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domingo, 1 de setembro de 2024

A esquerda anacrônica do Brasil - Editorial Estadão

Trancrevo do FB de Fernando Costa: 

“Trecho de um editorial hoje do Estadão sobre a esquerda brasileira. Como sempre eu digo, o problema não é ser esquerda, mas que a esquerda brasileira é jurássica 

É isto a esquerda brasileira?

Editorial O Estado de S. Paulo, 1/09/2024

Enquanto esquerda ganha terreno no mundo pois se modernizou, no Brasil esquerdistas hostilizam o Ocidente, celebram ditadores e se preocupam mais com pronomes do que com os pobres

Em que pese o pânico moral com a “ascensão da extrema direita”, a esquerda governa em centros decisivos de poder. Na América Latina, com exceção de meia dúzia de países, o mapa é vermelho. Por inércia, velhos quadros populistas dominam. O Chile elegeu um jovem avesso a autoritarismos, mas resolutamente progressista. Na Espanha governam os socialistas; na Alemanha, os social-democratas; nos EUA, os democratas. Após derrotas humilhantes, os trabalhistas britânicos expurgaram seus radicais e varreram as urnas. Na França, as esquerdas reverteram a vitória iminente da direita dura. Seja lá quais forem as vicissitudes desses partidos, o fato é que suas propostas foram suficientemente consistentes com os ideais progressistas de justiça social para cativar os eleitores.

E no Brasil? Nessa semana, enquanto fazia apologias a estatais e reciclava subterfúgios retóricos para contemporizar as atrocidades do companheiro Nicolás Maduro, Lula encontrou tempo para ouvir o hino nacional em linguagem neutra no comício de seu candidato em São Paulo. É isto a esquerda no Brasil? Estatismo em economia, autoritarismo e antiocidentalismo em geopolítica e identitarismo na cultura?

Há poucas coisas mais reacionárias do que a política econômica do PT – uma gororoba nacional-desenvolvimentista saudosa da ditadura Vargas e indistinguível do espírito da ditadura militar. Lula insiste em cozinhar a receita que, no trevoso governo de Dilma Rousseff, precipitou a maior recessão da Nova República, que colheu o País sem o boom das commodities e com as contas públicas sufocadas por gastos mais engessados e ineficientes e por uma trajetória da dívida inflacionária. Na geopolítica, por sua vez, a simpatia lulopetista é com o que há de mais hostil à democracia e aos direitos humanos: China, Rússia, Cuba, Venezuela, os terroristas do Hamas e os aiatolás misóginos e homofóbicos iranianos.

Se o negacionismo econômico e geopolítico da esquerda se manifesta num passadismo decrépito, o negacionismo cultural se manifesta na perseguição frenética de um sonho utópico que para a esmagadora maioria da população é um pesadelo distópico, em que filhos e filhas são criados como “filhes”. Além do lado caricato, há o autoritário: quem não se conforma às agendas das militâncias racialistas, feministas ou LGBT é “racista”, “sexista” ou “homofóbico”, passível de ser cancelado ou criminalizado. Ainda que com métodos irrealistas ou truculentos, a velha esquerda tinha um ideal universal: distribuir o capital às classes trabalhadoras, independentemente de raça, gênero, credo ou orientação sexual. A velha esquerda se preocupava com os pobres; a nova, com pronomes.

O negacionismo é tal que o PT ignora suas próprias pesquisas. Eleitores de classes médias e baixas ouvidos pela sua fundação, a Perseu Abramo, declararam que os principais conflitos na sociedade não são entre ricos e pobres, capital e trabalho (para não falar em homens e mulheres, héteros e LGBTs), mas entre o Estado e seus cidadãos, entre a sociedade e seus governantes. A maioria é favorável a um Estado mais enxuto e amigável à iniciativa privada, valoriza a meritocracia e entende que as crises éticas da sociedade resultam menos de vícios “estruturais” do que de desvios individuais, a serem sanados, antes de tudo, pela família”.

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Lula e a fraude chavista das eleições venezuelanas - Editorial Estadão

 Onde está o líder da ‘frente pela democracia’?

Editorial, O Estado de S. Paulo (27/08/2024)


Lula, que se elegeu prometendo defender a democracia, segue incapaz de denunciar a ditadura companheira de Maduro, mesmo diante da farsa oficializada pela Justiça venezuelana

O roubo das eleições venezuelanas foi oficializado. A Suprema Corte declarou, sem mostrar qualquer evidência, a vitória de Nicolás Maduro. Pela lei venezuelana, as atas das urnas são públicas. Mas a presidente da Corte, uma ex-vereadora pelo partido de Maduro, não só anunciou que agora são secretas, como também que o candidato da oposição, Edmundo González, será punido pelo “crime” de divulgá-las.

Em entrevista ao New York Times, Juan Carlos Delpino, um membro isento do Conselho Nacional Eleitoral tolerado pelo regime para negociar a suspensão das sanções, declarou não haver nenhuma evidência da vitória de Maduro. Através da insubordinação de oficiais locais, a oposição divulgou registros de mais de 25 mil urnas, 80% do total. Observadores independentes atestaram a vitória esmagadora da oposição, com pelo menos 67% dos votos.

Não resta nenhuma dúvida sobre a vontade do povo venezuelano, e o sigilo imposto pela Corte equivale a uma confissão de culpa. A farsa eleitoral acabou. Começa agora a farsa da legitimação do regime e da criminalização da oposição.

Governos responsáveis e comprometidos com a democracia, à esquerda e à direita, já denunciaram o novo teatro. O presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, disse que “o regime de Maduro confirma o que a comunidade internacional tem denunciado: fraude”. O presidente esquerdista do Chile, Gabriel Boric, anunciou que seu país “não reconhece esse falso e autoproclamado triunfo de Maduro & cia.”, vocalizando sua solidariedade à oposição em sua luta pela “democracia, justiça e liberdade”.

Já o presidente Lula da Silva continua a cumprir ciosamente seu papel no jogo de sombras de Maduro. Junto ao presidente esquerdista da Colômbia, Gustavo Petro, Lula declarou que continua a “aguardar” a divulgação das atas, condenando quaisquer sanções internacionais.

Ainda na semana passada, seu chanceler de facto, Celso Amorim, voltou a falar em “novas eleições”. A outra proposta ventilada foi a de um “governo de coalizão nacional”. A primeira equivale a um reconhecimento tácito da fraude eleitoral. A segunda foi fabricada para “salvar as aparências” enquanto se espera que uma nova crise internacional mude o foco das atenções e deixe o dito pelo não dito. A prova é que não houve qualquer tentativa de diálogo com a oposição a propósito dessas “soluções”.

A fraude eleitoral começou bem antes do pleito. Enquanto opositores eram presos, candidaturas eram cassadas e imigrantes eram impedidos de votar, Lula estendia o tapete vermelho a Maduro, edulcorava sua “narrativa” contra os “inimigos” da Venezuela e lançava aos quatro ventos especulações filosóficas sobre a “relatividade” da democracia. Após as eleições, quase 30 opositores foram mortos e cerca de 2 mil foram detidos. O PT celebrou essa “festa da democracia”, enquanto os eufemismos do presidente oscilaram entre “nada de anormal” até no máximo “um regime desagradável”.

