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sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Edmar Bacha diz que Brasil nao tem mais governo - Thais Bilenky (FSP)

Brasil segue ladeira abaixo, diz Bacha
Thais Bilenky de Nova York
Folha de S. Paulo, 9/10/2015

Economista diz em aula nos EUA que raiz da crise atual é política e que país está sem governo e preso ao curto prazo
Um dos idealizadores do Plano Real, ele preferiu não responder sobre corrupção e elogiou o Bolsa Família
Em uma aula de pós-graduação na Universidade Columbia (Nova York), uma das mais prestigiadas do mundo, o economista Edmar Bacha teceu duras críticas ao governo Dilma Rousseff e apresentou um ponto de vista pessimista em relação à recuperação do Brasil.
A Folha assistiu à aula, que aconteceu nesta quarta-feira (7) à noite.

A franqueza com que respondeu a uma pergunta sobre as perspectivas para a economia nacional causou um riso constrangido na sala, ocupada por um grupo de economistas de renome, como José Alexandre Scheinkman, André Lara Resende, Fernando Sotelino, Guillermo Calvo e Albert Fishlow.
"As perspectivas são terríveis", disse, em inglês. "Estamos indo ladeira abaixo e continuaremos ladeira abaixo até que se resolvam problemas centrais."
Um dos formuladores do Plano Real e simpático ao PSDB, Bacha afirmou que o país está desgovernado e que a nova composição ministerial ainda é uma incógnita. "Não temos mais governo. Até agora, só se finge que se faz algo." O ministro Joaquim Levy (Fazenda) "faz o que pode", disse, "mas, como se diz no Brasil, uma andorinha só não faz verão".

BOLSA FAMÍLIA
O economista preferiu pular perguntas sobre o impacto da corrupção e cedeu nas críticas quando perguntado sobre o Bolsa Família, programa de transferência de renda instituído pelo governo Lula. "Estava lá, esperando para ser encontrado." A tecnologia já existia e foi implantada da maneira certa, disse. "E foi esse tremendo sucesso."
Sócio-fundador do centro de estudos Casa das Garças, o economista começou sua exposição com uma comparação entre a baixa produtividade do trabalhador no Brasil e no México.
Depois, foi questionado por estudantes brasileiros e estrangeiros do curso do professor brasileiro Sidney Nakahodo –que dá aulas de desenvolvimento político, social e econômico brasileiro em Columbia.
Bacha argumentou que a raiz da crise é política. Questionado sobre quais medidas o governo deveria adotar, ele disse que não há uma em particular como havia quando da implementação do Plano Real, em 1994. "Não há um problema de fundamento na economia. O que se precisa é de uma visão a longo prazo."
Ele defendeu uma abertura maior da economia e criticou as escolhas dos governos do PT, que, segundo ele, não impediram o inchaço do Estado nem posicionaram o país de forma estratégica no comércio internacional.
Sem citar especificamente a CPMF, cuja recriação é defendida pelo governo, Bacha disse que o país "não precisa de mais impostos".
"No Brasil, a gente taxa muito bem. A [Receita Federal] é uma das instituições mais eficientes do país", ironizou ao citar a carga tributária de 36%, a maior da América Latina.
Para Bacha, é urgente uma contenção dos gastos correntes para diminuir o deficit e abrir espaço para investimentos em infraestrutura e melhoria da educação.
Essa contenção envolveria a reforma da Previdência e a desvinculação das receitas da União, o que daria mais flexibilidade aos recursos previstos no Orçamento.
Ele disse que a adoção da idade mínima para aposentadoria é crucial para diminuir os gastos do governo.

MUDAR O EIXO
Parcerias no chamado eixo Sul-Sul, por exemplo, são pouco produtivas: "A gente deveria ir aonde o mercado está", sustentou. "No Brasil, a gente desenvolveu uma mentalidade de que podemos ser autossuficientes e é difícil enfrentar isso. A primeira coisa que o [ex-presidente] Lula fez ao assumir o governo foi riscar fora a Alca [Área de Livre-Comércio das Américas, criada pelos EUA]."
O economista criticou a baixa competitividade das empresas brasileiras, que estariam acomodadas pela proteção do Estado. "Não há pressão para que alcancem melhor desempenho", disse.
Bacha afirmou que a queda no preço de commodities não deveria afetar o agronegócio brasileiro, que, ainda que em expansão, deveria ser mais forte. "O Brasil é grande o suficiente para não precisar escolher um setor [a desenvolver]: ou manufaturas, ou commodities ou serviços."

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Brasil e Mexico: por que continuam pobres? - Edmar Bacha, Regis Bonelli

 Por que Brasil e México não ficam ricos? 
Edmar Bacha e Regis Bonelli
Edmar Bacha é diretor do IEPE/Casa das Garças.
Regis Bonelli é pesquisador do Ibre-FGV.

Valor Econômico, 21/08/2015

Já se tornou um clichê entre os economistas parafrasear a abertura de Anna Karenina, que todas as famílias felizes são parecidas; as infelizes são infelizes cada uma a sua maneira. Mas a citação é pertinente para descrever as economias do Brasil e do México desde 1980.
Depois de um longo período de prosperidade, ambos os países viram suas taxas de crescimento afundar quase sincronicamente. Tiveram uma década perdida nos anos 1980 e introduziram reformas econômicas liberalizantes nos anos 1990. A ascensão da China fez suas fortunas diferirem na primeira década deste século, beneficiando o Brasil e prejudicando o México. Mas depois da Grande Recessão ambos estão tendo dificuldade para alcançar taxas decentes de crescimento.
Os dois países experimentaram contrações na acumulação de capital que foram profundas e duradouras, associadas aos colapsos do crescimento do PIB a partir do início dos anos 1980. As quedas na acumulação de capital não se deveram, entretanto, a declínios nas taxas de poupança, porque essas permaneceram constantes ou mesmo aumentaram depois de 1980. Os principais culpados pelos desastres foram quedas pronunciadas na produtividade do capital no México e fortes aumentos nos preços relativos do investimento no Brasil. Esses movimentos coincidiram com a crise da dívida do início da década de 1980 e com as subsequentes respostas de política: substituição ineficiente de importações de bens de capital no Brasil e políticas sociais que resultaram em aumento da informalidade no México.
Para se tornar rico um país tem que conseguir integrar-se tanto doméstica quanto internacionalmente
Apesar dessas semelhanças macroeconômicas, quando olhamos a evolução das respectivas estruturas econômicas mais a fundo, descobrimos que Brasil e México se tornaram infelizes cada um a sua maneira.
Na dimensão regional, observamos uma tendência para a desigualdade da renda entre os Estados aumentar no México e diminuir no Brasil desde a década de 1990. A razão aparente é que a atividade manufatureira floresceu no Norte do México, bem integrada com os EUA, mas com poucas ligações com o resto do país. No Brasil, ao contrário, a atividade manufatureira, altamente concentrada em São Paulo, perdeu dinamismo. Enquanto isso, a agricultura e a mineração, que são melhor distribuídas regionalmente, ganharam tração com o superciclo das commodities. Além disso, transferências de renda e políticas de salário mínimo foram mais eficazes para redistribuir renda do que programas similares no México. Mesmo assim, o Brasil continuou sendo um país mais desigual do que o México.
Dados sobre o comportamento da produtividade dos setores que participam ou não do comércio exterior mostram uma tendência para convergência das produtividades relativas no Brasil. Enquanto isso, no México a tendência é de divergência, com os setores que não entram no comércio exterior (serviços, em geral) se atrasando substancialmente em relação aos que participam do comércio exterior (manufaturas e petróleo, predominantemente). Esse resultado é consistente com a visão de que no México os setores que participam do comércio exterior são muito dinâmicos, mas esse dinamismo não extravasa para os setores voltados para o mercado doméstico. Enquanto isso, no Brasil os setores que entram no comércio exterior lutam para alcançar a produtividade dos setores voltados para o mercado interno (basicamente por causa da importância da agricultura nas exportações).
Quando se compara a evolução da produtividade por tamanho das firmas, o quadro para o México é bastante claro: o crescimento da produtividade das firmas grandes é muito maior do que o das firmas médias e pequenas, cuja produtividade, reduzida como já era, caiu ainda mais. A implicação é que, no México, o problema da baixa produtividade deveu-se de forma clara às pequenas e médias empresas, uma proporção alta do emprego nas quais é informal. No Brasil, o quadro é muito diferente: o crescimento da produtividade das empresas pequenas e médias na indústria de transformação foi similar ao observado nas empregas grandes. Lamentavelmente, em empresas de todos tamanhos o crescimento da produtividade foi extremamente baixo.
Constatamos, finalmente, que o México tem uma taxa de informalidade do trabalho mais alta do que o Brasil apesar de ter uma renda per capita mais alta do que a de nosso país. Além disso, lá a informalidade tem permanecido relativamente constante. Isso contrasta com o Brasil, onde a taxa de informalidade declinou substancialmente de 60% para 47% do emprego total no início deste século.
Concluímos que há diferenças relevantes na experiência recente de baixo crescimento dos dois países. O México abriu sua economia para comerciar com o resto do mundo e assim teve sucesso em desenvolver um setor industrial de primeira classe na região Norte mais rica do país. Uma integração doméstica similar não acompanhou essa integração externa. O dinamismo das grandes firmas exportadoras do Norte não se difundiu para as empresas médias e pequenas, informais, voltadas para o mercado interno, das regiões mais pobres do Sul. Como estas geram a maior parte do emprego e uma parte importante da produção total, a consequência foi uma taxa muito baixa de crescimento da produtividade do trabalho como um todo.
A disparidade entre os setores "moderno" e "tradicional" parece haver se ampliado no México. No Brasil, em diversas dimensões esse dualismo diminuiu. O Norte mais pobre cresceu mais rápido do que o Sul mais rico. A agricultura se deu melhor do que a manufatura. As grandes firmas não se sobressaíram em relação às firmas médias e pequenas. A informalidade diminuiu na última década. O problema do Brasil parece ter sido que, em contraste com o México, suas grandes firmas manufatureiras não se integraram à economia mundial e assim viram sua produtividade crescer quase nada. Isso resultou numa alavanca muito fraca para conseguir fazer mover o resto da economia para cima. Deste modo, o país permaneceu numa trajetória de baixo crescimento, exceto quando premiado pela loteria das commodities.
A conclusão é que para se tornar rico um país tem que conseguir integrar-se tanto doméstica quanto internacionalmente. Os colapsos de crescimento do Brasil e do México mostram como é difícil fazer as duas coisas ao mesmo tempo.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

