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sábado, 9 de setembro de 2017

O mito da reducao da desigualdade de renda na era lulopetista - FSP

Um dos mais propalados mitos -- ou seria mentira? -- da era lulopetista acaba de ruir: a de que suas políticas teriam conduzido a uma redução da alta concentração de renda no Brasil.
Nem poderia.
A despeito das alegações -- fabricadas, mentirosas -- todas as políticas operaram sempre em favor dos mais ricos, junto aos quais a organização criminosa ia buscar o dinheiro para o seu próprio enriquecimento e para montar um gigantesco esquema de corrução para garantir o seu monopólio de poder.
Paulo Roberto de Almeida


Desigualdade de renda no Brasil não caiu entre 2001 e 2015, aponta estudo
Folha de S.Paulo, 9 de setembro de 2017

A desigualdade de renda no Brasil não caiu entre 2001 e 2015 e permanece em níveis "chocantes", de acordo com um estudo feito pelo World Wealth and Income Database, instituto de pesquisa codirigido pelo economista Thomas Piketty, conhecido por seus estudos sobre desigualdade com a obra "O Capital no Século 21". 
Segundo a pesquisa, os 10% mais ricos da população aumentaram sua fatia na renda nacional de 54% para 55%, enquanto os 50% mais pobres ampliaram sua participação de 11% para 12% no período. Esse crescimento foi feito às custas de uma queda da participação de dois pontos percentuais dos 40% que estão entre os dois extremos (de 34% para 32%). O crescimento econômico observado no Brasil no período teve pouco impacto na redução da desigualdade porque foi capturado principalmente pelos 10% mais ricos, que ficaram com 61% da expansão observada no período. Já a metade mais pobre da população foi beneficiada com apenas 18% desses ganhos. "Em resumo, a desigualdade total de renda no Brasil parece ser muito resiliente à mudança, ao menos no médio prazo, principalmente em razão da extrema concentração de capital e seus fluxos de renda", conclui o estudo. 
O estudo do World Wealth and Income Database, assinado pelo economista Marc Morgan, vai na contramão de indicadores como o índice de Gini, que mostra a desigualdade, o qual indicou que houve uma melhora do cenário no Brasil, atribuída às políticas de redistribuição de renda dos governos do PT, como o Bolsa Família, e à política de valorização do salário mínimo, cujo valor real aumentou cerca de 50% no período. Com base nesses indicadores, os governos Lula e Dilma defenderam que houve redução na desigualdade durante suas gestões – o que o estudo questiona. 
Os resultados mais recentes estão em linha com os observados pelos pesquisadores Marcelo Medeiros, Pedro Souza e Fábio de Castro, da Universidade de Brasília, que identificaram uma estabilidade no nível de desigualdade entre 2006 e 2012. "A redistribuição que houve nos anos 2000 foi sobretudo na base da pirâmide, pelo aumento do salário dos trabalhadores menos qualificado por meio da valorização do salário mínimo e demanda maior por esses trabalhadores nos setores de serviços e construção naqueles anos", diz a economista da USP e colunista da Folha Laura Carvalho.
 "Os mais ricos continuaram se apropriando de uma parcela muitíssimo elevada da renda, que pode ser explicada pela alta concentração de riqueza financeira e não financeira no Brasil, além dos juros altos", completa. 
Segundo o estudo, a participação do Bolsa Família e do Benefício da Prestação Continuada (BPC) na renda total nacional foi de 1%, em média, nesses 15 anos. Apesar da contribuição total pequena, esses programas elevaram a taxa de crescimento da fatia dos 50% mais pobres de 9% para 21%.
Uma das explicações para a discrepância é a metodologia adotada. O estudo do World Wealth and Income Database leva em conta dados da Receita Federal e das contas nacionais no cálculo, o que minimiza o problema de pesquisas com base em declarações de entrevistados, como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad, do IBGE), nas quais os mais ricos tendem a omitir sua renda. Esther Dweck, assessora econômica do Ministério do Planejamento entre 2011 e 2016, afirma que não é possível medir se a situação de quem estava abaixo da linha da pobreza melhorou pelo estudo. "A renda dos mais miseráveis não é medida pelo Imposto de Renda, porque eles não declaram. Esse é um estudo que capta bem a situação do 1%, que não ganha com trabalho." "De fato, pela Pnad, os números pareciam melhores. 
O estudo mostra que, no Brasil, não conseguimos fazer uma política de redistribuição na riqueza de forma mais estruturante", diz Dweck. Assim, o levantamento chegou a uma média de renda anual de US$ 541 mil (R$ 1,6 milhão) entre o 1% mais rico da população (cerca de 1,4 milhão de pessoas) em 2015 —superior à renda média do top 1% francês (US$ 450 mil a US$ 500 mil). 
Ao mesmo tempo, a renda média dos 90% mais pobres no Brasil equivale à média dos 20% mais pobres da França. Os mais ricos no Brasil têm, então, uma renda superior aos mais ricos da França, enquanto a maioria dos brasileiros têm renda equivalente aos franceses mais pobres. Para Carvalho, são os dados comparativos com outros países os resultados mais chocantes da pesquisa.



sábado, 24 de setembro de 2016

Quando vao prender os principais criminosos politicos? Esses mesmos que todos sabem quem sao?

Sinais da Lava Jato servem de alerta para Dilma Rousseff
- Leandro Colon
Folha de S. Paulo, sábado, 24 de setembro de 2016

Os investigadores da Lava Jato em Curitiba, em meio a "coincidências infelizes" e arroubos de estrelismo, emitem sinais que deveriam servir de alerta à ex-presidente Dilma Rousseff.

