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domingo, 27 de dezembro de 2020

Une perspective historique sur les processus de modernisation sociale et d’urbanisation au Brésil: 1940-1992 - Paulo Roberto de Almeida

 Um trabalho antigo, que tinha permanecido inédito até aqui, feito para aulas, palestras e informação sobre a história social e econômica do Brasil durante minha estada na embaixada do Brasil em Paris.

387. “Une perspective historique sur les processus de modernisation sociale et d’urbanisation au Brésil: 1940-1992”, Paris, 12 janeiro 1994, 40 p. Revisão e atualização de trabalhos anteriores, para servir de base a textos de divulgação sobre o Brasil. Inédito. Divulgado na plataforma Academia.edu (27/12/2020; link: https://www.academia.edu/44779801/387_Une_perspective_historique_sur_les_processus_de_modernisation_sociale_et_durbanisation_au_Bresil_1940_1992_1994_).

Une perspective historique sur les processus de modernisation sociale et d’urbanisation au Brésil: 1940-1992

 

Paulo Roberto de Almeida

Docteur ès Sciences Sociales

Paris, 12 de janeiro de 1994 

 

Sommaire:


1. La Question Urbaine en Amérique Latine 

1.1. Le processus d’urbanisation

1.2. L’urbanisation-métropolisation en Amérique Latine

1.3. Hyper-urbanisation et marginalité

 

2. Modernisation et Urbanisation au Brésil

2.1. L’évolution démographique

2.2. L’urbanisation en marche

2.3. Un pays urbain ?

2.4. Tendances récentes

 

3. Les Rapports Ville-Campagne dans la Modernisation 

3.1. Le développement industriel 

3.2. Crise conjoncturelle et croissance économique

3.3. La modernisation autoritaire

3.4. Concentration du développement dans le Centre-Sud

 

4. Problèmes Actuels de l’Urbanisation au Brésil

4.1. Une transition incomplète

4.2. Une urbanisation malade

4.3. Les inégalités régionales et sociales

 

Références Bibliographiques

 

Ler a íntegra neste link: 

https://www.academia.edu/44779801/387_Une_perspective_historique_sur_les_processus_de_modernisation_sociale_et_durbanisation_au_Bresil_1940_1992_1994_


quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Privatizações no Brasil: anunciadas, mas NUNCA realizadas - Ricardo Bergamini

 Somente o capitalismo de estado brasileiro consegue transformar déficit fiscal em lucro (Ricardo Bergamini).

 

Prezados Senhores

 

A matéria abaixo prova, de forma cabal e irrefutável, de “que os discursos do governo não correspondem aos fatos”.

 

A burguesia de estado brasileira segue impoluta nos seus planos de crescimento. 

 

Como pode uma nação ser tão enganada pelos seus governantes, de todas as cores e matizes, e ser feliz?

 


(Fonte: Jornal do Comércio, 1988)

 


(Fonte: Tribuna da Imprensa, 1995)

 


(Fonte: O Estado de S. Paulo, 2001)

 

 

Eletrobras: Plano de negócios 2021-2025 prevê investimentos de R$ 41,103 bi

 

Estadão Conteúdo

 

23/12/20

 

A Eletrobras divulgou nesta quarta-feira, 23, o seu Plano Diretor de Negócios e Gestão 2021-2025, com a previsão de investimentos totais de R$ 41,103 bilhões neste período. Segundo o PDGN, o maior volume de aportes acontecerá em 2022, com R$ 10,115 bilhões.

 

Em relação aos segmentos onde os recursos devem ser investidos, destaque para Angra 3, que vai receber R$ 15,3 bilhões entre 2021 e 2025. Os aportes se concentram principalmente entre 2022 e 2024, com valores entre R$ 3,2 bilhões e R$ 3,5 bilhões por ano.

 

Em 2021, os investimentos totais previstos pela estatal somam R$ 8,245 bilhões, dos quais R$ 2,813 bilhões vão para Angra 3. A área de transmissão vai receber R$ 1,82 bilhão, enquanto a geração vai ter R$ 1,498 bilhão. As Sociedades de Propósito Específico (SPEs) vão receber R$ 1,431 bilhão, e o segmento Infraestrutura e Ambiental terá orçamento de R$ 684 milhões.

 

Em 2023, os investimentos totais previstos são de R$ 9,211 bilhões. Em 2024, de R$ 7,974 bilhões, e em 2025, R$ 5,557 bilhões.

 

Uma das diretrizes estratégicas estabelecidas pela Eletrobras para o período é “continuar o processo de racionalização das participações em SPEs”. A companhia pretende chegar em dezembro de 2021 com 49 participações neste tipo de sociedade.

 

Além disso, consta nas metas de desempenho empresarial avaliar e implementar alternativas de capitalização, prioritariamente pelo Projeto de Desestatização que tramita no Congresso.

 

Ricardo Bergamini

www.ricardobergamini.com.br

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Venezuela rejeita decisão da Corte Internacional de Justiça sobre fronteira com a Guiana - Jamaica Observer

 Notícia extremamente preocupante não só para a Guiana, mas também para o Brasil, pois parte do território contestado e reclamado pela Venezuela pertencia ao Brasil e só foi atribuído à Guiana porque o rei Vittorio Emanuelle foi complacente com a Grã-Bretanha e prejudicial ao Brasil, no famoso caso defendido por Joaquim Nabuco em arbitragem entre o Brasil e o Reino Unido.

O Brasil já teve um tratado de limites (sim, de limites) com o Equador, e também um tratado de defesa mútua, quando o país andino era contestado pelo Peru e pelo Colômbia em suas fronteiras amazônicas, que eventualmente chegariam até o Brasil. O Equador perdeu esses territórios e também esteve em guerra duas vezes com o Peru, e nos dois casos o Brasil atuou para uma solução pacífica da controvérsia.

O Brasil deveria alertar a Venezuela quanto ao laudo da CIJ, se colocar à disposição das duas partes para uma solução do conflito, e dizer claramente que está do lado da Guiana nessa pendência. Se a Venezuela pretende reivindicar tal território como seu, a solução para o Brasil seria declarar que o laudo arbitral de 1901 do rei italiano é considerado nulo e não válido, que nós também entraremos na CIJ para retomar todo o processo. 

As FFAA do Brasil deveriam contatar as FFAA da Guiana para realizar algum exercício de fronteira...

Paulo Roberto de Almeida


Venezuela rejects ICJ's ruling on border controversy with Guyana

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In this February 18, 2019 file photo the Peace Palace, which houses the International Court of Justice, or World Court, is seen in The Hague, Netherlands. (Photo: AP)

GEORGETOWN, Guyana (CMC) — The recent judgement handed down by The Hague-based International Court of Justice (ICJ) concerning the border controversy between Guyana and Venezuela has been rejected by the Venezuelan Government.