A lendária Terra Brasiliensis - Edmar Bacha

A lendária Terra Brasiliensis
Um conclave de sábios foi convocado para propor uma alternativa à situação desesperançada do país
POR RAMDE AHCAB
O GLOBO, 28/10/2014

Há cem anos, no início do século XXI, realizaram-se renhidas eleições presidenciais que deixaram o país irremediavelmente dividido e polarizado entre distintas crenças e preferências políticas. As regiões ricas reclamavam das transferências fiscais às regiões pobres. Essas, por sua vez, reclamavam dos preços surreais que pagavam pelos produtos que consumiam das regiões ricas. Constatava-se também que havia anos estava o país preso na armadilha da renda média, incapaz de seguir uma trajetória de crescimento que o levasse para o nível de renda dos países que eram então os mais avançados do mundo.
Um conclave de sábios foi então convocado para propor uma alternativa à situação desesperançada em que o país vivia. Os sábios propuseram, os políticos relutaram, mas em plebiscito a população acolheu a proposta de abandonar o caráter unitário da nação e constituir uma confederação de regiões independentes, unidas entre si por um tratado para garantir a paz e o livre trânsito de bens, serviços e pessoas entre elas. Manteve-se o Real como uma moeda comum, gerida por um banco central independente, e criou-se um regime fiscal simples e unificado.
Sete unidades independentes foram constituídas a partir do antigo país:
Ao sul, criou-se a República Gaúcha, formada pelos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. A eles, em tempo, se associou o Uruguai, havendo concordância em fazer de Montevidéu a capital da nova unidade. Como as facções peronistas cada uma puxava para um lado, a Argentina acabou ficando de fora.
Subindo a costa, constituiu-se a Pauliceia Desvairada, ali onde se localizava o Estado de São Paulo. Em plebiscito, a população do Paraná optou por juntar-se à Pauliceia e não aos Gaúchos.
Na costa leste, formou-se o Reino do Samba, composto por Rio de Janeiro e Bahia, levando de roldão o Espírito Santo. Fiel à sua tradição imperial, essa região constituiu-se como uma monarquia constitucional, elegendo Fernando Gabeira para exercer o Poder Moderador.
Adentrando a região leste, formou-se a República do Grande Sertão Veredas, com capital em Belo Horizonte, e incorporando, além de Minas Gerais, os estados de Goiás e Tocantins.
Na direção da fronteira oeste, formou-se a república do Pantanal Brasiliense, compreendida por Mato Grosso do Sul e do Norte e Rondônia, e incluindo a antiga capital do país, onde ficaram confinados os políticos do ancien régime.
Retornando à costa leste, na fronteira norte do reino do samba e indo na direção noroeste até a fronteira com a floresta amazônica, foi criada a República do Engenho e Arte. Membros do Partido dos Tradicionalistas passaram a chamar essa região de Maquiladora Nordestina, pois ela foi a primeira a realizar tratados de livre comércio com os Estados Unidos, a Europa e o Japão. Integrou-se, assim, às cadeias produtivas internacionais e se transformou numa verdadeira potência econômica, o que permitiu não só que dispensasse bolsas e transferências fiscais como se tornasse credora do regime fiscal compartilhado da confederação.
Finalmente, ao norte, foi constituído o Parque Ecossustentável do Amazonas, que recebeu uma grande doação dos países nórdicos. Com esses recursos, foi possível redirecionar a Zona Franca de Manaus para a exportação de produtos florestais ambientalmente corretos, tornando a região um exemplo de desenvolvimento sustentável e um símbolo da paz entre os povos.
Foi assim que há cem anos se constituiu a confederação Terra Brasiliensis, que logo passou a crescer harmonicamente, com equidade e sustentabilidade, para se tornar a região mais próspera e feliz do mundo neste início do século XXII.
Ramde Ahcab recebeu este artigo no ano de 2115 da Era Cristã, de um tataraneto de Edmar Bacha, autor da expressão “Belíndia”, para designar um país em que se misturam a Bélgica e a Índia

Read more: http://oglobo.globo.com/opiniao/a-lendaria-terra-brasiliensis-14379269#ixzz3HVRhKoeD

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Da Belinda a Italordan: as desigualdades regionais no Brasil - The Economist

Comparing Brazil’s states
Welcome to Italordan
Brazil’s income disparities are great, but so is its progress
Jun 14th 2014 | SÃO PAULO | From the print edition / The Economist



IN 1974, to capture the income inequality for which his country was infamous, Edmar Bacha, a Brazilian economist, coined the term “Belíndia”—a small rich Belgium surrounded by a vast poor India. Football players and fans descending on the country for the World Cup, which began this week, will still see several Brazils, if not the disparities of  Belíndia.
As our map of Brazil’s states shows, the richest part of the country, around the capital, Brasília, is not quite at Belgian levels. But it is as wealthy as Italy, measured by GDP per person in 2011 (the latest available data set) at market exchange rates. India, meanwhile, is much poorer than even the most destitute Brazilian states, Maranhão and Piauí, where income per head is three times higher than on the subcontinent and roughly equal to that of Jordan.
Mr Bacha would no doubt cheer that the poorest states have made greatest headway since Brazil last hosted the World Cup in 1950. At the time they were as impoverished as benighted Benin and war-torn Afghanistan were in 2011. Maranhão’s real income per person has risen sixfold in the intervening decades; Piauí’s more than sevenfold, which puts it firmly on the podium of best-performing Brazilian states in the period (not counting the Federal District around Brasília, whose construction only began in 1956).
In all, ten states were poorer in 1950 in real terms than India in 2011; ten were better off. (Today Brazil has 27 states.) The then capital, Rio de Janeiro, was at that time only as well-heeled as Peru is now. Today it has caught up with Estonia. As for Brazil as a whole, in 1950 it barely exceeded contemporary Egyptian levels of prosperity. Today it is on a par with the West Indian island paradise of St Kitts and Nevis. In the past ten years alone 36m Brazilians were brought out of extreme poverty, although critics point to another country, South Korea. In June 1950 it was poorer than Brazil—and on the brink of fratricidal war. Now its GDP per person is nearly double Brazil’s and its income distribution far less skewed.

 Some things are unchanged. Nine of the 13 sides that competed in 1950 are back (although the finals have since ballooned to incorporate 32 teams). As today, the stadiums then were late and over budget. That won’t matter as long as history doesn’t repeat itself on the field: in 1950 Brazil lost in the final to Uruguay.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

O Brasil-avestruz dos companheiros - Edmar Bacha

Ah, tudo seria mais fácil se não existisse o mundo e essa maldita atração dos brasileiros por produtos estrangeiros, melhores e mais baratos, importados ou comprados lá fora...
O mundo, decididamente, atrapalha o Brasil dos companheiros, que é esse Brasil da nova "classe média" a 1.000 reais por mês, contente com o "dez vezes sem juros" dos agiotas nacionais, ou dos pobres se acomodando na esmola mensal do cartão magnético.
Não se preocupem: eles vão conseguir isolar o Brasil desse mundo nefasto...
Paulo Roberto de Almeida 