Dizer que Lula – e a reboque, o Brasil – foi o “idiota útil” da vez seria tentador, e errado. Lula continua a ser, como sempre foi, utilíssimo para Maduro e seus suseranos – a China e a Rússia –, mas não é idiota e sabe bem o que quer: uma ditadura alinhada ao tal “Sul Global” ao invés de uma democracia eventualmente simpática a Washington. Pouco importa que isso pulverize quaisquer resquícios da pretensão do Brasil a liderar uma integração da América Latina e desmoralize qualquer autoridade do País como protagonista de um movimento internacional pelo fortalecimento das democracias. A esse ponto, a “aliança em defesa da democracia” contra a “extrema direita” que Lula pretende encenar após a Assembleia Geral da ONU em setembro é uma piada de mau gosto que as lideranças sérias certamente se esquivarão de protagonizar.

Os brasileiros, por ora, não têm essa opção, e terão de esperar até 2026, e contar com uma candidatura decente da oposição, para pôr fim à tragicomédia de erros que é a tal “frente ampla democrática” de Lula. Mas as eleições municipais não deixam de ser uma oportunidade para ensinar ao lulopetismo que no Brasil a democracia não é “relativa”.

domingo, 23 de junho de 2024

Lula, tomado pelo seu próprio mito, derrapa na missão de presidente - Editorial Estadão

 Lula, candidato a redentor

O Estado de S. Paulo/Editorial/23Jun24

Presidente antecipa a eleição de 2026 apresentando-se como o único capaz de impedir que os ‘trogloditas’ voltem ao poder. Mas o Brasil não precisa de um salvador, e sim de um estadista

Tem sido cada vez mais difícil para Lula da Silva encontrar um espaço em sua concorrida agenda de candidato – à reeleição, ao Nobel da Paz e ao Olimpo – para exercer a função de presidente da República, para a qual foi eleito por estreitíssima margem em 2022. Sabe-se que Lula não tem nem vontade nem traquejo para governar, pois seu hábitat é o palanque, e não o gabinete presidencial. Mas mesmo para os padrões do demiurgo, declarar-se candidato faltando ainda longos 30 meses para o fim de seu errático e preguiçoso terceiro mandato, como fez Lula há poucos dias, parece um pouco demais.

Lula, no entanto, claramente entendeu que precisa desde já tratar todos os crescentes problemas de seu governo e do País como resultado não de sua incompetência atávica e de sua visão antediluviana de economia, mas da sabotagem política dos “trogloditas” – nome que ele deu aos bolsonaristas – que almejam voltar ao poder.

Nesse terreno, em que tudo se resume à luta política, Lula joga em casa. Os seguidos ataques desferidos ao presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, são parte da manjada estratégia de arranjar um inimigo que incorpore todo o “mal” que Lula e o PT se julgam destinados a combater. As mais recentes declarações de Lula a respeito de Campos Neto não deixam margem a dúvidas: para o petista, o presidente do BC “tem lado político” e “trabalha muito mais para prejudicar do que para ajudar o País”. O “lado político”, claro, é o campo bolsonarista, do qual Campos Neto, lamentavelmente, nunca se afastou.

É fato que o presidente do BC deveria ter sido mais prudente e evitado que sua imagem se identificasse com este ou aquele grupo político, mas mesmo que Campos Neto fosse um dos Eremitas da Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo, ainda assim seria denunciado por Lula como o enviado do Cramulhão para sabotar o projeto petista de fazer do Brasil o Paraíso na Terra. E isso se dá porque Campos Neto foi nomeado para o BC pelo Cramulhão em pessoa.

Desse modo, sendo ele a chaga bolsonarista remanescente no coração do governo lulopetista, Campos Neto é desde sempre o candidato preferencial a bode expiatório para carregar todos os pecados do mundo. Lula foi claro: “Só temos uma coisa desajustada neste país: é o comportamento do Banco Central”. Em outras palavras, não fossem Campos Neto e os “trogloditas” aos quais o presidente do BC supostamente se alinha, o País de Lula estaria voando.

Como o nome de Campos Neto até mesmo começou a ser aventado para ser ministro num hipotético governo do bolsonarista Tarcísio de Freitas, Lula trata a prudência do BC em relação aos juros como se fosse politicamente motivada, destinada a prejudicar seu governo e preparar a volta dos tais “trogloditas” à Presidência.

Incapaz de enfrentar os problemas que se avolumam e que demandam desprendimento e espírito público, Lula reage do único jeito que sabe: antecipa a campanha eleitoral e se apresenta como salvador do Brasil.

De novo, quer que acreditemos que a democracia brasileira depende dele. “Se for necessário ser candidato para evitar que os trogloditas que governaram esse país voltem a governar, pode ficar certo que meus 80 anos virarão 40 e eu poderei ser candidato”, disse Lula à Rádio CBN. E disse mais: “Não vou permitir que este país volte a ser governado por um fascista. Não vou permitir que esse Brasil volte a ser governado por um negacionista como nós já tivemos”.

Ou seja, Lula se autoatribuiu a missão de impedir que o bolsonarismo ganhe a próxima eleição presidencial, como se disso dependesse o futuro do Brasil, quiçá do mundo. Nesses termos, é uma tarefa sobre-humana, que mais ninguém além dele, nem no PT, seria capaz de cumprir. “Como Deus existe, eu estou aqui”, disse Lula em evento na Petrobrás. Resta saber se ele quis dizer que sua existência é a prova da existência de Deus, ou – o que é mais provável – que ele e Deus são uma coisa só. De um jeito ou de outro, Lula mais uma vez se apresenta aos eleitores como aquele que se sacrifica para redimi-los. Mas o Brasil não precisa de um redentor. Precisa é de um estadista – e isso, definitivamente, Lula não é.

quinta-feira, 13 de junho de 2024

Pragmatismo como arma (Relações militares com a China) - Editorial Estadão

Comentário introdutório de Maurício David:  

Olho no que diz o Comandante do Exército : Visando aos interesses estratégicos do País, o comandante do Exército defende parceria com os chineses, mas mostra que para isso não é preciso confrontar o Ocidente, como faz Lula (editorial do Estadão, 12Jun24)

MD

Pragmatismo como arma

Visando aos interesses estratégicos do País, o comandante do Exército defende parceria com os chineses, mas mostra que para isso não é preciso confrontar o Ocidente, como faz Lula 

Editorial/ OESP/12Jun24

Num mundo repleto de tensões – reais e imaginárias –, o Brasil só tem a ganhar quando os arroubos verbais saem de cena, substituídos pelo realismo pragmático das relações comerciais e diplomáticas. A recente entrevista ao Estadão do comandante do Exército, general Tomás Paiva, é uma evidência cristalina dessa certeza. O general defendeu a ampliação de parcerias estratégicas com a China e outros países do Brics, grupo que reúne também nações como Rússia, Índia, África do Sul e, mais recentemente, Arábia Saudita, Irã, Emirados Árabes, Etiópia e Egito. Também destacou o foco da visita que fará aos chineses no próximo mês: capacidades militares e ciência e tecnologia. Os chineses, ele lembrou, estão avançados na defesa cibernética e na base industrial de sistemas de armas – avanços que permitem a um país proteger sua soberania com mais tecnologia e com menos efetivo. Mas Tomás Paiva não precisou seguir a cartilha do presidente Lula da Silva e fazer apologia do tal “Sul Global” nem inscrever o Brasil na vanguarda da luta contra os valores ocidentais, muito menos demonstrar hostilidade aos Estados Unidos e alinhamento a tudo o que lhe é antagônico.