In the landmark ruling handed down last Friday, the ICJ ruled that the decades-old border controversy will finally be settled through a judicial process, a process that has been rejected by Venezuela.

A statement from the Venezuelan Ministry of Foreign Affairs on Monday said that by deciding it possesses jurisdiction over the validity of the 1899 arbitration award, the ICJ “commits an incomprehensible and unusual error”.

“With its decision, the court not only violates its own doctrine established and sustained for decades, but also its extensive jurisprudence. Consequently, Venezuela rejects the decision of the ICJ, in perfect accordance with the arguments that it opportunely offered — from its sovereign position of not appearing — to assist with it in its duty to issue a pronouncement where the law, the principles of law and customary law required him to declare his obvious lack of jurisdiction.”

The Maduro-led Administration in Venezuela said it repudiates the ruling issued by the ICJ, while claiming, once again, the validity of the 1966 Geneva Agreement and ratifying that it will continue to exercise its claim.

Venezuela also reiterated its call for this controversy to be channelled amicably and proposes the beginning of direct negotiations with Guyana, in accordance with international law and on the basis of the 1966 Geneva Agreement, which mandates both parties to resolve the issue peacefully.

The case currently before the ICJ was instituted on March 29, 2018, by Guyana against Venezuela, in which Guyana is asking the ICJ to pronounce on the legal validity and binding effect of the 1899 Arbitral Award, which determined the boundaries between the two countries.

In the judgement, president of the ICJ, Judge Abdulqawi Ahmed Yusuf, said the court concluded that it has jurisdiction to hear Guyana's claims concerning the validity of the 1899 Award and related questions of the definitive settlement of the land boundary dispute.

The court decided that the referral of the matter to the ICJ by United Nations Secretary General António Guterres on January 30, 2018 was legal as is contemplated in the agreement.

The court's president said now that the ICJ has claimed jurisdiction, Venezuela will be able, if it so wishes, to appear before the court to present its arguments.

According to the judgement, the 1899 Award states that both Guyana and Venezuela consented to the means of a judicial settlement.

Venezuela is maintaining a claim to 70 per cent of Guyana's territory, arguing that the 1899 agreement, which determined the boundaries between the two countries, is null and void.


segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Uma história da política brasileira: Bolivar Lamounier - Resenha de Paulo Roberto de Almeida

 Esta resenha foi feita no meio do Mensalão, em 2005 

Mal podíamos imaginar que depois teríamos o terremoto do Petrolão, a Grande Destruição de Dona Dilma e, finalmente, a Devastadora Invasão dos Novos Bárbaros que ocupam atualmente o poder.

Meu prognóstico: ou destruimos os novos bárbaros em 2022 ou eles destroem o Brasil.

Paulo Roberto de Almeida 


quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Bolivar Lamounier: a (nao)reforma do sistema politico brasileiro - Bolivar Lamounier, Paulo Roberto de Almeida

Em 2005, eu fazia uma resenha deste livro de Bolívar Lamounier, abaixo transcrita:
1482. “Tudo o que você sempre quis saber sobre a política brasileira...”, Brasília, 14 out. 2005, 2 p. Resenha de Bolivar Lamounier: Da Independência a Lula: dois séculos de política brasileira (São Paulo: Augurium Editora, 2005, 320 p.).  
  

Não creio que a situação tenha melhorado desde então, ao contrário, só piorou nestes 12 anos desde que o livro foi publicado e eu fiz essa resenha. O sistema se tornou mais fragmentado, mais corrupto, mais bandidos de colarinho branco ainda escapam de uma justa punição, aliás com a colaboração ativa de membros dos cortes inferiores (ops) que teimam em não julgar os maiores bandidos da política brasileira.
Temos alguma réstia de esperança?
Não creio, pelo menos não imediatamente. Mas teimamos em resistir e continuamos na nossa ação para limpar o sistema político. Eu pelo menos faço o meu dever de denunciar, de acusar, de informar, de refletir, e não hesito em assinar embaixo do que escrevo.
Bom 2018 a todos.
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 21 de dezembro de 2017


 
Tudo o que você sempre quis saber sobre a política brasileira...

Bolivar Lamounier:
Da Independência a Lula: dois séculos de política brasileira
São Paulo: Augurium Editora, 2005, 320 p.; R$ 49,00

Paulo Roberto de Almeida 
14/10/2005

            ...e nunca teve a quem perguntar. Agora já tem: é o novo “Lamounier”, cobrindo desta vez (quase) dois séculos de história política. Mas atenção: o livro não é para principiantes, nem do lado teórico, nem do lado prático, isto é, dos que são chamados a nos representar no parlamento e no executivo. Estes, como evidenciado nos casos de “fundos não contabilizados”, acabam construindo um universo à parte dos que pagam impostos, que vêem os recursos auferidos serem dilapidados pelos poucos que, segundo a descrição apta de Milton Friedman, “são pagos para gastar o dinheiro dos outros”.
            Não se trata de uma simples “introdução” à história política brasileira, uma vez que o livro exige dos leitores um conhecimento mínimo dessa história, ao mesmo tempo em que certa familiaridade com conceitos centrais da ciência política. Tampouco se trata de um “manual” para a reforma política e eleitoral à intenção dos que nos governam, pois eles dificilmente se deixariam guiar por critérios de racionalidade estrita do sistema partidário e representativo, preferindo cuidar dos seus interesses, acima de quaisquer considerações éticas. Como diz o autor na introdução: “O crafting institucional da democracia brasileira ostenta resultados contraditórios: organizamos bem a esfera eleitoral e criamos uma ética para o voto, mas não organizamos nem criamos uma ética para a esfera dos partidos e do parlamento”. Difícil, assim, que os governantes sigam as recomendações da terceira parte, relativa, justamente, à reforma política, para introduzir um sistema de governo, uma organização partidária e um sistema eleitoral que correspondam às necessidades da nação, contra seus próprios interesses, enquanto classe organizada para o assalto (é o caso de se dizer) e a manutenção do poder.
            As duas primeiras partes, em todo caso, constituem a mais completa análise de que se tem notícia na literatura sobre a evolução da política brasileira, não apenas pelo lado dos “episódios” políticos, mas também pelo lado da teorização sobre os regimes políticos, os sistemas partidários, as relações civil-militares e as “lições” de cada período. Um quadro analítico resume a evolução do sistema político de 1822 a 2005: cada um dos regimes – Império, Primeira República, Revolução de 1930, Estado Novo, República de 1946 e o regime militar – terminou em grave conflito político, geralmente sob a forma de golpes militares, com o apoio das classes médias. O regime militar, na verdade, se esvaiu numa “prolongada peleja política e eleitoral”, ao cabo da qual as oposições coligadas viabilizaram o retorno ao governo civil. O novo regime democrático, obviamente, ainda não acabou, mas se supõe que seu destino seja menos dramático do que a meia dúzia de sistemas político-partidários que o precederam. 
            Lamounier examina a historiografia convencional – propondo sua revisão – e a literatura de cada época. Duas formas de reducionismo político são identificadas no protofascismo (“mescla de positivismo, nacionalismo e endeusamento do Estado”) e no marxismo (“sobretudo na versão stalinista da Terceira Internacional”), intrinsecamente antiliberais e antiparlamentares, ambos avessos à consideração do sistema político enquanto esfera autônoma. A análise se estende ainda à construção e funcionamento dos sistemas partidários e representativos, sendo evidentes o crescimento paulatino do corpo eleitoral, a ampliação do sufrágio e a fragmentação gradual do sistema partidário.
Um texto de Hegel sobre a Inglaterra de 1830 é ironicamente recrutado para explicar o que é um “curral eleitoral”, prática aliás bem viva no Brasil moderno, a julgar pela formação de um exército contemporâneo de assistidos por “mensalinhos” oficiais. A despeito disso, a competição aumentou, mas nem sempre foi assim: Rodrigues Alves (1918) e Washington Luís (1926), por exemplo, conquistaram a suprema magistratura com maiorias “albanesas” superiores a 98% dos votos válidos, ainda que com cerca de 2% de votantes sobre a população total (hoje a proporção de eleitores é superior a 60%). “Lula lá”, em 2002, foi “a batalha que não houve”: a manutenção do sistema político de maiorias frágeis mostra a amplitude das reformas políticas que precisam ser feitas para tornar o Brasil mais conforme à estabilidade já conquistada no terreno econômico. A julgar pelo “presidencialismo de mensalão”, ainda estamos longe do ideal...

