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sábado, 20 de abril de 2019

Dia do diplomata: 20 de Abril - Maria Celina de Azevedo Rodrigues

Uma verdadeira diplomata: a presidente da Associação dos Diplomatas Brasileiros – da qual já fui vice-presidente, e com a qual continuo a colaborar, elaborando resenhas dos livros dos diplomatas, na seção "Prata da Casa" em cada número de sua revista – conseguiu realizar a proeza de falar bem dos diplomatas e da diplomacia brasileira sem tocar uma única vez, sem sequer fazer uma menção passageira, à atual política externa, à diplomacia corrente, aos personagens que as comandam, aos que se envolvem direta e indiretamente, enfim, aos que supostamente as representam. Parabéns!
A frase que mais se aproxima da realidade presente está bem no começo: 
O momento atual exige diálogo para definir estratégias e um olhar de 360 graus para analisar os benefícios e os riscos dos rumos da política externa brasileira e de sua posição perante à comunidade internacional.
Assim vamos. Estamos esperando novos discursos fabulosos, dia 29 de abril, quando finalmente será realizada a cerimônia de formatura da nova turma de egressos do Instituto Rio Branco, nossa academia diplomática – turma que foi impedida de escolher livremente seu patrono e paraninfo – e quando também serão atribuídas as diversas comendas da Ordem de Rio Branco, a personagens certamente representativos do momento atual.
Finalizando, deixo também minha saudação e cumprimentos a todos os meus colegas que se exercem concretamente na diplomacia e na política externa, das quais estou, como é sabido, temporariamente afastado.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20 de abril de 2019


Dia do Diplomata, 20 de abril: uma data para relembrar desafios e reafirmar compromissos

Maria Celina de Azevedo Rodrigues* 
O Estado de S. Paulo, 20 de abril de 2019 | 08h00
Maria Celina de Azevedo Rodrigues. FOTO: DIVULGAÇÃO
A atuação dos diplomatas brasileiros sempre foi marcada e reconhecida pela excelência em representar o País no exterior. O momento atual exige diálogo para definir estratégias e um olhar de 360 graus para analisar os benefícios e os riscos dos rumos da política externa brasileira e de sua posição perante à comunidade internacional.
O interesse da opinião pública pelas relações exteriores do Brasil é crescente. Como porta-voz da associação que representa mais de 1600 diplomatas brasileiros, entendo a época atual como uma oportunidade para divulgarmos ainda mais as diversas frentes de atuação desta tradicional carreira de Estado.
Os desafios enfrentados pelos membros do serviço exterior são muitos e estão presentes desde o início da carreira, quando passam por um concurso público rigoroso e, posteriormente, por um curso de formação. A ascensão dos diplomatas dentro da casa se dá a partir da aprovação de critérios rígidos e de demandas exigentes por parte das hierarquias superiores. A rotina errante e a necessidade de constante aperfeiçoamento para garantir uma interface eficaz com representantes de outras nações fazem parte do dia a dia dos diplomatas.
Uma forte tradição da nossa diplomacia é a habilidade nas tratativas de questões multilaterais. O desafio em priorizar os interesses comerciais brasileiros junto às comunidades internacionais, sem ferir princípios éticos de outras nações, é sempre levada em consideração pelos diplomatas do País.
A diversidade dos temas sob responsabilidade dos membros do Ministério das Relações Exteriores ainda é pouco conhecida pelos brasileiros. Há diplomatas que, diariamente, desempenham funções nas áreas administrativa, cultural, ambiental, energética, econômica, comercial, consular, ciência e tecnologia, proteção aos direitos humanos, cooperação, paz e segurança internacionais, entre outras, além das representações diplomáticas e consulares do Brasil no exterior.
Vale destacar que, em muitos países, o número de brasileiros residentes tem aumentado a cada ano. As demandas de nossos compatriotas no exterior são crescentes e vão desde situações de emergência, como repatriação, encarceramento, acidente, morte, perda, furto e emissão de documentos a casos de inadmissão em outras nações. Estes são alguns exemplos do quotidiano da assistência prestada pelo serviço consular.
É fundamental que os membros do serviço exterior brasileiro (que, pela própria natureza de seu trabalho, estão disponíveis 24 horas por dia) tenham condições para seguir desempenhando, com efetividade, as funções atribuídas a esta carreira de Estado. Nesse sentido, como entidade representativa, a Associação dos Diplomatas Brasileiros (ADB) finalizou um projeto de nova Lei do Serviço Exterior, cujo principal objetivo é, uma vez acordado com os tomadores de decisão do MRE, criar um marco jurídico moderno, transparente, claro e inclusivo, que atenda às necessidades dos integrantes do Serviço Exterior Brasileiro, particularmente, no que se refere à previsibilidade das regras de remoção e do fluxo de carreira.
A tradição da diplomacia brasileira rem servir ao País e o desejo de vê-la forte e respeitada foi um compromisso firmado pelo Barão do Rio Branco ao assumir a pasta das Relações Exteriores. A comemoração do dia do diplomata no Brasil em 20 de abril ( Decreto n.º 66.217 de 1970) aniversário do Barão, é uma reafirmação por cada integrante da carreira diplomática daquele mesmo compromisso, o de servir à Nação com orgulho e entusiasmo.

*Maria Celina de Azevedo Rodrigues, embaixadora, é presidente da Associação e Sindicato dos Diplomatas Brasileiros (ADB Sindical), tendo chefiado a embaixada do Brasil em Bogotá, na Colômbia; a Missão do Brasil junto às Comunidades Europeias, em Bruxelas, na Bélgica; e o Consulado-Geral em Paris, França.

Fonte: O Estado de S. Paulo, 20/04/2019

sábado, 21 de abril de 2018

Dia do diplomata — Vitória Alice Cleaver, presidente da ADB

Vitoria Alice Cleaver, presidente da ADB
Folha de S. Paulo, 20 de abril de 2018

Desde a promulgação do Decreto 66.217, de 1970, o Dia do Diplomata é comemorado em 20 de abril, nascimento de José Maria da Silva Paranhos, Barão do Rio Branco, Patrono da Diplomacia brasileira. Ao celebrarmos este dia, revisitamos o sentido do patriotismo. A homenagem ao agente encarregado de elaborar e executar as diretrizes da política externa do País estará sempre associada ao lema “Ubique Patriae Memor” (Em qualquer lugar, terei sempre a Pátria em minha lembrança), que integra hoje a “Ordem de Rio Branco”, intitulada em homenagem ao Patrono.

Atualmente, mais de 1.500 diplomatas representam o Brasil e atuam para defender os interesses nacionais, seja na capital federal ou nas embaixadas, consulados e delegações junto a organismos internacionais. Os diplomatas atuam nas áreas cultural, ambiental, econômica, comercial, proteção e defesa dos direitos humanos, cooperação, paz e segurança internacionais, dentre outras.

Em virtude do aumento do número de brasileiros residentes no exterior, nosso serviço consular tem ampliado a estrutura de atendimento. Situações de emergência como resgate em casos de catástrofe ou de guerra, repatriação, encarceramento, acidente, morte, emissão de documentos também por perda ou roubo e inadmissão de brasileiros em outros países, são exemplos da assistência que prestamos. Também atuamos na concessão de vistos para estrangeiros que pretendem visitar o Brasil. A agilidade na produção destes documentos contribui consideravelmente para o crescimento do turismo.

A divulgação da imagem do Brasil no exterior é uma das funções dos diplomatas, que promovem os produtos, serviços e talentos artísticos nacionais, contribuindo para a atração de investimentos e para uma melhor difusão de nosso patrimônio artístico e cultural. Cabe destacar, ainda, a tarefa de atuar na negociação de acordos internacionais, seja para promover exportações, o que ganha especial relevância em contextos de crise, ou, como ocorreu historicamente, para garantir a integridade de território e a solução pacífica de conflitos.