De costas para o mundo

Edmar Bacha, O Globo, 31/12/2013
O governo acaba de subir de 0,38% para 6,38% o imposto (denominado IOF) sobre cartões de débito, cheques de viagem e saques em moeda estrangeira. O objetivo é reduzir os gastos de turistas brasileiros no exterior, que agora, se quiserem se livrar do imposto, terão que comprar dólares em espécie, com todos os inconvenientes e riscos de serem assaltados que isso implica.
Trata-se de mais uma das desacertadas medidas de encarecimento dos bens e serviços importados que o governo vem adotando em resposta ao déficit das transações comerciais do país com o resto do mundo.
Quando um país tem um excesso de importações sobre exportações tão alto como o Brasil tem, o que ocorre é uma desvalorização de sua moeda em relação ao dólar. Mas o governo teme os efeitos dessa desvalorização sobre a inflação. Por isso, recorre a medidas tópicas de encarecimento de bens e serviços importados que acredita terem menor efeito sobre a inflação do que uma desvalorização da taxa de câmbio.
Outras medidas recentes desse tipo incluem um aumento das tarifas de importação de cem produtos selecionados, uma margem de preferência de 20% para as compras pelo governo de bens produzidos no país, sendo que, no caso de equipamentos hospitalares e medicamentos, a margem de preferência chega a 25%.
Além disso, multas e punições foram instituídas para a venda de equipamentos e insumos para a Petrobras e para a indústria automobilística que não obedecerem aos requisitos de conteúdo local determinados pelo governo. Da mesma forma que com o aumento do IOF sobre o turismo externo, o governo espera que com essas medidas os gastos dos brasileiros no exterior se reduzam, sem ter que desvalorizar o câmbio.
Apesar das medidas protecionistas adotadas pelo governo, o déficit nas transações externas do país continua aumentando. Além disso, a perspectiva de elevação dos juros nos EUA reduz a oferta de dólares para financiar esse déficit.
Em consequência, os agentes do mercado financeiro antecipam que, mais cedo ou mais tarde, o governo terá que deixar o câmbio se desvalorizar. Tratam então de comprar dólares para ganhar com a desvalorização futura esperada. O efeito dessas compras seria desvalorizar o câmbio hoje.
Mas nesse caso, também, o governo procura evitar a desvalorização, vendendo ao mercado financeiro um seguro contra a desvalorização futura, os chamados swaps reversos do Banco Central. Esse seguro tem como lastro as reservas internacionais do Banco Central. Entretanto, o saldo das vendas desse seguro está crescendo dia a dia.
No ritmo atual, estima-se que até o início de 2015 seu valor equivalerá a nada menos do que a metade das reservas internacionais. Trata-se de uma política insustentável, que não tem como prosseguir indefinidamente.
Em tom menor, é uma repetição do que vimos acontecer em 1986, quando o governo de José Sarney adiou para depois das eleições de novembro daquele ano os ajustes que se faziam necessários no Plano Cruzado. Quando esses ajustes foram feitos de forma mambembe no início de 1987, a hiperinflação tomou conta do país.
A hiperinflação não vai voltar em 2015, pois o país é outro, graças ao Plano Real e às reformas que se lhe sucederam. Mas, com as políticas equivocadas que o atual governo persegue em relação ao déficit externo, corremos o risco de haver uma maxidesvalorização após as eleições de outubro de 2014, seguida de forte contenção monetária e fiscal para evitar um aumento da inflação. Isso provocaria recessão e desemprego em 2015. Já vimos esse filme de terror acontecer em 2002 e 2003. E dele só saímos graças ao auge das commodities, que ocorreu a partir de 2004.
Mas pode ser ainda pior do que isso. Caso a atual presidente seja reeleita, dadas suas propensões intervencionistas, ela poderá não resistir à tentação que Lula teve no início de 2004, de abandonar as políticas de austeridade de Palocci e Meirelles e abraçar as alternativas favorecidas pelos economistas do PT.
O que esses economistas fariam para enfrentar a corrida ao dólar está anunciado em diversos artigos publicados por eles na imprensa — trata-se da centralização cambial. A flutuação do dólar seria abolida e se instituiria o monopólio do câmbio por parte do governo. Os dólares seriam racionados para atender às importações essenciais.
O resto das transações externas iria para o mercado negro, como ocorre hoje na Venezuela e na Argentina. Daríamos de vez as costas para o mundo, de forma consistente com a política de avestruz que o atual governo vem adotando desde a crise de 2009.
Edmar Bacha é sócio fundador e diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Garças.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

O debate sobre o PIB e a PNAD: renda e consumo dos mais pobres - EdmarBacha

O pibinho e a pnadona
Edmar Bacha
O Globo, 08/10/2013

Consta que o general Médici, então ocupando a Presidência do país, teria dito, no auge do chamado milagre econômico do regime militar, que "a economia vai bem, mas o povo vai mal". A frase me inspirou a criar, em 1974, a fábula sobre o reino da Belíndia, uma ilha em que poucos belgas eram cercados de muitos indianos. Recentemente, economistas do governo, preocupados com a sequência de "pibinhos" acompanhados de elevada inflação, resolveram partir para a luta e proclamar que "a economia vai mal, mas o povo vai bem". Marcelo Neri tem dado entrevistas dizendo que Belíndia agora tem novo significado: a renda de nossos "belgas" cresce pouco como a dos europeus, mas a renda de nossos "indianos" cresce igual à dos chineses. Será que o Brasil mudou tanto assim, e deixou de ser uma Belíndia para se tornar uma Indiabela? Antes fosse. A realidade é que desde 1980 o país está parado no meio do caminho, incapaz de sair da renda média para se tornar um país rico. A distribuição da renda melhorou a partir da estabilização em 1994 e especialmente nos anos da bonança externa da década passada. Mas essa melhora só foi suficiente para o Brasil deixar de ser o país com a pior distribuição de renda do mundo e continuar no grupo dos países mais desiguais do planeta. Marcelo Neri, em artigo no GLOBO (4 de outubro), se entusiasma com o resultado da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2012, segundo a qual o crescimento da renda por brasileiro teria sido de 8% de 2011 a 2012, um número maior do que o da China. O contraste com o PIB per capita não poderia ser maior, pois este aumentou apenas 0,1% de 2011 a 2012. Como pode o PIB per capita ter se estagnado e a renda per capita na Pnad ter crescido tanto assim? Neri não explica. Apenas assevera que entender o Brasil não é tarefa para amadores e mantém seu otimismo de que em 2013 haverá uma alta na felicidade geral da nação. Euforia ministerial à parte, parece melhor adotar uma atitude mais cautelosa. Caberia, antes de tudo, entender por que os dados da Pnad destoam tanto daqueles do PIB. Tarefa para profissionais, diria o Neri! Infelizmente, os profissionais andam batendo cabeça a respeito desse assunto. Alguns acham que o PIB está subestimado. Outros acham que se trata de conceitos distintos de renda real, pois a renda da Pnad é corrigida pela inflação (INPC) e o PIB é corrigido pelo chamado deflator implícito. Outros notam que o PIB é um conceito muito mais amplo que a renda das famílias na Pnad e que a comparação deveria ser feita, não com o PIB, mas com o consumo das famílias nas contas nacionais. Outros salientam que a Pnad apenas pergunta às pessoas qual foi sua renda em setembro de cada ano, enquanto que o PIB engloba uma massa muito maior de informações e cobre o ano inteiro. Há, finalmente, a questão do salário mínimo, cujo valor real vem sendo reajustado bem acima da inflação há alguns anos. É possível que a renda reportada pelas pessoas à Pnad seja muito influenciada pelo valor do mínimo legal e supere os ganhos financeiros que elas de fato auferem, especialmente quando transitam da informalidade para a formalidade. A evidência de o consumo das famílias nas contas nacionais não acompanhar o crescimento da renda da Pnad seria um indício dessa superestimação. Enquanto os economistas debatem as respostas para o dilema PIB x Pnad, é bom lembrar que o PIB retrata o potencial de produção do país. Se o PIB se mantiver estagnado, mais cedo ou mais tarde toda a população sofrerá. Durante algum tempo, especialmente num país tão desigual quanto o nosso, é possível elevar a renda dos mais pobres através de taxação e transferências, por exemplo. Isso é válido, mas não é sustentável. O Brasil precisa encontrar um caminho em que a distribuição de renda se alie ao crescimento, algo que ainda não conseguimos.