Paulo Roberto de Almeida
[Brasília, 14 outubro 2005]

20. “Tudo o que você sempre quis saber sobre a política brasileira...”, Brasília, 14 outubro 2005, 2 p. Resenha de Bolivar Lamounier: Da Independência a Lula: dois séculos de política brasileira (São Paulo: Augurium Editora, 2005, 320 p.). Publicada em Desafios do Desenvolvimento (Brasília: IPEA-PNUD, ano 2, nº 16,novembro 2005, p. 60; link:http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1791:catid=28&Itemid=23). Divulgado no blog Diplomatizzando(01/02/2012; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2012/01/politica-brasileira-por-um-especialista.html). Relação de Trabalhos nº 1482. Relação de Publicados nº 604.



domingo, 20 de dezembro de 2020

Uma História Monetária... não monetarista; Resenha de Carlos Manuel PELAEZ e Wilson SUZIGAN: História Monetária do Brasil (1993)

Uma História Monetária... não monetarista

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 26/04/1993

 

Carlos Manuel PELAEZ e Wilson SUZIGAN:

História Monetária do Brasil: Análise da 

Política, Comportamento e Instituições Monetárias

(2ª edição, revisada e ampliada. Brasília: Editora

Universidade de Brasília, 1981; Coleção Temas Brasileiros, 15)

 

No Brasil, falar em monetarismo costuma ser uma receita quase garantida de opróbio e danação, já que ser identificado com esse conceito é um caminho certo para a conspurcação pelos “desenvolvimentistas”. E, no entanto, não existe maior incompreensão do que essa, ou seja, ver no interesse pelos problemas monetários do País apenas um sinal de frieza tecnocrática, insensibilidade economicista ou seja lá o que for. O desconhecimento do – ou o desinteresse pelo – lado “monetário” da economia costumam enganosamente passar por uma identificação reversa com o estruturalismo e a economia social, como se a busca do desenvolvimento pudesse dispensar o País de praticar uma saudável política monetária, ainda que não “monetarista”. Muitos desses equívocos derivam de uma incompreensão real do que foi – e do que é – a questão monetária no desenvolvimento brasileiro ou do que seja o papel da política monetária no correto encaminhamento dos atuais problemas de estabilização e de luta contra a inflação.

 

Uma história monetária schumpeteriana

É precisamente a um passeio pela história da moeda e seu papel na economia brasileira a que nos convida o livro de Carlos Manuel Peláez e Wilson Suzigan, resultado de quinze anos de pesquisa segundo os melhores modelos e teorias disponíveis na disciplina: a “interpretação monetária da história” de Friedman-Schwartz-Cagan, filiada ao chamado modelo da “teoria neo-quantitativa da moeda”; a abordagem mais eclética desenvolvida pelo Professor Rondo Cameron, que adota os argumentos de Joseph Schumpeter e Gurley-Shaw sobre o papel da intermediação financeira no desenvolvimento econômico; e a interpretação histórica de Alexander Gerschenkron sobre a ênfase no papel do sistema bancário durante os estágios iniciais do processo de industrialização. 

Publicado originalmente em 1976, pela Editora Atlas, esse livro deve ser lido junto com um segundo trabalho desenvolvido pelos autores num mesmo projeto, Economia Monetária: Teoria, Política e Evidência Empírica (São Paulo: Editora Atlas, 1978), ou com o livro de Carlos Manuel Pélaez, História Econômica do Brasil (São Paulo: Editora Atlas, 1979). História Monetária do Brasil, na edição ampliada oportunamente publicada pela Editora da UnB, apresenta-se como uma análise econômica das moedas brasileiras, da evolução das instituições e da política monetária no Brasil e das relações entre o setor monetário com os demais setores da economia brasileira ao longo dos dois últimos séculos.

O primeiro capítulo, que é propriamente metodológico, enfoca as abordagens disponíveis para o estudo da história monetária, segundo as três interpretações já referidas, de Friedman-Schwartz-Cagan, de Cameron e de Gerschenkron e, em função desses métodos, trata da experiência monetária brasileira de longo prazo, com ênfase nas relações entre a moeda, a renda e os preços no desenvolvimento brasileiro.

A abordagem de Milton Friedman e seus colaboradores enfoca principalmente a covariância entre a moeda e a atividade econômica e, para tal, privilegia a análise dos determinantes do volume dos meios de pagamentos, resultando numa “interpretação monetária da história”. O “enfoque Cameron” é mais eclético, partindo da constatação de que o desenvolvimento dos atuais países avançados foi acompanhado pela diversificação e crescimento das instituições financeiras: essa relação, no entanto, pode ser de natureza passiva, mas também pode, alternativamente, facilitar ou, ao contrário, restringir o crescimento econômico. Trabalhando segundo os métodos da história comparativa, Cameron e seus colaboradores examinaram as etapas iniciais da industrialização nos países desenvolvidos, onde a principal função da estrutura financeira e bancária é permitir uma crescente monetização da economia. A teoria de Gerschenkron é baseada, como se sabe, no argumento sobre as “vantagens do atraso”, que atribui maior papel relativo ao sistema bancário e ao Estado na impulsão inicial do crescimento, em substituição à capacidade empresarial mais escassa.