A prisão relâmpago de cinco horas de Guido Mantega trouxe a história de que Eike Batista teria recebido um pedido de R$ 5 milhões do ex-ministro para pagar dívidas do PT.

Segundo as palavras de Eike, os recursos eram para o partido "acertar as contas". A conversa indecente, afirmou, ocorreu no dia 1º de novembro de 2012 em uma reunião no gabinete de Guido Mantega na Fazenda.

Pela versão do ex-bilionário, o ex-ministro não se constrangeu em pedir dinheiro ao PT dentro de uma sala na Esplanada dos Ministérios.

Eike apresentou documentos sobre o repasse feito por ele por meio de João Santana e Mônica Moura.

Pendente de confirmação, o conteúdo da conversa dele com Mantega transforma em piada de salão o vídeo de 2005, raiz do escândalo do mensalão, em que o então servidor dos Correios Maurício Marinho cobra R$ 3.000,00 de propina em diálogo flagrado no prédio da estatal.

Se comprovado, o teor da reunião na Fazenda há quatros anos fragiliza os argumentos de Dilma e aliados de que o esquema da Petrobras não tinha o conhecimento do Planalto.

A agenda oficial de Mantega confirma que ele recebeu Eike em 1º de novembro de 2012. Duas horas antes, o ex-ministro e Dilma despacharam.

A 34º fase da Lava Jato mira sem pudor o elo financeiro do esquema do petrolão e seus laços com o primeiro escalão dos governos petistas.

A investigação mandou para a cadeia o tesoureiro do PT, o marqueteiro do partido, figurões como José Dirceu e agora fecha o cerco ao ex-presidente Lula, réu em duas ações.

Com a cassação do mandato presidencial, Dilma Rousseff perdeu o foro privilegiado que a blindava dos atos de Curitiba. Costuma-se dizer em Brasília que a Lava Jato caminha meses à frente de todos nós.

domingo, 11 de setembro de 2016

11 de Setembro: um dia que ficou na Historia: reportagens do dia 12/09/2001 (FSP)

FOLHA DE S.PAULO
12 de setembro de 2001

HORROR EM NOVA YORK
Corpos e destroços compõem o cenário

Além de ar sufocante, calor e fogo, há um desagradável cheiro doce de queimado, que embrulha o estômago

SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK

A ponte que ligava as duas torres do World Trade Center está a 10 metros, caída no chão sobre dois carros da polícia e quatro caminhões dos bombeiros. Cedeu quando a primeira torre veio ao chão. Dois enfermeiros carregam uma maca com o corpo de um bombeiro. Ele está decapitado.
Protegido por uma máscara que consegui com um dos bombeiros, pude ultrapassar três bloqueios policiais e estou a poucos passos dos fundos do que sobrou das estruturas das duas torres. O ar está tomado por uma mistura de pó branco com fumaça preta. É meio-dia, o sol brilha alto, mas ao lado do World Trade Center está escuro como noite.
Além do ar sufocante e do calor que emana das duas construções em fogo, há um desagradável cheiro doce de queimado, que embrulha o estômago.
O barulho dos alarmes de incêndio dos prédios vizinhos, todos disparados, se junta aos alarmes dos carros que não foram completamente queimados e às sirenes das ambulâncias e das viaturas que conseguiram escapar do segundo desabamento.

Desordem
Não há uma ordem aparente. Policiais chegam, sozinhos ou em duplas, e gritam ordens, que são modificadas pelo chefe dos bombeiros, que se sobrepõe aos agentes do FBI. No meio da confusão, enfermeiros, paramédicos e voluntários não sabem o que fazer.
Eles são os que sobraram, a terceira leva do resgate. A primeira foi quase toda soterrada pelo primeiro desabamento. Parte da segunda, que foi enviada para tentar resgatar a primeira, está sob os escombros do segundo desabamento. A terceira é de bombeiros que estavam de folga, enfermeiros aposentados, policiais de outros bairros da cidade, agentes mais acostumados ao trabalho atrás das mesas, estudantes de medicina e de enfermagem.
De vez em quando, todos se entreolham assustados: um dos canos de gás que ainda resiste na estrutura dos prédios explode, fazendo um barulho desagradavelmente parecido com o das bombas de minutos atrás. Cães farejadores começam a latir e a vasculhar pedras, atrás de corpos.

Primeiro desabamento

O escritório da Folha em Nova York fica a cerca de 15 quadras do local da explosão, ambos no sul da ilha de Manhattan, em Nova York. Desde que ouvi as primeiras sirenes e barulhos de helicópteros, fui para as ruas tentar chegar ao World Trade Center.
Em questão de minutos, o serviço do metrô foi interrompido. Logo as ruas foram invadidas por pessoas, que tomaram os táxis e os ônibus, já parados pelo tráfego. A solução foi caminhar. Descendo a Terceira Avenida, o primeiro susto: uma das duas torres que até então estavam lá, à vista, desaba numa nuvem de poeira.
Nenhum barulho, nenhuma alteração. As lojas ainda estão funcionando, a bilheteria do cinema ainda vende ingressos. Até que as primeiras notícias começam a chegar pelo boca-a-boca. Realmente, a torre desabou. Começam a se formar filas nos poucos telefones públicos que ainda funcionam. Os primeiros gritos.
Todos tentam em vão falar nos celulares, que estão fora do ar. Um casal atravessa a rua correndo e chorando. Dois amigos se abraçam com lágrimas nos olhos. Uma senhora leva as mãos à cabeça e pergunta: "Por quê? Por quê?" Grupinhos assustados vão se formando nas esquinas.
Já na altura da Quinta Avenida, com uma visão mais completa da torre que sobrou, tomo o segundo susto. É como uma batida de carro. Um ruído surdo e seco, alguns berros. Um silêncio. E então a correria nas ruas, o desespero, o pânico. A segunda torre acaba de desabar, ali, aos olhos de todos, em nova nuvem de poeira.
Consigo chegar à parte de trás do que ontem de manhã era o prédio mais alto da cidade. O cenário é de guerra. Todos os edifícios num raio de três quarteirões sofreram pelo menos algum abalo. Alguns ainda correm risco de desabamento.
A poucos passos de uma das entradas da segunda torre do prédio, um telefone público teve o gancho arrancado. Sobre o aparelho, um saquinho com um resto de maconha. No chão, perto de um dos carros queimados, um chapéu de policial pisado faz companhia para duas botas destruídas numa poça de sangue.
Perto das 13h, com o fogo aparentemente controlado e sem perspectivas de novos desabamentos, uma nova leva de salvamento, a quarta do dia, começa a chegar. São dezenas de homens, que andam juntos arrancando mais poeira do chão, numa imagem que remete ao Velho Oeste.
Batalhões de voluntários, bombeiros, médicos e policiais passam a se aproximar em blocos do prédio para verificar se há sobreviventes. Mas não há. Em minutos, macas começam a ser tiradas. São corpos esmagados, na maioria policiais e bombeiros, cobertos de pó branco e sangue.
Nesse momento, sou expulso do lugar.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1209200143.htm

