Um embaixador estrangeiro, que havia desembarcado no Brasil há apenas dois meses, me chamou para uma conversa. Chegando ao seu gabinete, após apresentações e cavalheirismos, o experiente diplomata começou a falar. Desde que havia chegado, ele vinha traçando um perfil psicológico do governo brasileiro e, particularmente, dos principais nomes na administração Dilma Rousseff, para enviar ao seu país. Tendo alguma ligação, formal ou não, com a psicologia, esse embaixador decidiu montar o primeiro relatório sobre o país, quase em formato de anotações analíticas de perfis de personalidade.
Começou dizendo que sua primeira impressão era de que o governo brasileiro não representava um dos principais traços do caráter do nosso povo: o gosto pela conversa. Ele me disse que uma das coisas que mais o impactaram em sua chegada fora a capacidade de o brasileiro de conversar e se mostrar interessante e agradável, mesmo quando o interlocutor não tem um grau razoável de formação intelectual.
Além disso, o fato de os brasileiros puxarem conversa em filas, aeroportos ou em qualquer ambiente coletivo soa como um grande abraço de boas-vindas ao estrangeiro. Muito conectado, ele conversava com dezenas de oficiais do governo, parlamentares da base e da oposição e jornalistas de todas orientações ideológicas.
“A presidente Dilma não dará certo, pois não gosta de fazer o que o brasileiro faz melhor: conversar”, disse-me o embaixador. “Isso é verdade, mas ela está indo muito bem. Promoveu uma limpeza em alguns ministérios e sua popularidade está beirando os 70%. O país está voando no piloto automático”, retruquei.“No meu relatório”, disse ele, “coloquei que ela não sabe conversar e que não tem o menor interesse nisso. Escrevi também que ela tem um sentimento de superioridade por conta do seu passado. Isso é até compreensível, pois ela se mostrou muito guerreira. Acredito que pela falta de um diálogo bem feito entre ela e Lula, quando ela aceitou ser sua candidata, os dois não entenderam o que um esperava do outro. Ele achava que ela seria apenas seu anexo e ela achava que ele seria seu Yoda”, continuou o embaixador.
Concordei com seu argumento e pedi mais detalhes sobre o primeiro relatório que enviou para o presidente de seu país. Depois de saborear um cafezinho, ele prosseguiu: “Acho que ela sente o complexo de ter sido colocada em situação de poder, enquanto seu padrinho político ambiciona o mesmo poder. Isto não dará certo, e a estimulará a cercar-se apenas daqueles que reconhecem o poder nela. Não daqueles que de fato a assessoram para tomar boas decisões”. Finalmente, o embaixador decretou: “Cedo ou tarde, a falta do diálogo vai prejudicá-la. Ela e Lula não combinaram bem o que cada um é de fato”.
Essa conversa ocorreu no fim de 2011. Lembro-me de ter anotado as passagens do embaixador, pois sua confiança era tanta, que me surpreendeu. Encontrei recentemente as anotações e com elas o e-mail pessoal dele. Mandei-lhe mensagem e lembrei-o dessa nossa conversa. Ele respondeu-me dizendo que, sim, lembrava de suas confidências de recém-chegado ao Brasil. Estava viva em sua memória aquela nossa conversa e também havia lembrado dela há poucas semanas, enquanto lia sobre o Brasil em um jornal do país onde serve no momento.
Entre lembranças dos bons anos no Brasil, ele disse: “Quem não conversa, não escuta o som da própria voz e tende a perder a noção da consciência. Tudo vira fantasia”. Ainda não lhe respondi com comentários e novas perguntas, pois tenho receio das respostas que receberei. Ele não errou em 2011 e, com a frase recente, parece que não errará agora.

*Thiago é sociólogo e pesquisador do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas da França.