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quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

A paranoia anti-China dos melhores acadêmicos americanos: criam uma nova guerra por si próprios - Graham Allison e Paulo Roberto de Almeida

Ao mesmo tempo em que assisto a um webinar da Carnegie Institution sobre: 

 Ending the United States' Forever Wars

 (link: https://www.youtube.com/watch?v=1jx8pW0yL7s), 

recebo mais uma das cartas do maior especialista americano em "decision making", Graham Allison, do Belfer Center da Harvard University, autor do famoso The Essence of Decision (sobre a crise dos mísseis soviéticos em Cuba em 1962, que foi superada brilhantemente por Kennedy, mais racional do que Kruschev), trazendo mais uma vez as elaborações paranóicas sobre a China como adversária.

Inacreditável como os universitários, os melhores, os maiores, supostamente os mais brilhantes, se deixaram contaminar pela paranoia – que eu sempre considerei normal – dos militares do Pentágonos. Não é possível que eles estejam considerando a China como uma adversária, ao mesmo título que foi a suprema "encarnação do mal", a União Soviética dos tempos da Guerra Fria (e mesmo antes). Não é que eles não reconhecem que a China seja diferente da URSS, mas é que eles interpretam o mundo, e a China, EXCLUSIVAMENTE DO PONTO DE VISTA AMERICANO, numa demonstração de miopia inacreditável para uma grande potência que não é dirigida por nenhum líder psicopata como Stalin ou Hitler – OK, tem o idiota do Trump, mas ele é so um grande idiota, capaz de desmantelar um monte de coisas, mas incapaz de conceber qualquer coisa para colocar no lugar –, mas por presidentes que são assessorados pelas melhores cabeças que um país democrático pode oferecer.

O que realmente me tem surpreendido de maneira frustrante é como esses intelectuais podem ser cegos pela hubris, pela arrogância do poder, como revelado por esta frase da carta abaixo: 

"Recognition that China is not just a twin of Russia and thus another “great power competitor” but a genuine Thucydidean rival whose meteoric rise threatens to upend the American-led international order".

Ou seja, o que vale é a ordem internacional liderada pelos EUA, que eles acham a melhor possível. Não há dúvida de que uma ordem internacional aberta e democrática, livre e flexível às mais diversas variedades culturais e intelectuais, é muito melhor do que um mundo autocrático, dominado pela censura e pelo poder irrestrito do Estado.

Mas quem disse que a China quer e pretende moldar o mundo à sua imagem e semelhança? Os americanos estão ignorando a história milenar da China, com todas as suas magníficas manifestações culturais e artísticas, com todos os progressos científicos e tecnológicos, a extraordinária vitalidade, energia e inventividade do seu povo?

Será que eles acham que o comunismo – do governo, não do povo – é o ponto final da história de uma nação estraordinária, é a realização evolutiva última dessa cultura extraordinária? Será que eles pensam que meros 70 anos de dominação autocrática do Partido Comunista vão dominar a história, a vida e o futuro da China por toda a eternidade? Como eles podem ser tão míopes, e achar que a China quer destruir os EUA e o mundo "dominado" ou liderado pelos EUA?

Parece que sim: eles ainda estão vivendo no mundo da Guerra Fria geopolítica, como revelado ainda por esta pequena frase de Graham Allison: 

"Realism about the inescapable fact that the U.S. and China live on a small globe where each one faces existential threats neither can defeat by itself (including climate MAD as well as nuclear MAD)."

Esse "small globe", eles o tomam como seu, ou devendo ficar eternamente sob sua liderança exclusiva. Essa história de "Thucydidean rival" é uma loucura completa, mas o pior é que essa cegueira pode realmente levar os americanos a tratar a China como um rival, o que é pior coisa que poderá ocorrer no século XXI, talvez condenado a viver sob a sombra de uma catástrofe nuclear, um novo Armageddon, como já ocorreu na segunda metade do século XX (o primeiro foi uma repetição da Guerra de Trinta Anos, do século XVII). Temos que escapar dessa loucura, mas parece que vai ser difícil com os "acadêmicos" americanos.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3 de dezembro de 2020

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From Belfer Center, December 2, 2020: 

President-elect Biden recognizes that the impact of the rise of China on the U.S. and the international order will pose the defining international challenge for his first term—and as far beyond that as any eye can see. Because his national security team includes many familiar faces from the Obama Administration, some in the press have suggested that it will be the third term of the Obama Administration. But that misses the extent to which the world has changed, the U.S. has changed, and most importantly, in the new administration Biden will be the decider.

Others, particularly in China, have speculated that in relations with China, this could be a second term of the Trump Administration. That misses what are sure to be even starker differences between what we’ve seen in the past four years and the incoming Biden Administration’s approach to foreign policy in general, and China in particular.