**

GUERRA NA AMÉRICA
Na torre, "o chão parecia uma geléia", conta paulista
Multidão se espreme em escadas cheias de fumaça; saídas estavam bloqueadas
Elevadores caíram; ordem era correr, com mãos ao alto, sem olhar para trás

SÍLVIA CORRÊA
PALOMA COTES
DA REPORTAGEM LOCAL

"O prédio tremeu. O chão parecia uma geléia. Levantou um metro para lá, um para cá. As pessoas caíam. As coisas caíam. Foram uns dez segundos eternos."
Foi essa a sensação do paulista Guilherme Castro, 27, operador de uma corretora do mercado financeiro que trabalhava no 25º andar da torre 1 do World Trade Center ontem de manhã. O tremor que ele narra foi consequência do impacto causado pela batida do primeiro avião.
O andar era aberto, sem divisórias. Havia mais de 1.500 pessoas nele. De repente, a explosão.
"Foi muito forte. As pessoas se agarravam às coisas e se olhavam, desesperadas. Eu tinha certeza de que era uma bomba, mas não sabia se vinha de cima ou de baixo. O prédio balançou, inacreditavelmente. Vum... Vum... Tive certeza de que ia morrer", relatou ele.
O desespero aumentou quando o tremor passou. As janelas do prédio não abriam. "Tentei quebrar uma delas. Queria olhar para fora e ver o que estava havendo. Outras pessoas tiveram a mesma reação, mas não conseguíamos romper os vidros", continuou Raul Paulo Costa, 33, também operador da Garban Intercapital, que estava no mesmo 25º andar.
"Sem abrir o vidro, olhei pela janela e vi coisas caindo. Pareciam pedaços do prédio, pessoas, sei lá. Saí correndo, procurando a escada. Deixei tudo para trás", completou Castro. Na mesa ficaram documentos da empresa e de clientes, chave de casa, telefone.
Na fuga, outro capítulo do pânico. Segundo Costa, havia algumas saídas fechadas, o que causou tumulto nos andares. Mas as pessoas acharam outras rotas e, em segundos, as escadas lotaram.
"As pessoas pediam calma. Choravam. Havia muita fumaça e era difícil respirar", narrou Castro, que envolveu a cabeça na camisa como a maioria dos que tentavam escapar pelas escadas.
Para ele, foram 20 minutos até o térreo. Para o colega Costa, foi uma hora. "Foram os minutos mais longos da minha vida. Depois de um certo tempo, não acreditava mais que fosse sair vivo daquele horror", descreveu Costa.
No térreo, os brasileiros viram, em pedaços, as mais claras imagens da tragédia. "Estava tudo destruído. Os elevadores despencaram. Estavam com as portas em pedaços, amassados. No chão, tinha água, fios, vidro. Partes do teto estavam caídas e havia muita, muita poeira", contou Castro, nervoso, seis horas depois.
As pessoas foram orientadas a deixar o prédio pelo hotel Marriot, que ficava no térreo do WTC. Já havia feridos no saguão. Os policiais gritavam. "Todo mundo correndo. Mãos nas cabeças e sem olhar para trás", narraram os brasileiros, reproduzindo as ordens.
Castro e uma multidão deixaram o WTC em direção a Battery Park. "De repente, um míssil. Eu tinha certeza de que era um míssil e que ia cair na minha cabeça. Aí, outra explosão." Era o segundo avião. Atingia a segunda torre. Em minutos, ela desabaria.
Costa, o outro brasileiro, ainda estava preso em uma das escadarias de incêndio. "No 13º andar, as portas também estavam travadas. As pessoas começaram a subir, descer, subir. Ficaram desesperadas. Elas se amassavam naquele corredor. Algumas desistiam no meio do caminho, tamanha a dificuldade para respirar", disse ele.
O brasileiro foi achando outras escadas, outras rotas de fuga. No 3º andar, a água já tomava conta do chão e estava na altura de seus joelhos. Foi escorregando, agarrado a um corrimão. Foi caindo, resvalando, tentando. Saiu.
Ambos os brasileiros foram a pé para casa. Correram. Não esperaram assistência médica.
Castro soube no caminho que as torres haviam caído. Costa correu 40 quadras até chegar em casa e se sentir seguro.
Às residências, ambos chegaram em pânico. Ligaram para o Brasil, mas mal puderam falar. Ficaram imóveis, "na frente da TV, revendo tudo desabar".
No final do dia, ainda não tinham notícia de alguns amigos. Acham que muitos não conseguiram escapar. Ao trabalho, não sabem quando voltam. Os escritórios não existem mais.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1209200146.htm