Ainda nos dias de hoje, não é incomum o desconhecimento da contribuição diplomática para a formação e o desenvolvimento do Brasil. Muitas vezes são desconhecidos também os desafios enfrentados diariamente por muitos integrantes da carreira diplomática. Iniciamos a carreira com uma formação ampla e consistente, com um dos concursos mais rigorosos da Administração Pública, proporcional às exigências da atuação que precisamos ter dentro e fora do País.

Ao longo da carreira diplomática, as dificuldades enfrentadas não correspondem ao estereótipo glamoroso frequentemente associado à profissão. Parte considerável das missões para as quais somos designados acontecem em países em guerra, com ameaças de terrorismo, regiões de desastres ambientais e epidemias. São muitos também os custos de ordem pessoal e financeira, como a distância da família, que impõem a nós, sobretudo, a nossos familiares constante necessidade de adaptação a diferentes línguas, hábitos, culturas, climas e religiões. Contudo, nosso desejo de servir ao Brasil independe de onde estamos, ou do próximo destino.

Que o dia 20 de abril seja uma data para nos orgulharmos do legado da diplomacia na formação da identidade nacional e para reconhecermos a responsabilidade e a importância de nossas atribuições. Que a memória constante do Brasil, com seus desafios e qualidades, nos motive ainda mais a atuar por um País justo e desenvolvido, em que as atribuições da carreira diplomática continuem sendo uma contribuição essencial para o desenvolvimento de nosso País.

*A Embaixadora Vitoria Cleaver é presidente da Associação dos Diplomatas Brasileiros (ADB/Sindical), formada em Ciências Jurídicas  e Sociais, pela Faculdade de Direito da PUC-RJ.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Ops; deve ser outro pais: isolacionista, protecionista, etc; qual sera'?

Quando leio, não entendo direito de que país se está falando: "condenou medidas que levam ao isolamento e ao protecionismo".
Seriam os Estados Unidos, ou a União Europeia? Ou será a China, o Chile, a Nova Zelândia.
Mistério...
Deixa ver se eu entendi:
"criticou a substituição de negociações bilaterais por multilaterais."
O jornalista certamente queria dizer o contrário do que escreveu, a menos que não saiba escrever, não saiba o significado das palavras, não saiba bem do que está falando.
Mas, invertendo os conceitos, vejamos o que isso quer dizer.
Será que os países estão impedidos de fazer acordos de livre comércio, dos quais existem mais de 500 no mundo, devidamente registrados na OMC?
Ou apenas os EUA e a UE, como as duas maiores potências econômicas mundiais, com a China e alguns pequeninos do G8, estariam impedidos de negociar acordos minilateralistas?
Parece que existem países capazes de resolver todos os problemas do mundo na base do diálogo, do respeito mútuo,  do direito internacional, da não-intervenção. Isso é muito bom.
A gente já estava pensando que podia haver brucutus dispostos a resolver esses problemas na base da pancadaria, do intervencionismo, do unilateralismo, do hegeminismo. Coisa feia...
Ainda bem que existem países diferentes no mundo...
Paulo Roberto de Almeida

Dilma condena negociação que isola países e defende reformas no FMI e Banco Mundial
Agência Brasil, 17/06/2013

A presidenta Dilma Rousseff criticou nesta segunda-feira (17/6) a substituição de negociações bilaterais por multilaterais. A afirmação foi feita no momento em que a União Europeia (que reúne 27 países) e os Estados Unidos fecham um acordo de livre comércio, durante a Cúpula do G8 (que reúne os países mais industrializados e desenvolvidos no mundo).
Dilma (em formatura de diplomatas do Instituto Rio Branco) condenou medidas que levam ao isolamento e ao protecionismo.
Dilma disse que as dificuldades internas, tanto no Brasil quanto em outros países, devem ser enfrentadas com apoio dos seus parceiros e, não com a intervenção externa. Segundo ela, essa posição é válida, inclusive, para momentos de crise econômica, como a enfrentada no passado pelo Brasil.
“Ao olhar a crise não propúnhamos, não propusemos e não propomos o isolamento, o protecionismo. Mas, sim, a consolidação da nossa cooperação, dos laços regionais, ampliando e fortalecendo”, disse.
Paralelamente, Dilma criticou a adoção de ações intervencionistas no lugar do diálogo e das negociações de paz.
“Isso nos leva a uma clara defesa do multilateralismo como condição de afirmação da personalidade própria de todos os povos e também do Brasil. O multilateralismo como único instrumento capaz de resolver graves contenciosos mundiais”, destacou Dilma.
Em seguida, acrescentou: “[Todas essas ações devem ocorrer] em clima de respeito mútuo e sem imposições unilaterais, aliás essa é uma característica que faz o Brasil ser respeitado por muitos povos”.
Dilma defendeu a urgente e profunda reforma dos organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e o Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU).
Para ela, é fundamental que esses órgãos reflitam a nova configuração de forças do mundo.
Dilma criticou a estrutura do Conselho de Segurança, que é da década de 40 do século 20, e leva à “carência de representatividade e legitimidade” em defesa da paz mundial.
“Esses princípios nos mostram que a governança mundial necessita de urgente e profunda reforma, seja como o Fundo Monetário Internacional ou o Banco Mundial, o [conceito de] Bretton Woods [acordo firmado em 1944 com o objetivo de assegurar a estabilidade monetária einternacional], que se reflita  nesses organismos a nova configuração de forças e também nas próprias Nações Unidas, o Conselho de Segurança, hoje muitas vezes carente de representatividade e legitimidade para defender a paz mundial”, disse a presidenta.
Dilma lembrou que o mundo vem passando por “grandes e aceleradas transformações”, que são acompanhadas pelo Brasil.
“Soubemos acompanhar essas mudanças e responder aos desafios, mas ainda há muito o que fazer”, ressaltou a presidenta, destacando as principais características da política externa brasileira: respeito à soberania dos países e adoção do diálogo e da negociações como métodos.
Ao se dirigir aos novos diplomatas, a presidenta ressaltou o que considera um momento histórico para o Brasil.
“Vocês representam o país que se encontrou consigo mesmo, que recuperou sua autoestima e que está pronto a dar uma contribuição decisiva para um mundo de paz, de desenvolvimento, de justiça social, um mundo que tem de se afastar das guerras e escolher o diálogo como meta de política externa”, disse Dilma aos formandos.
A oradora da turma de formandos do Rio Branco, Luana Alves de Melo, ressaltou que a política externa brasileira de respeito à diversidade, aos direitos humanos, à dignidade e à preservação do meio ambiente representa vitórias.
“É a diplomacia do respeito da diversidade, da pluralidade, do respeito e da não discriminação”, destacou Luana.
Homenageado pela turma de formandos, o ministro da Defesa, Celso Amorim, que foi chanceler, ressaltou a importância do esforço brasileiro na busca pela integração regional e o combate às propostas hegemônicas. 
“Fortalecemos a integração regional e desconstruímos propostas hegemônicas”, disse.

segunda-feira, 30 de abril de 2012

O Barao, politicamente incorreto, sem censura...

Apenas uma contribuição ao debate, se debate existe, na verdade.


Salvem o Barão!

Paulo Roberto de Almeida

Sim, salvem o Barão, não exatamente da memória coletiva, e das justas homenagens que se lhe deva prestar, mas de alguns de seus mais gentis detratores, especialmente as feministas, os racialistas e os politicamente corretos.
Este é o ano do Barão, ou pelo menos o ano das comemorações do centenário da morte de José Maria da Silva Paranhos Júnior, ocorrida em fevereiro de 1912, em seu gabinete do Itamaraty. Ele devia estar recebendo homenagens e sessões comemorativas, e na verdade está; como patrono e santo protetor da diplomacia brasileira, ele vem sendo objeto de merecidos encômios nos setores mais diversos da sociedade, com destaque para o próprio MRE, a Academia Brasileira de Letras e o IHGB, do qual ele foi presidente. Mas, no meio de todas as festividades, surgem por vezes aqueles que retomam a sua memória para observar que, por uma razão ou por outra, ele não representa mais a diversidade cultural brasileira. Gostaria de considerar aqui apenas duas manifestações mais recentes, que mereceram minha atenção, uma oficial, a outra privada.