O comandante do Exército fez o que se espera de chefes de instituições de Estado: a observância dos interesses estratégicos do País, sem sectarismo ou politização indevida. Segundo o próprio general, o Ministério das Relações Exteriores tinha interesse na aproximação do Exército com os países do Brics. Seu roteiro do mês que vem, contudo, não envolverá a Rússia. Como deixou claro, não visitará os russos por causa do conflito com a Ucrânia, outro ponto de distância que manteve em relação aos arquitetos da política externa lulopetista. Melhor assim. Na entrevista, demonstrou estar alinhado com o que há de mais qualificado nos quadros técnicos da diplomacia brasileira – hoje, infelizmente, tisnada pela guerra imaginária que Lula parece travar, tendo como companheiros de armas notórias ditaduras, como a própria China, a Rússia, o Irã e a Venezuela. Mas, diferentemente de Lula, o general opta pelo pragmatismo em nome da cooperação militar. 

Essa distinção se faz necessária por uma razão: na nova ordem global, características distintivas do Ocidente – democracia, economia de mercado e globalização – têm sido confrontadas por regimes autocráticos que buscam reviver o modelo que põe o Estado e a soberania nacional acima de todas as coisas, à custa de liberdades individuais, direitos humanos e valores universais. Esses valores costumam ser apresentados por essa turma como armas retóricas das democracias liberais para prolongar sua supremacia. Nesse ambiente turvo, o grande risco é o Brasil imiscuir-se numa espécie de aggiornamento do “Terceiro Mundo” dos tempos da guerra fria, em nome da ambição de Lula de credenciar-se como um líder político global do “Sul Global”, em vez de o País colocar a serviço dos seus interesses suas vantagens comparativas, com sutileza e credibilidade, como sugere a tradição diplomática brasileira.

Nossos vizinhos latino-americanos assim costumam definir a ação diplomática brasileira: Itamaraty no improvisa. É uma ideia-força que sintetiza a percepção de que o Itamaraty soube manter a continuidade da política externa e renová-la com o passar do tempo. Com Lula da Silva e Jair Bolsonaro, contudo, interesses nacionais se fundiram com interesses políticos e interferências ideológicas e partidárias. Como o próprio general Tomás Paiva mostrou na entrevista ao Estadão, há um longo caminho de aprendizado e benefícios com o conhecimento chinês em matéria militar. Tal lição serve para outras áreas: o Brasil está atrasado nos avanços científicos e tecnológicos e precisa recuperar o tempo perdido para entrar na corrida da pesquisa e do desenvolvimento na inovação, no 5G e na inteligência artificial – para citar alguns poucos e complexos exemplos. Um campo minado no qual só se prospera com pragmatismo, conhecimento, equilíbrio e equidistância, não com ideologia e confrontação.

Num mundo repleto de tensões – reais e imaginárias –, o Brasil só tem a ganhar quando os arroubos verbais saem de cena, substituídos pelo realismo pragmático das relações comerciais e diplomáticas. A recente entrevista ao Estadão do comandante do Exército, general Tomás Paiva, é uma evidência cristalina dessa certeza. O general defendeu a ampliação de parcerias estratégicas com a China e outros países do Brics, grupo que reúne também nações como Rússia, Índia, África do Sul e, mais recentemente, Arábia Saudita, Irã, Emirados Árabes, Etiópia e Egito. Também destacou o foco da visita que fará aos chineses no próximo mês: capacidades militares e ciência e tecnologia. Os chineses, ele lembrou, estão avançados na defesa cibernética e na base industrial de sistemas de armas – avanços que permitem a um país proteger sua soberania com mais tecnologia e com menos efetivo. Mas Tomás Paiva não precisou seguir a cartilha do presidente Lula da Silva e fazer apologia do tal “Sul Global” nem inscrever o Brasil na vanguarda da luta contra os valores ocidentais, muito menos demonstrar hostilidade aos Estados Unidos e alinhamento a tudo o que lhe é antagônico.

O comandante do Exército fez o que se espera de chefes de instituições de Estado: a observância dos interesses estratégicos do País, sem sectarismo ou politização indevida. Segundo o próprio general, o Ministério das Relações Exteriores tinha interesse na aproximação do Exército com os países do Brics. Seu roteiro do mês que vem, contudo, não envolverá a Rússia. Como deixou claro, não visitará os russos por causa do conflito com a Ucrânia, outro ponto de distância que manteve em relação aos arquitetos da política externa lulopetista. Melhor assim. Na entrevista, demonstrou estar alinhado com o que há de mais qualificado nos quadros técnicos da diplomacia brasileira – hoje, infelizmente, tisnada pela guerra imaginária que Lula parece travar, tendo como companheiros de armas notórias ditaduras, como a própria China, a Rússia, o Irã e a Venezuela. Mas, diferentemente de Lula, o general opta pelo pragmatismo em nome da cooperação militar. 

Essa distinção se faz necessária por uma razão: na nova ordem global, características distintivas do Ocidente – democracia, economia de mercado e globalização – têm sido confrontadas por regimes autocráticos que buscam reviver o modelo que põe o Estado e a soberania nacional acima de todas as coisas, à custa de liberdades individuais, direitos humanos e valores universais. Esses valores costumam ser apresentados por essa turma como armas retóricas das democracias liberais para prolongar sua supremacia. Nesse ambiente turvo, o grande risco é o Brasil imiscuir-se numa espécie de aggiornamento do “Terceiro Mundo” dos tempos da guerra fria, em nome da ambição de Lula de credenciar-se como um líder político global do “Sul Global”, em vez de o País colocar a serviço dos seus interesses suas vantagens comparativas, com sutileza e credibilidade, como sugere a tradição diplomática brasileira.

Nossos vizinhos latino-americanos assim costumam definir a ação diplomática brasileira: Itamaraty no improvisa. É uma ideia-força que sintetiza a percepção de que o Itamaraty soube manter a continuidade da política externa e renová-la com o passar do tempo. Com Lula da Silva e Jair Bolsonaro, contudo, interesses nacionais se fundiram com interesses políticos e interferências ideológicas e partidárias. Como o próprio general Tomás Paiva mostrou na entrevista ao Estadão, há um longo caminho de aprendizado e benefícios com o conhecimento chinês em matéria militar. Tal lição serve para outras áreas: o Brasil está atrasado nos avanços científicos e tecnológicos e precisa recuperar o tempo perdido para entrar na corrida da pesquisa e do desenvolvimento na inovação, no 5G e na inteligência artificial – para citar alguns poucos e complexos exemplos. Um campo minado no qual só se prospera com pragmatismo, conhecimento, equilíbrio e equidistância, não com ideologia e confrontação.


segunda-feira, 27 de maio de 2024

Os terroristas que não são terroristas para o PT - Editorial Estadão

 O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Mais uma vítima da infâmia

O Estado de S. Paulo

Os terroristas que Lula da Silva não reconhece como terroristas assassinaram mais um brasileiro

Num sábado de outubro, Michel Nisenbaum, brasileiro que vivia em Israel desde os 12 anos, pai de duas filhas, dirigia seu carro para pegar um de seus seis netos quando foi assaltado por selvagens com balaclavas e metralhadoras. Desde então, desapareceu. Nisenbaum foi uma das 252 pessoas sequestradas pelo Hamas. Anteontem o Brasil soube, horrorizado, que Nisenbaum foi também, como outros três brasileiros, uma das mais de 1.200 pessoas massacradas pelos terroristas.