sábado, 28 de setembro de 2013

Brasil dos companheiros: um pais avestruz - Edmar Bacha

Abrir ou abrir, eis a questão

Instituto Millenium, 28 de setembro de 2013
Fonte: Valor Econômico, 27/09/2013
Edmar Bacha
A economia brasileira está enferma. É isso que nos dizem os pibinhos, a inflação alta e a desindustrialização. São sintomas da baixa produtividade do país, que tem a ver com o atraso tecnológico, a escala reduzida e a falta de especialização que caracterizam nossas empresas de modo geral. É o resultado do isolamento econômico que o país se impôs em relação ao comércio internacional com exportações de apenas 12,5% do PIB, que representam menos que 1,3% do total mundial em 2012. Medido pelo PIB, o Brasil responde por 3,3% do total do mundo – número 2,5 vezes maior que sua participação nas exportações mundiais. Enquanto acordos de preferência comercial proliferam mundo afora, o Brasil permanece atado à letargia do Mercosul. Agora que um brasileiro está dirigindo a Organização Mundial do Comércio, é boa hora de reavaliar essa política de isolamento e promover maior integração do país ao comércio internacional.
Os diagnósticos correntes sobre a doença brasileira de elevada inflação combinada com reduzido crescimento corretamente enfatizam o baixo investimento e a alta carga tributária, além da educação precária. Menor presença no debate tem tido um fator de igual ou maior importância do que os anteriores, a saber, a reduzidíssima participação do comércio exterior na atividade econômica do país. Trata-se de uma questão de natureza quantitativa, pois nesse quesito o Brasil é um ponto fora da curva em relação aos demais países, tanto quanto ou mais que na taxa de investimento, na carga tributária ou na qualificação da mão de obra.
Mas trata-se também de uma questão de natureza qualitativa, da estratégia de desenvolvimento. Tentar atacar simultaneamente todas as mazelas que emperram o crescimento do país é uma receita certa para o fracasso, pois não há governo que terá forças para tanto. Melhor concentrar esforços em nós górdios críticos que, uma vez desatados, tenham o condão de forçar o alinhamento dos demais requisitos para o crescimento. Trata-se de uma aplicação do princípio do desenvolvimento desequilibrado sugerido por Albert Hirschman: em lugar de buscar um impossível crescimento simultâneo de todos setores, a melhor estratégia para o desenvolvimento é provocar um desequilíbrio regenerador, forçando os demais requisitos para o desenvolvimento a se alinharem com uma nova realidade. Nesse contexto, Hirschman cunhou o termo exportabilidade para caracterizar como um processo de industrialização poderia levar um país subdesenvolvido para um estágio mais alto de crescimento. Nada de errado com substituir importações, propôs ele, desde que através dessa substituição o país consiga desenvolver novas fontes de exportação. O Brasil deu o primeiro passo, e constituiu uma forte indústria de transformação a partir da substituição de importações. Mas não deu o segundo passo, pois a indústria brasileira produz apenas para o mercado interno e não se integrou às cadeias internacionais de valor.
De acordo com o World Factbook da Central Intelligence Agency dos Estados Unidos, em termos do valor das exportações de mercadorias em 2012 o Brasil ocupou apenas a 25ª posição no mundo, apesar de o PIB brasileiro ter sido o 7º maior do mundo. Trata-se de uma anomalia, pois a Comunidade Europeia ocupou o 1º lugar no mundo, tanto em termos de PIB como de exportações. Os Estados Unidos ocuparam o 2º lugar em termos de PIB e o 3º em exportações. A China ocupou o 3º lugar em termos de PIB e o 2º em exportações. O Japão obteve o 5º lugar, tanto em termos de PIB como em exportações. A Alemanha se posicionou como a 6ª maior economia do mundo e a 4ª maior exportadora em 2012.
O 7º maior exportador do mundo foi a Coreia do Sul, cujo PIB ocupou a 13ª posição no ranking mundial. Ou seja, países ricos ou bem-sucedidos na transição para o Primeiro Mundo são simultaneamente grandes exportadores. O que não acontece com o Brasil. Semelhante ao Brasil, com um PIB grande, mas exportações pequenas, somente está a Índia (11º maior PIB do mundo e 21º maior exportador) – um país pobre que está a duras penas tentando transitar para a classe média. Caberia fazer a objeção de que, apesar de os Estados Unidos serem grandes exportadores, suas exportações de bens e serviços respondem por apenas 13,6% do PIB americano, número pouco maior que o do Brasil. Mas o PIB dos Estados Unidos representa praticamente ¼ do PIB mundial e é quase sete vezes maior que o do Brasil. Além disso, os Estados Unidos operam na fronteira da tecnologia mundial, o que está longe de acontecer com o Brasil.
Quadro igualmente desalentador, do ponto de vista da integração brasileira no comércio mundial, revela-se quando olhamos os valores das importações. Nas estatísticas do Banco Mundial para 2012, a parcela das importações de bens e serviços no PIB do Brasil é de apenas 13%, o menor valor entre todos os 176 países para os quais o banco tem dados. Na Coreia do Sul, a parcela das importações no PIB é 54%. Na Alemanha, 45%. Na China, 27%. Mesmo os Estados Unidos, com sua economia gigantesca, importam 18% do PIB, quase 40% mais que o Brasil.
A conclusão é que vivemos num dos países mais fechados ao comércio exterior. É algo paradoxal, pois, ao mesmo tempo, somos um mercado muito atraente para o investimento direto das multinacionais. Conforme o World Investment Report de 2013 da UNCTAD, o Brasil ocupa a quarta posição no ranking de destinos preferenciais do investimento estrangeiro direto, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, China e Hong Kong. A explicação é que as multinacionais vêm aqui para explorar o mercado interno protegido e não para integrar o país às suas cadeias produtivas mundiais, como ocorre com suas subsidiárias nos países asiáticos. O paradoxo ocorre porque temos uma conta de capital aberta ao fluxo de investimento, mas uma conta corrente fechada ao fluxo de comércio. Trata-se de uma receita certa para o que a literatura econômica denomina de crescimento empobrecedor . As multinacionais lucram ao investir no país, mas o resto da economia definha, ao deslocar para a substituição protegida de importações recursos locais que poderiam ser empregados com maior eficiência em atividades exportadoras.
O isolamento do país em relação ao comércio internacional é preocupante porque a evidência do pós-guerra sugere não haver caminho para o pleno desenvolvimento fora da integração com o resto da comunidade internacional. São poucos os países que conseguiram superar a chamada armadilha da renda média e chegar ao Primeiro Mundo nos últimos 60 anos anos. Alguns, como Israel e os países do Sudeste Asiático – Coreia do Sul, Hong Kong, Cingapura e Taiwan – o fizeram apoiados nas exportações industriais. Outros, como os da periferia europeia – Espanha, Grécia, Irlanda e Portugal – nas exportações de serviços, inclusive de mão de obra. Outros ainda, com abundantes recursos naturais e escassa população, como Austrália, Nova Zelândia e Noruega, nas exportações de commodities. Cada país à sua maneira, explorando suas respectivas dotações de recursos, mas todos eles com uma característica em comum: a crescente integração com o comércio internacional.
A explicação para essa associação entre comércio e riqueza está em que, através da substituição de importações, é possível atrair do campo para a cidade a população predominantemente subempregada na agropecuária. O crescimento da produtividade agregada que esse deslocamento populacional propicia é suficiente para elevar a renda nos estágios iniciais do desenvolvimento. A partir do esgotamento desse manancial de mão de obra, entretanto, ganhos adicionais de produtividade, que levem da renda média para a renda elevada, dependem de empresas com escala, especialização e tecnologia que somente podem ser obtidas através da integração do país ao comércio internacional. Embora o Brasil seja um país relativamente grande, representa apenas 3,3% do PIB mundial e está longe da fronteira tecnológica mundial.
Na década de 1960, a renda per capita da Coreia do Sul era inferior à do Brasil. Sua estratégia de industrialização, entretanto, baseou-se na promoção de exportações, enquanto que o Brasil persistiu na substituição de importações. Em 1970, as exportações de bens e serviços da Coreia do Sul representavam 15% do PIB, enquanto no Brasil essa relação era pouco menos da metade disso, ou 7% do PIB. Cinquenta anos depois, em 2012, o coeficiente de exportações da Coreia do Sul havia se tornado 3,9 vezes maior do que em 1970, situando-se em 58,5% do PIB. Enquanto isso, o coeficiente de exportações do Brasil foi de 12,5% do PIB em 2012, apenas 1,8 vez maior do que em 1970. Visto de outro modo, a Coreia do Sul é hoje um país desenvolvido, com um PIB per capita de US$ 32.800 e uma corrente de comércio (exportações mais importações de bens e serviços) superior ao valor de seu PIB, enquanto o Brasil continua sendo um país de renda média, com um PIB per capita de US$ 12.100 e corrente de comércio inferior a ¼ de seu PIB. Não há dúvida de que o extraordinário potencial exportador da Coreia do Sul está associado à sua excelente infraestrutura, ao avanço tecnológico de suas empresas líderes e à qualidade de sua educação. Mas tudo isso teria sido difícil, se não impossível, de colocar em pé não fora a decisão do governo coreano, já na década de 1960, mas especialmente após o primeiro choque do petróleo, em 1973, de dar exportabilidade a seu processo de industrialização.
Esse é o desafio que o Brasil enfrenta. Para ultrapassar a armadilha da renda média, é imperativo que deixe de ser um dos países mais fechados do mundo ao comércio internacional. Somente aumentando significativamente a participação das exportações no PIB é que deixaremos de ser apenas um exportador de commodities e conseguiremos desenvolver uma indústria e um setor de serviços internacionalmente competitivos. O exemplo da Embraer, que importa 70% do que exporta, indica o caminho para o futuro. O fato de praticamente todas as multinacionais relevantes já terem instalações no país facilita essa transição. Embora as multinacionais tenham vindo para aqui para explorar o mercado interno, não vão abandonar o país, desde que lhes sejam oferecidas alternativas atraentes para, a partir de sua posição privilegiada no mercado interno, desenvolverem uma atividade exportadora complementar às de suas associadas nos demais países do mundo. A presença maciça das multinacionais é um ativo importante para o país poder integrar-se às cadeias mundiais de valor.
Multinacionais vêm aqui para explorar o mercado interno protegido e não para integrar o país às suas cadeias produtivas mundiais