 

Brasil: crescimento = desenvolvimento?

Na parte sobre a experiência monetária brasileira de longo prazo, os autores indicam, antes de mais nada, o extraordinário dinamismo da economia brasileira desde o século XIX até os anos 1970. Com base nos indicadores de crescimento real eles se lançam numa uma profecia retrospectiva extremamente arriscada, pelo menos em termos sociológicos. Com efeito, a partir dos dados brutos de crescimento para uma série de países, eles afirmam que “Se o crescimento tivesse ocorrido a partir de um nível maior do produto por habitante, na década de 1850, quando o Brasil começou a modernização, o país encontrar-se-ia hoje entre os mais desenvolvidos” (p. 20, ênfase agregada).

Cabe contudo questionar a legitimidade desse tipo de afirmação que coloca o desenvolvimento como um efeito necessário do crescimento do produto per capita, quando sabemos que outros fatores propriamente sociais estão em jogo, como a capacidade de inovação e de difusão tecnológica, a qualidade dos recursos humanos e, sobretudo, a natureza da estrutura social, que pode ser mais ou menos propensa à distribuição social da riqueza e, portanto, dos ganhos da acumulação. O famoso livro de Celso Furtado sobre a história econômica brasileira — Formação Econômica do Brasil — também não deixou de enfatizar que o nível de renda média nas regiões exportadoras de açúcar do Brasil colonial (séculos XVI e XVII) se aproximava bastante dos índices conhecidos na Europa dessa época, sem que com isso se possa chegar à conclusão de que a estrutura social brasileira pudesse conduzir ao mesmo tipo de desenvolvimento que o experimentado pelas sociedades europeias nos séculos XVIII e XIX.

É verdade, como indicam os autores, que o Brasil conseguiu diminuir o diferencial de renda em relação aos países desenvolvidos, tendo gerado um processo de crescimento autossustentado, pelo menos até os anos 1970. Mas, também é verdade, como eles não deixam de sublinhar, que “a aceleração do crescimento coincidiu com a aceleração do fenômeno inflacionário” (p. 23), com as distorções resultantes em termos de redistribuição de renda. Caberia no entanto indagar se a péssima distribuição de renda é causada tão simplesmente pelo fenômeno da inflação crônica, ou se outros fatores sociais não estão também em jogo, como o baixíssimo nível de educação formal da maior parte da população. 

Em todo caso, a análise conduzida nesse capítulo sobre a relação entre moeda, renda e preços no crescimento brasileiro é tecnicamente bem estruturada, com base num modelo das variações percentuais entre renda nacional e estoque de moeda. Eles evidenciam que os impulsos de política monetária afetam plenamente a atividade econômica corrente mensurada pela renda nominal e que as flutuações a curto prazo na economia se originam nos choques de política econômica (pp. 26-7). Eles ilustram a análise através da experiência de três programas de controle inflacionário: 1947-49, 1964-67 e 1976-78, quando se tentou reverter a pressão inflacionária através de políticas monetárias e fiscais austeras que criaram uma defasagem entre inflação e moeda.

Na fase mais recente do período examinado, isto é, anos 70, o governo passou a ter menor controle sobre o estoque de moeda, devido à crescente complexidade da inflação e do próprio sistema financeiro. “Consequentemente, os esforços de controle inflacionário encontrarão, necessariamente, maiores dificuldades do que no passado” (p. 27), uma conclusão que se tornou ainda mais verdadeira para o período atual, no qual as expectativas inflacionárias alimentam continuamente o processo.

 

Estrutura e conteúdo dos capítulos

Os oito capítulos centrais, do II ao IX, tratam pormenorizadamente da moeda na evolução econômica brasileira e seus títulos respectivos são um indicativo de seu conteúdo. Um rápido sumário de cada um deles, com maior ênfase sobre o período republicano, pode dar uma ideia da estrutura e conteúdo dessa obra exemplar de história econômica.

 

II. Monopólio dos Serviços Bancários

Discorre sobre as origens do liberalismo econômico no Brasil, o deslocamento da monarquia portuguesa e seu impacto na formação do sistema monetário brasileiro, a constituição do primeiro banco oficial e seu desempenho, antes e depois da Independência, que se conclui aliás pela liquidação do Banco do Brasil em 1829.

 

III. O Insucesso na Reforma do Mercado Monetário e o Estabelecimento dos Bancos Emissores, 1830/51

Este capítulo cobre os problemas do estoque de moeda no período regencial, o debate sobre o cobre e o papel-moeda, a lei do padrão-ouro e a legislação alfandegária de 1844.

 

IV. Consolidação do Sistema Monetário Brasileiro, 1849/69 

Trata da política econômica do Segundo Reinado, com a Lei Bancária de 1853 e o estabelecimento do segundo Banco do Brasil, a Lei Bancária de 1860, ademais da pluralidade de emissão e os diversos “pânicos” por que passou, em 1857 e 1864, o sistema bancário brasileiro, em face da “desordem” emissionista nessas fases. “A reforma monetária metalista de 1860 foi elaborada com o propósito de restringir a atividade bancária na crença de que o rápido crescimento dos bancos emissores durante o período 1850/60 teria sido a principal causa da crise de 1857. O objetivo da reforma foi assegurar a conversibilidade do papel-moeda em ouro e o pleno funcionamento do sistema do padrão ouro. (...) O rápido desenvolvimento do sistema bancário foi um dos aspectos mais significativos do progresso mundial durante o século XIX, sob o padrão ouro, nos países que se beneficiavam com o crescimento do comércio internacional, mas o Brasil impediu intempestivamente esse desenvolvimento com a reforma monetária de 1860” (p. 107).

 

V. A Política e Instituições Monetárias durante o Segundo Ciclo do Preço Internacional do Café, 1869/85

Cobre o período final do Império brasileiro, tratando do problema do financiamento da guerra do Paraguai e da política monetária nesses anos, a estrutura do sistema bancário nessa fase, inclusive o “pânico” de 1875 e a lei bancária de 1888, terminando por um resumo da história monetária durante o Império. A lei bancária de 1888, introduzida para paliar os efeitos da abolição e concedendo autorização para criação de bancos de emissão, foi, segundo os autores, “o marco institucional de onde se propagou uma das inflações mais notórias na história brasileira” (p. 121).