Nada disso parece ter comovido o presidente Lula da Silva, que se limitou a lamentar “a morte” – não o assassinato – de Nisenbaum, e não reservou uma só palavra de reprovação ao Hamas. A nota anódina coroa a indiferença de Lula e de seu governo para com a tragédia de Nisenbaum e sua família. O embaixador do Brasil em Israel só se encontrou com os familiares quase dois meses após o sequestro. O presidente fez uma videoconferência, depois tirou fotos num encontro presencial. Isso há cinco meses. Desde então a família tentou contato várias vezes com o governo, sem resposta. Num depoimento para um documentário, a sobrinha de Nisenbaum repetiu sete vezes: “Nada”.

Não que falte eloquência a Lula nem interesse no conflito, sobre o qual o petista fala sempre e fala muito. Quando fala de Israel, é sempre verboso e hiperbólico. Ele já acusou mais de uma vez Israel de matar “milhões”, de combater “mulheres e crianças” e não só de praticar “terrorismo” e “genocídio”, mas um novo “Holocausto”. Nunca se retratou. Já para o Hamas o tratamento é obsequioso. No 7 de Outubro, Lula lamentou os “ataques terroristas”, mas não nomeou seus autores. O PT tampouco. Só externou “preocupação” com uma abstrata “escalada de violência envolvendo palestinos e israelenses”. Logo depois, passou a torpedear Israel com acusações de “genocídio”.

Nunca se ouviu o PT nem seu chefe chamando os terroristas de terroristas. Antes da guerra, locuções como “movimento” ou “combatentes” abundavam. Depois, só mencionam as ações do Hamas como consequência das ações de Israel, em falsas e cínicas equivalências. Em 2021, um time de parlamentares petistas divulgou uma carta indignada com a classificação do Hamas como “organização terrorista”: “Resistência não é terrorismo!”, bradaram.

Ninguém precisa ser simpático a Israel. É legítimo repudiar o modo como o governo israelense conduz a questão palestina no atual conflito. Para quem tem especial amor à causa palestina, é até compreensível odiar Israel. Mas o teste de sinceridade desse amor é se essas pessoas odeiam ainda mais o Hamas.

Que o Hamas é um inimigo da humanidade e o maior inimigo dos palestinos é incontroverso para qualquer um com um mínimo de clareza moral. Mas, ante as repetidas manifestações de torpeza moral do presidente e seu partido, não custa lembrar o porquê. O Hamas é uma milícia assumidamente genocida, que oprime seu povo sob o mais brutal totalitarismo, atenta contra todas as possibilidades de negociação de um Estado palestino com a participação dos países árabes e sacrifica os palestinos como escudos humanos. Quem quer que apoie este tipo de “resistência” tem as mãos sujas de sangue, incluindo o de quatro brasileiros.

terça-feira, 30 de abril de 2024

O tirano mais cruel do mundo e o líder do Sul Global : almas gêmeas? - Editorial Estadão

 Toda manhã, Putin confronta seu espelho: “Espelho russo, espelho meu / Haverá no mundo tirano mais cruel do que eu?” Contente, inicia o dia mandando bombardear mais algumas cidades ucranianas, em especial alvos civis e de infraestrutura. Pode então dormir contente. Lula deve admirá-lo!

Paulo Roberto de Almeida 

O Brasil no ‘Eixo da Revolta’

Editorial, O Estado de S. Paulo, 30/04/2024

A deplorável aliança com Irã, China e Coreia do Norte para dar fôlego à Rússia do delinquente Putin só é explicável pela megalomania de Lula, que se arvora em líder do ‘Sul Global’

A despeito das pesadas sanções impostas pelo Ocidente à Rússia por conta de sua guerra criminosa contra a Ucrânia, Vladimir Putin tem obtido êxitos na frente de batalha e no plano econômico. A economia russa está longe da exuberância em meio ao conflito. Ao mesmo tempo, porém, está distante do eventual colapso que, na visão dos países sancionadores, talvez pudesse levar ao fim da guerra e, quiçá, à responsabilização de Putin por seus crimes. A China, claro, é a grande responsável pela vitalidade desse regime delinquente, mas, desafortunadamente, parte considerável do fôlego de Putin tem vindo do Brasil.

O Estadão revelou há poucos dias que, neste terceiro mandato presidencial de Lula da Silva, o Brasil expandiu os laços econômicos com a Rússia. Tal é o grau de cooperação entre os dois países atualmente que, em 2023, a meta de trocas comerciais entre o “B” e o “R” dos Brics originários – US$ 10 bilhões – foi superada pela primeira vez em duas décadas. No ano passado, o volume de negócios com Moscou chegou a US$ 11,3 bilhões. Hoje, o Brasil é o maior comprador de diesel russo (6 milhões de toneladas adquiridas em 2023). Os fertilizantes russos vêm em seguida na agenda comercial do País, respondendo por compras que chegam a quase US$ 4 bilhões ao ano.

Lula, como se vê, não quer saber se há mais de dois anos Putin comete atrocidades em série na Ucrânia e ameaça a paz na Europa como nunca antes alguém o fez desde o final da 2.ª Guerra. Tampouco tem procurado alternativas decentes para a aquisição daqueles produtos. Ao optar por negociar com um pária internacional, Lula decerto aproveita uma vantagem comercial para adquirir insumos essenciais para as próprias atividades econômicas do Brasil. Afinal, com poucos países para transacionar diante do cerco internacional, Putin se vê obrigado a oferecer condições competitivas àqueles que se dispõem a fazer negócios com um criminoso de guerra. Mas o barato sai caro.

Em que pese o apelo comercial, sobretudo no caso dos fertilizantes, matéria-prima para o segmento mais pujante da economia brasileira, o agronegócio, o que Lula busca, na verdade, é o fortalecimento do tal “Sul Global”, aliança antiocidental da qual o petista mal disfarça o desejo de ser proclamado líder. Imbuído desse espírito megalomaníaco, o presidente da República não parece ter perdido um minuto de sono preocupado com o alto preço político que sua escolha impõe ao Brasil. Para dizer o mínimo, sob Lula, o País tem afrouxado cada vez mais os laços que o unem aos valores ocidentais que, historicamente, constituíram a espinha dorsal da política externa brasileira: a defesa da liberdade, dos direitos humanos, do Estado Democrático de Direito, do multilateralismo e da solução pacífica dos conflitos.

Não se sabe se por ignorância, máfé ou péssimo aconselhamento, Lula tem confundido o protagonismo dessa ficção chamada “Sul Global” com a defesa de uma nova governança internacional mais adequada para um mundo “multipolar”. O busílis é que não há multipolaridade alguma em jogo. O que está em curso é a união de um punhado de ferozes ditaduras em busca de ajuda mútua contra os Estados Unidos, a União Europeia e tudo mais que possa ser interpretado pelos autocratas como ameaças a seus desígnios liberticidas. É a esse tipo de aliança que o Brasil deveria pertencer? É a isso que Lula da Silva pretende rebaixar o País?

Do ponto de vista estratégico, ou seja, a longo prazo, o Brasil não tem rigorosamente nada a ganhar alinhando-se ao que a revista Foreign Affairs chamou de o “Eixo da Revolta”. Trata-se da conjunção de esforços da China, do Irã e da Coreia do Norte para fortalecer a Rússia, enfraquecer o Ocidente, em particular os Estados Unidos, e, como se não bastasse, violentar a soberania ucraniana. O Brasil, segundo analistas internacionais, é considerado um país “estratégico” para o triunfo desse clube antiocidental – o que, mais que uma vergonha, representa uma traição aos princípios que nos constituem como nação.