A sugestão para a alternativa integradora é um programa pré-anunciado a ser implantado gradualmente, ao longo de um número de anos. Por ser um programa gradualista, e não um tratamento de choque, haverá que se construir previamente um consenso político e social para sua sustentação. Esse consenso poderá possivelmente ser alcançado a partir de duas constatações.
A primeira é que, se seguirmos no atual curso de isolamento econômico, continuaremos a gerar pibinho atrás de pibinho , sem conseguirmos sair da renda média. A evidência do letárgico comportamento econômico do país nos últimos 30 anos, reiterada no atual mandato presidencial, nos sugere isso fortemente.
A segunda constatação é que os acordos de preferência comercial tornaram-se, nos últimos anos, importante mecanismo de política comercial dos países e, hoje, podem ser considerados característica irreversível da regulação do comércio internacional. Mais recentemente, comunidades com mercados internos muito maiores do que o nosso e na fronteira da tecnologia mundial, como os EUA e a União Europeia, reconhecendo que, no mundo globalizado em que vivemos, precisam unir forças para acelerar seu crescimento, propuseram negociar uma profunda área de livre comércio entre si, a chamada Parceria Transatlântica para o Comércio e o Investimento. A impertinência da postura comercial do Brasil fica assim mais flagrante do que nunca, clamando por um programa de integração que nos libere da atual posição de isolamento.
O programa de integração aqui sugerido tem três pilares: reforma fiscal, substituição de tarifas por câmbio e acordos comerciais, a serem implantados de forma progressiva ao longo de alguns anos.
O objetivo da reforma fiscal, o primeiro pilar do programa, seria permitir uma simplificação e redução da carga tributária sobre as empresas, sem que isso implique um aumento da dívida pública. Parece atrativa uma fórmula adotada por Israel em 2010: fixar um limite superior para o crescimento dos gastos públicos igual à metade do crescimento potencial do PIB, estimado como sendo aquele observado nos últimos dez anos. No caso brasileiro, isso quer dizer um crescimento dos gastos públicos, em termos reais, de 1,5% ao ano. Para reduzir o espaço de manobra para contabilidades criativas que subestimem os aumentos dos gastos (através de orçamentos paralelos, por exemplo), essa meta seria suplementada por limites também para o crescimento da dívida pública bruta. O detalhamento desse pilar seria feito a partir de um estudo sobre os diversos componentes do gasto público e sobre as reformas necessárias para manter sua expansão sob controle.
O primeiro pilar contribuiria para diminuir o custo Brasil , que é o principal problema com que se defrontam as empresas brasileiras para enfrentar a concorrência internacional. O segundo maior problema é o câmbio.
Esse é o tema do segundo pilar da proposta, a saber, a substituição da proteção tarifária contra as importações por uma proteção cambial . Trata-se de anunciar uma redução substancial, a ser implantada de forma progressiva, das tarifas às importações, dos requisitos de conteúdo nacional, das preferências para compras governamentais, das amarras aduaneiras e portuárias, e das especificações técnicas de produtos distintas daquelas adotadas internacionalmente.
Entre as medidas facilitadoras do comércio, está a autorização para que todos os interessados possam utilizar o Despacho Aduaneiro Expresso/Linha Azul, adotado pela Receita Federal para agilizar os trâmites relacionados às operações de comércio exterior. Trata-se de um procedimento especial que atualmente beneficia apenas algumas grandes empresas.
Ainda na categoria das medidas facilitadoras do comércio, deve incluir-se substancial melhoria da infraestrutura portuária e de transportes, através de concessões e parcerias público-privadas. Como demonstram estudos recentes do Banco Interamericano de Desenvolvimento, reduções plausíveis nos custos dos transportes podem trazer aumentos expressivos da exportação do país.
A continuar o atual curso de isolamento econômico, o país só conseguirá gerar pibinho atrás de pibinho , sem sair da renda média


O anúncio dessas medidas antiprotecionistas presumivelmente será feito por um/a presidente convicto/a de sua necessidade e com apoio no Congresso para sua implantação, ou seja, será um anúncio crível. Nesse caso, sob um regime de câmbio flutuante, esse anúncio terá o efeito de desvalorizar o câmbio, pois os agentes financeiros passarão a comprar dólares e a vender reais, para lucrar com o aumento da demanda de dólares que ocorrerá para efetuar as importações adicionais que serão facilitadas.
Esse é o pilar central do plano, pois é ele que, dando acesso a insumos modernos, possibilitará a integração da indústria brasileira ao comércio internacional, à semelhança do que hoje ocorre com a Embraer. Haverá ganhos tecnológicos, de escala e de especialização. Certamente, haverá perdedores, assim como ganhadores. O Brasil (como os Estados Unidos ainda hoje) continuará a ser um grande exportador de commodities, mas dificilmente macros setores inteiros se beneficiarão ou se verão prejudicados pela abertura. É certo que os instrumentos de proteção que serão diminuídos ou eliminados parecem ser hoje mais importantes para a indústria de transformação do que para a agricultura ou a mineração. Entretanto, a indústria será a principal beneficiada da redução de impostos, já que a atividade primária é relativamente menos taxada. Além disso, na margem da expansão do comércio, a indústria de transformação se beneficiará de economias de escala e de especialização que não estão presentes na agricultura, pois esta opera sob um regime de custos crescentes, ao ocupar terras menos produtivas ou mais distantes. Também, embora de forma seletiva, a indústria será a maior beneficiada do acesso a insumos importados mais baratos e de melhor qualidade.
Não é simples o desenho de um mecanismo para a troca proposta das tarifas por câmbio, especialmente por causa da volatilidade da conta de capital e sua importância na determinação da taxa de câmbio. É possível imaginar soluções para esse dilema, através de taxas de câmbio de referência, controles macro prudenciais e outros mecanismos, mas por hora cabe apenas ressaltar a importância da troca das tarifas pelo câmbio. Quando o programa for implantado, se fará a escolha entre as alternativas possíveis, pois ela dependerá de uma série de fatores conjunturais, tais como a situação da conta corrente, o ponto de partida da taxa de câmbio, a distância entre a taxa de inflação e o centro da meta e as perspectivas sobre os fluxos de capital.
O terceiro pilar do programa são os acordos comerciais internacionais. Dado o amplo mercado interno que abrirá às exportações dos demais países, o Brasil estará em condições de fazer negociações vantajosas para a abertura compensatória dos mercados de seus parceiros comerciais. O leque de possibilidades é amplo, envolvendo acordos multilaterais, regionais e bilaterais. O certo é que o país necessitará de liberdade de movimentos e, portanto, deverá flexibilizar as regras de lista comum para a negociação com terceiros países que têm sido observadas no Mercosul.
É importante ter em conta que o programa de integração aqui sugerido é unilateral. Portanto, não está condicionado à realização de acordos comerciais. Entretanto, na definição do sequenciamento da abertura, certamente haverá espaço para fazê-la em primeiro lugar em relação aos países que se proponham assinar acordos comerciais com o Brasil. A abertura em relação aos demais países ficaria mais para o fim do processo. Isso deverá ser estímulo suficiente para induzir nossos parceiros comerciais a logo firmarem esses acordos, para terem acesso mais rápido ao mercado interno brasileiro. Não se pode perder de vista que a troca das tarifas pelo câmbio é uma vantagem em si para o Brasil. Os ganhos comerciais que vierem dos acordos serão adicionais àqueles propiciados por essa política de dinamização do crescimento econômico brasileiro.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

O futuro da industria no Brasil - Edmar Bacha (entrevista) - IstoÉ Dinheiro


"Desvalorizar o real e abrir mais o País dariam um rumo à indústria"
Entrevista: Edmar Bacha
Economista e ex-presidente do BNDES
Por Carla Jimenez
Revista IstoÉ Dinheiro, 2/06/2013

O economista Edmar Bacha, que integrou a equipe criadora do Plano Real em 1994, dirige hoje a Casa das Garças, uma espécie de think tank dedicado ao debate sobre a economia brasileira

O espaço está mais identificado com economistas tucanos, adeptos do neoliberalismo. Mesmo assim, Bacha tem fomentado uma discussão que, segundo ele próprio, deixou alguns amigos neoliberais “de cabelo em pé”. Preocupado com a perda da importância do setor industrial no País, Bacha propõe um projeto ousado, de longo prazo, de trabalhar com um câmbio desvalorizado por um determinado período, para fomentar exportações, ao mesmo tempo que se derrubam as tarifas de importação para ampliar a abertura comercial brasileira. “Mudar a lógica de proteção vai alterar tudo”, afirma Bacha. “A indústria toparia jogar.” Em outras palavras, aumentaria a taxa de investimento e de inovação, necessária para aumentar a produtividade.

DINHEIRO – O sr. tem defendido uma espécie de Plano Real para a indústria a fim de retomar a importância do setor no País. Por onde essa reindustrialização começaria?
EDMAR BACHA – Talvez a palavra mais correta seja reestruturação. Não tenho nenhuma concepção fechada, ou antevisão, de como vamos sair do lado de lá, ou seja, quais serão os setores que encabeçariam essa reindustrialização. A ideia é induzir investimentos a partir do que a indústria já faz hoje, trabalhando com o padrão atual. Trabalhar mudando a lógica de proteção, que vai alterar tudo. O que vai aparecer, não sei exatamente. Mas acredito que serão indústrias com características novas. Primeiro, porque terão de operar com muito mais utilização da tecnologia, pois serão capazes de acessar insumos e bens de capital de última geração mais baratos. Serão empresas que terão escala muito maior, não vão produzir só para 3% do PIB mundial, ou seja, para o mercado brasileiro, mas para 100% do PIB global. Trabalharão com tecnologia, escala e especialização. Não dá para ter só supermercado no Brasil.