 

VI. A Política e as Instituições Monetárias durante a Primeira República

Este importante capítulo cobre um vasto e complexo período, com diversos experimentos monetaristas, emissionistas e deflacionistas a começar por uma análise do terceiro ciclo dos preços do café e o movimento dos indicadores agregados. Sobre a política restritiva de Murtinho, os autores são claros: “Enquanto o Brasil sempre teve um padrão fiduciário, a experiência de 1898/1904 constituiu um de muitos casos em que se imitava o comportamento do padrão ouro mas com grandes custos sociais em termos de desemprego e redução do bem estar” (p. 148). Murtinho foi muito além dos “ortodoxos” dos países desenvolvidos ao argumentar que a indústria não era viável no Brasil devido à inferioridade racial de seus habitantes em relação aos países já industriais: o progresso apenas viria através do libre intercâmbio comercial, da construção de ferrovias e de políticas monetárias austeras.

É dada ênfase particular à política monetária durante a valorização do café, entre 1906 e 1912, com seus efeitos nefastos para o desenvolvimento do País. O impacto da Primeira Guerra na economia brasileira é tratado numa seção especial, segundo a teoria dos períodos adversos, isto é, de fechamento externo, que, aliás, não favoreceram absolutamente o desenvolvimento industrial. Faz-se, finalmente, uma análise do insucesso das políticas monetária e fiscal na década de 1920.

Concluem os autores que, “no longo prazo, a ênfase do Brasil em unir-se ao clube do padrão ouro não conduziu ao crescimento. (...) O caso brasileiro é um bom exemplo de como estruturas financeiras deficientes podem retardar o crescimento e a modernização. (...) Muito se tem dito sobre a influência da teoria clássica sobre a distribuição desfavorável dos lucros do comércio exterior e do progresso técnico entre os países industriais e as regiões menos desenvolvidas. [Nota de rodapé: “As políticas do padrão ouro seguidas no Brasil baseavam-se nos trabalhos de economistas como Heinrich Grossen, The Laws of Human Relations...”.] A história brasileira mostra a existência de uma transmissão das políticas econômicas ortodoxas. Mas aquelas políticas jamais foram favorecidas pelos economistas clássicos” (pp. 148-150).

 

VII. A Grande Depressão e a II Guerra Mundial 

Aqui se ensaia uma explicação keynesiana revista da depressão brasileira e se analisa a política cafeeira ao longo de todo o período. Já no capítulo anterior os autores tinham enfatizado o argumento de que “a experiência refuta o postulado básico da teoria dos períodos adversos, de que a indústria somente poderia estabelecer-se nas economias de exportação latino-americanas em períodos de redução maciça do comércio exterior” (p. 174). Eles também tinham sublinhado o fato de que “a redução do comércio internacional e a interrupção do fluxo de ideias e capital impediram a modernização do País sobre alicerces realmente eficientes” (p. 175).

Neste capítulo os autores fornecem base empírica para confirmar que, efetivamente, o Brasil contornou a Depressão da melhor forma possível, mas que “dificilmente se poderia considerar aqueles anos como período de progresso ou confirmação empírica das vantagens do modelo latino-americano de crescimento introvertido e muito menos como justificativa para maiores controles governamentais da atividade econômica” (p. 214).

 

VIII. A Política Monetária do Brasil, 1947/72

Cobre um vasto período com experimentos os mais diversos de política monetária, desde a fase da taxa de câmbio supervalorizada (seguindo no caso as recomendações do FMI emanadas de Bretton Woods), passando pelas reformas do mercado cambial dos anos 1950, até as diversas políticas tentativas de controle do problema inflacionário, com as diversas estratégias, graduais ou lentas, de correção, inclusive já no regime militar. Uma das mais notórias foi o Plano Nacional de Estabilização (PNE), de 1958, motivado pelo descontrole inflacionário e a crise cambial e abandonado em junho do ano seguinte sob forte ataque dos “estruturalistas”, que argumentavam que uma inflação de 20% ao ano era “compatível com as necessidades de desenvolvimento da economia brasileira”. Segundo os autores, “o que aconteceu foi a explosão inflacionária, caos econômico, tensão social e crise política” (p. 259).

O primeiro período militar coincide com importantes reformas estruturais, permitindo ao Governo obter recursos não inflacionários para financiar o déficit público, segundo receitas de um “monetarismo eclético” (p. 268). A partir de 1967, a política de gradualismo, com a combinação de medidas anti-inflacionárias de caráter monetário, fiscal e salarial, começou a dar resultados, a despeito mesmo da introdução de taxas de juros reais positivas. A partir de 1968, foi adotada a política de taxa de câmbio flexível, caracterizada por minidesvalorizações graduais e constantes, promovendo as exportações e incentivando os investimentos.

 

IX. A Crise do Petróleo e a Diversificação da Estrutura Financeira 

Parte do processo de industrialização na fase de grande crescimento dos anos 1970 e focaliza com maior detalhe a reforma do sistema financeiro brasileiro, seus instrumentos (como a correção monetária) e o desempenho geral desse período. O Brasil utilizou-se de instrumentos ortodoxos e não ortodoxos para melhorar o nível de eficiência de seu sistema econômico e permitir o crescimento sustentado. A crise do petróleo, aliás, reforçou ainda mais o planejamento estatal e o estímulo à industrialização, mas a inflação voltou a crescer, ainda que em ritmo de stop and go. Os desequilíbrios generalizados, a introdução de medidas compensatórias e o desenvolvimento da intermediação financeira conduziram a uma inflação crônica ou inercial, facilitada ainda pela correção monetária.

 

A Experiência Monetária do Brasil

O capítulo final, bastante sistemático, traz conclusões sobre cada um dos períodos analisados anteriormente, tanto do ponto de vista do comportamento monetário brasileiro, como das instituições monetárias em cada uma das fases selecionadas. Importância particular é dada ao mercado do café, o grande determinante dos equilíbrios fiscais e monetários durante boa parte da evolução econômica no Brasil independente. Na verdade, o período de defesa do café se estende até uma fase ainda recente da economia brasileira, mas sua importância era evidentemente maior na fase anterior à Segunda Guerra Mundial.

Como indicam os autores, uma grande deficiência das séries monetárias brasileiras é a impossibilidade, para quase todos os períodos enfocados, de identificar os fatores que influenciaram a variação da base monetária. Igualmente difícil é definir as relações entre a moeda em poder do público e o estoque de moeda, por um lado, e entre o encaixe bancário e os depósitos, por outro, que deveriam refletir, respectivamente, o comportamento do setor público, do público e dos bancos. A razão é que não existe, para o período anterior à Segunda Guerra Mundial, dados sobre o balanço de pagamentos, o estoque de ouro e outros dados importantes, a partir dos quais se poderia intentar “explicar as variações dos determinantes próximos do estoque de moeda” (p. 6). Eles indicam suas diferenças de método em relação ao modelo proposto por Friedman e Schwartz para os Estados Unidos, por exemplo, demonstrando como, no Brasil, se deve incluir os depósitos à vista no Banco do Brasil na base monetária, uma vez que essa instituição quase sempre funcionou como autoridade monetária e como banco comercial.