Grato a Augusto de Franco pela transcrição do editorial.

sexta-feira, 26 de abril de 2024

A pequenez moral de quem apoia ditaduras assassinas - Editorial Estadão

O ‘tarjetón’ de Maduro

Editorial, O Estado de S. Paulo (26/04/2024)

Lula festeja ‘normalidade’ de uma eleição em que tudo é feito para dar a vitória a Maduro, o que mostra sua pequenez moral diante de gente que sabe distinguir uma ditadura quando vê uma

No café da manhã que teve recentemente com jornalistas, o presidente Lula da Silva classificou de “extraordinária” a decisão da oposição da Venezuela de se unir em torno de um candidato único para disputar a eleição presidencial contra o ditador Nicolás Maduro. Lula parece considerar que a suposta união da oposição em torno de uma candidatura é um sinal de normalidade política. “Vai ter eleições, eu acho que vai ter acompanhamento internacional sobre as eleições. É interesse de muita gente querer acompanhar”, festejou Lula. E ele acrescentou, candidamente: “E se o Brasil for convidado (como observador), o Brasil participará do acompanhamento dessas eleições na perspectiva de que, quando terminar essas eleições, as pessoas voltem à normalidade. Ou seja, quem ganhou toma posse e governa; quem perdeu se prepara para outras eleições, como eu me preparei depois de três derrotas aqui no Brasil”.

É preciso ser muito ingênuo, coisa que Lula não é, para acreditar que as assim chamadas “eleições” na Venezuela são normais, isto é, que “quem ganhou toma posse e governa” e “quem perdeu se prepara para outras eleições”. Numa ditadura, caso da Venezuela, as eleições são meramente protocolares, cuja serventia é apenas dar ares de legitimidade democrática à manutenção do ditador no poder. Ou seja, já se sabe de antemão que Maduro será “reeleito”.

Por esse motivo, ninguém na oposição venezuelana realmente acredita que seja capaz de ganhar as eleições nem, muito menos, que Maduro, se por um cataclismo fosse derrotado, entregaria pacificamente o poder. Para resumir, a oposição não ganhará a eleição porque democracia não há: os principais candidatos oposicionistas ou estão presos ou foram impedidos de concorrer; não há imprensa livre nem Judiciário independente; e o governo chantageia os eleitores pobres (quase a totalidade da população) ameaçando retirar benefícios sociais caso não apoiem Maduro, isso quando não manda suas milícias simplesmente aterrorizá-los.

Ou seja, mesmo sendo ditador, Maduro não dá nenhuma sopa para o azar. Até mesmo a cédula de voto é feita para assegurar que não haverá surpresas sobre o resultado da eleição de julho. Chamada de “tarjetón”, por seu tamanho descomunal, a cédula apresenta a foto de Maduro nada menos que 13 vezes, contra apenas uma do tal candidato único da oposição. O próprio tirano, ao apresentar a cédula, fez blague: “Maduro tem 13 fotos. Hegemonia. Candidato único. Ditadura”.

Ainda assim, a oposição vai participar da campanha, e tudo indica que o fará não porque tenha qualquer esperança de sucesso, mas como forma de ganhar palanque para denunciar a ditadura chavista. Desse modo, a tal candidatura unificada da oposição é, na prática, uma “anticandidatura”.

Isso requer coragem, a mesma que teve Ulysses Guimarães, aqui no Brasil, ao apresentar-se como “anticandidato” à sucessão do presidente-general Emílio Médici, em 1974. Como se sabe, a eleição era restrita a um Colégio Eleitoral quase totalmente dominado pelo regime militar, que apenas referendava o nome ungido pelos generais. Ulysses, claro, não tinha a menor chance, mas não entrou na disputa para ganhar, e sim para ter algum espaço para denunciar o regime.

Um discurso memorável selaria a anticandidatura: “Não é o candidato que vai recorrer o país. É o anticandidato, para denunciar a antieleição imposta pela anticonstituição que homizia o AI-5 (Ato Institucional n.º 5, a norma mais repressiva da ditadura), submete o Legislativo e o Judiciário ao Executivo, possibilita prisões desamparadas pelo habeas corpus e condenações sem defesa, profana a indevassabilidade dos lares e das empresas pela escuta clandestina e torna inaudíveis as vozes discordantes”. E concluiu: “A inviabilidade da candidatura oposicionista testemunhará perante a nação e perante o mundo que o sistema não é democrático”.

É, portanto, de estatura moral que se trata. Nesse ponto, Lula é um anão perto de Ulysses e dos opositores venezuelanos – que sabem distinguir muito bem uma ditadura quando estão diante de uma.


quarta-feira, 17 de abril de 2024

segunda-feira, 8 de abril de 2024

Estadão diz que, sob Lula, Brasil é “impotência regional medíocre” - Editorial Estadão

Estadão diz que, sob Lula, Brasil é “impotência regional medíocre”

Jornal considera o petista rígido com a Europa e o Oriente, mas omisso em relação ao próprio continente

Pleno News, 8/04/2024

https://pleno.news/brasil/politica-nacional/estadao-diz-que-sob-lula-brasil-e-impotencia-regional-mediocre.html?utm_source=pushnotification&utm_medium=notificacao 

O jornal O Estado de S.Paulo chamou o Brasil sob a gestão Lula (PT) de “impotência regional medíocre” ao observar que o país permanece omisso diante dos abusos cometidos pelo ditador Nicolás Maduro, na Venezuela. No texto opinativo, o periódico aponta que, enquanto o petista comete exageros ao falar da Europa e do Oriente Médio, ele impõe um “silêncio ensurdecedor ao Itamaraty” em relação ao próprio continente Sul Americano.

O editorial contextualiza que Maduro, após impedir que o principal grupo de oposição se candidatasse às eleições, decidiu agora “legalizar” a repressão por meio de uma lei “Contra o Fascismo, Neofascismo e Expressões Similares”. Através da nova legislação, qualquer manifestação ou movimento que o regime considerar “fascista” poderar ser punido com mais de 8 anos de cadeia.

– A ironia é que, se houvesse Justiça independente na Venezuela, Maduro e seus bate-paus seriam os primeiros a ser punidos por esses crimes, a começar pelo último. Não há na América do Sul nada mais similar ao regime fascista de Mussolini que o regime chavista – avalia o jornal.

O Estadão também apontou que Maduro promulgou a lei criando o Estado venezuelano da “Guiana Essequiba”, visando anexar 70% do território do país vizinho. Apesar disso, o que de fato surpreende o veículo de imprensa não é a postura de Maduro e sim a omissão da parte de Lula.

– A condenação da comunidade internacional civilizada é unânime, inclusive de lideranças de esquerda latino-americanas. Todos os países do Mercosul, com exceção do Brasil, condenaram sem meias palavras a orgia totalitária chavista. (…) Lula rebaixou o Estado brasileiro a uma usina de panos quentes. No improviso de uma entrevista coletiva, Lula se descuidou de sua habitual hipocrisia deixando escapar que considera “grave” o bloqueio à candidatura da substituta de Corina, mas, oficialmente, o máximo que permitiu à sua chancelaria foi uma nota de “preocupação”. O resto é silêncio, mesmo ante a ameaça de um conflito regional – assinalou o periódico.

