ingresso do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Quando Bolsonaro visitou Trump na Casa Branca, em março do ano passado, saiu de lá tendo ouvido do presidente americano que ele se comprometeria com o apoio.
Meses e muitas concessões brasileiras depois, o secretário de Estado Americano, Mike Pompeo, defendeu abertamente o ingresso da Argentina, e não do Brasil, no grupo de 36 países que compõem a organização, fazendo parecer que as cessões brasileiras haviam sido em vão.
Nesta terça-feira (14), os Estados Unidos voltaram à promessa inicial, anunciando o apoio ao ingresso do Brasil na OCDE. "Os Estados Unidos querem que o Brasil se torne o próximo país a começar o processo de admissão na OCDE. O governo brasileiro está trabalhando para alinhar suas políticas econômicas com os padrões da OCDE enquanto prioriza a admissão à OCDE para reforçar as reformas econômicas", afirmou em nota um porta-voz do Escritório de Assuntos do Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado americano.
"Anúncio americano de prioridade ao Brasil para ingresso na OCDE comprova uma vez mais que estamos construindo uma parceria sólida com os EUA, capaz de gerar resultados de curto, médio e longo prazo, em benefício da transformação do Brasil na grande nação que sempre quisemos ser", publicou no Twitter o ministro brasileiro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
Bolsonaro também comentou a manifestação dos EUA na manhã desta quarta-feira. "A notícia foi muito bem-vinda. Vinha trabalhando há meses em cima disso, de forma reservada obviamente. Houve o anúncio [dos EUA], são mais de 100 requisitos para ser aceito, estamos bastante adiantados, inclusive na frente da Argentina. E as vantagens do Brasil são muitas, equivalem ao nosso país entrar na primeira divisão", afirmou.
O apoio às pretensões brasileiras de estar na OCDE era considerado pelo Itamaraty como seu principal resultado na política internacional de alinhamento aos Estados Unidos adotada na gestão atual.
No entanto, em outubro do ano passado, revelou-se que Pompeo havia defendido a entrada da Argentina, e não do Brasil, na OCDE, em uma carta datada de final de agosto. Na época, a informação foi revelada pela Bloomberg e confirmada por outros veículos, inclusive a reportagem da BBC News Brasil.

Agrados aos EUA
A OCDE, atualmente com 36 países, é um fórum internacional que promove políticas públicas, realiza estudos e auxilia no desenvolvimento de seus membros, fomentando ações voltadas para a estabilidade financeira e fortalecer a economia global.
Foi criada em 1960, por 18 países europeus mais EUA e Canadá. Além de incluir vários dos países mais desenvolvidos do mundo, o grupo abriu suas portas para nações em desenvolvimento como México, Chile e Turquia. Brasil, Índia e China têm status de parceiros-chaves.
O Brasil apresentou um pedido formal para ingressar na OCDE em 2017, durante o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB).

A expectativa era de que o pedido fosse atendido rapidamente, mas as negociações emperraram. Um dos entraves seria justamente a posição do governo dos EUA: além do Brasil, havia outros países pleiteando a entrada, e Washington considera que a entrada em massa de todos eles descaracterizaria a organização.
Além de Argentina e Romênia, desejam fazer parte do grupo países como Peru, Croácia e Bulgária.
Antes de Michel Temer, durante os governos dos petistas Lula e Dilma Rousseff, o país não pleiteava o ingresso na organização. Apesar disso, o Brasil já trabalha com a OCDE em diversos temas desde a década de 1990.
Para além do apoio ao pleito brasileiro na OCDE, Brasil e EUA também firmaram uma série de compromissos comerciais. Bolsonaro concordou em abrir uma cota anual de 750 mil toneladas de trigo americano com tarifa zero, medida que afeta a Argentina, principal vendedor de trigo para o Brasil.
No fim de agosto, o Ministério da Economia decidiu não só prorrogar por mais um ano a importação de etanol americano isenta de uma tarifa de 20%, como elevou a cota dos 600 milhões de litros para 750 milhões de litros — a taxa passa a ser cobrada quando o volume negociado supera a cota.
A medida atendeu principalmente aos interesses dos americanos, os maiores exportadores ao Brasil, de etanol, produzido a partir do milho — segundo dados oficiais, 99,7% do etanol importado pelo país vem dos EUA. Desagradou, em contrapartida, produtores do Nordeste brasileiro, que consideram desleal a competição com o preço oferecido pelos americanos,
Desde 2016, o Brasil é o país que mais compra etanol americano. A expectativa dos produtores brasileiros era de que o governo americano liberasse seu mercado de açúcar, um dos mais protegidos do mundo, mas não houve essa contrapartida por enquanto.