In my recent interview with the Global Times (China’s major English-language mouthpiece of the People’s Daily), I summarize differences that should become visible from day one between Biden and Trump’s China policy under 5 Rs: Restoration of normal foreign policy practices (e.g., an end to idiosyncratic, personalized government by tweet); Reversal of Trump's harmful initiatives (rejoining the Paris Accord, the WHO, etc.); Review of Trump’s “159 accomplishments” in dealing with China asking about each how it impacts American national interests (e.g., tariffs that harmed the U.S. more than China); Recognition that China is not just a twin of Russia and thus another “great power competitor” but a genuine Thucydidean rival whose meteoric rise threatens to upend the American-led international order; and Realism about the inescapable fact that the U.S. and China live on a small globe where each one faces existential threats neither can defeat by itself (including climate MAD as well as nuclear MAD).

If you have reactions, I’ll be interested.

Best regards.

Graham Allison
Douglas Dillon Professor of Government, Harvard Kennedy School
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quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Huawei espera 'racionalidade' do Brasil e decisão sobre 5G baseada em fatos - Anne Warth (Estadão, 25/11/2020)

 Huawei espera 'racionalidade' do Brasil e decisão sobre 5G baseada em fatos, diz diretor da empresa

O brasileiro Marcelo Motta, responsável global pela cibersegurança da chinesa, diz que a companhia está à disposição do País para esclarecer "rumores" sobre sua atuação

Estadão | Anne Warth | 25/11/2020


BRASÍLIA - Principal alvo da pressão norte-americana no 5G e acusada de ser um braço de espionagem do governo chinês, a Huawei diz esperar “racionalidade” do governo na decisão que norteará o futuro da tecnologia no País. Em entrevista ao Estadão/Broadcast, o diretor global de cibersegurança da Huawei, Marcelo Motta, afirma que a empresa está à disposição para esclarecer quaisquer “rumores” a respeito de sua atuação e frisa não haver “prova alguma” que desabone a companhia. “O que posso dizer é que contamos com a confiança de nossos clientes em 170 países”, disse.

Nove dias após o subsecretário para Crescimento Econômico, Energia e Meio Ambiente do Departamento de Estado dos EUA, Keith Krach, pregar o banimento da Huawei no Brasil, a direção mundial da empresa reagiu. Na terça-feira, 24, a Embaixada da China em Brasília reagiu à acusação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, de que praticaria espionagem por meio de sua rede de tecnologia 5G.

Pequim acionou o Itamaraty para reclamar de uma publicação de Eduardo nas redes sociais, posteriormente apagada por ele. Na mensagem, Eduardo Bolsonaro fez menção à adesão simbólica do Brasil à Clean Network (Rede Limpa), iniciativa diplomática do governo Donald Trump para tentar frear o avanço de empresas chinesas no mercado global de 5G. O filho 03 de Bolsonaro, como é chamado pelo pai, celebrou o fato como um sinal de que o Brasil “se afasta da tecnologia da China”. 

Na sexta-feira, 20, o ministro da Economia, Paulo Guedes, se reuniu, por meio de videoconferência, com o vice-presidente global de Public Affairs e Relações Governamentais da Huawei, Mark Xueman, com o vice-presidente de Public Affairs e Relações Governamentais na Huawei Brasil, Guo Yi, e com o diretor-sênior de Relações Governamentais na Huawei Brasil, Atilio Rulli. Não foram recebidos, no entanto, pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Ministério das Comunicações e pelo vice-presidente Hamilton Mourão.

Brasileiro, Motta está na Huawei desde 2002 e vive na China há oito anos, quando assumiu a chefia global da área de cibersegurança da empresa. Ele relata que as acusações sobre a empresa não são novas, mas subiram de tom quando a Huawei começou a se expandir. Mundialmente, a empresa faturou US$ 123 bilhões em 2019, aumento de 19% sobre 2018. Até o terceiro trimestre de 2020, ela registrava receitas de US$ 100 bilhões, alta de 9,9% na comparação com o mesmo período do ano anterior.

No Brasil, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) estima que a Huawei esteja presente em algo entre 35% a 40% das redes atuais. As operadoras dizem que a fatia é ainda maior, variando de 45% a até 100%, dependendo da empresa. Banir a empresa é uma decisão que depende de decreto presidencial - até agora, não há um posicionamento claro sobre o tema. Confira os principais trechos da entrevista.

Qual a expectativa da Huawei em relação à decisão do governo brasileiro no 5G?

Esperamos que a racionalidade impere e que qualquer decisão não seja tomada com base em rumores. Fazemos todo o esforço para mostrar nossa transparência e expressar isso para além das operadoras, mas também para o governo. Estamos ativamente em contato com governo e Congresso. Colocamos nossos equipamentos à disposição para testes com seu próprio time de técnicos, para que o governo se blinde de comentários externos e tome suas decisões de forma soberana. É nesse sentido que temos atuado e estamos confiantes de que a racionalidade vai prevalecer. Nossa exclusão faria com que muitos processos envolvendo o 5G atrasassem no País. Seria uma pena de isso de fato ocorresse.