DINHEIRO – Um dos pilares da sua proposta é a desvalorização do câmbio, em paralelo à redução do custo das tarifas de importação. Como essa equação funcionaria a favor da indústria?
BACHA – É preciso trabalhar uma proposta integrada. Seria a troca de uma tarifa de importação mais baixa pelo câmbio mais desvalorizado. Dessa forma, a proteção pela tarifa desaparece e, por outro lado, uma tarifa cambial, que é uma medida vertical e serve a todos os setores, beneficiaria as exportações. E aí estou disposto a encarar os meus amigos mais neoliberais que ficam com o cabelo em pé com a minha proposta. O Banco Central teria, nessa transição, uma taxa de referência para compensar essa queda das tarifas e as mudanças nas importações e exportações. Ele trabalharia com uma banda, para modular a maior ou menor oferta de dólares. E, eventualmente, aplicar medidas macroprudenciais. Nesse processo, imagino uma transformação estrutural, de grande monta. Ali na frente, haverá outra indústria.

DINHEIRO – Um câmbio a R$ 2,40, R$ 2,70?
BACHA – Não há um parâmetro específico. Já falei em R$ 2,40, hipoteticamente, mas haveria um valor como referência. O mercado teria de aprender (a encontrar a taxa ideal) a partir da forma com que o governo viesse a intervir. E o BC teria de aprender a trabalhar também dentro desse novo modelo, com o parâmetro das bandas. Ao longo da transição, na medida em que se conclui o processo de eliminar a parafernália do protecionismo, vou alargando os limites até o câmbio flutuar. Outra ponta dessa nova lógica seria investir em novos acordos comerciais. Pois, se vamos abrir o País, é preciso mudar de postura. Vamos voltar à Alca, à Aliança do Pacífico. De modo a assegurarmos uma contrapartida em termos de acesso a novos mercados.

DINHEIRO – Um real desvalorizado não corre o risco de viciar as empresas?
BACHA – Negociações são necessárias, barganhas, para acomodar situações específicas. Durante a implantação do Plano Real, nós fizemos isso. Pedimos aos empresários, em diversas reuniões: “Não aumentem os preços de forma alguma.” É possível fazer as coisas com suavidade. Uma taxa mais vantajosa com a abertura comercial daria um rumo à indústria.
DINHEIRO – Esse modelo ajudaria a aumentar o investimento produtivo da indústria, que anda muito baixo?
BACHA – Suponha que a carga tributária caia de 60% para 40%. Suponha que, em vez de bens de capital, as indústrias possam também importar componentes. Vamos abrir a economia e o câmbio vai se desvalorizar, indo para algo como R$ 2,40. Esse seria o mundo. Eu, que já tenho mercado interno, tenho a oferta de me integrar com o resto. Supondo que a infraestrutura vai finalmente ser resolvida, a indústria toparia jogar. Onde investir? Deixo para o empresário escolher. Claro que é preciso tomar alguns cuidados, olhar com cautela setores mais sensíveis, dar mais prazos para esta ou aquela cadeia.

DINHEIRO – O País tem diversos fatores que desestimulam o investimento, atualmente, como o próprio custo Brasil. Mas a indústria não tem responsabilidade, também, por não fortalecer a oferta, diante de um mercado consumidor aquecido?
BACHA – Com esse câmbio atual e essa tarifa de importação, ouço empresários que dizem preferir não fazer investimentos. Outro ponto: quem entrou atuando dentro dessas regras do jogo, que é para produzir para o mercado interno, deixa as coisas como estão. Por isso, o Brasil vive, hoje, um déficit na balança comercial, a economia não tem produtividade, não vai para lado nenhum. Para exportar produto primário, não precisa inovar. Para o mercado interno, também não. Tudo é protegido. O ambiente econômico não é propício. Numa economia sem rumo, quem vai querer inovar?

DINHEIRO – Pela sua proposta, mudaria a configuração atual do parque industrial?
BACHA – Deixaríamos de importar alguns produtos ou de produzir outros. A indústria poderia se beneficiar da importação de insumos e bens de capital de última geração. Ao contrário da tendência atual de investir na densificação da cadeia. E haveria muito mais concorrência. O mesmo que acontece com a Embraer, um dos poucos exemplos de indústria bem-sucedida, capaz de competir em igualdade de condições com o Exterior.

DINHEIRO – Seria a hora de fazer escolhas?
BACHA – Hoje, o mundo é muito mais globalizado que antes. Muito mais integrado. E tem um personagem chamado China no meio do caminho, que desequilibra o mercado. Mas vai tirar a China do jogo? Não, tem de compatibilizar. Tem um bilhão de pessoas lá e agora temos a Índia, com outro bilhão! Nas décadas de 1970 e 1980, falava-se em substituir importações. Cabia naquela fase, mas não cabe agora. E não se pode repetir a história, já dizia Karl Marx...
DINHEIRO – O sr. tem se posicionado contrário à política de conteúdo nacional do atual governo. Durante o leilão de concessões da Petrobras, no entanto, os lances ofertados superaram o conteúdo mínimo exigido. Os empresários não estão endossando a proposta?
BACHA – Embora tenham ofertado mais que o mínimo, foi menos que a rodada anterior. Antes, as empresas queriam pagar para ver. Conferir se, de fato, a Agência Nacional de Petróleo ia multá-las por não seguir a obrigação. Agora, já estão saindo notícias apontando que a Petrobras vai construir uma sonda no Exterior. Há um ponto cego na questão do conteúdo nacional. Quando o produtor nacional precisa pagar sobrepreço sobre importado e tem uma tarifa estabelecida, de 35%, por exemplo, ele já sabe exatamente quanto tem que pagar a mais para importar: sairão 35% a mais do seu bolso. Quando se trata de conteúdo nacional, não sei quanto estou pagando. Qual grau de ineficiência admito para ter indústria nova? É algo muito restritivo, uma política que força a barra. E torna os custos da Petrobras mais elevados, fazendo com que ela perca valor. Isso é nacionalismo?

DINHEIRO – Mas economistas defendem que há uma curva de aprendizado que fica para o Brasil. O sr. não concorda?
BACHA – Curva de aprendizado era a mesma tese utilizada para a Lei de Informática (de 1984 a 1992, que encarecia os computadores estrangeiros). Nossa experiência não indica nada nesse sentido.

DINHEIRO – O Plano Real só foi possível quando houve consenso nacional, de alto a baixo, de que era necessário debelar a inflação. Uma proposta para a indústria já encontra apoio na sociedade?
BACHA – Deveremos ter consenso sobre um plano para a indústria em menos tempo do que foi necessário na época do Plano Real. Estou surpreso com a repercussão deste debate. A Força Sindical e a União Geral dos Trabalhadores têm citado minhas ideias. A Firjan está fazendo contato, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento In­dus­trial também está interessado. Chegou a hora, a evidência está muito forte de que a economia não vai para lugar nenhum com essa política atual. Ninguém chegou lá sem se integrar com o mundo.

DINHEIRO – Os economistas da Fiesp e da CNI disseram que esse clima de campanha eleitoral antecipada que se instalou no País retarda debates importantes do setor industrial. O sr. concorda?
BACHA - Partilho dessa opinião, é preciso separar uma coisa de outra. Não quero dar contexto partidário ao debate. Se a presidenta Dilma abraçar a ideia, maravilha. Isso é bom para o Brasil. Quem fizer isso vai ficar na história, como ficou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso com o Plano Real. Se será ela, eu não sei. O importante é que se dê conta de que proteger o mercado é legítimo no curto prazo, mas não no longo prazo. Hoje há neoliberais e desenvolvimentistas prestando atenção nesse debate. Não interessa quem, o que importa é o que é bom para o País.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

A tragedia da "politica industrial" do governo (politica?; industrial?) - Mansueto Almeida

Keynesianos de botequim ainda acreditam que o governo é mais esperto que o mercado, e que ele pode desenhar e implementar uma política industrial ótima.
Este economista, e Edmar Bacha, são mais realistas.
Mas quem disse que os keynesianos de botequim do governo estão interessados em críticas construtivas?
Paulo Roberto de Almeida

Segue abaixo um artigo que havia preparado para o VALOR e que foi publicado na edição desta quarta-feira dia 8 de maio. No entanto, por problemas de espaço, a versão publicada é um pouco menor do que o artigo original. Assim, o que reproduzo abaixo é o artigo original que é diferente da versão mais curta publicada no jornal, que não inclui os quatro últimos parágrafos.