Ademais da construção de séries estatísticas, uma grande importância é igualmente dada às mudanças institucionais, particularmente importantes num país em que a política monetária se caracteriza por enormes descontinuidades, em todas as épocas.

Como demonstrado amplamente no livro, e a própria experiência se encarrega de confirmar, no século XX, a inflação e o crescimento do estoque de moeda aceleram-se consideravelmente no Brasil, a despeito mesmo do crescimento satisfatório do produto real per capita. Apenas no período do regime de 1964 (e somente em sua primeira fase) o Brasil conheceria crescimento econômico com taxas declinantes de inflação, sem ter no entanto conseguido resolver o problema secular do processo inflacionário: deficiências na política de financiamento do orçamento. Durante a maior parte de nossa história republicana (e mesmo imperial), a falta de responsabilidade fiscal dos governos resultava em déficits crônicos financiados por emissão de dinheiro, e o aumento da base monetária provocava sempre novos aumentos do estoque de moeda. 

No período anterior à Segunda Guerra Mundial, por exemplo, o crescimento se deu a modestas taxas anuais de 1,7% [um número que talvez devesse ser revisto], ao passo que o estoque de moeda aumentava à razão de 10% anuais e os preços ao nível mais modesto de 4,6% ao ano. Já no período 1947/1970, o produto real per capita cresceu a taxas médias anuais de 3,3%, enquanto os preços o faziam a um ritmo de 23%, e o estoque de moeda em cerca de 27% (p. 335). Em 1964 se tentou interromper esse processo vicioso, com a introdução de uma reforma monetária e financeira.

Aliás, segundo os autores, um importante fator do atraso econômico brasileiro, em todo o período coberto pelo trabalho, foi a incapacidade de reformar os mercados monetários segundo os padrões requeridos para um desenvolvimento continuado. É claro que outros fatores também pesaram, como a alta taxa de crescimento demográfico, o baixo nível de investimento em educação e alfabetização em geral, as políticas nocivas de valorização do café que desviavam recursos e renda de setores ligados ao mercado interno, bem como o ambiente pouco propício à difusão de tecnologia, seja por problemas externos (crises e guerras mundiais), seja por fatores propriamente internos, mas o trabalho procura concentrar-se nas deficiências das instituições financeiras como fator de atraso.

Tentativas foram feitas, é verdade, de se corrigir o problema. No século passado, homens como Mauá e Souza Franco procuraram desenvolver instituições bancárias com direito de emissão, seguindo exemplos bem sucedidos na Europa. “A escola papelista de intermediação financeira foi derrotada pela escola metalista defensora do padrão ouro, das restrições ao desenvolvimento bancário, de um estoque de moeda puramente metálico e do monopólio de emissão e de quase todos os serviços bancários pelo Banco do Brasil, estritamente controlado pelo Governo. Conquanto o Brasil não obtivesse o estoque de moeda puramente metálico, o Banco do Brasil recebeu privilégios extraordinários que lhe permitiram absorver a maior parte dos bancos de emissão existentes.  Desde seu estabelecimento, a instituição controlou um mínimo de um terço dos serviços bancários brasileiros, contribuindo em alguns dos períodos para o financiamento inflacionário do déficit orçamentário” (pp. 336-338). 

No começo da República houve uma reversão nessas práticas, com autorização para o estabelecimento de instituições bancárias com direito de emissão, mas o aparente sucesso da contra-reforma de 1898-1902 aumentou o prestígio das políticas metalistas no Brasil, padrão ao qual se ateve a grande maioria das autoridades monetárias nas décadas seguintes. A estrutura bancária brasileira sempre foi muito deficiente, com um grande banco para assuntos governamentais – “servindo a determinados grupos de atividade privada de acordo com a tônica mutante do favorecimento político” – e um número reduzido de grandes bancos tradicionais fracionando o negócio bancário remanescente. Na verdade, o grande banco oficial também servia a interesses privados e, no mais das vezes, de instrumento relevante do processo inflacionário.

Para aqueles que consideram que a fixação de um limite máximo para a taxa de juros é uma loucura própria aos constituintes de 1988, cabe lembrar, como o fazem os autores, que uma Lei de Usura de 1933 fixou um teto para os juros. Como agora, a prática se encarregou de corrigir a deformação legal: “Se a Lei tivesse sido cumprida estritamente, todo o setor bancário brasileiro teria ido à falência. Contudo, os bancos encontraram outros expedientes para contornar o problema e cobrar juros maiores. Dentro dessa conjuntura irracional, fazia-se cada vez mais difícil emprestar dinheiro a taxas de juros reais positivas. Como as taxas de juros pagas aos depositantes eram também taxas reais negativas, o setor bancário descobriu uma fonte de lucros na atração de depósitos. Essa concorrência por atrair depósitos do público, assim como o interesse em adquirir propriedade urbana para contornar a inflação, explicam a alta artificial no número de estabelecimentos bancários. Tal experiência mostra o insucesso e adiamento da reforma bancária no Brasil. O resultado foi a criação de um sistema bancário altamente ineficiente e custoso” (p. 336).

 

Crescimento em fase de abertura ou retração externa?

No período anterior à Segunda Guerra, de modo geral, a defesa do café foi uma política consistentemente seguida pelos diversos governos republicanos, antes e depois da crise de 1929 e da revolução de 1930: essa defesa “concentrou artificialmente a renda no setor cafeeiro em detrimento dos outros ramos da atividade econômica, constituindo-se num fenômeno social lamentável” (p. 344). No que se refere à crise de 1929 e a depressão que se seguiu, os autores demonstram que o Brasil sofreu menos que os Estados Unidos e sua recuperação foi mais rápida. De toda forma, o Brasil já tinha experimentado uma contração econômica durante os anos 1920, resultado de políticas restritivas, e quando, nos anos 1930, os controles cambiais dificultaram as importações, as indústrias já instaladas receberam um estímulo para o crescimento da produção. Eles negam, assim, algumas virtudes proclamadas da teoria da industrialização substitutiva, preferindo ver o fenômeno como uma espécie de “acidente histórico”.