Na cerimônia do dia do diplomata, realizada em 20 de abril de 2012, no Palácio do Itamaraty de Brasília, em presença de muitas autoridades da República, foram ouvidos os discursos de praxe: o do ministro, o do paraninfo, o da presidente (no final), e o da oradora escolhida pela turma que se estava graduando. Foi justamente a peça coletiva – elaborada ao que parece por cem cabeças (era o número aproximado dos formandos) – a que reteve minha atenção, pela natureza, digamos especial, dos argumentos. Como os integrantes escolheram homenagear uma colega falecida  no final do ano passado, em consequência de enfermidade tropical contraída em viagem a serviço, a turma resolveu adotar seu nome e prestar-lhe uma justa honraria, como mulher, como negra e como acreana. Até aí tudo bem e associo-me às manifestações de pesar por tão infeliz desenlace de uma missão oficial a serviço do Itamaraty e da política externa brasileira. O mais curioso, porém, é que no confronto talvez involuntário de suas biografias, o Barão acabou fazendo figura de homem branco, do centro político e econômico do país.
Vejamos alguns dos trechos pertinentes desse discurso:
“Este discurso é uma obra coletiva.
“Cem anos atrás, falecia, José Maria da Silva Paranhos Júnior, homem branco, nascido no então centro político e econômico do país, o Barão do Rio Branco. Quatro meses atrás, falecia Milena Oliveira de Medeiros, mulher negra e acreana, cidadã de Rio Branco. Ela e ele diplomatas, separados pelo longo século XX.
(...)
“O que pensarão as futuras gerações de diplomatas ao descobrirem que a turma que se formou no ano de 2012, no centenário do falecimento do Barão, não escolheu o seu nome para patrono? Saberão que nossa turma escolheu homenagear uma mulher, e uma mulher negra, parte desse restrito grupo que conseguiu vencer os obstáculos que injustiças históricas fizeram aparecer em seus caminhos. Entrou pela porta da frente, em uma sociedade que sempre escondeu nos fundos as questões com as quais tem de lidar.
“Mais simbólico do que eleger o Barão, foi escolher Milena, nascida em Rio Branco. Homenageá-la é também homenagear José Maria. Sem ele, Milena talvez não tivesse nascido no território do Brasil. Sem ela, nossa diplomacia teria sido menos diversa, menos humana, menos brasileira.
“Milena simboliza a nova geração de diplomatas, das chamadas “turmas de cem”, que caminha para a diversidade de origens geográficas, de gênero, de cor e de poder aquisitivo. Mais do que representar o presente, Milena anuncia o futuro do Itamaraty e da política externa brasileira, cada vez mais plural e mais tolerante, cada vez mais coerente com os nossos princípios.
(...)
“Ainda assim, entre os 108 diplomatas que hoje se formam, encontramos menos diversidade de origem, de raça, de gênero, de crença, de classe social, de orientação sexual do que gostaríamos. Faltam mulheres, índios, negros, deficientes. A diversidade característica da população brasileira ainda não se reflete na participação política, tampouco na formação do quadro diplomático.
“Se houve avanços, e certamente houve, admitamos que não foram suficientes Ainda somos um ministério majoritariamente branco e masculino. No ano em que elegemos, de forma inédita, a primeira mulher presidenta do Brasil, continuamos sendo apenas um quarto do quadro de diplomatas. No nível de ministros de primeira classe, somos apenas 15%. Não podemos aceitar essa discrepância como dado. Nossa eventual omissão será condenada pelas futuras gerações.”

O discurso, por falta de link – pelo menos detectável – para o seu texto escrito, está disponível em vídeo, na integralidade, no seguinte link do YouTube: http://www.youtube.com/watch?v=d02HOA8Flp0&list=UURglUr6V_SSeKhynBPy--KQ&index=6&feature=plcp; para todos os discursos iniciais, ver este link: http://www.youtube.com/watch?v=T04TtI70Nl4; para o discurso da presidente, este: http://www.youtube.com/watch?v=ak51lm3-QMo&feature=relatedTambém publiquei esse material, com transcrição do discurso da presidente, neste link: http://diplomatizzando.blogspot.fr/2012/04/dia-do-diplomata-os-discursos-como-eles.html.

Que observações eu teria a fazer com respeito aos trechos selecionados do discurso da turma 2012 do Instituto Rio Branco? Talvez apenas a lição fundamental de todo historiador: a de que não se deve ler a história com os olhos no presente, sob risco de incorrer no pecado do anacronismo, numa versão mais acadêmica, ou no viés do politicamente correto, na versão moderna dos comportamentos adequados ao tempo. O Barão não foi condenado explicitamente, por ser um branco da elite política do país, mas perpassa no discurso a ideia de que o Itamaraty não corresponde ao que é, hoje, a sociedade brasileira e que caberia fazer algo para reparar “injustiças”. Como se disse, a omissão da presente geração “será condenada pelas futuras gerações”.
Foi também em nome de “injustiças históricas” que os juízes do Supremo se julgaram no direito de abolir a Constituição e sancionar a legalidade das cotas raciais em vigor em universidades e certos órgão públicos. Talvez os diplomatas da presente turma estejam pensando igualmente que um sistema de cotas ajustaria o Itamaraty mais rapidamente ao perfil diversificado da sociedade brasileira. As cotas teriam de ser extensivas e focadas em gênero, raça, orientação sexual, ou qualquer outra deficiência “estrutural”, segundo se depreende da obra coletiva que foi o discurso em nome da última turma dos cem. Imagino que apenas cotas poderiam romper com o padrão atual, considerado nefasto e não representativo do Brasil atual, mas que ameaça perdurar: um Itamaraty branco, masculino, de pessoas da elite, das capitais importantes do país.
Não sei como esse sistema “diversificador” seria recebido por eventuais desfavorecidos dentre estes últimos candidatos, caso sua pontuação – que é o resultado unicamente do mérito, através do estudo – fosse desconsiderado numa seleção “alternativa”. Talvez o assunto subisse novamente ao Supremo, que teria, então, de confirmar novamente que, no Brasil, a Constituição é apenas relativa, e que o artigo que não reconhece distinções de qualquer gênero teria de ser contrabalançado pelo ideal de justiça e de igualdade de oportunidades. Assim é, se lhe parece...

Adiante. Tomei conhecimento do seguinte comentário a propósito das “memórias” do Barão, publicadas no n. 76 do Boletim da Associação dos Diplomatas Brasileiros (janeiro-fevereiro-março 2012, p. 26-29; disponível no Blog Diplomatizzando, link: http://diplomatizzando.blogspot.fr/2012/04/as-memorias-do-barao-do-rio-branco.html). O comentarista parece estar visivelmente indignado, não apenas com o discurso da turma 2012 do Instituto Rio Branco, mas com o próprio Barão. Senão vejamos:
“Lamentei muito que a ADB tenha publicado um texto do Barão com referências ao patrono da diplomacia brasileira dizer que o Brasil é um país de pouca inteligência política, chamar um militar de ‘mula fardada’ e demonstrar pouco afeto pela cidade do Rio de Janeiro, deixando claro preferir território europeu ao seu nacional. Em um momento em que a última turma de diplomatas formada deixou o Barão de lado, e em que outros setores da casa se movimentam contra os diplomatas em um sindicato que supostamente defenderia a todos, achei inoportuno…”