Política industrial e equilíbrio fiscal

Por Mansueto Almeida
Valor promoveu um debate interessante entre os professores Edmar Bacha e Luiz Gonzaga Belluzzo sobre o futuro da indústria no Brasil reproduzido no caderno Rumos da Economia, de 2 de maio; e, na edição do dia 6, publicou matéria com o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho. Essas entrevistas contribuem para a discussão do futuro da indústria no Brasil.
Um primeiro ponto destacado pelos três economistas é o reconhecimento que a elevada carga tributária, no Brasil, atrapalha a competitividade da indústria. Estudo recente da Bain e Company para Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) destaca que, em média, 40,3% do preço da indústria no Brasil resulta da elevada carga tributária. Isso não seria problema se a produtividade da indústria e da economia fossem elevadas. Mas não é esse o caso. É recorrente em todas as análises que reduzir a carga tributária é importante para o futuro da indústria no Brasil.
Segundo, os três economistas reconhecem que a taxa de câmbio mais desvalorizada é importante para aumentar a rentabilidade das exportações de manufaturados. No entanto, como conseguir uma taxa de câmbio mais desvalorizada não é consensual. O professor Bacha deixa claro na sua análise, ao falar do controle do crescimento do gasto público, que déficit em conta corrente é resultado do excesso de demanda sobre oferta. O governo, ao tentar fixar “na marra” a taxa de câmbio, apenas ocasionaria mais inflação e não resolveria o problema da indústria. Assim, salvar a indústria passaria, necessariamente, por uma redução do gasto do governo, em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), que permitiria o aumento do investimento público, a redução de carga tributária e uma abertura planejada da economia.
Os outros dois economistas, Belluzzo e Coutinho, reconhecem a necessidade de maior responsabilidade fiscal, mas parecem acreditar que é possível o governo fixar a taxa de câmbio. Os dois passam a impressão que haveria um aumento de oferta decorrente de uma taxa de câmbio mais desvalorizada. No entanto, em uma economia com mercado de trabalho aquecido, maior desvalorização cambial se transforma em inflação e não resolve o problema de competitividade da indústria. Portanto, a necessidade de maior ajuste fiscal aparece novamente, e mesmo Belluzzo confessa que já chegou a defender uma proposta de “déficit (fiscal) nominal zero”.
Terceiro, os três especialistas falam da importância de maior integração das empresas industriais brasileiras às cadeias de produção global. Mas novamente, por trás desse aparente consenso, há divergências de como essa maior integração ocorreria. Bacha defende a redução da exigência de conteúdo nacional e de tarifas de importação. O maior processo de integração de empresas brasileiras ao resto do mundo resultaria da maior abertura, com perdedores e vencedores escolhidos pelo mercado.
Belluzzo e Coutinho, no entanto, acreditam em maior integração a partir de escolhas do governo via política industrial direcionadas a setores mais intensivos em tecnologia e com maior poder de disseminação de inovação para outros setores, por meio do uso de conteúdo nacional e compras governamentais. Os dois economistas parecem acreditar que maior integração com as cadeias globais é importante desde que parcela substancial de algumas cadeias (intensivas em tecnologia) estejam no Brasil.
Bacha e Coutinho utilizam o mesmo exemplo, a Embraer, para defender pontos de vistas totalmente diferentes. Bacha mostra que a Embraer é competitiva porque compra o que há de melhor no mundo para incorporar na sua produção, o que é possível pelo fato de a empresa não estar sujeita às amarras do conteúdo nacional. Coutinho cita o mesmo exemplo de sucesso de política industrial, mas quando questionado pelos repórteres do fato de a empresa ter baixo conteúdo nacional, reconhece que esse não seria o modelo ideal.
Apesar das diferenças comentadas acima, o que surpreende é que todos os três economistas com larga experiência na academia e governo reconhecem a necessidade de uma maior economia fiscal para “salvar a indústria”. No entanto, ao contrário do que poderia sugerir o debate, estamos fazendo exatamente o contrário.
Por exemplo, a agenda de desonerações de setores específicos da indústria está sendo implementada sem que tenha ocorrido um controle do crescimento da despesa pública. Assim, a maior desoneração levará a uma menor economia fiscal e, consequentemente, menor capacidade de o governo aumentar o investimento público. O aumento da dívida e repasses para bancos públicos com o aumento dos subsídios também limitam o espaço fiscal para novas desonerações e aumento do investimento público. Novamente, a agenda de curto prazo para salvar a indústria atrapalha a agenda fiscal de longo prazo da qual depende a indústria. Por fim, a agenda de concessões com o aumento dos subsídios do BNDES para que as novas obras de investimento saiam do papel pesa sobre as contas públicas e, assim, não permite novas desonerações ao longo dos próximos anos.
Em resumo, sem precisar entrar no mérito das ações de política industrial, uma agenda que o presidente do BNDES não cansa de repetir que é “muito complexa”, o que fica claro no debate do futuro da indústria no Brasil é a necessidade de o mesmo estar ligado ao debate fiscal. Infelizmente, não é isso que  está acontecendo e, assim, as ações de curto prazo para estimular o crescimento de indústria e da economia estão aumentando a incerteza do cenário fiscal de médio e longo prazo e, logo, do próprio futuro da indústria. 

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Desindustrializacao: o fantasma atual do Brasil - entrevista com Edmar Bacha

Postado no excelente blog do economista Mansueto Almeida.
Edmar Bacha é economista e coorganizador e coautor de O Futuro da Indústria no Brasil: Desindustrialização em Debate (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013).

Entrevista do professor Edmar Bacha sobre desindustrialização

Segue abaixo o link para uma excelente entrevista de 30 minutos do professor Bacha para TV UNIVESP sobre o livro “O Futuro da Indústria no Brasil” organizado pelo professor Edmar Bacha e Mônica de Bolle.
A entrevista está muito boa e a repórter deixa o professor desenvolver com calma o seu raciocínio. Além disso, a jornalista Mônica Teixeira faz boas perguntas, o que facilita bastante o desenrolar da entrevista. Vale a pena assistir. É uma aula de graça sobre indústria, comércio internacional e crescimento, independentemente de você concordar ou não com as ideias do professor.
Na entrevista, o professor Bacha desenvolve uma tese que não está no livro mas que resulta de suas reflexões sobre o tema. O que fazer para “salvar a indústria”: (1) reduzir conteúdo local e liberar importações, (2) reduzir gasto público para, em seguida, reduzir carga tributária, (3) fazer acordos comerciais para aumentar exportações e importações. A consequência desse plano seria uma taxa de câmbio mais desvalorizada. Mas isso seria um plano de uma década, não um plano para 2 ou 3 anos e começaria pela agenda fiscal (Ele desenvolveu esse argumento em artigo recente no VALOR – clique aqui; mansueto.files.wordpress.com/2013/04/artigo-valor-bacha.pdf)
O professor não detalha a sua proposta para a reforma fiscal. Ele sugere uma regra de bolso: crescimento do gasto público (real) passa a ser metade do crescimento do PIB real. Isso é mais complicado do que parece, mas está lançado o desafio.

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quarta-feira, 3 de abril de 2013

Edmar Bacha: esse menino vai longe (ja' foi...) - Entrevistas, impressa e televisiva

Meses atrás, postei a entrevista abaixo com um dos melhores e mais brilhantes economistas brasileiros das últimas cinco décadas. Eu pelo menos, conheço textos de Edmar Bacha desde o final dos anos 1960, quando ele começou na UnB e publicou a primeira sugestão (não testada, na época) de substituir a contribuição previdenciária obrigatória sobre a folha salarial (que encarece o preço da mão-de-obra e inibe o emprego de mais trabalhadores) por uma taxa sobre o valor agregado. É o que governo vem tentando fazer agora, setorialmente, o que certamente é uma burrice, pois cria dois regimes, numa área tão sensível. Não tenho certeza de que seja uma boa ideia, mas Bacha logo em seguida ficou famoso, com seu slogan sobre a Belíndia, que era o Brasil (continua sendo, a despeito de tudo).
Como ele acaba de dar uma nova entrevista, retomando os mesmos temas do protecionismo comercial e do fechamento do Brasil (e o governo vem se esforçando para fechá-lo mais ainda; ou seria fexá-lo, segundo a nova terminologia do MEC?), no programa do Jô Soares (que fala demais, em assuntos que não entende), coloco novamente a primeira entrevista, para benefício dos leitores (e para os que querem ler apenas, e não assistir ao programa televisivo).
 Paulo Roberto de Almeida

Entrevista no Jô Soares:
http://globotv.globo.com/rede-globo/programa-do-jo/t/entrevistas/v/edmar-bacha-lanca-livro-sobre-processo-de-desindustrializacao-do-pais/2493461/

Blog Diplomatizzando, terça-feira, 4 de dezembro de 2012


Neoprotecionismo brasileiro atrasa o pais - Edmar Bacha

'Esse neoprotecionismo do governo está errado'
FERNANDO DANTAS / RIO
O Estado de S.Paulo, 02 de dezembro de 2012
Para o economista tucano Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real, a política econômica prejudica o investimento e a produtividade, e é um das causas do baixo crescimento recente.