Por fim, o Estadão manifesta que a política externa brasileira foi “sequestrada pelas afinidades pessoais e ideológicas de Lula” e está “desmoralizada ante a comunidade internacional”.


quarta-feira, 27 de março de 2024

A tardia e tímida crítica do Itamaraty a Maduro - Editorial Estadão

A tardia e tímida crítica do Itamaraty a Maduro
O Estado de S. Paulo | Opinião O Estado de S. Paulo

27 de março de 2024 

NOTAS E INFORMAÇÕES

A tardia e tímida crítica do Itamaraty a Maduro

Mesmo quando finalmente resolve manifestar 'preocupação' diante das novas arbitrariedades do ditador, o governo Lula acha que é possível fortalecer' a inexistente democracia na Venezuela

N ão surpreende que o regime ditatorial de Nicolás Maduro tenha impedido o registro da candidatura da principal chapa de oposição na eleição presidencial de julho, pois é a culminação de um processo integralmente eivado de irregularidades, fraudes e violência política, aliás característico do chavismo desde sempre. Tampouco surpreende que só agora o governo brasileiro, por meio do Itamaraty, tenha manifestado alguma "preocupação" com a evidente destruição da democracia venezuelana.

Antes tarde do que nunca, mas mesmo no momento em que tomou coragem de reconhecer que o regime do companheiro Nicolás Maduro, ora vejam, está descumprindo suas promessas de permitir uma eleição minimamente competitiva e limpa, o Itamaraty o fez escolhendo bem as palavras, para não melindrar o ditador amigo de Lula da Silva - aquele mesmo Lula da Silva que não escolheu palavras quando comparou Israel à Alemanha nazista.

Diz a nota envergonhada do Itamaraty que, "com base nas informações disponíveis", a candidata Corina Yoris, indicada pela Plataforma Unitaria, força política de oposição, "sobre a qual não pairavam decisões judiciais", foi "impedida de registrar-se", o que "não é compatível com os acordos de Barbados" - em referência ao acerto em que Maduro garantiu a lisura da eleição para presidente em troca da suspensão das sanções dos EUA à Venezuela.

Ora, há tempos o regime chavista vem impedindo sistematicamente que os principais nomes de oposição possam disputar as eleições, seja prendendo-os, seja impedindo que se candidatem. O caso mais escandaloso foi o da ex-deputada María Corina Machado, que foi considerada inelegível pela Justiça Eleitoral, inteiramente controlada pelo governo. María Corina era líder de intenção de voto nas pesquisas independentes.

Em vez de denunciar a evidente arbitrariedade da ditadura venezuelana, Lula da Silva achou que era o caso de criticar María Corina, recomendando que ela parasse de "chorar" e escolhesse outro candidato para disputar em seu lugar.

Pois foi o que María Corina fez: escolheu Corina Yoris. De nada adiantou. Corina Yoris não conseguiu registrar sua candidatura porque simplesmente não teve acesso ao sistema de inscrição. O prazo se encerrou ontem. Com razão, María Corina suspeita que qualquer candidato que ela indicasse teria o mesmo destino: a impossibilidade de disputar a eleição. Somente "opositores" chancelados pelo regime conseguiram registrar suas chapas.

Ainda assim, pisando em ovos, o Itamaraty reiterou sua crença de que é possível fazer da eleição de julho "um passo firme para que a vida política se normalize e a democracia se fortaleça na Venezuela, país vizinho e amigo do Brasil". Se isso já era difícil antes, agora é virtualmente impossível. Não é possível "fortalecer" a democracia na Venezuela porque há décadas não existe democracia na Venezuela, e a ditadura só se aprofunda.

A diplomacia de Lula da Silva para a Venezuela em seu terceiro mandato é coerente com a dos dois anteriores, na década de 2000, quando assistiu passivamente à gradual captura do Legislativo, do Judiciário, das Forças Armadas e das instituições de controle de Estado pelo regime de Hugo Chávez. Não houve um pio de Brasília diante da demolição do Estado de Direito venezuelano e da imprensa livre e da brutal perseguição à oposição política. O silêncio de Lula jamais resultou em arrefecimento do regime. No entanto, essa mesma estratégia pusilânime prevalece como posição oficial do Brasil.

O governo Lula jamais considerou a possibilidade de integrar o grupo de países da região - entre os quais, os três sócios do Brasil na fundação do Mercosul - que manifesta coletivamente sua preocupação a cada arbitrariedade de Maduro nos últimos meses. Brasília tem se mantido apartada até mesmo de vozes respeitáveis da esquerda, como a do ex-presidente uruguaio Pepe Mujica, que condenam sem rodeios o caráter autoritário do regime venezuelano.

O tardio esboço de surpresa do Itamaraty com a mais recente prova de autoritarismo de Maduro ainda está longe, na forma e no tom, de fazer jus ao interesse brasileiro na condenação inequívoca a qualquer regime autoritário, independentemente de sua coloração ideológica.*


segunda-feira, 25 de março de 2024

O Brasil já viveu na MENTIRA do poder. Agora está vivendo novamente na MENTIRA do poder - Editorial Estadão

 Triste é constatar que TODAS as elites brasileiras, com muito poucas exceções, são cúmplices na mentira que beneficia o roubo, a extorsão, a corrupção e a mendacidade.

Já é assim na política externa, porque seria diferente na política interna?

Paulo Roberto de Almeida

Revisionismo sem vergonha

O Estado de S. Paulo

A volta de Lula deu ânimo adicional aos que pretendem reescrever a história da Lava Jato, como se a corrupção durante os governos do PT não tivesse existido. Mas os fatos se impõem

O programa Especial 10 Anos da Lava Jato, levado ao ar recentemente pela TV Brasil, é um documento histórico. Não por reconstituir com imparcialidade a maior ação de combate à corrupção da história do Brasil, porque isso seria impossível numa TV pública convertida em emissora oficial do PT, mas justamente porque retrata com fidelidade a desfaçatez e a mendacidade do partido de Lula da Silva, ansioso por reescrever a história do período em que as entranhas corruptas do lulopetismo ficaram expostas para todo o País. E nesse revisionismo, diga-se a bem da verdade, o PT e Lula não estão sozinhos – têm a companhia de ministros do Supremo, de empresários corruptos ansiosos para limpar o nome e de políticos interessados em desmoralizar a luta contra a roubalheira.

A volta de Lula da Silva à Presidência certamente deu ânimo adicional aos petistas para distorcer os fatos. Afinal, o chefão petista – aquele que alhures disse que “o mensalão nunca existiu” – vive a alardear que a Lava Jato não passou de uma “conspiração” dos EUA para, por meio do então juiz federal Sérgio Moro, tido por Lula como “capanga” dos norte-americanos, “destruir a indústria de óleo e gás deste país”. Nada menos.

Com uma hora e meia de duração, o tal programa da TV Brasil dedicou somente 1 minuto e 53 segundos à corrupção na Petrobras – e apenas para tratá-la como “pontual”, segundo um sindicalista entrevistado. O resto do tempo foi usado para desancar a Lava Jato, com convidados escolhidos a dedo – todos críticos virulentos da operação.

Esse é o padrão do PT. Nem Lula nem os petistas jamais admitiram a corrupção desvendada pela Lava Jato, malgrado as provas irrefutáveis dos desvios de recursos públicos por meio de contratos fraudulentos entre as maiores empreiteiras do País e a Petrobras. Convenientemente, os erros e abusos cometidos pela força-tarefa da Lava Jato foram usados pelos detratores da operação para desqualificá-la como um todo, como se crimes confessos jamais tivessem sido praticados. Eis o grau da desfaçatez.