*

HORROR EM WASHINGTON
Governo fecha Casa Branca, Congresso e prédios públicos
Vice-presidente e integrantes do Conselho de Segurança Nacional se refugiam em prédio subterrâneo secreto
MARCIO AITH
DE WASHINGTON

Uma sensação inédita de vulnerabilidade atingiu ontem o centro político e militar dos EUA, nação mais poderosa do mundo.
Minutos depois do ataque terrorista que destruiu parte do Pentágono, o governo decidiu fechar a Casa Branca, o Capitólio e todos os outros prédios públicos da capital do país. O vice-presidente, Dick Cheney, líderes no Congresso e integrantes do Conselho de Segurança Nacional foram removidos para um prédio subterrâneo secreto.
Jatos F-16, da Força Aérea norte-americana, sobrevoaram o centro da cidade. Como todos os vôos comerciais no país foram suspensos e não havia certeza com relação ao número de aviões sequestrados, os pilotos militares receberam a missão de derrubar qualquer aeronave que se aproximasse da cidade.
Ofegante, depois de descer cinco lances de escadas do prédio que abriga a sede do Federal Deposit Insurance Corporation, a quatro quarteirões da Casa Branca, a fiscal de contabilidade Debby Carlson, 42 anos, juntou-se na rua a uma multidão de funcionários públicos que, calados, olhavam para o céu. Quarenta minutos antes, o Pentágono fora atacado. Quase duas horas antes, dois outros aviões atingiram as torres do World Trade Center, em Nova York, derrubando-as mais tarde.
"Disseram que tem outro avião vindo", gritou. "Agora eles querem a Casa Branca", alertou. "Eles", na visão de Carlson, são os terroristas. "No dia em que eles destruírem Washington, será o fim do mundo livre."
Pessoas andavam, a esmo, com crachás pendurados. Outros tentavam, sem sucesso, usar celulares. No início, acreditava-se que uma bomba teria explodido no Congresso e que o Departamento de Estado estaria em fogo. As informações, mais tarde desmentidas, ajudaram a elevar o pânico.
As autoridades decretaram estado de emergência na cidade. Operações do Metrô foram interrompidas durante um período. O trânsito, restrito por dezenas de bloqueios de segurança, ficou caótico. Ninguém podia chegar a uma distância inferior a três quarteirões da Casa Branca.
Os museus ao longo da longa área verde conhecida como "Mall" não funcionaram, assim como a maioria das embaixadas. Turistas, atônitos, pediam ajuda a policiais com metralhadoras.
A fumaça vinda do Pentágono, do outro lado do Rio Potomac, que separa Washington do Estado da Virgínia, misturava-se à imagem do Monumento de Washington, obelisco da cidade. "A cidade está mais tensa do que durante a crise dos mísseis com Cuba, em 1962", disse o senador Chuck Grassley, republicano de Iowa que misturou-se à multidão. "Só que, agora, fomos atingidos."
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1209200155.htm

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No Pentágono, mesa é usada como escudo
GABRIELA ATHIAS
ESTELA CAPARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Assim como em todas as manhãs, o engenheiro americano Gregory Stotmayer, 52, estava em sua mesa começando mais um dia de trabalho no Prédio Federal número 2, mais conhecido como "Navy Annex", quando ouviu um estrondo.
Sua primeira impressão foi que "algo muito grande" havia se chocado contra alguma construção do bairro, já que do escritório dele não era possível ver a queda do avião sobre o prédio que até então simbolizava a força da América. "Nunca imaginei que pudesse acontecer algo com o Pentágono", disse ele da sua casa, em um subúrbio de Washington, à Folha, por telefone.
"Eu nunca tinha estado em uma explosão antes. Para mim, a impressão foi de um barulho seco e alto de algo se chocando contra uma parede", disse Stotmayer.
"Fomos retirados do prédio em menos de um minuto e só na saída é que eu percebi que o Pentágono havia sofrido um atentado", relatou o engenheiro.
"Enquanto estávamos no prédio, nenhum de nós havia imaginado que a explosão pudesse ter algo a ver com o Pentágono. De lá só foi possível ouvir a explosão", completou Stotmayer.
Ele disse não ter "entrado em pânico", mas reconheceu ter sido surpreendido com o alcance dos atentados terroristas contra civis. "Pela primeira vez pensei no que pode acontecer contra nós [americanos]."
"Nós não sabíamos se deveríamos sair ou ficar no prédio. O problema é que, em uma situação como essa, você não sabe o que vai ocorrer no próximo minuto", completou John Damoose, um funcionário do Pentágono que estava em reunião quando ocorreu o atentado.
Para Damoose, o pior momento foi quando ele deixou o prédio e andou pela ciclovia Fort Meyer Drive: "Você podia ver pedaços de avião".
Ainda no Pentágono, a reação do engenheiro Rick Watson, 30, para quem o estrondo se assemelhou a um terremoto, foi correr para debaixo da mesa. Tom Seibert, 33, também engenheiro, disse que agiu por impulso: "Nos jogamos no chão por instinto".
Apesar da tensão e do clima de terror, a retirada dos funcionários do Pentágono foi feita de forma calma, organizada e durou poucos minutos.
"Quando pediram para deixarmos o prédio, já sabíamos o que havia acontecido no World Trade Center, em Nova York. Em três minutos estávamos todos na rua", disse uma funcionária que não quis se identificar.
Já na rua, as pessoas perceberam que teriam dificuldades de voltar para casa. A maioria das linhas de ônibus dessa região de Washington tem seu ponto inicial no Pentágono. Como a região foi interditada pela polícia, os ônibus não puderam trafegar, e as pessoas não souberam para onde se dirigir para pegá-los.
Com agências internacionais.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1209200156.htm