O que a Huawei tem feito para rebater as acusações de espionagem por parte de outros países?

Segurança cibernética e proteção de dados são prioridades máximas para a empresa e isso é de longa data. Sabemos que estaremos acabados se tivermos qualquer problema nessa área. Por isso, aprimoramos o processo de governança em segurança cibernética. Laboratórios independentes testam cada solução antes que ela seja lançada no mercado. Somos a única empresa a ter centros globais de segurança cibernética, em Dongguan (China) e Bruxelas (Bélgica). Nesses centros, clientes, operadoras e governos podem ter acesso ao código-fonte de nossas soluções e fazer auditorias usando seu próprio pessoal e ferramentas, para que tirem suas próprias conclusões, sem a influência de acusações infundadas e sem provas. Se houver fatos, clamamos que sejam mostrados. Até hoje, nada apareceu.

Como a Huawei vê a pressão dos EUA pela adesão do Brasil à Clean Network e pelo banimento da companhia?

A iniciativa Clean Network não cobre única e exclusivamente telecom, mas aplicativos, smartphones e cabos intercontinentais submarinos. O nome “Rede Limpa” é bonito, e quem não conhece pode até cair e se deixar seduzir, mas a definição está na página da Clean Network na internet. O objetivo é muito claro: tirar qualquer fornecedor chinês do espaço cibernético. É uma coisa muito séria, que exclui, de forma unilateral e sem qualquer critério técnico e racional, e transforma tudo num assunto única e exclusivamente geopolítico. Operadoras citadas como membros da iniciativa no site já manifestaram discordâncias com esse conceito de rede limpa que os EUA anunciaram. É algo completamente discriminatório, feito com o objetivo de dominar o espaço cibernético. O problema não é específico contra a Huawei. Estamos sendo usados para uma disputa entre duas grandes superpotências mundiais.

O que está por trás da intenção dos EUA?

O futuro da economia é digital. Temos uma liderança reconhecida no mercado dentro do 5G. Atendemos grandes e pequenas operadoras com banda larga fixa e móvel e temos uma participação relevante no mercado de redes e de infraestrutura. Mas a maioria das empresas Over The Top (OTTs) - plataformas e aplicativos de distribuição de conteúdo - são americanas. O TikTok talvez seja o único aplicativo chinês de sucesso mundial. Nessa camada, os EUA são líderes isolados, e é difícil competir com empresas como Google e YouTube, que possuem grande escala e alcance global. A margem de lucro dessas empresas é gigantesca, de 25% sobre a receita. Mas quantos empregos elas geram localmente? O que recolhem em impostos nos países em que atuam? Nenhuma operadora ou fabricante de redes consegue esse resultado. A margem é muito pequena, de 2% a 3%. A Huawei passou anos com resultados negativos e nossa margem nunca superou 8%.

Quais riscos a adesão à Clean Network traz para o desenvolvimento da internet?

Essa iniciativa Clean Network sai do escopo de rede e avança para apps e smartphones, o que é muito ruim para o desenvolvimento da internet. Talvez isso não esteja claro para o governo. A própria Internet Society já se pronunciou contra essa iniciativa, que vai contra o princípio de conectar pessoas. Outra camada em que os EUA são líderes é na computação em nuvem: 92% dos dados do mundo ocidental estão em nuvens de empresas americanas como a Amazon Webcharge (AWS), a Microsoft Azure e o Google Cloud. Os dados acabam ficando nessas nuvens e é sobre elas que são construídos os aplicativos. Existe muita competição na camada de redes de telecomunicações, na camada de smartphones, mas nas camadas de nuvens e aplicações há pouquíssimos competidores de porte dos grandes players norte-americanos.

Quais benefícios o 5G pode trazer para a economia mundial?

Quando o 5G estiver instalado e desenvolvido, os benefícios irão muito além de velocidade alta e tempo de resposta baixo. Em vez de um único fornecedor global de aplicativos, muitos aplicativos serão locais, desenvolvidos primordialmente por empresas locais. No agronegócio e na manufatura inteligente, o processamento de dados de aplicações será local. O 5G trará investimento para as economias com ganhos de eficiência e desenvolvimento. Quando se colocam restrições para o avanço do 5G, simplesmente se trava o desenvolvimento da economia local.

De que maneira um atraso no 5G pode atrapalhar o desenvolvimento do País?

Quando se impõem restrições, a competição é menor e o preço é maior. Haverá lentidão para trazer os sistemas, desenvolver as indústrias locais e, consequentemente, a economia brasileira. Fizemos uma pesquisa com a Deloitte, que estimou que o 5G trará ao Brasil um incremento de R$ 2,93 trilhões no PIB em 15 anos, comparativamente aos R$ 7,25 trilhões do PIB de hoje. Isso representa uma taxa média anual de crescimento do PIB de 2,5%. Imagine o impacto que isso terá.

Países, como Reino Unido, Japão e Austrália, baniram a Huawei de suas redes 5G. O Brasil pode ficar isolado se não o fizer também?