O economista Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real, tem duras críticas à atual política econômica, que ele considera responsável pelo pífio crescimento do governo de Dilma Rousseff, que voltou ao foco com o mau resultado do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre. Bacha considera que o Brasil vive um "neoprotecionismo geiseliano" (do ex-presidente Ernesto Geisel), que está empurrando a economia no caminho contrário ao necessário, comprometendo a competição e o aumento da produtividade.
Parte dessas preocupações pode ser encontrada na introdução e nos diversos capítulos do recém-lançado livro Belíndia 2.0/Fábulas e Ensaios sobre o País dos Contrastes. A obra é um grande balanço da economia brasileira e do trabalho intelectual de Bacha desde os anos 70, com artigos clássicos (vários deles em forma de fábula), como o que dá nome ao livro, e tratava da distribuição de renda. Ao longo de Belíndia 2.0, questões brasileiras como inflação, crescimento, juros elevados, desigualdade, política social e desindustrialização são tratados em diversos artigos do economista, vários deles em coautoria com outros especialistas.
Sócio fundador e atual diretor do Instituto de Estudos em Política Econômica da Casa das Garças (Iepe/CdG), no Rio, ligado à PUC-Rio, Bacha é politicamente um tucano sem papas na língua para criticar o governo adversário do PT. Ele ocupou cargos importantes no governo, como a presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O que o sr. achou do PIB do terceiro trimestre?
Impressionante, a queda do investimento foi uma coisa assustadora. Aliás, o problema do investimento é um dos temas mais importantes que eu trato no meu livro.
Quais são as conclusões?
Todo mundo fala da poupança baixa e do custo do capital, mas ninguém discute o preço inicial dos bens de capital, que é muito elevado no Brasil. O que eu e o Regis Bonelli (economista do Instituto de Política Econômica Aplicada) levantamos de maneira muito sistemática é que o preço dos bens de capital cresce extraordinariamente no Brasil ao longo do processo de industrialização. E hoje, apesar de ter parado de crescer a partir de 1994, com a abertura, ainda é elevadíssimo, do ponto de vista da nossa história passada e das comparações mundiais. Recente artigo de Vinicius Carrasco e de João Manuel Pinho de Mello (economistas da PUC-Rio) mostra que o vergalhão de aço no Brasil é duas vezes mais caro do que o padrão internacional.
Qual a explicação para isso?
Recentemente, eu e o Regis fizemos uma revisão desse artigo para o livro Desenvolvimento Econômico: Uma Perspectiva Brasileira, organizado pelo (economista) Fabio Giambiagi, que está para ser publicado. Nós exploramos econometricamente algumas razões. Uma delas é que, à medida que a gente substituiu máquina importada por máquina nacional, houve aumento do preço do bem de investimento. E nós estimamos esse fato, que é importante.
E por que isso acontece?
Acredito que parte do problema sejam os oligopólios, que estão por trás dos insumos que entram na construção, como no caso do aço. A construção é um componente muito importante do investimento. Como a produtividade dela cresce menos que o PIB, o preço relativo aumenta, para compensar. Eu presumo, embora não tenha evidência empírica, que a mesma coisa que acontece com o aço ocorra com o cimento, com as máquinas nacionais comparadas às importadas. E, finalmente, tem um estudo da (consultoria) McKinsey, do fim dos anos 90, sobre a produtividade no Brasil e uma das constatações foi sobre como a indústria de construção era atrasada naquela época, com produtividade extraordinariamente inferior ao padrão mundial.
Esse problema do investimento caro é comum em outros países?
Não, é uma anomalia brasileira. No mundo, o preço relativo do bem de investimento tende a ser constante. Só no Brasil é que ele sobe ao longo do tempo e não converge para a média. Ele subiu até 1994, e depois estabilizou lá em cima. Tudo o que a gente fez foi deter o processo, com a estabilização e a abertura. Mas não conseguimos reverter.
E por que não?
Porque somos uma economia fechada. Com todas as reclamações que você ouve dos industriais paulistas sobre importações no Brasil, o Brasil é a economia mais fechada do mundo.
Como o sr. vê a política atual do governo em relação a esse problema?
Escrevo na introdução do meu livro que estou preocupado com a natureza da política econômica, que não está voltada para resolver nossos problemas. Estamos revertendo para um sistema protecionista, cujo resultado é aumentar ainda mais o custo do investimento. Todo esse sistema de exigência de conteúdo nacional que se espalha por aí, pela indústria automobilística, do petróleo, nas ações do BNDES em geral - com isso, você está forçando os investidores a comprarem bens mais caros. Portanto, o financiamento que eles têm gera menos capital físico. E esse é um problema histórico que nós temos. Estávamos tendendo a resolver com a abertura comercial e com a estabilização. E agora tem esse processo de reversão ao protecionismo. Além do conteúdo nacional, tem o aumento das tarifas de bens importados.
Por que, na sua opinião, o governo tem essa estratégia?
É basicamente essa propensão a proteger o mercado interno. O ministro da Fazenda (Guido Mantega) e a presidente da República (Dilma Rousseff) dizem que 'face à crise lá fora, estão todos olhando o nosso mercado interno, e a gente tem de protegê-lo contra a guerra cambial, o tsunami monetário, o dumping chinês' - isso é um absurdo, porque o problema brasileiro é essa baixa produtividade. E não vamos conseguir alta produtividade enquanto tivermos a economia fechada, protegida, monopolizada e dependente do Estado. Temos de promover concorrência, temos de arejar esse sistema, temos de fazer com que a nossa indústria se integre às correntes internacionais de comércio, em vez de querer produzir tudo e qualquer coisa aqui dentro. Que é de novo essa mentalidade 'geiseliana'. Que foi o que gerou os nosso problemas. Ao fazer isso, você vai tornando a economia cada vez menos produtiva.
Mas o Brasil cresceu bem até o final do governo Lula.
Nós tínhamos as commodities subindo de preço, e podíamos absorver mão de obra desempregada ou na informalidade, durante esse período de 2005 a 2011. Mas agora acabou a história. Os estudos do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) estão mostrando: a queda do desemprego chegou ao limite, a queda da informalidade também chegou ao limite, e agora nós precisamos de produtividade. Não dá mais para incorporar mão de obra. E de onde vamos tirar essa produtividade? Precisamos investir mais. Sim, mas precisamos investir nas coisas certas, fazer o investimento mais barato, e não o mais caro.
Bem, o investimento estrangeiro no Brasil ainda está em níveis muito altos.
Claro, você protege o mercado, não deixa importação entrar, o mercado é razoável. Eles vêm e compram a Amil. 'Vamos explorar esse pessoal aqui.' Então, é um investimento para explorar o mercado interno protegido. Isso é coisa boa? Não, para mim é uma coisa ruim. Porque a última coisa que esses investidores externos querem do governo brasileiro é que a economia se abra para a importações. Me lembro quando estava no banco BBA, eu ia conversar com os investidores e eles perguntavam 'Você acha que vai voltar a abertura?' Não se investe no Brasil, como se investe hoje no México, por exemplo, ou no Chile, ou no Peru, ou na Colômbia, para integrar a indústria local às correntes de comércio internacional. Nós investimos para evitar a integração. Isso é um absurdo. Se na concessão de infraestrutura à iniciativa privada estamos marchando, ainda que a fórceps, na direção certa, no problema de incentivar o investimento produtivo do setor privado, de demanda final, estamos caminhando na direção contrária à necessária. É um política econômica equivocada.
Como o sr. vê a situação de juros, câmbio e inflação?
O juro real está caindo, pode ser que dê certo. Mas você quer que os juros caiam, e a inflação também caia. Os juros caíram, mas a inflação está lá, ameaçando o topo da meta. O que permite ao Brasil fazer esse experimento, de trazer os juros até o nível bastante baixo de hoje, é a crise internacional. Quanto ao câmbio, eu prefiro que ele seja flutuante. Aliás, o governo está muito frustrado, porque ele fez duas coisas: manteve o câmbio artificialmente desvalorizado, com controle de capital, comprando mais reservas, e abaixou os juros mais ou menos na marra. Do ponto de vista de alguns economistas, dos economistas que estão no governo, isso deveria ter resolvido o problema, porque o problema do Brasil era juro e câmbio. E, de repente, apesar dessa combinação, o Brasil começa a ter 'pibinhos' atrás de 'pibinhos'. E não é um problema que vem lá de fora, porque os nossos vizinhos latino-americanos não estão tendo 'pibinhos'. Estão tendo PIBs muito bons.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Brasil: a nova agenda social - livro de Edmar Bacha e Simon Schwartzman (orgs.)


Brasil : a nova agenda social / Edmar Lisboa Bacha, Simon Schwartzman (organizadores).
Rio de Janeiro : LTC, 2011.

Introdução -  Edmar Lisboa Bacha e Simon Schwartzman

Parte 1 – Políticas de Saúde

2. Uma Nota sobre o Princípio da Integralidade do SUS – Mônica Viegas Andrade e Kenya Noronha

Parte 2 – Previdência Social e Políticas de Renda

4. Previdência Social: Uma Agenda de Reformas – Paulo Tafner e Fabio Giambiagi
7. O Contrato Social da Redemocratização -Samuel de Abreu Pessoa

Parte 3 – Políticas de Educação

10. Pré-Escola, Horas-Aula, Ensino Médio e Avaliação – Naercio Aquino Menezes Filho

Parte 4 – Políticas de Segurança Pública

12. Segurança Pública nas Grandes Cidades - Sergio Guimarães Ferreira

Bibliografia

Índice remissivo

Sobre os Autores