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Guinada 'a direita no Itamaraty - Celso Amorim (FSP, 22/05/2016)

Opinião

Guinada à direita no Itamaraty

Uma imagem vale mais que cem palavras, diz o provérbio chinês; e uma ação vale por cem imagens, poder-se-ia complementar. E, no entanto, na diplomacia, as palavras podem ter grande peso.
A combinação das palavras com as ações em matéria de política externa, que se ouviram ou viram até aqui, inspira preocupação.
É até compreensível que o novo chanceler do governo interino defenda o processo que o guindou ao cargo, amplamente criticado no mundo, ainda que uma grande parte da população brasileira considere tal processo ilegítimo.
E não estamos falando apenas dos militantes do PT e do PC do B, mas de artistas e intelectuais, que, de maneira intuitiva, interpretam a alma do povo. Certamente, a imagem da equipe do filme "Aquarius", estampada pela Folha em sua primeira página da edição de quarta-feira (18), contrasta, inclusive por sua diversidade, com as figuras cinzentas que aparecem na cerimônia de posse do presidente interino.

Evaristo Sá -18.maio.2016/AFP
Novo chanceler brasileiro, José Serra, em seu escritório no Itamaraty, Brasília
Novo chanceler brasileiro, José Serra, em seu escritório no Itamaraty, Brasília
Por um momento, ao vê-las, com os áulicos de ontem e de sempre, fui transportado aos eventos palacianos do tempo do governo militar, quando não se viam mulheres, negros ou jovens.
O que assistimos no Itamaraty guarda semelhança com esse quadro mais amplo.
Em suas primeiras ações, o novo chanceler disse a que veio: com palavras incomumente duras, que fazem lembrar os comunicados do tempo da ditadura, como a acusação de que governos de países da nossa região estariam empenhados em "propagar falsidades", as notas divulgadas (aliás, estranhamente atribuídas ao Ministério das Relações Exteriores e não ao governo brasileiro, como de praxe, com o intuito provável de enfatizar a autoria) atacam governos de países amigos do Brasil, ameaçam veladamente o corte da cooperação técnica a uma pequena nação pobre da América Central e acusam o secretário-geral da Unasul (União das Nações Sul-Americanas), um ex-presidente colombiano, eleito pela unanimidade dos membros que constituem a organização, de extrapolar suas funções.
Um misto de prepotência e de arrogância pode ser lido nas entrelinhas, como se o Brasil fosse diferente e melhor do que nossos irmãos latino-americanos.
Talvez, por prudência (ou temor do sócio maior dessa entidade), as notas evitaram palavras equivalentes sobre a OEA (Organização dos Estados Americanos), a despeito das expressões críticas do seu secretário-geral e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Até o momento, eximiu-se de manifestar-se sobre as preocupações expressadas pela pequena, mas altiva Costa Rica, insuspeita de bolivarianismo.
Mas o que mais preocupa é o afã em diferenciar-se de governos anteriores, acusados de ação partidária, como se esta só existisse na esquerda do espectro político. Quando o partido é de direita, e as opções seguem a cartilha do neoliberalismo, não haveria partidarismo. Tratar-se-ia de políticas de Estado.
Há muito que "especialistas", cujos discursos são ecoados pela grande mídia, acusam de "partidária" a política externa dos governos Lula e Dilma, esquecendo-se que muitas de suas iniciativas foram objeto de respeito e admiração pelo mundo afora, como a própria Unasul —aparentemente desprezada pelos ocupantes atuais do poder— os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul; sem os quais não teria havido a primeira reforma real, ainda que modesta, do sistema de cotas do FMI e do Banco Mundial) e o G-20 da OMC (Organização Mundial do Comércio), que mudou de forma definitiva o padrão das negociações em nível global.
Ao mesmo tempo, busca-se derreter o Mercosul, retirando-lhe seu "coração", a União Aduaneira (para tomar emprestado uma metáfora do presidente Tabaré Vasquez).
Em matéria comercial, o afã em aderir a mega-acordos regionais do tipo do TPP (a Parceria Transpacífico ) denota total ignorância das cláusulas, que cerceiam possibilidades de políticas soberanas (no campo industrial, ambiental e de saúde, entre outros).
Chega a ser espantoso que alguém que se bateu, com coragem e firmeza, pelo direito de usar licenças compulsórias para garantir a produção de genéricos, não esteja informado da existência de cláusulas, intituladas enganosamente de Trips plus (na verdade, do nosso ponto de vista, seriam Trips minus), que, de forma mais ou menos disfarçada, reduzem a latitude para o uso de tais medidas, no momento em que comissões de alto nível criadas pelo secretário-geral da ONU alertam para o risco de debilitar a Declaração de Doha sobre Propriedade Intelectual e Saúde, consagrada pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, aprovada pelos chefes de Estado na 20ª Assembleia Geral da ONU.
A África, de onde provém metade da população brasileira e onde os negócios do Brasil cresceram exponencialmente —sem falar na importância estratégica do continente africano para a segurança do Atlântico Sul- ficará em segundo plano, sob a ótica de um pragmatismo imediatista. Sobre os Brics, o Ibas (Índia, Brasil e África do Sul), as relações com os árabes, uma menção en passant. Esqueça-se a multipolaridade, viva a hegemonia unipolar do pós-Guerra Fria. Nada de atitudes independentes.
A Declaração de Teerã, por meio da qual o Brasil, com a Turquia (e a pedido reiterado do presidente Barack Obama, diga-se de passagem) mostrou que uma solução negociada era possível, completou seis anos, no dia 17 de maio. Na época, foi exaltada por especialistas das mais variadas partes do mundo, inclusive nos Estados Unidos. Porém causou horror aos defensores do bom-mocismo medíocre em nosso país.
Mas as elites não terão mais nada a temer. Nenhuma atitude desassombrada desse tipo voltará a ser tomada. O Brasil voltará ao cantinho pequeno de onde nunca deveria ter saído.