Concessões concretas em troca de apoio simbólico
"A negociação (para o apoio dos EUA à entrada brasileira na OCDE) envolveu concessões muito concretas do Brasil em torno de expectativas de apoio mais simbólico dos americanos", afirma Elaini da Silva, professora de relações internacionais da PUC.
Silva cita outros exemplos, como a concessão aos EUA da exploração da base espacial de Alcântara, no Maranhão, a isenção de vistos para turistas do país sem reciprocidade para brasileiros, e o fato de o Brasil ter abdicado do status de país em desenvolvimento nas negociações junto à Organização Mundial do Comércio (OMC), o que poderia trazer prejuízos tarifários às exportações brasileiras.
O tratamento diferenciado prevê benefícios para países emergentes em negociações com nações ricas. O Brasil tinha, por exemplo, mais prazo para cumprir determinações e margem maior para proteger produtos nacionais.
Além do impacto direto nas futuras negociações comerciais brasileiras, essa decisão afetou a relação com países do Brics — grupo formado por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul.
Isso porque essas nações vão acabar sendo mais pressionadas a abrir, também, mão do tratamento diferenciado. E a Índia já está retaliando o Brasil.
"Na OMC, a Índia já vetou outro dia a nomeação de um embaixador brasileiro para negociar questões na área de pesca e foi um veto ligado exatamente a essa negociação entre Estados Unidos e Brasil pela entrada na OCDE", explicou à BBC News Brasil antes da reviravolta o professor Marco Vieira, da Universidade de Birmingham, no Reino Unido.
"Portanto, o Brasil está se isolando não só no contexto de economias-chave na Europa e no acordo do Mercosul, mas também com parceiros do Sul global: as economias emergentes como a Índia."
Bolsonaro também não colocou na mesa para discussão o aumento protecionista de impostos sobre o aço — medida de Trump contra os chineses que prejudicou o Brasil, tampouco o fim dos subsídios governamentais à produção de soja americana, que a torna competitiva em relação à safra nacional do grão.
E, além disso, o Brasil tem endossado a visão americana para o Oriente Médio. Antes de se eleger, Bolsonaro comprometeu-se a transferir a Embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, assim como fez Trump. Depois, recuou. A medida é polêmica, já que os países árabes defendem que a cidade deverá ter sua soberania repartida entre israelenses e palestinos.
Em dezembro, o Brasil inaugurou um escritório comercial em Jerusalém. Presente, o filho de Bolsonaro, deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), disse que aquele seria um primeiro passo para a transferência da Embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém. "[Meu pai] me disse que existe um compromisso firme, que a transferência da Embaixada a Jerusalém será realizada", disse o deputado.


Pressa?
Trump também anunciou no ano passado o Brasil como seu "aliado preferencial extra-Otan" — nome para designar países que não são membros da aliança Organização do Tratado do Atlâncito Norte (Otan) mas que são aliados estratégicos militares dos EUA, ou seja, que terão um relacionamento de trabalho estratégico com as Forças Armadas americanas.
Para o Brasil, isso significa vantagens de acesso a tecnologia militar americana. Mas, segundo alguns analistas, também poderia arrastar o país para conflitos e disputas com países como China e Rússia, algo totalmente fora da agenda brasileira, além de ser de interesse dos EUA porque colocaria o país em sua área de influência de maneira ainda mais segura.
As concessões brasileiras, no entanto, talvez tenham sido apressadas.
"Como o Brasil tem se mostrado um aliado incondicional da gestão Trump, é provável que eles queiram extrair ainda mais concessões do país", afirma o embaixador Paulo Roberto de Almeida.