Confesso que fiquei perplexo, e me pergunto como se poderia tentar responder a este comentário, que demonstra um legítimo sentimento de desprazer, em face de certa displicência com a memória do Barão, evidenciada tanto no discurso como nas ditas “Memórias”. Não sei se o próprio Barão poderia responder a um comentário tão ácido sobre suas palavras, mas duvido que ele pudesse ou quisesse fazê-lo, na mais imaginativa das hipóteses. Na impossibilidade do próprio Barão se encarregar da tarefa, o jeito é desempenhar-se com os meios de bordo. Vejamos o que comentar, de minha parte.
Suponho que a primeira coisa que o Barão do Rio Branco faria, de sua parte, seria lamentar a falta de senso de humor do comentarista acima transcrito. Pela nota introdutória às “Memórias”, era patente que ele só estava tecendo considerações desabusadas sobre seus contemporâneos porque resguardado pelo sigilo da fonte; para tanto, ele havia solicitado um prazo prudencial. Mas ele não poderia prever, obviamente, que pessoas provavelmente mal intencionadas se empenhariam em divulgar o que foi pensado apenas como anotações pessoais, para futuras e verdadeiras memórias.
A segunda coisa que provavelmente o Barão faria seria lamentar a falta de conhecimento histórico do comentarista acima transcrito. Um dos motivos do possível agravamento da doença do Barão foram suas reais aflições com as intervenções armadas conduzidas pela “mula fardada” contra certos governos estaduais, notadamente na Bahia. O Barão tem sua saúde abalada justamente no momento em que o governo federal mandava bombardear a capital baiana, numa demonstração de que as “salvações nacionais” representavam, na verdade, o esmagamento dos inimigos do “voluntarioso marechal”, por quaisquer meios à disposição, inclusive os canhões. Na Bahia, Ruy Barbosa, que havia sido candidato contra Hermes da Fonseca em 1910, foi derrotado vergonhosamente uma segunda vez, não pelo voto, mas pelos obuses. O Barão, compreensivelmente, se desesperava, não apenas em função da fatalidade trágica que atingia seu amigo baiano, mas sobretudo pela péssima imagem que essa política da canhoneira projetava contra o Brasil no exterior. Não cabem dúvidas de que o episódio baiano, em janeiro de 1912, que já vinha de uma série de outras intervenções nos estados, agravou seu estado de saúde e pode ter acelerado o desfecho fatal, no mês seguinte.
Quanto às pestilências do Rio de Janeiro, elas eram de sobejo conhecidas, mesmo depois do saneamento (à força) de Oswaldo Cruz e dos trabalhos de infraestrutura do prefeito Pereira Passos. Não fosse por isso, o calor do Rio recomendava ao Barão e a quase todo o corpo diplomático refugiarem-se na serra sempre quando possível.
Por fim, restam as considerações certamente depreciativas do Barão em relação à pouca inteligência e preparação da classe política para governar o Brasil e levá-lo a uma posição de destaque no cenário internacional. Estimo, pessoalmente, que outra não seria a constatação do Barão, se vivo fosse e se contemplasse a situação da governança, não apenas no Brasil, mas igualmente em países supostamente avançados. Como já sabia Maquiavel – do qual me permiti atualizar seus conselhos aos candidatos a príncipes – existem constâncias na vida política de uma nação que não mudam tão facilmente, mesmo passados alguns séculos de progressos materiais. Não por outra razão ele buscava na Roma antiga os exemplos que lhe permitiam ilustrar a conduta dos homens de seu tempo. Não creio, sinceramente, que desde o Renascimento, os costumes políticos, no Brasil e em outros lugares, tenham sido renovados de maneira espetacular.

Concluindo, eu diria que o politicamente correto e o anacronismo histórico constituem dois males dos quais devem escapar analistas sutis e perceptivos como devem ser os diplomatas, de quaisquer épocas, em quaisquer países. O sentido do humor também pode ajudar a enfrentar realidades que nem sempre são as melhores que se pode ter...

Paulo Roberto de Almeida
Paris, 1ro. de maio de 2012

terça-feira, 24 de abril de 2012

De conservadores e de reacionários: algumas precisoes minhas


Recebo, de um leitor deste blog, o seguinte comentário ao post indicado abaixo, que se pretende, provavelmente, irônico, mas que me parece um pouco ingênuo, e até enviesado.

Vejamos o que me escreveu esse leitor: 
Nada melhor do que ser criticado pelo próprio Paulo Roberto de Almeida, um dos baluartes do conservadorismo desse país. Obrigado PRA, voce acabou de fazer a alegria dos autores do discurso. em De volta ao problema das "injusticas sociais" em diplomacia: dia do diplomata
Entendo que se trata de um colega, que se julgou atingido pelos meus comentários (muito simplórios, na verdade) ao sentido de alguns discursos feitos no dia do diplomata. Não disse tudo o que pensava, evidentemente, tanto por falta de tempo, quanto por sentido de disciplina, pois existe uma lei do Serviço Exterior (que não é exatamente a lei da mordaça, mas controla, digamos assim, as manifestações dos diplomatas). Ainda que não existisse nada, a maior das censuras é justamente aquela exercida por colegas da Casa, sejam os superiores (que costumam ser "feudais", em hábitos e pensamento), seja pelos "horizontais", que geralmente vivem num ambiente de fofocas recíprocas (o que sempre detestei e que invariavelmente desprezei ao longo de toda a minha carreira). 
Mas presumo que se trate, mais provavelmente, ou quase certamente, de um dos redatores do discurso dos alunos, uma obra coletiva, como especificado em "epígrafe". Ou seja, todos eles, ou pelo menos certo número deles, leram o meu post e resolveram me criticar, através do comentário postado anonimamente. Não haveria mal nenhum se eles assinassem como o "coletivo que redigiu o discurso da turma de formandos", mas entendo que eles têm o direito de permanecer anônimos: seja por timidez, seja por vergonha, seja pelo temor reverencial de falar com voz própria numa casa freudianamente castradora, eles preferem permanecer anônimos. Não tem importância, eu responderei ao comentário -- o que é um direito meu, como "dono" do blog, ainda que poderia ficar calado, ou indiferente, já que muitos recomendam não polemizar -- pois que considero que toda oportunidade é boa para debater socraticamente sobre questões reais.
Então, vamos tentar debater democraticamente com o tal de "coletivo"...

Todos têm o direito de falar, de ser ouvidos, e de receber comentários pelos argumentos exibidos. É o que sempre faço aqui, publicando mesmo as críticas mais grosseiras que me são dirigidas, mas que me servem de novas oportunidades de reflexão, seja sobre o caráter das pessoas, seja como estímulo a escrever novos textos, em benefício do esclarecimento dos mais jovens (e entendo que os mais velhos sejam um pouco impermeáveis a novos argumentos ou a alguma didática não solicitada). 

Constato, em primeiro lugar, que o coletivo está contente -- embora, permito-me considerar essa expressão de contentamento como razoavelmente hipócrita -- mas também constato que a intenção real era a de me criticar. Pois não é que eles atingiram seus objetivos de serem lidos e percebidos como defensores de um novo paradigma diplomático, mais democrático, mais inclusivo, mais igualitário? Entendo que o coletivo, evidentemente, esperava elogios a granel. E não é que logo vem, imediatamente, uma crítica sutil, que eles perceberam como conservadora? Eu poderia ter sido mais extensivo, didático, rebatendo cada um dos pontos relevantes do discurso coletivo, mas preferi apenas insinuar, para incitar à reflexão. Quando é que vamos ter debate real neste país, não apenas slogans, ou atitudes de recusa, rechaçando o diálogo, e despachando o suposto “adversário” com dois ou três rótulos simplificadores? Seria pedir muito? Mesmo a jovens que estão se iniciando na vida profissional, e que ainda não se acomodaram à mesmice do cotidiano, depois de longos anos na morosidade burocrática?

Mas passemos ao que interessa. Eu, não sei bem por que, sou designado como:
"um dos baluartes do conservadorismo desse país"
e daí decorre que: 
"Obrigado PRA, voce acabou de fazer a alegria dos autores do discurso."

Bem, concedo. Se o "coletivo" ficou contente com tão pouco, posso então aumentar o contentamento coletivo precisando meus motivos de discordância, e eles são muitos. Mas não vou fazê-lo agora, pois não é caso de dar aulas de sociologia, de história ou de economia a jovens que acabam de fechar os livros de estudos. Vamos primeiros corrigir o "coletivo", restabelecendo a verdade dos fatos, que passo agora a expor.