No geral, os períodos “extrovertidos” foram mais favoráveis à industrialização do que os “introvertidos”, estes fortemente marcados pela redução nos níveis de intercâmbio, inclusive importação de tecnologia e know-how. “Na verdade, um dos fatores do atraso do Brasil reside na ocorrência dos períodos adversos. O processo de modernização e industrialização do País já tinha começado em condições de expansão do comércio internacional e é possível especular que na ausência das guerras e da Grande Depressão o Brasil teria progredido em ritmo muito mais acelerado” (p. 350). A despeito disso, o fato é que, no período posterior à Segunda Guerra, o Brasil segue, com algumas exceções em anos isolados, “políticas típicas de desenvolvimento introvertido”. A substituição de importações foi premiada e as foram exportações penalizadas. “De fato, o Brasil caracterizou-se por uma das piores experiências em matéria de exportação no mundo” (p. 350).

É também nesse período que a inflação cresce para patamares nunca conhecidos. “A irresponsabilidade orçamentária e a política de maximização das receitas de divisas provenientes da exportação de café constituíram os fatores mais importantes da inflação brasileira. A base monetária contribuiu com quase todo o aumento do estoque de moeda. O processo de aumento da base monetária resultou do financiamento do déficit orçamentário, da conta café e do crédito a diversos grupos de atividade empresarial privada de acordo com o favoritismo político esporádico feito através do Banco do Brasil. A inflação causou as mais diversas distorções da atividade econômica salientadas nos livros-texto assim como todas as injustiças sociais concomitantes” (p. 351). O Plano de Estabilização intentado no Governo Kubitschek, com a combinação de medidas graduais de política orçamentária, monetária e salarial, foi abandonado por motivos políticos, originando-se aí a forte onda inflacionária que assolou a economia brasileira no começo dos anos 60.

 

Uma História Monetária não monetarista

Esse mesmo quadro de irresponsabilidade orçamentária e favorecimentos políticos parece caracterizar o cenário econômico brasileiro no período da redemocratização ulterior a 1985, que está obviamente fora do período coberto pelo excelente trabalho de Peláez e Suzigan. Seríamos tentados a aplicar o tradicional refrão sobre a repetição da história, mas os próprios autores advertem, no parágrafo final sobre história e política econômica, que a principal contribuição da história econômica — talvez a única, eles sublinham — é proporcionar parte dos alicerces culturais de um país; mais do que isso, ela não pode fazer. “Mesmo dentro desse esquema, a contribuição dos historiadores econômicos é bem reduzida por poderem somente fornecer algumas partes empíricas de uma estrutura cuja harmonia global depende das contribuições dos historiadores-padrão dotados de visão schumpeteriana do processo social” (pp. 351-2).

O livro contém um excepcional apêndice estatístico, com tabelas relativamente completas de dados relativos ao papel-moeda emitido no Brasil, aos volumes de encaixe nos bancos comerciais e de moeda em poder do público, em depósito e o estoque de moeda, desde meados do século passado até o começo dos anos 1970, com uma indicação detalhada de todas as fontes e da metodologia utilizada na reconstrução serial. Elas constituem, desde já, a base indispensável a outros estudos pormenorizados de história monetária do Brasil. Infelizmente, a bibliografia, tanto a de caráter teórico geral, como a de cunho empírico-histórico sobre o Brasil, está disseminada em notas de rodapé ao longo dos capítulos, quando teria sido útil uma visualização sistemática ao final do trabalho.

O livro, em todo caso, é um brilhante exemplo de utilização de teorias econômicas e de comprovação histórica por via de uma fundamentação empírica real, aplicadas ao caso brasileiro. Os autores acreditam, acertadamente, que “é cientificamente impossível isolar relações puras e unidirecionais de causa e efeito em economia, e muito menos em história econômica” (p. 7). Para eles, “a história econômica deve usar a teoria para identificar os aspectos substantivos da experiência econômica passada. Mas a solução não é teoria sem realidade. Muito pelo contrário, o sucesso em adquirir conhecimento sobre os aspectos fundamentais do passado econômico depende da conjugação apropriada da teoria com a realidade” (p. 352).

 

[Brasília, 26.04.93]

[Revisto em 21.05.93]

[Relação de Trabalhos nº 338]

 

 

338. “Uma História Monetária... não Monetarista”, Brasília: 26 abril 1993, 12 pp., revisto em 21 maio 1993, 12 p. Resenha do livro de Carlos Manuel PELAEZ e Wilson SUZIGAN: História Monetária do Brasil: Análise da Política, Comportamento e Instituições Monetárias (2ª ed., revista e ampliada. Brasília: Editora Universidade de Brasília: 1981; Coleção Temas Brasileiros, 15). Inédito.

 

sábado, 19 de dezembro de 2020

A Companhia (Odebrecht) - Malu Gaspar (Companhia das Letras); Apresentação, Paulo Roberto de Almeida


 Impressionante o relato da Malu Gaspar, como reportagem, como história, como análise da maior fraude corporativa do Brasil, do continente, e possivelmente uma das maiores do mundo. Só perde para a cleptocracia do Putin, que dispõe, digamos assim, de métodos mais expeditivos. 

Mas o trabalho dela é um modelo de reportagem-histórica. Mereceria um prêmio Pulitzer, se houvesse algo do gênero no Brasil, ou o próximo Jabuti. Realmente, a anatomia de uma organização que talvez só tenha concorrente em alguma super máfia, que, na verdade, possui o seu próprio Código de Ética. 

Sob o Marcelo, parece que ele aposentou o código de ética do avô, para construir o seu manual de corrupção, por meio do Departamento de Operações Estruturadas, um modelo, digamos assim, de organização perfeita para os fins desejados. Mas sempre tem algum incidente de percurso: encontraram procuradores e um juiz motivados para perseguir a quadrilha até o fim, mesmo com meios pouco ortodoxos. 

E sempre tem uma secretária que fala, e abre a chave do cofre. Sempre é assim. 

Daria um bom roteiro para um filme, que serviria também de manual para os "inquisidores", um pouco como aquele filme "Catch me if you can...". 

Marcelo poderia trabalhar para alguma SEC americana... 

O livro é uma espécie de romance da corrupção corporativa. O esquema da Odebrecht mereceria teses e teses de doutorado em Business Administration.

A "organização" montou um sistema ainda mais sofisticado do que o da Enron – talvez a maior corrupção corporativa nos EUA – e desses cartéis que são regularmente desmantelados pelas autoridades europeias de defesa da concorrência. 

O esquema corrupto da Odebrecht era muito mais elaborado e o lado mais prosaico, digamos, o mais "romanceavel", era a relação de pseudônimos que adotava para identificar os políticos que ela corrompia ou pelos quais ela se deixava corromper. Essa lista, completa, deveria ser divulgada amplamente, para informação dos eleitores no próximo encontro do calendário eleitoral.