Reviravolta
Quando o apoio dos EUA à entrada da Argentina na OCDE foi revelada, em outubro do ano passado, o governo brasileiro foi tomado de supresa.
Havia dentro do próprio governo a expectativa de que o aperto de mãos com Trump seria o suficiente para que o Brasil furasse a fila de nações postulantes a membros da OCDE. O protocolo, no entanto, se impôs.
"A diplomacia internacional tem um tempo próprio, bem mais lento que o tempo da política de redes sociais do Bolsonaro. O processo de ingresso na OCDE leva anos. O presidente quis sugerir à sua base que sua relação especial com Trump faria milagres, mas não existem milagres", afirma Guilherme Casarões, professor de política internacional da Fundação Getúlio Vargas.
Após a repercussão da carta de Pompeo, em outubro do ano passada, a Embaixada dos EUA no Brasil divulgou comunicado reiterando apoio à entrada do Brasil na OCDE, mas ressaltando que expansão do grupo deve ser feita "em um ritmo controlado". Depois, o Departamento de Estado americano divulgou nota afirmando que o país apoiava, sim, a entrada do Brasil na OCDE e que a carta revelada pela imprensa "não refletia com precisão a posição dos Estados Unidos" em relação à ampliação da organização.
"Apoiamos com entusiasmo a entrada do Brasil nesta importante instituição e os Estados Unidos farão um esforço grande para apoiar a entrada do Brasil", dizia o texto.
O secretário Pompeo reproduziu a mensagem no Twitter, afirmando também que o governo dos EUA dá apoio a que o Brasil "inicie o processo" de entrada na OCDE. Bolsonaro retuitou as mensagens do americano acrescentando, em inglês, a frase "Not today, fake news media!" ("Hoje, não, mídia mentirosa" em tradução livre).
Mais tarde, o próprio Trump postou sobre o assunto em seu Twitter. Ele chamou de "fake news" a reportagem da Bloomberg e afirmou que "o comunicado conjunto que eu e o presidente Bolsonaro divulgamos em março deixa absolutamente claro meu completo apoio ao início do processo brasileiro para se tornar um membro da OCDE. Os Estados Unidos apoiam o presidente Jair Bolsonaro".
A mensagem deixa claro que os americanos consideram que o Brasil está apenas iniciando sua jornada para se mostrar apto a compor a OCDE.
Nos bastidores, autoridades brasileiras pressionaram pelo informe da embaixada para mitigar a reação negativa à carta de Pompeo. O Itamaraty e a embaixada brasileira em Washington não comentaram. Já a OCDE afirmou que o ingresso de seis novos membros está em curso e que o processo é sigiloso e depende do consenso entre os membros atuais.


Publicamente, integrantes do governo agiram para minimizar a decisão dos EUA.
"Toda a histeria sobre a OCDE na imprensa revela o quão incompetentes e desinformadas são as pessoas que escrevem sobre política no Brasil. Não há fato novo. Os EUA estão cumprindo exatamente o que foi acordado em março e agindo de acordo com o cronograma estabelecido na ocasião", afirmou no Twitter Filipe G. Martins, assessor especial da Presidência para assuntos internacionais.
"Argentina enfrenta desafios conjunturais que tornam o início do processo de acessão emergencial. Por isso, Brasil e EUA concordaram com um cronograma que teria início com a Argentina. Trata-se de fato público e notório, omitido pela imprensa por incompetência ou desonestidade", acrescentou.
À época, o americano Michael Shifter, presidente do think thank Inter-american Dialogue, especializado nas relações entre EUA e América Latina, classificou o acontecimento como "definitivamente um grande abalo para Bolsonaro, que apostou tudo nesse relacionamento com Trump".
"Parece que a decisão dos EUA é a visão tradicional, ir devagar com a entrada de países na OCDE. Mas certamente Trump prometeu (a Bolsonaro) outra coisa", acrescentou.
Na sua visão, o que ocorreu poderia indicar que, ao contrário do alardeado, as relações entre EUA e Brasil não mudaram tanto assim.
"(Há) esta certa admiração mútua entre Bolsonaro e Trump, e muito da retórica dos dois soa muito parecida. Mas quando o assunto são decisões reais, talvez as coisas não tenham mudado muito. Está tudo no nível superficial, e quando você precisa agir para construir uma parceria mais significativa, como se tornar membro da OCDE, os EUA basicamente aplicam seus critérios normais sobre a extensão da OCDE, o que tem sido mais ou menos a política tradicional (em governos anteriores)."
Segundo observadores, Bolsonaro confiava em uma indicação expressa não apenas por sua propalada proximidade presidencial com Trump. Desde março do ano passado, quando ocorreu a visita, o governo brasileiro fez uma série de concessões, inclusive comerciais, aos americanos em troca do endosso à vaga na organização.
Agora, por fim, está obtendo apoio. Segundo a revista Época, responsável por revelar nesta terça, 14, a mudança do posicionamento dos EUA em relação ao Brasil na OCDE, a medida serve para "dar a impressão que o alinhamento brasileiro será recompensado", já que a sensação até agora é de que o Brasil havia cedido mais do que ganhado.