Eu seria, então, um dos baluartes do conservadorismo no Brasil?
Isso representa, como se diz em francês, me fazer muita honra e muita desonra, ao mesmo tempo. Não me lembro de jamais ter sido identificado com o pensamento conservador brasileiro, pois inexistem textos meus identificados com essa corrente, cujos expoentes eu desconheço, no Brasil.
Aliás, desafio o "coletivo" a indicar quem seriam os pensadores conservadores do Brasil. Buscando muito poderíamos encontrar, talvez, Gustavo Corção, um nome do qual os jovens nunca ouviram falar, e talvez Miguel Reale, mais conhecido, mas seria duvidoso colocar este último entre os conservadores. O primeiro sim, foi assumidamente, deliberadamente, orgulhosamente, conservador, mas ele não deixou "filhos intelectuais", se ouso dizer. O segundo foi de certa forma um renovador do pensamento doutrinal, e filosófico do Direito no Brasil, mas eu sou muito incompetente na matéria para opinar.
O conservadorismo no Brasil, muito diferente da tradição inglesa, é algo, assim, próximo da lepra, uma enfermidade mental da qual ninguém quer ser acusado. Ninguém quer ser chamado de conservador, e até os conservadores políticos – não filosóficos, pois estes inexistem – querem ser progressistas. Mesmo liberais se pretendem “sociais. Talvez
Talvez o "coletivo" esteja pensando em Olavo de Carvalho, mas nisso eles se enganam redondamente. A menos que OC se defina, ele mesmo, como conservador, eu o considero, simplesmente, como um polemista arguto, que tem suas crenças, sim, mas raramente identificadas com o que se chama, filosoficamente, de conservadorismo, à la Burke, à la Oakeshot. OC, que foi marxista, hoje se opõe aos comunistas e ao marxismo em geral, mas isso não basta para fazer dele um conservador, que é bem outra coisa. Quem seriam, portanto, os conservadores no Brasil? Esclareçam-me, por favor.
Desafio o "coletivo" a encontrar um único texto meu que possa ser identificado com o conservadorismo. Ou eles não sabem o que é isso, ou eles são levianos nas acusações. Minha lista de trabalhos está disponível no meu site, podem buscar.
Por outro lado, de modo geral, não me considero baluarte de nada, absolutamente nada, neste país. Sou apenas eu, e meu computador, e minhas leituras, só isso. Não pertenço a partidos (e jamais ingressaria em qualquer um deles), não me filio a clubes filosóficos, a crenças religiosas ou espirituais (sou total e resolutamente irreligioso), não gosto de agrupamentos e movimentos. Não pretendo, sobretudo, liderar nada, conduzir qualquer movimento ou corrente de opinião, não quero ser apontado como líder de qualquer coisa, quero apenas permanecer o que sou: um espírito livre, que, a despeito dessas amarras institucionais temporárias, se afirma soberanamente dono das próprias ideias, sem qualquer servilismo a pessoas ou instituições, sem qualquer temor reverencial de quem quer que  seja, anarquicamente livre, como podem ser as pessoas que não temem pensar com a própria cabeça e expressar o que pensam, mesmo em prejuízo de situações, benefícios e privilégios. Acho que ficou claro, assim; portanto, esqueçam o baluarte...

Dito isto, vamos esclarecer o que é ser conservador e, a partir daí, medir a distância que me separa daqueles que classifico como os verdadeiros conservadores do país.

Como pode ser conservador alguém, como eu, que pretende mudar TUDO no Brasil? Mais do que simplesmente mudar, ou reformar, o que eu quero, basicamente, é revolucionar tudo, de A até Z, tudo o que existe de políticas equivocadas, em todas as áreas que são objeto de certa relevância social. 
Em contrapartida, considero alguns -- ou vários, quem sabe todos? -- que estão atualmente no poder, como essencialmente conservadores, quando não absolutamente reacionários. Querem ver como? Vamos lá.

1) Política:
Considero nossa Constituição anacrônica, defasada, ridiculamente conservadora, equivocada, idealista, ingênua, burra e sumamente estúpida em várias áreas, sobretudo econômicas e sociais. Querem ver? Uma Constituição que começa por pretender regulamentar em detalhes toda a vida social é radicalmente estúpida, pois obriga a sociedade, o legislativo, a entrar, cada vez, num doloroso processo de revisão constitucional, para regular ou transformar direitos de gregos e goianos. Estúpido, pois não? A vida, a economia, as transações globais são dinâmicas, e constitucionalizar tudo em detalhes é de um conservadorismo atrás, pois obriga tudo a permanecer estável por muito tempo.
O ideal, portanto, seria fazer uma Constituição mais enxuta, tratando apenas de questões essenciais e remetendo muita do que é secundário para a legislação infraconstitucional. A sociedade brasileira, dinâmica, criativa, cambiante, não merece a Constituição que tem. Quais são os projetos dos companheiros para mudá-la. Eu tenho vários.
Os companheiros que VOTARAM contra a CF, agora se opõem às mudanças simplificadoras; eles querem apenas acrescentar mais penduricalhos de direitos corporativos nessa pobre coitada. 
Procurem, por exemplo, quantos vocábulos "direito" existem: vocês vão encontrar, salvo engano, mais de 70. Procurem agora palavras como obrigações, ou eficiência, ou produtividade: necas de pitibiribas, não é? Pois é: parece que o monstrengo constitucional não serve para avançar, apenas para conservar...
Em outra esfera, a nossa representação política (proporcional) é deformada, monstruosamente deformada, e isso é um insulto à sociedade. Nosso Congresso, de maneira geral, é inflado, obeso, gastador, quase irrelevante. Perguntem quem são os "conservadores" que querem mudar isso, e os "progressistas" que querem manter tudo como está? Eu mudaria tudo, mas reconheço que os conservadores, os reacionários vão simplesmente sentar e não fazer nada. Aliás, é o que já acontece...

2) Economia:
O Brasil não apenas avança lentamente, a passos de cágado, acompanhando por baixo o ritmo da América Latina e do mundo, mas também recua, institucionalmente, filosoficamente, operacionalmente. Os companheiros no poder são adeptos de ideias velhas, conservadoras, de 50 ou 60 anos atrás, que aprenderam quando ainda estavam na faculdade mas nunca conseguiram avançar para ideias mais modernas, progressistas, reformistas ou revolucionárias. 
São conservadores, ou reacionários, e dou exemplos: querem reproduzir o planejamento da era militar, o intervencionismo dos anos 1950 e 60, o protecionismo dos anos 1970 e 80, as manipulações monetárias e cambiais dos anos 1980, e por aí vai. A política industrial tem saudades de um tempo que não volta mais, as "receitas tecnológicas" são de “avestruz”, o subvencionismo é da gloriosa era militar -- quem diria? -- e o pensamento econômico é esse keynesianismo de botequim, tosco, rústico, mal aprendido em manuais de segunda mão -- inclusive porque Keynes era bem mais sofisticado -- que não suportaria um exame de faculdade de segundo ano.  As políticas industriais e comerciais misturam indústria infante à la List e tarifas hamiltonianas -- século 19, portanto -- e protecionismo à la Manoilescu (anos 1920 e 30, neste caso). O que de mais  moderno eles têm a apresentar é a contrafação de Hamilton, List e Manoislescu, na figura patética de um coreano de Cambridge (My God!) que desconhece a história e não sabe que representa uma reencarnação mal ensaiada do prebischianismo simplificado. O furtadismo, a doutrina daquele que sempre pretendeu que um pouco de inflação não faz mal, tem adeptos em todas as partes.
Eu gostaria de revolucionar tudo isso, mas os companheiros adoram ideias velhas, tanto que escolheram como seu guru intelectual, e homenageado ocasional, alguém que é coerente, há meio século, com as mesmas ideias atrasadas que já defendia naquela época. 
E eu sou o conservador? Mon Dieu, eles não sabem o que é ser conservador. Não sou eu quem recomenda leituras dos anos 1940 e 1950 aos alunos, ideias defasadas e metodologicamente simplórias, em lugar de se alimentar das modernas pesquisas de arquivos e de testes empíricos. Deixemos a paranoia de lado, e fiquemos apenas com a teoria conspiratória, aquela que divide o mundo entre poderosos e oprimidos. Tudo isso é um pouco velho, não é?
Os reacionários não conseguem se destacar dos moldes mentais que presidiram seus estudos de meio século atrás. Poderia multiplicar os exemplos em economia, e todos eles estão invariavelmente presentes em certos posts, mas creio que posso parar por aqui. O exercício seria um pouco arriscado no plano da desconstrução mental.