É uma pena que a chegada da tecnologia 5G tenha sido politizada. Vários dos países que baniram a Huawei são aliados de longa data dos EUA e sucumbiram a uma pressão geopolítica. O caso do Reino Unido é emblemático: em janeiro, autorizaram a entrada do 5G da Huawei e em julho mudaram de ideia, apesar de todos os testes realizados. Isso, nas palavras do próprio governo, vai atrasar a chegada do 5G por lá em dois a três anos, e haverá um forte impacto nos custos das operadoras. Por outro lado, as maiores redes 5G estão hoje na Coreia do Sul e na China, com tecnologia Huawei, assim como em todo o Oriente Médio. Na Europa, Suíça, Alemanha e Espanha se posicionaram positivamente em relação à Huawei. Existe uma gama de países que não sucumbiram a esse tipo de pressão. Muitos países podem reavaliar seu posicionamento em razão da mudança no governo dos Estados Unidos, com a vitória do democrata Joe Biden, enquanto outros adiaram sua decisão em razão disso.

Quais os diferenciais da Huawei em relação a seus competidores no 5G?

Para se ter uma ideia, o Brasil tem hoje 100 mil antenas de 2G, 3G e 4G. Na China, há 800 mil antenas apenas para o 5G. A Coreia tem a maior rede 5G em termos de densidade de antenas. Estamos presentes nos países que precisam da melhor solução técnica e de escala. A saída da Huawei do mercado brasileiro comprometeria a expansão das redes para operadoras e consumidores de forma muito ruim. Onde a Huawei foi banida, o preço da infraestrutura de telecomunicações subiu de duas a cinco vezes em áreas rurais. Com esse aumento de custo, os competidores deixam de atender a várias áreas e isso chega a inviabilizar negócios. Um pacote pré-pago nos EUA é oito vezes mais caro que no Brasil e na China.

Como a Huawei encara as insinuações de que cederia a pedidos do governo chinês por informações confidenciais em atendimento à lei de inteligência nacional?

Não existe lei na China que exija que a Huawei implemente backdoors (ou "porta dos fundos", em inglês, é o método usado para ter acesso às informações dos usuários contornando medidas de segurança) em suas soluções. Além disso, as leis chinesas não têm validade extraterritorial: valem apenas no território chinês e se aplicam apenas às empresas que lá estão. Mesmo que existisse uma lei exigindo backdoor, ela valeria apenas na China, diferentemente de outros países que se valem de suas leis para avançar sobre outras nações. A Huawei apenas fornece equipamentos para operadoras, mas não os opera. As redes das operadoras são fechadas e a Huawei não tem acesso a elas, muito menos aos dados. Somos a empresa mais transparente do mundo em segurança cibernética. Somos a única que abre o código-fonte. Nosso segredo industrial está aberto para ser auditado. Qual privilégio os EUA têm para desconfiar da Huawei e para que ninguém desconfie deles ou de quaisquer outras empresas, independentemente da nacionalidade?

A direção mundial da Huawei teve audiência com o ministro da Economia, Paulo Guedes, na semana passada. A empresa está preocupada com um possível banimento?

O Brasil é extremamente importante para nossa empresa. O time vem ao Brasil de forma rotineira. Não houve nada de extraordinário nesse período, são coisas normais. É óbvio que esse assunto do 5G chama nossa atenção. Estamos com abertura completa para fazer qualquer tipo de esclarecimento ao governo. Estamos comprometidos a esclarecer quaisquer pontos e dúvidas que existam. Estamos no País há 22 anos. Temos cinco escritórios no Brasil, um centro de distribuição e um centro de treinamento. São 1,2 mil funcionários diretos, 15 mil indiretos. Pagamos R$ 1,4 bilhão em impostos locais no Brasil no ano passado. Foram R$ 627 milhões em compras locais e R$ 150 milhões em investimentos em pesquisa e desenvolvimento.

Como a Huawei avalia as dúvidas no mercado sobre o grau de transparência em relação a informações financeiras e societárias?

Não somos uma empresa pública, somos uma empresa privada. Não temos ações em Bolsa, mas isso não significa que não sejamos transparentes. Há informações sobre a quantidade de funcionários, quem tem participação na empresa, como o board (conselho de administração) é selecionado. O fundador da Huawei tem menos de 1% das ações, e a maior parte dos papéis está nas mãos dos funcionários. Isso é algo que atrai funcionários, que se sentem também donos da companhia. Nossos resultados anuais são auditados pela KPMG e são divulgados a cada trimestre, embora não sejamos obrigados a fazê-lo. Temos centros de pesquisa e desenvolvimento espalhados no mundo inteiro: nos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, França, Índia, Suécia e também no Brasil. Somos hoje uma empresa mais global do que única e exclusivamente chinesa. A Huawei é uma empresa líder em solicitação de patentes. Desde 2016, temos 20% das patentes do 5G, resultados de investimentos de US$ 4 bilhões realizados entre 2009 a 2019.