Para terminar o exercício, e ficar mais explícito, tanto na forma de "business administration", quanto de romance mafioso, seria interessante dispor de um quadro, sob forma de contabilidade em dupla partida, colocando cada um dos projetos de um lado, com o custo real avaliado, e o cobrado de fato, e do outro lado, os pagamentos efetuados para funcionários governamentais e políticos intermediários. 

A diferença entre ativos e passivos seria monumental, o que talvez explique o crescimento do faturamento sob a presidência criminosa de Marcelo Odebrecht, de meros 40 bilhões para mais de 120 bilhões anuais. 

Um desempenho fantástico, que mereceria uma espécie de prêmio Nobel dos negócios, se não fosse pelo lado obscuro da coisa.

Paulo Roberto de Almeida


A Organização

A Odebrecht e o esquema de corrupção que chocou o mundo

Malu Gaspar

São Paulo, Companhia das Letras, 2o20

ISBN: 978-85-359-3399-4 


Sumário

Nota da autora , 11 

Personagens, 13 

Prólogo, 25 

1. Marcelo sobe, 31 

2. Na lama, de terno branco,  46 

3. Apocalipse perfeito, 60 

4. No olho do furacão, 83 

5. O novo amigo, 106 

6. Questão de sobrevivência,  119 

7. O príncipe,  135 

8. Mais coragem do que análise,  141 

9. Nova ordem,  157 

10. Decolando, 175 

11. O príncipe na trincheira, 194 

12. “Tudo que é fácil, não é para nós”, 217 

13. Boca de jacaré,  237 

14. Pacto de sangue, 264 

15. Servindo ao rei, 274

16. Vivendo perigosamente, 294 

17. Organizando a suruba, 315 

18. Uma general autista, 332 

19. Higienizando apetrechos, 359 

20. A casa cai, 383 

21. A rendição,  418 

22. A mesa, 442 

23. Aos 46 minutos do segundo tempo, 468 

24. Deus perdoa o pecado, mas não o escândalo, 487 

25. “Enquanto tiver bala, atire”, 513 

Epílogo,  554 

Agradecimentos,  561 

Notas, 563 

Créditos das imagens, 619 

Índice remissivo, 621


Nota da autora

A Odebrecht tem uma longa trajetória de conquistas e de realizações, mas será sempre lembrada como a empresa que engendrou o maior esquema de corrupção já descoberto. Reconstituir sua história foi um mergulho nos meandros do relacionamento do empresariado com o Estado na última metade do século xx, no Brasil e na América Latina. Foi, também, um dos desafios mais difíceis que um repórter pode enfrentar. A Organização Odebrecht se autointitula uma “sociedade de confiança”, e isso forjou uma cultura do segredo que não pereceu com a delação. Bem ao contrário. A confissão à Lava Jato alcançou governos e autoridades de variadas orientações ideológicas, em todos os níveis, em doze países nas Américas e na África. Mas também deixou lacunas — fortuitas e propositais. Tal contingência, mais as cicatrizes deixadas pelo episódio, fizeram com que muitos na organização preferissem simplesmente esquecer tudo. Para outros, era o caso de lutar a guerra de narrativas até o final. Felizmente encontrei quem acredite, como eu, que conhecer essa história é essencial para entender o Brasil. A própria empresa também se dispôs a prestar informações, e o fez ao longo de todo o processo, mesmo tendo ficado claro desde o início que não se tratava de um livro chapa-branca. Para mover-me entre tantos e tão diversos interesses e chegar à versão mais acurada possível dos fatos, não havia outro recurso que não a apuração exaustiva. O conteúdo das delações da Odebrecht e de muitas outras foi só o ponto de partida. Ao longo de três anos, ouvi pouco mais de 120 pessoas, entre executivos e familiares, delatores, concorrentes, parceiros de negócios, políticos, advogados e investigadores de variadas instâncias. Contaram histórias sobre si próprios e sobre os outros, e em todas elas fiz dupla ou tripla checagem: em novas entrevistas, nas cerca de duzentas horas de depoimentos gravados em áudio e vídeo pelo Ministério Público ou pela Polícia Federal, em centenas de páginas de documentos, disponíveis ao público ou exclusivos, obtidos por mim ao longo do trabalho de pesquisa. 

Dada a sensibilidade dos temas envolvidos, que até hoje mexem com a política brasileira e suas paixões, a maior parte consistiu em declarações prestadas em off , protegidas pelo sigilo da fonte. Pela grande quantidade de pessoas consultadas para confirmar cada cena ou diálogo, o leitor não deve supor que seus personagens foram, necessariamente, as fontes daquela informação. Em alguns casos sim, em outros não. Como se verá ao longo deste livro, a cultura do segredo não sobrepujou o jogo de interesses e a disputa de narrativas naquela que durante décadas foi a empreiteira mais poderosa do Brasil. Muitos dos episódios retratados neste livro deram origem a ações judiciais em que se digladiaram Ministério Público e as defesas de centenas de acusados. O texto seguiu o caminho da apuração e dos fatos, independentemente do que digam ou concluam os processos. Mas as versões divergentes também foram contempladas, ou no corpo do texto ou em notas de rodapé. Afinal, elas também fazem parte da história. O que certamente não se encontrará, nestas páginas, são julgamentos peremptórios baseados em tópicos do Código Penal. Trata-se tão somente de uma reportagem. É vida real, com todas as suas nuances e imperfeições. A saga de pessoas que influenciaram os rumos do país e do continente ao longo de décadas, e assim nos ajudaram a chegar onde estamos.


Apresentação da Companhia das Letras:

Em 2015, quando a força-tarefa da Lava Jato fulminou o "clube" de empreiteiras que controlava os contratos com a Petrobras, a Odebrecht liderava com folga o ranking das empresas de engenharia nacionais. Delatados por colaboradores da Justiça, alguns de seus principais executivos foram presos, acusados de uma volumosa coleção de crimes.
Para tentar sobreviver à hecatombe, a organização -- era assim que os controladores e funcionários se referiam à companhia -- e seus dirigentes confessaram um longo histórico de práticas escusas que abalou a República e chocou o mundo, envolvendo propinas a centenas de políticos, de prefeitos a presidentes. Emilio e Marcelo Odebrecht, pai e filho, cujo relacionamento sempre fora difícil, romperam publicamente em meio a um duelo de denúncias.
Neste livro sobre a glória e a desgraça da Odebrecht, Malu Gaspar desvenda as engrenagens de um sistema de corrupção que parecia inviolável, e lança luz sobre as espúrias relações entre Estado e empresas que condicionaram por muito tempo uma espécie de "capitalismo à brasileira".