 CELSO AMORIM, diplomata de carreira, foi ministro das Relações Exteriores (governos Itamar e Lula) e da Defesa (governo Dilma).

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Edmar Bacha diz que Brasil nao tem mais governo - Thais Bilenky (FSP)

Brasil segue ladeira abaixo, diz Bacha
Thais Bilenky de Nova York
Folha de S. Paulo, 9/10/2015

Economista diz em aula nos EUA que raiz da crise atual é política e que país está sem governo e preso ao curto prazo
Um dos idealizadores do Plano Real, ele preferiu não responder sobre corrupção e elogiou o Bolsa Família
Em uma aula de pós-graduação na Universidade Columbia (Nova York), uma das mais prestigiadas do mundo, o economista Edmar Bacha teceu duras críticas ao governo Dilma Rousseff e apresentou um ponto de vista pessimista em relação à recuperação do Brasil.
A Folha assistiu à aula, que aconteceu nesta quarta-feira (7) à noite.

A franqueza com que respondeu a uma pergunta sobre as perspectivas para a economia nacional causou um riso constrangido na sala, ocupada por um grupo de economistas de renome, como José Alexandre Scheinkman, André Lara Resende, Fernando Sotelino, Guillermo Calvo e Albert Fishlow.
"As perspectivas são terríveis", disse, em inglês. "Estamos indo ladeira abaixo e continuaremos ladeira abaixo até que se resolvam problemas centrais."
Um dos formuladores do Plano Real e simpático ao PSDB, Bacha afirmou que o país está desgovernado e que a nova composição ministerial ainda é uma incógnita. "Não temos mais governo. Até agora, só se finge que se faz algo." O ministro Joaquim Levy (Fazenda) "faz o que pode", disse, "mas, como se diz no Brasil, uma andorinha só não faz verão".

BOLSA FAMÍLIA
O economista preferiu pular perguntas sobre o impacto da corrupção e cedeu nas críticas quando perguntado sobre o Bolsa Família, programa de transferência de renda instituído pelo governo Lula. "Estava lá, esperando para ser encontrado." A tecnologia já existia e foi implantada da maneira certa, disse. "E foi esse tremendo sucesso."
Sócio-fundador do centro de estudos Casa das Garças, o economista começou sua exposição com uma comparação entre a baixa produtividade do trabalhador no Brasil e no México.
Depois, foi questionado por estudantes brasileiros e estrangeiros do curso do professor brasileiro Sidney Nakahodo –que dá aulas de desenvolvimento político, social e econômico brasileiro em Columbia.
Bacha argumentou que a raiz da crise é política. Questionado sobre quais medidas o governo deveria adotar, ele disse que não há uma em particular como havia quando da implementação do Plano Real, em 1994. "Não há um problema de fundamento na economia. O que se precisa é de uma visão a longo prazo."
Ele defendeu uma abertura maior da economia e criticou as escolhas dos governos do PT, que, segundo ele, não impediram o inchaço do Estado nem posicionaram o país de forma estratégica no comércio internacional.
Sem citar especificamente a CPMF, cuja recriação é defendida pelo governo, Bacha disse que o país "não precisa de mais impostos".
"No Brasil, a gente taxa muito bem. A [Receita Federal] é uma das instituições mais eficientes do país", ironizou ao citar a carga tributária de 36%, a maior da América Latina.
Para Bacha, é urgente uma contenção dos gastos correntes para diminuir o deficit e abrir espaço para investimentos em infraestrutura e melhoria da educação.
Essa contenção envolveria a reforma da Previdência e a desvinculação das receitas da União, o que daria mais flexibilidade aos recursos previstos no Orçamento.
Ele disse que a adoção da idade mínima para aposentadoria é crucial para diminuir os gastos do governo.

MUDAR O EIXO
Parcerias no chamado eixo Sul-Sul, por exemplo, são pouco produtivas: "A gente deveria ir aonde o mercado está", sustentou. "No Brasil, a gente desenvolveu uma mentalidade de que podemos ser autossuficientes e é difícil enfrentar isso. A primeira coisa que o [ex-presidente] Lula fez ao assumir o governo foi riscar fora a Alca [Área de Livre-Comércio das Américas, criada pelos EUA]."
O economista criticou a baixa competitividade das empresas brasileiras, que estariam acomodadas pela proteção do Estado. "Não há pressão para que alcancem melhor desempenho", disse.
Bacha afirmou que a queda no preço de commodities não deveria afetar o agronegócio brasileiro, que, ainda que em expansão, deveria ser mais forte. "O Brasil é grande o suficiente para não precisar escolher um setor [a desenvolver]: ou manufaturas, ou commodities ou serviços."

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Ainda o decreto bolivariano dos totalitarios neobolcheviques:radiografando o soviete tupiniquim - Reinaldo Azevedo

Como diria alguém, uma modesta contribuição ao debate (que não é de minha autoria, claro, mas tampouco deixarei de fazê-lo).
Paulo Roberto de Almeida 


16/06/2014
 às 5:09

De novo, o Decreto 8.243, de Dilma. É golpista e bolivariano, sim! Ou: O que não me parece bom nas seis perguntas e seis respostas da Folha

A Folha, jornal de que sou colunista, publicou no domingo seis perguntas e respostas sobre o Projeto 8.243 — aquele dos “conselhos populares”. O leitor chega à conclusão de que o diabo é bem menos feio do que se pinta. Discordo, é claro! “E por que não escreve a respeito no jornal?” Já escrevi. Volto ao assunto aqui. O que segue em vermelho foi publicado pela Folha. Comento em azul.
Classificado por alguns como “golpista”, “bolivariano” e até “bolchevique”, o decreto de Dilma sobre política de participação social parece bem menos polêmico.