https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,huawei-espera-racionalidade-do-brasil-e-decisao-sobre-5g-baseada-em-fatos-diz-diretor-da-empresa,70003527670


terça-feira, 10 de novembro de 2020

Notas sobre a eleição presidencial nos EUA - Rubens Barbosa (OESP)

 NOTAS SOBRE A ELEIÇÃO PRESIDENCIAL NOS EUA

 Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo, 10/11/2020


A histórica vitória de Joe Biden será analisada por muitos anos. O resultado da eleição foi, surpreendentemente equilibrado, refletindo a profunda divisão do país. A onda azul, democrata, não ocorreu, mas a sociedade americana preferiu eleger um presidente moderado e conciliador, que promete reduzir o ódio e unir o pais. O resultado das urnas mostrou que o eleitor separou a figura do presidente falastrão do seu partido. O partido Republicano, que teve um desempenho muito melhor do que Trump, saiu fortalecido com maior número da deputados na Câmara de Representantes e com a possibilidade de manter a maioria no Senado.

A polarização política nos EUA vem se acentuando nas últimas décadas e esse quadro não deverá se alterar no futuro previsível, em função, entre outros fatores, do aprofundamento com a pandemia dos contrastes existentes no país mais rico e mais avançado do mundo. A crescente concentração de renda acentuou as desigualdades entre as pessoas, as regiões e entre os centros urbanos e as áreas rurais, fato agravado pelas consequências econômicas. O impasse, se o Senado continuar Republicano, dificultará a execução das reformas prometidas por Biden nas áreas de saúde, economia, energia, imigração, meio ambiente e no fortalecimento da democracia e dos direitos humanos.

       Os EUA estão deixando de ser um país com maioria branca e calvinista para se tornar uma democracia multiracial e multicultural. Quase 75 milhões de eleitores se manifestaram contra um presidente com abordagem não convencional na política, negacionista, percebido como egoísta, mentiroso, vaidoso e que coloca seus interesses pessoais e eleitorais acima dos interesses do país. Trump impôs políticas que favoreceram o populismo, o protecionismo, o racismo e o isolacionaismo, sempre ressaltando que isso iria ampliar e emprego do trabalhador norte-americano e reforçaria a idéia de que os EUA sempre estariam em primeiro lugar. As políticas seguidas por Trump acentuaram o divórcio racial e os conflitos relacionados à imigração. Em alguns estados, os votos de jovens negros, latinos e muçulmanos foram maiores do que o esperado para o partido Republicano, apesar de algumas políticas de Trump terem sido claramente contrárias aos interesses dessas minorias. Acentua-se, assim, a divisão em torno de temas culturais, enquanto há mais convergência em torno das políticas econômicas, menos conflitivas visto que estão voltadas para o crescimento do emprego e da renda. Apesar da rejeição pessoal, as bandeiras que Trump levantou deverão permanecer. O movimento populista, nacionalista e conservador se fortaleceu com o voto nas áreas rurais, mais pobres, de maioria branca, sem instrução superior e de menor renda. Os republicanos emergem estranhamente como o partido da classe trabalhadora, mais afinado com os anseios da nova composição social e racial da sociedade norte-americana. 

Outro aspecto relevante que ficou claro com os resultados eleitorais é a questão do uso político da religião. O recado das urnas aos políticos foi claro: Igreja e Estado não devem ser misturados e confundidos. Os eleitores se manifestaram a favor de discussões sobre questões práticas que afetam diretamente seus interesses e refutaram uma guerra religiosa, em especial contra imigrantes muçulmanos.

         As incertezas que as transformações internas na sociedade norte-americana acarretam, deixam também uma lição sob o ângulo das relações externas. O alinhamento político e econômico com os EUA é perigoso. Depender dos EUA não representa um apoio estável de médio e longo prazo em função das modificações que podem ocorrer nas tendências dos eleitores em eleições seguintes. As políticas de Trump em relação aos aliados dos EUA, no tocante aos organismos internacionais, ao grau de confrontação com a China, à política de meio ambiente deverão, como já anunciado ser modificadas no governo Biden. O que poderá ocorrer em 2024? Serão mantidas as políticas do governo democrata? Voltarão as políticas isolacionistas?           

Uma vez que são muito fortes as instituições no país, as acusações de fraude e a judicialização do processo eleitoral promovidas por Trump e que tantas incertezas despertam e de certo modo representam um sério problema para o funcionamento do sistema eleitoral, não chegarão a ameaçar a democracia, nem a credibilidade das eleições, mesmo com eventuais violências isoladas.

         Os institutos de pesquisa voltaram a se equivocar de maneira grave. Os meios de comunicação (TVs, jornais e rádios) tornaram-se, na prática, braços dos dois partidos políticos, estimulando a divisão. O papel da mídia social foi menor do que na eleição de 2016.