3) Educação:
Aqui a inversão é notável, e eu diria mesmo patética e dramática. Os companheiros acabam de eleger como "patrono da educação no Brasil" uma figura desonesta -- que roubou suas ideias de um outro, sem sequer reconhecer o feito --, que elogiava os experimentos de "criação do homem novo" nas revoluções cubana e maoísta (e que jamais se redimiu em função dos crimes cometidos por seus símbolos ideológicos), que é responsável pelo atraso pedagógico e mental da educação brasileira, e cujas "lições" estúpidas mantêm os cursos de pedagogia e as "saúvas" do MEC aferradas a essas ideais atrasadas, em detrimento da educação brasileira (não sou eu quem digo, basta ver os resultados do PISA...).
Eu gostaria de revolucionar o setor, mas reconheço que é difícil, a começar pelo atraso mental que o guru promoveu, pelas ideias equivocados patrocinadas pela burocracia do MEC, pelo desleixo geral que convive com a máfia sindical isonomista e anti-mérito das associações de professores.
O conservadorismo, e até o reacionarismo é notável e absolutamente trágico na esfera educacional, e desde já reconheço que isso não vai ser corrigido, e que o Brasil vai continuar recuando por anos e anos à frente.

4) Governança, instituições:
Eu reconheço que o Estado trabalha mal, é ineficiente, e gostaria de mudar muita coisa, revolucionar a administração pública, acabar com a estabilidade (em quase todos os níveis e funções), acabar com o isonomismo debilóide, redistribuir funções, promover a eficiência, aferição por resultados e por méritos, instrumentos de accountability, benchmarks para várias atividades de agências públicas, market-like inducements, enfim, um sem número de mudanças que não reputo em classificar como revolucionárias para o Estado e a sociedade brasileiras.
Pergunto, ao "coletivo", quantos projetos de reforma, nesses vários setores foram encaminhados pelos companheiros no poder?
Legislação trabalhista, que todos sociólogos -- e suponho que "coletivo" estudou isso nos cursos preparatórios -- apontam como herdada do fascismo mussoliniano, que precisaria ser modernizada? Onde estão as propostas dos progressistas?
Onde está a abolição da cobrança compulsória, fascista, do imposto sindical, que os sindicalistas alternativos, nos tempos de oposição aos pelegos, diziam querer eliminar? O que fizeram depois de instalados no poder? Deram um naco sem contrapartida e sem necessidade de justificativa para as centrais, que elas mesmas são emanações de uma das mais pujantes "indústrias"  do Brasil atual, junto com a "teologia da prosperidade": a criação de sindicatos artificiais, no papel, apenas para capturar o imposto sindical.
Nossa (in)Justiça, canhestra, lenta, dominada pelo processualismo que delonga os litígios, cabendo esperar, em média, OITO anos por uma "solução", tudo isso tem proposta de reforma progressista, revolucionária? Eu, por exemplo, gostaria de reformar os códigos processuais, controlar juízes corruptos, acabar com a procastinação, os monopólios indevidos (como os da OAB), a fúria controladora irracional de procuradores e desembargadores que atuam com base em suas ideias, não com base nas leis. Mas reconheço, aqui também, que nada se fez durante todos esses anos; e nada se pretende fazer, ou existem projetos dos não-conservadores nessa área?

5) Social:
Pois é: antigamente era "reacionário" distribuir ajuda, esse "ópio do povo" que eterniza a dependência e constrói currais eleitorais. O que se fez desde alguns anos para cá? Eu pretenderia qualificar pelo emprego, sempre, para que cada um busque sua renda no mercado, não esperasse um favor do Estado, a coisa mais reacionária, mais embrutecedora da dignidade cidadã que pode haver.
Em matéria de reforma agrária, por exemplo, não existe nada de mais reacionário do que o modelo regressista, minifundista, antimercado e antiexportador, que pretendem promover os verdadeiros patronos do MDA, os neobolcheviques do MST, uma reencarnação de totalitários de um século atrás que pensa que vai fazer o Brasil retornar meio século, quando a reforma agrária tinha algum sentido social. Hoje não tem nenhum, nem econômico, diga-se de passagem, mas os reacionários se aferram a coisas do arco da velha, a textos de Caio Prado, a figuras como Julião e outros ícones ultrapassados. Acho melhor revolucionar o campo, pela capitalização, seguro agrícola, integração de mercados, concorrência mundial, abolição de subsídios, essas coisas das quais os companheiros tem horror, reacionários que são. Quem é conservador?

Poderia continuar desfilando os motivos pelos quais eu me qualifico como reformista, ou mesmo revolucionário, em face dos verdadeiros conservadores e reacionários que hoje pontificam soberanamente com soluções do século 20 ou mesmo do século 19, propostas anacrônicas para velhos problemas sociais, entre elas o insulamento stalinista na área econômica, o distributivismo canhestro na área social, a defesas das corporações medievais na área institucional, ideias defasadas em todas os níveis da educação. Mas, não creio que seja mais necessário. Basta o que vai acima.

Vou apenas me ater ao final do comentário: "voce acabou de fazer a alegria dos autores do discurso".
Mas como? Eles se contentam com tão pouco?
Eles se contentam com uma crítica superficial e rasteira?
Poderia ser muito mais contundente e analisar uma a uma as "ideias" externadas nesse discurso "coletivo", mas vou poupar os colegas desta decepção.
Talvez eu o faça um dia, mas não convém abalar convicções tão bem arraigadas -- depois de dois anos, ou quase, de reeducação -- num simples golpe revisionista. Leituras sempre ajudam; observação da realidade, também. Tenho muitos trabalhos escritos que abordam alguns dos temas tratados nesses discursos, a começar por "13 Ideias" que podem ser lidas em meu site (suponho). 

Como diria Marx, que pode ser considerado um revolucionário, acredito, "deve-se duvidar de tudo". Nisso estou plenamente com ele, inclusive e sobretudo na sua vontade de disseminar o novo modo de produção, para acelerar a marcha da história.
O "coletivo" deveria se juntar coletivamente e debater novamente as ideias classistas, racialistas, distributivistas ingênuas, sexistas que defenderam. Acho que o Brasil está acima desse tipo de divisão artificial, e seria bem melhor se a sociedade não se dividisse nessas linhas, o que seria altamente prejudicial para a sociedade e para a própria diplomacia.
Um dia volto ao assunto, quando divergir não for mais o equivalente de desafio à autoridade e um ingresso no ostracismo. Muito progressista, certamente...
E, sinceramente, preferiria debater com pessoas reais, não com um coletivo anônimo. Um pouco de coragem, pessoal, a Casa não é tão carrasca assim…

Paulo Roberto de Almeida 
(Trier, 24 de Abril de 2012)

Dia do diplomata: os discursos como eles foram...

Os links abaixo retomam toda a cerimônia de formatura do Itamaraty, o que é melhor do que simplesmente ler os discursos, pois o que vai falado é o que corresponde efetivamente à verdade, com as emoções e reações do momento, não o que pode ter sido consignado oficialmente a posteriori:
1) Discursos iniciais: http://www.youtube.com/watch?v=T04TtI70Nl4
2) Discurso da presidente: http://www.youtube.com/watch?v=ak51lm3-QMo&feature=related
Em todo caso, foi feita a transcrição do discurso da presidente, reproduzido abaixo, o que deve resumir, segundo alguns, as diretrizes efetivas para a política externa do Brasil. Ainda que se afirme que ele transmite exatamente o que foi dito, comparando-se o que ela falou, no video, com o texto aqui abaixo transcrito, podem-se detectar pequenas diferenças gramaticais. Apenas curiosidade...