Esse discurso revisionista, mais orientado pela mudança dos ventos da política nacional do que pelo apego à verdade factual, contaminou até a atuação do Supremo – Corte que outrora chancelou não uma, mas quase todas as ações da Lava Jato que ora pretende desmoralizar, como se os erros cometidos por alguns membros da força-tarefa tivessem o condão de contaminar a operação em todas as suas dimensões, sobretudo sua dimensão fática.

Talvez se sentindo devedor de Lula, cuja prisão classificou como “um dos maiores erros judiciários da história”, o ministro Dias Toffoli também contribuiu para esse esforço revisionista. Com a volta do petista ao Palácio do Planalto, Toffoli decidiu anular as provas de corrupção e suspender o pagamento de multas impostas à Odebrecht e à J&F por considerar que essas empresas teriam sofrido, ora vejam, “coação institucional” para firmar acordos de colaboração premiada. Em audiência pública recente, no próprio Supremo, nem os prepostos dessas empresas admitiram ter sofrido tal violência estatal.

Mas os fatos insistem em se impor. Levantamento feito pelo Estadão com base em acordos firmados entre os investigados e o Ministério Público mostrou que cinco ex-funcionários de alto escalão da Petrobras aceitaram devolver nada menos que R$ 279,8 milhões ao Tesouro e à empresa. Dessa dinheirama, quase 90% se referem a propinas recebidas por aqueles executivos, subornados por algumas das maiores empreiteiras do Brasil interessadas em obter contratos com a Petrobras. Ao que consta, nenhum desses ex-funcionários corruptos foi coagido pela Lava Jato a confessar que havia embolsado milhões em suborno – e igualmente não há notícia de que o dinheiro que devolveram fosse de mentirinha.

É preciso recolocar as coisas nos seus devidos lugares. Quem quiser acreditar na fábula lulopetista de que o PT e seu chefão foram perseguidos por um poderoso consórcio golpista que envolveu até o FBI, que acredite, pois questões de fé não se discutem. Já quem preza a verdade factual, sem a qual não há democracia, certamente espera que a Lava Jato encontre seu melhor lugar na história

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

A guerra de Lula e do PT contra o Ocidente - Editorial do Estadão

Vou insistir, pela TERCEIRA VEZ, e incitar novamente à leitura deste Editorial do Estadão.

O Brasil pertence ao Ocidente, e NÃO PODE escolher ficar entre as mais execráveis ditaduras antiocidentsis.

O que o Lula e o PT estão fazendo é um CRIME CONTRA A NAÇÃO. Isso precisa ficar claro.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 23/02/2024


A guerra de Lula

Estadão.com.br, 21 de fevereiro de 2024

O presidente Lula da Silva parece ter declarado guerra ao Ocidente. Uma guerra imaginária, claro, mas nesse delírio o petista pretende posicionar o Brasil na vanguarda da luta contra tudo o que simboliza os valores ocidentais - tendo como companheiros de armas um punhado de notórias ditaduras, como China, Rússia, Irã e Venezuela.

A irresponsável declaração de Lula sobre Israel, comparando a campanha israelense contra os terroristas do Hamas ao Holocausto, está perfeitamente alinhada a esse empreendimento ideológico. Não foi, portanto, fortuita nem acidental.

Lula parece empenhado em usar seu terceiro mandato para lançar-se como líder político do tal "Sul Global", uma espécie de aggiornamento do "Terceiro Mundo" dos tempos da guerra fria. Nessa nova ordem, as características distintivas do Ocidente - democracia, economia de mercado e globalização - são confrontadas por regimes autocráticos que buscam reviver o modelo que põe o Estado e a soberania nacional em primeiro lugar, à custa das liberdades individuais, direitos humanos e valores universais, denunciados como armas retóricas das democracias liberais para perpetuar sua supremacia.

No confronto Ocidente-Oriente, a geopolítica e a segurança nacional prevalecem sobre a economia e a globalização. A geopolítica multilateral do pós-guerra se fragmenta em arranjos insuficientes para as necessidades de cooperação ante desafios globais, como mudanças climáticas, pandemias, terrorismo e guerras.

O Brasil não está imune a essas incertezas, mas, comparativamente, tem vantagens. Suas dimensões, sua democracia multiétnica e pacífica e sua economia relativamente industrializada e diversificada o tornam uma potência regional. Seus recursos o colocam numa posição-chave para equacionar o tripé do desenvolvimento sustentável global: segurança alimentar, energética e ambiental.

Nessas águas turvas e tumultuosas, sem grandes instrumentos de poder, o País precisa, para defender interesses nacionais e promover os globais, de sutileza, inteligência e credibilidade. Felizmente, conta com uma tradição diplomática consagrada nos princípios constitucionais do respeito aos direitos humanos, à democracia e à ordem baseada em regras, e corporificada nos quadros técnicos do Itamaraty.

Mas esse capital está sendo dilapidado pela diplomacia sectária do presidente Lula da Silva. Lula já disse que a democracia é relativa. Mas sua política externa é definida por um princípio absoluto: a hostilidade ao Ocidente (o "Norte", os "ricos") e o alinhamento automático a tudo o que lhe é antagônico.

Sua passagem pela África foi um microcosmo desse estado de coisas. Interesses econômicos foram tratados de forma ligeira. Em entrevista, ele se evadiu de cobrar a Rússia e a Venezuela por sua truculência autocrática, ao mesmo tempo que insultou judeus de todo o mundo ao atribuir a Israel práticas comparáveis às dos nazistas.

Seja em conflitos onde o País teria força e autoridade para atuar, como os da América Latina, seja naqueles nos quais não tem força, Lula se alinha ao que há de mais retrógrado e autoritário. Abrindo mão de sua neutralidade, o País se desqualifica como potencial mediador. O Brasil poderia promover seus interesses econômicos e pontos de cooperação com a Eurásia sem prejuízo da defesa de valores civilizacionais comuns ao Ocidente. Mas Lula sacrifica os últimos sem nenhum ganho em relação aos primeiros. Em sua ânsia de se autopromover como líder global dos "pobres" contra os "ricos", reduziu a máquina do Itamaraty a linha auxiliar de sua ideologia maniqueísta e seu voluntarismo narcisista.

A "frente ampla democrática" propagandeada na campanha eleitoral deveria ter sido projetada para as relações internacionais. Mas também aqui ela se mostrou uma fantasia eivada de sectarismo ideológico - arrastando consigo o Brasil, obliterando suas oportunidades de integração econômica e prejudicando possibilidades de cooperação pela promoção da paz, da democracia, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais que a Constituição traçou como norte da diplomacia nacional.


A guerra de Lula -- Editorial Estadão

 Um editorial muito importante para ser lido apenas uma vez:

A guerra de Lula - Editorial Estadão

 A guerra de Lula

Estadão.com.br, 21 de fevereiro de 2024

O presidente Lula da Silva parece ter declarado guerra ao Ocidente. Uma guerra imaginária, claro, mas nesse delírio o petista pretende posicionar o Brasil na vanguarda da luta contra tudo o que simboliza os valores ocidentais - tendo como companheiros de armas um punhado de notórias ditaduras, como China, Rússia, Irã e Venezuela.

A irresponsável declaração de Lula sobre Israel, comparando a campanha israelense contra os terroristas do Hamas ao Holocausto, está perfeitamente alinhada a esse empreendimento ideológico. Não foi, portanto, fortuita nem acidental.