         Ficam no ar algumas perguntas. Dada a força de Trump como líder de uma parte do partido Republicano e sobretudo pelo peso dos mais de 70 milhões de votos, qual será o papel do atual presidente a partir de 20 de janeiro? Trump se recolherá, como fizeram todos os seus antecessores ou vai continuar ativo no twitter, se mantendo como uma presença forte no cenário político americano? A constituição norte-americana determina que nenhuma pessoa poderá ser eleita mais de duas vezes para o cargo de presidente. Trump poderá muito bem querer se apresentar novamente em 2024. Como o partido Republicano vai reagir ao trumpismo?

 

Rubens Barbosa, presidente do IRICE – Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Com Biden, Bolsonaro fica à deriva - Bernardo Mello Franco (Globo)

ELEIÇÕES AMERICANAS

Vitória de Biden deixaria Bolsonaro à deriva

Por Bernardo Mello Franco

O Globo, 01/11/2020 • 01:22


https://blogs.oglobo.globo.com/bernardo-mello-franco/post/vitoria-de-biden-deixaria-bolsonaro-deriva.html

 

Há dez dias, o ministro Ernesto Araújo disse não se importar com a perda de relevância do Brasil no cenário internacional. “É bom ser pária”, desdenhou, em discurso para jovens diplomatas. O isolamento do país já é uma realidade desde a posse de Jair Bolsonaro. Mas pode se agravar a partir de terça-feira, quando os Estados Unidos escolherão seu próximo presidente.

Uma possível vitória de Joe Biden será péssima notícia para o capitão e seu chanceler olavista. Os dois ancoraram a política externa numa relação de vassalagem com Donald Trump. Agora arriscam ficar à deriva se o republicano for derrotado, como indicam as pesquisas.

Quando ainda sonhava em ser embaixador nos EUA, o deputado Eduardo Bolsonaro posou com um boné da campanha de Trump. O pai chegou perto disso. Às vésperas da eleição, ele reafirmou a torcida pelo magnata. “Não preciso esconder isso, é do coração”, declarou-se.

Para bajular o aliado, o bolsonarismo pôs a diplomacia brasileira de joelhos. O Itamaraty abriu mão de protagonismo, deu as costas à América Latina e trocou a defesa do interesse nacional pela subordinação ao interesse americano. Em setembro, permitiu que o secretário Mike Pompeo usasse Roraima como palanque para agredir um país vizinho.

Na pandemia, Bolsonaro imitou a pregação de Trump contra a Organização Mundial da Saúde, o uso de máscaras e as medidas de distanciamento. O negacionismo da dupla abriu caminho para o avanço do vírus. Não por acaso, os EUA e o Brasil lideram o ranking de mortes pela Covid.

O capitão surfou a onda nacional-populista que produziu o Brexit, elegeu Trump e impulsionou partidos de extrema direita na Europa. Uma derrocada do republicano deixará essa tropa sem comandante. Será um alento para quem aposta no diálogo e na cooperação internacional, hoje sufocados pelo discurso do ódio e pela intolerância.

Biden está longe de ser um símbolo do progressismo. Mesmo assim, comprometeu-se com a defesa da democracia, do meio ambiente e dos direitos humanos. Isso significa que sua possível vitória provocará mudanças sensíveis nas relações entre Washington e Brasília.

No primeiro debate presidencial, Biden já avisou que pressionará Bolsonaro a frear o desmatamento da Amazônia. Ele acenou com uma cenoura e um porrete: a criação de um fundo de US$ 20 bilhões para estimular a preservação da floresta ou a imposição de sanções econômicas ao Brasil.

No dia seguinte, o capitão acusou o democrata de tentar suborná-lo. Além de exagerar no tom, conseguiu errar o primeiro nome do adversário de Trump. O bate-boca indicou o que vem por aí se Joseph — e não John — assumir a Casa Branca.

BERNARDO MELLO FRANCO

É colunista de política do GLOBO. Também passou pelo Jornal do Brasil e pela Folha de S.Paulo. Foi correspondente em Londres e repórter no Rio, em SP e Brasília. É autor de "Mil Dias de Tormenta - A crise que derrubou Dilma e deixou Temer por um fio"


quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Quando o Tio Sam escravagista do Sul queria continuar o regime escravo na América do Sul - H-Diplo

 H-Diplo Article Review 992

28 October 2020

Michael A. Verney.  “‘The Universal Yankee Nation’:  Proslavery Exploration in South America, 1850–1860.”  Diplomatic History 44:2 (April 2020):  337–364.  DOI:  https://doi.org/10.1093/dh/dhz067.

https://hdiplo.org/to/AR992
Editor:  Diane Labrosse | Commissioning Editor:  Dayna Barnes | Production Editor: George Fujii

Review by David Parker, University of Georgia
 

Michael A. Verney’s article is an exciting contribution to a growing wave of scholarship that gives new focus to the international and hemispheric dimensions of the antebellum United States, the sectional crisis, and the origins of the American Civil War.  Analyzing U.S. Navy expeditions to the Amazon River and Rio de la Plata in the 1850s, Verney argues that U.S. proslavery foreign policy reached as far South as Argentina, and that flirtation with imperial expansion into South America was a serious, substantive federal government policy enjoying popular support, rather than “a passing fancy for proslavery elites” (338). 