Discurso da Presidenta da República, Dilma Rousseff, na cerimônia de formatura da Turma de 2010-2012 do Instituto Rio Branco 

Eu queria iniciar cumprimentando, e quebrando o protocolo – porque o Itamaraty também tem de quebrar o protocolo -, cumprimentando a turma dos formandos, porque essa turma é o presente e é o futuro do Brasil. Então, começo por cumprimentar a todos.
Cumprimentar também o embaixador Antonio Patriota, ministro de Estado das Relações Exteriores, e aproveito e cumprimento o decano dos diplomatas, o Antonio Patriota pai.
Queria cumprimentar as senhoras e os senhores chefes de missão diplomática aqui presentes,
O embaixador Ruy Nogueira, secretário-geral das Relações Exteriores,
Queria dirigir um cumprimento muito especial ao Samuel Pinheiro Guimarães, paraninfo da turma,
Milena Oliveira de Medeiros,
E também a uma pessoa que deu grandes contribuições para o nosso país, no que se refere a uma visão de Brasil e de presença do Brasil no mundo, de forma bastante inovadora, e que sempre lutou pelo desenvolvimento deste país.
Queria cumprimentar a senhora Raimunda Carneiro, mãe da secretária Milena Oliveira de Medeiros, que dá nome à turma 2011-2012 [2010-2012], e dizer a ela que nós temos na Milena um exemplo deste novo Brasil que está surgindo. E a mim comove imensamente que essa turma tenha escolhido a Milena. Porque a Milena representa este Brasil de oportunidades, este Brasil que, de fato, poderia ter na Milena uma ministra, uma grande diplomata e uma presidenta.
Queria também cumprimentar aqui o senhor embaixador Georges Lamazière, diretor do Instituto Rio Branco,
A secretária Maria Eugênia Zabotto Pulino, oradora da Turma de 2010-2012, que evidenciou algo que nós temos muito orgulho. Primeiro, a boa formação, a clareza na elaboração de suas ideias, e também mostrou a força do que este nosso Brasil, que está surgindo, é capaz de desempenhar e, portanto, é capaz de ajudar a essas mudanças tão necessárias no país.
Queria cumprimentar os senhores e as senhoras embaixadores aqui presentes,
As senhoras e senhores familiares.
Dirigir um especial cumprimento aos pais e às mães por terem este orgulho de verem seus filhos aqui se formando.
Queria também cumprimentar os senhores jornalistas, os senhores fotógrafos e cinegrafistas.