Lula parece empenhado em usar seu terceiro mandato para lançar-se como líder político do tal "Sul Global", uma espécie de aggiornamento do "Terceiro Mundo" dos tempos da guerra fria. Nessa nova ordem, as características distintivas do Ocidente - democracia, economia de mercado e globalização - são confrontadas por regimes autocráticos que buscam reviver o modelo que põe o Estado e a soberania nacional em primeiro lugar, à custa das liberdades individuais, direitos humanos e valores universais, denunciados como armas retóricas das democracias liberais para perpetuar sua supremacia.

No confronto Ocidente-Oriente, a geopolítica e a segurança nacional prevalecem sobre a economia e a globalização. A geopolítica multilateral do pós-guerra se fragmenta em arranjos insuficientes para as necessidades de cooperação ante desafios globais, como mudanças climáticas, pandemias, terrorismo e guerras.

O Brasil não está imune a essas incertezas, mas, comparativamente, tem vantagens. Suas dimensões, sua democracia multiétnica e pacífica e sua economia relativamente industrializada e diversificada o tornam uma potência regional. Seus recursos o colocam numa posição-chave para equacionar o tripé do desenvolvimento sustentável global: segurança alimentar, energética e ambiental.

Nessas águas turvas e tumultuosas, sem grandes instrumentos de poder, o País precisa, para defender interesses nacionais e promover os globais, de sutileza, inteligência e credibilidade. Felizmente, conta com uma tradição diplomática consagrada nos princípios constitucionais do respeito aos direitos humanos, à democracia e à ordem baseada em regras, e corporificada nos quadros técnicos do Itamaraty.

Mas esse capital está sendo dilapidado pela diplomacia sectária do presidente Lula da Silva. Lula já disse que a democracia é relativa. Mas sua política externa é definida por um princípio absoluto: a hostilidade ao Ocidente (o "Norte", os "ricos") e o alinhamento automático a tudo o que lhe é antagônico.

Sua passagem pela África foi um microcosmo desse estado de coisas. Interesses econômicos foram tratados de forma ligeira. Em entrevista, ele se evadiu de cobrar a Rússia e a Venezuela por sua truculência autocrática, ao mesmo tempo que insultou judeus de todo o mundo ao atribuir a Israel práticas comparáveis às dos nazistas.

Seja em conflitos onde o País teria força e autoridade para atuar, como os da América Latina, seja naqueles nos quais não tem força, Lula se alinha ao que há de mais retrógrado e autoritário. Abrindo mão de sua neutralidade, o País se desqualifica como potencial mediador. O Brasil poderia promover seus interesses econômicos e pontos de cooperação com a Eurásia sem prejuízo da defesa de valores civilizacionais comuns ao Ocidente. Mas Lula sacrifica os últimos sem nenhum ganho em relação aos primeiros. Em sua ânsia de se autopromover como líder global dos "pobres" contra os "ricos", reduziu a máquina do Itamaraty a linha auxiliar de sua ideologia maniqueísta e seu voluntarismo narcisista.

A "frente ampla democrática" propagandeada na campanha eleitoral deveria ter sido projetada para as relações internacionais. Mas também aqui ela se mostrou uma fantasia eivada de sectarismo ideológico - arrastando consigo o Brasil, obliterando suas oportunidades de integração econômica e prejudicando possibilidades de cooperação pela promoção da paz, da democracia, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais que a Constituição traçou como norte da diplomacia nacional.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

A guerra de Lula - Editorial Estadão

 A guerra de Lula

Estadão.com.br, 21 de fevereiro de 2024

O presidente Lula da Silva parece ter declarado guerra ao Ocidente. Uma guerra imaginária, claro, mas nesse delírio o petista pretende posicionar o Brasil na vanguarda da luta contra tudo o que simboliza os valores ocidentais - tendo como companheiros de armas um punhado de notórias ditaduras, como China, Rússia, Irã e Venezuela.

A irresponsável declaração de Lula sobre Israel, comparando a campanha israelense contra os terroristas do Hamas ao Holocausto, está perfeitamente alinhada a esse empreendimento ideológico. Não foi, portanto, fortuita nem acidental.

Lula parece empenhado em usar seu terceiro mandato para lançar-se como líder político do tal "Sul Global", uma espécie de aggiornamento do "Terceiro Mundo" dos tempos da guerra fria. Nessa nova ordem, as características distintivas do Ocidente - democracia, economia de mercado e globalização - são confrontadas por regimes autocráticos que buscam reviver o modelo que põe o Estado e a soberania nacional em primeiro lugar, à custa das liberdades individuais, direitos humanos e valores universais, denunciados como armas retóricas das democracias liberais para perpetuar sua supremacia.

No confronto Ocidente-Oriente, a geopolítica e a segurança nacional prevalecem sobre a economia e a globalização. A geopolítica multilateral do pós-guerra se fragmenta em arranjos insuficientes para as necessidades de cooperação ante desafios globais, como mudanças climáticas, pandemias, terrorismo e guerras.

O Brasil não está imune a essas incertezas, mas, comparativamente, tem vantagens. Suas dimensões, sua democracia multiétnica e pacífica e sua economia relativamente industrializada e diversificada o tornam uma potência regional. Seus recursos o colocam numa posição-chave para equacionar o tripé do desenvolvimento sustentável global: segurança alimentar, energética e ambiental.

Nessas águas turvas e tumultuosas, sem grandes instrumentos de poder, o País precisa, para defender interesses nacionais e promover os globais, de sutileza, inteligência e credibilidade. Felizmente, conta com uma tradição diplomática consagrada nos princípios constitucionais do respeito aos direitos humanos, à democracia e à ordem baseada em regras, e corporificada nos quadros técnicos do Itamaraty.

Mas esse capital está sendo dilapidado pela diplomacia sectária do presidente Lula da Silva. Lula já disse que a democracia é relativa. Mas sua política externa é definida por um princípio absoluto: a hostilidade ao Ocidente (o "Norte", os "ricos") e o alinhamento automático a tudo o que lhe é antagônico.

Sua passagem pela África foi um microcosmo desse estado de coisas. Interesses econômicos foram tratados de forma ligeira. Em entrevista, ele se evadiu de cobrar a Rússia e a Venezuela por sua truculência autocrática, ao mesmo tempo que insultou judeus de todo o mundo ao atribuir a Israel práticas comparáveis às dos nazistas.

Seja em conflitos onde o País teria força e autoridade para atuar, como os da América Latina, seja naqueles nos quais não tem força, Lula se alinha ao que há de mais retrógrado e autoritário. Abrindo mão de sua neutralidade, o País se desqualifica como potencial mediador. O Brasil poderia promover seus interesses econômicos e pontos de cooperação com a Eurásia sem prejuízo da defesa de valores civilizacionais comuns ao Ocidente. Mas Lula sacrifica os últimos sem nenhum ganho em relação aos primeiros. Em sua ânsia de se autopromover como líder global dos "pobres" contra os "ricos", reduziu a máquina do Itamaraty a linha auxiliar de sua ideologia maniqueísta e seu voluntarismo narcisista.

A "frente ampla democrática" propagandeada na campanha eleitoral deveria ter sido projetada para as relações internacionais. Mas também aqui ela se mostrou uma fantasia eivada de sectarismo ideológico - arrastando consigo o Brasil, obliterando suas oportunidades de integração econômica e prejudicando possibilidades de cooperação pela promoção da paz, da democracia, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais que a Constituição traçou como norte da diplomacia nacional.