Though proslavery and white supremacist sentiment enjoyed currency throughout the Americas in the 1850s, Verney argues that U.S. policymakers did not envision their hemispheric proslavery efforts as international collaborations among equals.  Whatever their professed intentions of friendly, collaborative development,  U.S. policymakers and Naval commanders saw both South American expeditions in nakedly imperial terms as hopes for U.S. slavery’s further continental expansion appeared increasingly threatened after the Mexican-American war. 

Verney draws on the official, public claims of U.S. politicians and diplomats and contrasts them with the private correspondences of those same figures to reveal the diplomatic sleight-of-hand and genuine intrigue at play for figures like U.S. Navy Lieutenant Matthew Fontaine Maury, a pioneer in the field of Oceanography and the chief architect of the U.S. Navy’s plan to prepare the Amazon region for annexation. This analysis of both the Amazon and Rio de la Plata expeditions amply supports Verney’s second core argument, “that naval imperialists sought to disguise their intentions in ways that would appeal to their South American hosts” (339). 

Intellectual history plays a key role in this work, as Verney skillfully teases out the varied forms that white supremacist ideology took throughout the Americas, and how the racist visions of the future that were promoted by elites in the U.S., Brazil, Paraguay, Argentina, and Bolivia overlapped, contradicted each other, and tensely coexisted. Brazilian elites, for example, believed that “whitening”—the literal lightening of the national population through encouraging European immigration and intermarriage—was a key to national development, which made U.S. dreams of white U.S. citizens settling and developing the Amazon River Basin at least superficially appealing (345). But the U.S. vision of a “whitened” and “settled” Amazonia carried with it a contempt for the imagined indolence of Latin American creole elites, and a thinly-veiled confidence that superior Anglo-Saxon specimens emigrating from the U.S. would not just accelerate national development, but pave the way for annexation (348-349). 

In both visions of whitening and development, the perceived necessity of black enslaved workers was a contradiction that provoked little anxiety or comment from elite thinkers.  Quotations pulled from Maury’s record of the Amazon expedition provide a fascinating glimpse into the mind of a slaveholding man of science.  Unsurprising is Maury’s conviction that only enslaved African workers, under white domination, were physically capable of performing heavy agricultural labor in the tropical region.  More unexpected is Maury’s belief that jerky made from local manatees could provide a cheap, abundant food source for enslaved workers (349). 

Boosters of the U.S. Navy’s 1853 expedition to the Rio de la Plata, commanded by Lieutenant Thomas Jefferson Page, couched its proslavery goals in the language of science, commerce, and mutually beneficial national development, just as Maury had in his Amazon expedition. Verney points to the intriguing fact that this expedition, perhaps because its leaders more successfully masked their intentions, enjoyed the support of many ostensibly anti-slavery Northerners, particularly merchants (354).  Verney leaves open the question of why anti-slavery businessmen threw their support behind a proslavery expedition, though he gestures broadly at some possibilities, including Northern industry’s inextricability from American slavery.  The article’s source base—largely official U.S. government documents and private correspondences of U.S. policymakers and government agents[1]—is ill suited to answering this question, but scholars interested in the extensive economic relations connecting the Northern and Southern United States should take note and consider probing this topic further. 

A solid base of secondary literature supports Verney’s efforts to outline the “powerful international trends'' that shaped U.S. aspirations and their reception in Latin America (364).[2]  There is little reason to doubt Verney’s contention that Latin American elites sought close relations with the U.S. while remaining largely skeptical of their northern neighbor’s intentions. And Verney amply supports his claim that U.S. arrogance and the expansionist precedent of its aggressive war of conquest against Mexico doomed the dream of a U.S.-led South American empire of slavery.  Page’s outrageous imperiousness and aggression in the Rio de la Plata expedition –and the certainty that this alienated potential Paraguayan collaborators – is clear from his own writings.  A thorough analysis of Latin American elites’ investment in national development and their skepticism of the U.S. as a partner, however, will require a different primary source base, one that uses documents produced by Latin American elites in order  to even more thoroughly incorporate those powerful international trends into this story. Verney’s article makes for an excellent foundation for these future studies.

Like other recent works on the U.S. Sectional Crisis, Verney’s article argues that antebellum Northern and Southern interests were intertwined and that slaveholders had a near-stranglehold on the levers of power in the U.S. federal government before 1860.  It builds on the work of scholars like Matthew Karp, who explored the proslavery focus of antebellum U.S. foreign policy and the global ambitions of slaveholders, and Daniel Rood, who analyzed the intellectual networks and forward-looking technological innovations of slaveholders in a “Greater Caribbean” stretching from Virginia to Brazil.[3]  And like these and other recent works, it resurrects the question of how and why the American Civil War occurred.[4]  An intriguing possibility raised here is that Latin American resistance to U.S. expansionism closed off another safety-valve for U.S. slaveholder anxieties. Verney thus points the way towards valuable new studies of diplomacy in the Americas, and asks us to reconsider how Latin American elites and policymakers understood and shaped their relationship to the United States.