Senhoras e senhores,

A minha palavra inicial é de apreço, como eu disse, às alunas e aos alunos que concluem sua formação no Instituto Rio Branco e passam a integrar, formalmente, o corpo diplomático brasileiro. Eu quero dirigir uma saudação a cada um deles, pela responsabilidade, pelo papel que eles vão desempenhar daqui para frente para o nosso país. Associo-me mais uma vez à perda e ao pesar que nós todos temos pela perda da Milena Oliveira de Medeiros, morta no cumprimento das suas responsabilidades.
Queridas formandas e queridos formandos,
O lugar que um país ocupa no mundo está muito ligado e está prioritariamente vinculado ao papel que esse país ocupa em relação ao seu povo. Enfim, está vinculado às mudanças internas que ele é capaz de realizar ou que ele realizou. E o Brasil não foge a essa regra. A importância que nós temos decorre de todas nossas ações que, de uma forma ou de outra, são reconhecidas nesse mundo absolutamente interconectado, por redes sociais, por jornais, enfim, por todos sistemas de comunicação modernos. E as transformações recentes na nossa economia, a afirmação da nossa sociedade, através do processo de desenvolvimento que distribuiu renda, que abriu oportunidades para o nosso povo, dá uma dimensão a um país firmemente comprometido com a questão da democracia, firmemente comprometido com os direitos humanos, firmemente comprometido com a igualdade e os princípios da distribuição de renda e da melhoria de vida do povo.
Essa visão que transforma hoje o Brasil numa grande nação, numa nação – e aí eu vou divergir um pouco do Samuel – eu acredito que nós temos uma imensa capacidade de nos relacionarmos, não só na América Latina, mas na África, na Ásia, na Europa, inclusive na América do Norte. E creio que esse posicionamento do Brasil é um reconhecimento por duas coisas. Num mundo crescentemente desigual, num mundo em que todo o desenvolvimento, todo o crescimento tem levado não a uma diminuição das diferenças, não a uma diminuição das diferenças sociais, nem territoriais, mas numa ampliação, num mundo em que, por exemplo, 1% controla 40% por cento da riqueza, e isso tende a se ampliar, num mundo em que a saída da crise tem levado à perda de direitos, à precarização do trabalho e a imensas chagas sociais, o Brasil corre em trilha completa e totalmente diferente.
Primeiro, nesse mundo, nós provamos que no Brasil e não era só no Brasil, algo que era de uma certa forma uma visão distorcida e muito especializada para países em desenvolvimento, que não era possível crescer e distribuir renda. Nós rompemos com isso. O grande respeito que nós temos é porque nós não governamos sem olhar o nosso povo. Um país que deixa seu povo à margem do seu desenvolvimento e do seu crescimento, não é respeitado por ninguém. Nós temos a nossa capacidade de produzir respeito, porque produzimos antes melhorias econômicas e sociais. Estabilizamos a economia brasileira. Não somos mais dependentes do Fundo Monetário. Temos mais de US$ 360 bilhões em reserva. Controlamos a inflação, mas, sobretudo, tiramos 40 milhões e os elevamos, de situações de miséria, e os elevamos à classe média. Além disso, temos hoje uma política muito clara de continuar o trabalho e prosseguir no rumo de incluir na sociedade brasileira os 16 milhões que ainda vivem à margem, em situação de extrema miséria.
Tudo isso mostra que não somos só um país que valoriza o desenvolvimento econômico – valorizamos sim, até porque precisamos dele. Precisamos crescer mais rápido para poder distribuir renda, mas, sobretudo, porque melhoramos a vida do nosso povo e transformamos um povo, que era marginalizado e não podia participar dos benefícios do desenvolvimento econômico. Transformamos esse povo em consumidor, em trabalhador, em pequeno empresário e demos a ele oportunidades, através de programas estratégicos, como é o programa de educação, que permitiu que mais jovens tivessem acesso à educação profissional. E garantimos a internalização no nosso país de universidades através do ProUni, que é o acesso do estudante mais pobre a escolas privadas universitárias. Ampliamos as universidades públicas. E mais, hoje percebemos, cada vez mais, que o grande motor para mudar é ciência, tecnologia e inovação.
Nós temos que fazer as duas atividades. As duas tarefas muito diferentes, mas, por isso, que mostram a complexidade do nosso país. Ao tempo que nós combatemos a miséria, nós temos de ser capazes a responder aos desafios do Século XXI: ciência, tecnologia e inovação.
Nós temos, hoje, um bônus que se chama, um bônus ligado à nossa distribuição etária, à nossa matriz de idades, vamos dizer assim. O fato de que durante, até em torno de 2030, nós seremos um país que todos os trabalhadores, todos os empresários, enfim, todas as pessoas ativas, o número delas ultrapassará aqueles que dependem socialmente como as crianças, os jovens em idade de não trabalho e, sobretudo, os idosos. Esse bônus demográfico do país, ele permitirá que o país se desenvolva, e mais do que isso, se nós formos capazes de capacitar a nossa força de trabalho, se nós formos capazes de dar educação de qualidade a todos, de transformar este país, de fato, numa grande potência.
Nós somos, hoje, e isso é algo extremamente volátil, nós somos a sexta potência. Depende da taxa de câmbio, tem uma variável taxa de câmbio. Mas não é isso que importa. O que importa é que nós sejamos, do ponto de vista do nosso país, do ponto de vista da nossa população, de fato, a sexta economia em matéria de renda per capita e de acesso à educação e aos serviços públicos de qualidade.
É esse país que nós estamos projetando internacionalmente, é esse país que tem o pré-sal, é esse país que é uma potência alimentar, é esse país que não vai deixar a sua indústria, que é uma indústria razoavelmente complexa, ser sucateada por nenhum processo de desvalorização de moedas e nem por guerras comerciais, que usam métodos não muito, eu diria assim, não muito éticos.
Esse país tem uma imensa capacidade de projeção internacional, porque esse país se encontrou internamente. Isso é extremamente importante. É só por isso que nós, hoje, temos extrema capacidade de projeção internacional. Deve-se a nós mesmos. Não se deve a nenhuma simpatia ou nenhuma preferência. Deve-se à força do próprio país. Por isso, eu acredito que é muito importante perceber as relações entre política interna e política externa no Brasil. O que nós defendemos lá fora é o que nós fazemos aqui dentro. E isso é crucial.
Ao mesmo tempo, vivemos num mundo em transformação, num mundo multipolar, um mundo que está mudando, que mudou. Primeiro de uma situação bipolar para uma situação de quase hegemonia unipolar, mas que hoje, percebe-se claramente a multipolarização que existe. Neste mundo, o Brasil tem um papel especial, extremamente complexo. Não é um papel simples que nós podemos fazer uma lista e falar: “primeiro isso, segundo aquilo, terceiro aquilo”. Não é assim, é simultâneo. Simultaneamente, nós temos de ter uma presença fortíssima na América Latina e uma presença que transforma as fronteiras da América Latina e as responsabilidades do Brasil em relação à América Latina na responsabilidade do país com maior PIB, com maior poder econômico e, ao mesmo tempo, um país que tem de mostrar que uma outra política, de relacionamento internacional é possível. Uma outra política não imperialista, não de subordinação do país menor, não de aproveitamento da força e da imposição de modelos.
Nós temos de mostrar, aqui na América Latina, que é possível uma relação econômica mais equilibrada. Uma relação econômica de integração de cadeias produtivas e que os países, diferenciadamente, ganhem, reconhecendo o papel de cada país nesse cenário, sabendo, inclusive, que há diferenças. Sabendo que há relações diferenciadas também desses países com o mundo.
É importantíssimo que, simultaneamente, saibamos que os BRICS são estratégicos para o Brasil. Nós, os BRICS, somos quase hoje responsáveis por 56%, se não me falha a memória, da taxa de expansão da economia internacional. Os BRICS são diferentes. Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, somos completamente diferentes, mas somos representantes de continentes diversos. Implica num reconhecimento da presença do Brasil em um fórum em que países bastantes significativos e com presença internacional ocupam na cena. Significa que o Brasil tem um diálogo especial e uma relação com, tanto dentro dos BRICS, quanto dentro dos IBAS, que é Índia, Brasil e África do Sul, nós temos um fórum no qual o Brasil não é só ouvido, o Brasil é protagonista.
Acredito que a relação com os países da Ásia é estratégica para o Brasil. É estratégica, porque o Brasil é um grande fornecedor e será sempre um grande fornecedor de commodities, mas será, e eu asseguro a vocês, um grande fornecedor também de manufaturas.
Nós temos de equacionar três amarras do país e construir o caminho, o chamado quarto caminho. As três amarras são: taxa de juro, taxa de câmbio e impostos altos. E o caminho é a educação de qualidade.
Nós temos, porque somos mais homogêneos, uma grande de possibilidade de presença no mundo. Além disso, nós temos de manter os nossos relacionamentos com a União Europeia e com os Estados Unidos. Nós não só temos, como devemos e podemos. E, hoje, temos também um fórum muito importante que é o G-20, no qual essas discussões podem, em alguns momentos parecer que não saem do lugar, mas elas constituem um espaço completamente diferente do G-8, do G-7 ou do G-9, que várias vezes ocorria no passado. É inimaginável que nós não estejamos sentados na mesa, na negociação. Hoje, é inimaginável.
O Brasil também tem uma característica que nós temos de preservar, de respeitar nós mesmos. O fato de nós sermos um país com uma tradição muito forte de paz, de democracia. Agora, no passado não foi, mas agora, nós construímos o nosso processo democrático.
Temos de respeitar os direitos humanos. Esse processo é um valor. É um valor por que? É um valor, porque o nosso povo é um povo que tem espaço de manifestação, a nossa imprensa tem liberdade e nós estamos acostumados com a diferença.
Nós não nos assustamos quando alguém tem uma posição diversa, nós não deixamos de convidá-lo para comparecer às reuniões. Nós não achamos que nós temos de nos reunir só com as pessoas que pensam igual a nós. É essa característica profunda do Brasil que nos torna um país respeitado em todas as áreas, porque somos um país capaz de diálogo. E isso é um valor que nós temos, um grande valor que nós temos.
Eu queria dizer que todo esse cenário mais complexo vai exigir dos diplomatas brasileiros duas características. Vocês têm, de fato, de ser generalistas, mas não se iludam. Vocês tem de ser também especialistas. É impossível debater, no plano internacional, se você não souber do que você está falando. Se isso é exigido para um presidente, quanto mais do diplomata, que é fundamental para o presidente ter as informações necessárias. Então, eu digo para vocês o seguinte: não tem só generalista, não. Eu perguntei há pouco para o Patriota: “Patriota, quantos engenheiros?”. Sabe por que eu perguntei quantos engenheiros? Porque nós vamos discutir ciência, tecnologia e inovação. Eu quero saber quem é melhor em biotecnologia. Eu quero saber como é que eu faço a ponte. Isso é fundamental. A gente não precisa, eu perguntei para o Patriota, mas quero dizer a vocês que a gente não precisa ser formado em engenheiro para entender de algumas coisas. Mas é importante que o Itamaraty tenha engenheiros. É importante. É importante que o Itamaraty tenha físicos. É importante. É importante que o Itamaraty tenha matemáticos. É importante. Porque nós vamos entrar no Século XXI a partir de toda uma situação em que nós já estamos, mas será mais exigida daqui para frente. Esse é o século do conhecimento. Esse é, sobretudo, o século do conhecimento. É o século da capacidade de se dominar certas tecnologias e é o século da capacidade nossa de inventar, de criar. É o século, também, que permitirá que aqueles países que tenham na sua força de trabalho, no seu povo, a sua maior riqueza, seja o país que estará mais bem condicionado internacionalmente. Apesar de nós termos tudo aquilo, petróleo, indústria, nós temos de apostar na qualidade do ensino da população brasileira. Isso é o estratégico e isso vale para o Itamaraty também. E eu acredito que nós temos um caminho de muitas transformações que nós temos que entender rapidamente e estar prontos para atuar. Essa flexibilidade também é característica do Brasil. Eu acho que é essa combinação de criatividade com imensa capacidade, ser flexível, de entender rapidamente, de conviver com a diferença que distingue esse país. E torna ele imbatível.
Queria dizer a vocês que para mim foi muito emocionante o fato de vocês escolherem a Milena e não o Barão [do Rio Branco]. Eu acho o Barão uma das personagens mais importantes desse país, porque o Barão foi responsável pelo mapa do país, pela definição do nosso território sem guerra. O Barão foi, talvez, um dos mais hábeis diplomatas que o mundo já viu. Nós sabemos, todos nós, da importância dele, mas eu acho que o ato de escolha não é um ato em detrimento do Barão, é um ato de afirmação das oportunidades que esse país tem de dar para as pessoas.
A Milena Oliveira de Medeiros, e aqui eu encerro dizendo, que esse país, ele tem que ter muitas mulheres. E que eu espero que nós todos aqui, presidentes, diplomatas, alunos, enfim, todos nós aqui presentes sejamos capazes de permitir que esse país tenha muitas Milenas.
Muito obrigada.