Eu considero o decreto golpista e bolivariano, mas não “bolchevique” porque, parece-me, o bolchevismo supõe a perspectiva imediatamente revolucionária e de eliminação de uma classe social. Não sei quem classifica assim o texto — ninguém que eu tenha visto.

Gramscianamente golpista, isso ele é. Como era — e, em certa medida, ainda é — a terceira edição do Plano Nacional de Direitos Humanos, de dezembro de 2009. E é bolivariano também porque Chávez recorreu a conselhos para minar o sistema representativo na Venezuela.
1) Para que serve a Política Nacional de Participação Social (PNPS), criada por decreto por Dilma?

O objetivo é organizar a relação entre ministérios e outras repartições federais com as diversas instâncias de participação social, como os conselhos permanentes de políticas públicas, as periódicas conferências nacionais temáticas e as frequentes audiências públicas, entre outras.
O texto busca, digamos, naturalizar o decreto, como se Dilma tivesse recorrido a esse expediente — por que não um projeto de lei, por exemplo? — apenas porque surgiu a necessidade de “organizar”. Epa! Um texto legal que regulamenta a participação da sociedade civil, definindo-a como “o cidadão, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações” pode ser tudo, menos corriqueiro. Eu quero saber, por exemplo, a diferença entre um “movimento social institucionalizado” e um “movimento social não institucionalizado”. Mais: se o “cidadão” é parte da sociedade civil, como ele faz para participar de um conselho? Já volto ao ponto.

2) Mas já não existem vários conselhos?

Existem. Alguns são muito antigos, como o CNE (Conselho Nacional de Educação), criado em 1931, e o CNS (Conselho Nacional de Saúde), que existe desde 1937. Há conselhos para os mais variados temas, como direitos dos idosos, trabalho, segurança pública, juventude, política indigenista, previdência, drogas e igualdade racial. Alguns têm caráter normativo, como o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente). Outros são meramente consultivos, como o Conselho de Desenvolvimento Econômico, que reúne vários empresários dos mais diversos setores.
Vamos lá. Peguemos um dos conselhos citados acima: o da Juventude. Alguém ficou sabendo, a começar da imprensa, que as inscrições para tentar fazer parte do “Conjuve” terminaram às 23h59 do dia 4 de junho? Mais: nada menos de 159 entidades — devem ser os tais “coletivos” e “movimentos sociais institucionalizados e não institucionalizados” — se inscreveram. É mesmo?

Ora vejam… Vamos ver o que diz o Artigo 1º do decreto de Dilma: “Fica instituída a Política Nacional de Participação Social – PNPS, com o objetivo de fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil”. Sei… O Inciso II do Artigo 3º sustenta ainda que uma das diretrizes do PNPS é a “complementariedade, transversalidade e integração entre mecanismos e instâncias da democracia representativa, participativa e direta”.
Certo! Então os conselhos são uma forma de democracia direta, né? Só que é a democracia direta que se realiza à socapa, sem que ninguém saiba. Ou o “cidadão” decide fazer parte de algum “coletivo” ou “movimento social”, ou não vai participar de coisa nenhuma. Continuo na questão seguinte.
3) Esses conselhos agora são controlados pelo governo?

Não.
Não??? De novo, tomo o exemplo do Conselho da Juventude. É formado por 60 membros: um terço (20) é de representantes do governo e dois terços (40), da sociedade civil. Se vocês clicarem aqui, terão acesso a seus nomes e entidades às quais pertencem. E ficará claro, de saída, que a questão não está em ser o conselho formalmente controlado pelo governo. Em tese, não é. Estou falando é de outra coisa: de controle ideológico. Vejam lá qual é o viés das tais entidades representadas. Ora… Essa democracia “direta” é, como se vê, bem mais restritiva, então, do que a “representativa”, não? Afinal:
a: o processo eletivo ocorre sem que ninguém saiba;
b: a eleição dos conselheiros será necessariamente indireta;
c: já existe uma seletividade ideológica na largada.

É isso, então, a democracia representativa?
4) O governo passa a ser obrigado a seguir decisões tomadas em conselhos?

Não. O decreto diz apenas que os órgãos da administração, como os ministérios, deverão “considerar” essas instâncias de participação social na hora de formular, executar, monitorar e avaliar suas políticas. Isso já ocorre em muitos casos. O decreto diz também que os órgãos deverão produzir relatórios anuais mostrando como estão implementando a PNPS.
Com a devida vênia, é uma resposta ingênua para uma pergunta não menos. Imaginem se, a partir do decreto, os tais conselhos não acabarão se tornando uma espécie de imposição. Não há como impor legalmente as decisões dos conselhos. Trata-se de um constrangimento político. Tanto é que os órgãos federais são obrigados a prestar contas sobre a forma como estão implementando o tal PNPS. Ora, é o estado se organizando para ter o controle da sociedade civil. Saudável, convenha, seria o contrário!

5) O governo está criando novos conselhos?

O decreto não cria nenhum novo conselho nem mexe nos já existentes. A norma, porém, define parâmetros mínimos para orientar a eventual criação de novos conselhos ou instâncias.
De novo, fica parecendo que Dilma decidiu acordar e dizer: “Hoje é segunda-feira”. Não! A coisa é bem mais grave e mais complexa do que isso. Ademais, insisto na pergunta: por que um decreto? Já volto ao ponto.