 

David Parker is a Ph.D. student at the University of Georgia.  His research interests include the history of adolescence and sexuality in the antebellum South, and the immigration of former Confederates and their families to California after the Civil War’s conclusion.


Notes

 

[1] As in William Lewis Herndon and Lardner Gibbon, Exploration of the Valley of the AmazonMade Under Direction of the Navy Department, 2 vols. (Washington D.C.: Robert Armstrong, 1853-1854), and Matthew Fontaine Maury to William Lewis Herndon, April 20, 1850, reprinted in Donald Marquand Dozer, “Matthew Fontaine Maury’s Letter of Instruction to William Lewis Herndon,” The Hispanic American Historical Review 28:2 (1948): 212-228.

[2] Such as Jeffrey Lesser, Immigration, Ethnicity, and National Identity in Brazil, 1808 to the Present (New York: Cambridge University Press, 2013).

[3] Matthew Karp, This Vast Southern Empire: Slaveholders at the Helm of American Foreign Policy (Cambridge: Harvard University Press, 2018); Daniel Rood, The Reinvention of Atlantic Slavery: Technology, Labor, Race, and Capitalism in the Greater Caribbean (New York: Oxford University Press, 2017).

[4] Such as Thavolia Glymph, The Women’s Fight: the Civil War’s Battles for Home, Freedom, and Nation (Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2020), and Walter Johnson, River of Dark Dreams Slavery and Empire in the Cotton Kingdom (Cambridge: The Belknap Press of Harvard University Press, 2017).

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Uma nova história dos EUA, por Jill Lepore - Elio Gaspari

Com quase 2 quilos, livro mostra história dos EUA com elegante domínio dos fatos 

'Estas Verdades', de Jill Lepore, mostra discreto bom humor da autora, que trata de tudo, inclusive cinema ou esporte


Elio Gaspari
FSP, 24/10/2020

Uma grande História dos EUA

Está nas livrarias “Estas Verdades - História da Formação dos Estados Unidos”, da professora Jill Lepore, de Harvard. Com 866 páginas e quase dois quilos, vai de Cristóvão Colombo a Donald Trump.

A historiadora e autora Jill Lepore na universidade de Harvard - Kayana Szymczak/The New York Times

Lepore gosta da vida, de História e dos Estados Unidos. Isso faz com que sua produção tenha um discreto bom humor, levando-a a tratar de tudo, inclusive cinema ou esporte. Os personagens de “Estas Verdades” têm carne e osso. Ela olha para os magnatas, os poderosos, os negros, os índios e as mulheres. Em 1760 o fazendeiro George Washington consertou sua boca usando dentes de escravizados. (Pelo menos 43 deles fugiram e um combateu ao lado dos ingleses. Da fazenda de Thomas Jefferson fugiram 13. O futuro presidente acasalava-se com a escrava Sally Hemmings, meia-irmã de sua falecida mulher. Na conta do erudito amante e senhor, ela só tinha um oitavo de sangue negro.)

No século 18, as colônias americanas tiveram duas revoluções, uma contra o domínio inglês, outra contra a escravatura. Esta levou quase um século para prevalecer. O que levou os colonos a se rebelar não foram apenas os impostos e a repressão, mas sobretudo a oferta da liberdade para os escravos. Em 1776 um grupo de “subversivos”, segundo o filósofo inglês Jeremy Bentham, criou um estado “absurdo e visionário”. Em 1801 a Suprema Corte se reunia na pensão em que viviam seus juízes.

Lepore diz coisas assim: “A Inglaterra manteve-se no Caribe e desistiu da América”. Ou ainda, tratando da Guerra Civil: “O Sul perdeu a guerra, mas ganhou a paz”.

A grande nação americana foi construída também pelos movimentos dos trabalhadores, dos imigrantes e dos negros. “Estas Verdades” vai mostrando essa história aos poucos, com um elegante domínio dos fatos: em 1776, quando foi proclamada a independência dos Estados Unidos, a temperatura na cidade de Filadélfia era de 11 graus, às vésperas da chegada de Donald Trump era de 15. Para Bill Gates, “Estas Verdades“ é o “relato mais honesto e mais bem escrito que já li sobre a história dos Estados Unidos”. Jill Lepore conta uma grande aventura e termina com certa ansiedade: “Uma nação não pode escolher seu passado, só pode escolher seu futuro”.


A Europa e os EUA estão perdendo a batalha contra o coronavirus - Ishaan Tharoor (WP)

 

The Washington Post
Today's WorldView