6) Os conselhos populares assumem alguma atribuição do Poder Legislativo?

Não. O que se discute é se a PNPS, nos termos em que foi elaborada, deveria passar pelo Congresso. O governo sustenta que, como não há criação de cargos ou despesas, o decreto é suficiente. Alguns entendem que, ao criar um procedimento novo, a PNPS só poderia ser validada por meio de uma lei aprovada pelo Congresso Nacional.
A resposta e amplamente insuficiente. Não se pode perguntar se o decreto faz o impossível porque o impossível ele não faz… A CONSTITUIÇÃO NÃO PERMITE QUE O EXECUTIVO SOLAPE PRERROGATIVAS DO LEGISLATIVO. E NÃO SERIA POR MEIO DO DECRETO 8.243 QUE DILMA O FARIA. A pergunta não faz sentido.

A questão é saber se conselhos não poderão ter um peso maior na decisão de órgãos federais do que o próprio Legislativo. A depender de como se conduzam as coisas, a resposta é “sim”. Segundo o decreto, um dos mecanismos de participação direta da sociedade são as “conferências nacionais”. Peguem as conclusões das conferências de Comunicação e Cultura, por exemplo. Nos dois casos, há flertes claros com a censura, por imposição dos vários grupos de esquerda que as compuseram. COMO NÃO CONSEGUEM VENCER ELEIÇÕES NO PARLAMENTO PARA IMPOR A SUA VONTADE, TENTAM FAZÊ-LO POR INTERMÉDIO DAS TAIS CONFERÊNCIAS. A  de Mulheres, por exemplo, defendeu a descriminação do aborto. Curioso: não é essa a opinião da maioria das mulheres brasileiras nem é esse o resultado das urnas. ESSAS FORMAS DE DEMOCRACIA DIRETA, COM A REALIZAÇÃO DE ELEIÇÕES ÀS ESCURAS, SÃO INSTRUMENTOS DE QUE DISPÕEM MINORIAS QUE SE QUEREM DE VANGUARDA PARA IMPOR A SUA VONTADE ÀS MAIORIAS.
Pior do que tomar o lugar do Legislativo, o “conselhismo” ambiciona é tomar o lugar da Justiça mesmo, e alertei para esse risco em meu artigo na Folha, na sexta. Reproduzo trecho (em preto).
No dia 19 de fevereiro (http://abr.ai/1lkunwF), o ministro Gilberto Carvalho participou de um seminário sobre mediação de conflitos. Com todas as letras, atacou a Justiça por conceder liminares de reintegração de posse e censurou o estado brasileiro por cultivar o que chamou de “uma mentalidade que se posiciona claramente contra tudo aquilo que é insurgência”. Ou por outra: a insurgência lhe é bem-vinda. Parece que ele tem a ambição de manipulá-la como insuflador e como autoridade.
Vocês se lembram do “Programa Nacional-Socialista” dos Direitos Humanos, de dezembro de 2009? É aquele que, entre outros mimos, propunha mecanismos de censura à imprensa. Qual era o “Objetivo Estratégico VI” (http://abr.ai/1lkLvSS)? Reproduzo trecho:

“a- Assegurar a criação de marco legal para a prevenção e mediação de conflitos fundiários urbanos, garantindo o devido processo legal e a função social da propriedade.
(…)
d- Propor projeto de lei para institucionalizar a utilização da mediação como ato inicial das demandas de conflitos agrários e urbanos, priorizando a realização de audiência coletiva com os envolvidos (…) como medida preliminar à avaliação da concessão de medidas liminares (…)”

Dilma resolveu dar uma banana para o Congresso e, em vez de projeto de lei, que pode ser emendado pelos parlamentares, mandou logo um decreto. As Polianas que fazem o jogo dos contentes acusam os críticos do decreto de exacerbação retórica e dizem que a trajetória do PT não revela tentações bolivarianas. Não? Fica para outra coluna. Nego-me a ignorar o que está escrito para ser árbitro de intenções. Pouco me interessa o que se passa na alma do PT. Eu me ocupo é dos fatos. Dilma tem de recuar. Brasília não é Caracas.
Encerro

Ora, uma vez em vigência esse decreto, um juiz poderá se amparar nele para não conceder uma liminar de reintegração de posse, por exemplo — não sem que se realize antes a tal mesa de mediação de conflitos. É evidente que a presidente não assinaria um decreto admitindo que está criando mecanismos que podem ser considerados um Legislativo e um Judiciário paralelos. Só faltava essa! A esse grau de loucura, o petismo ainda não chegou. Mas que o texto pavimenta o caminho para a companheirada não se desgrudar mais do poder, ganhe ou perca eleição, ah, isso é fato! Não é bolchevique porque não dá mais para ser bolchevique, o que muitos lamentam… Mas é golpista, sim. E recorre a expedientes bolivarianos, sim!

Não custa lembrar que, na América Latina contemporânea — mas nunca moderna —, não se dão mais golpes com tanques, mas com instrumentos legais que vão minando o regime democrático. O Decreto 8.243 é um deles. Que o Congresso reaja e derrube essa estrovenga por meio do decreto legislativo. Dilma que envie um projeto de lei. Ou a presidente quer instituir a participação da sociedade civil sem ouvir o Poder Legislativo?

Por Reinaldo Azevedo

segunda-feira, 24 de março de 2014

Marco de 1964: a derrocada do governo Goulart - materia da FSP

O jornal Folha de S.Paulo, através de textos, audios, videos, e imagens, esmiuça os vários ângulos da crise político-militar que redundou no golpe de 31 de março de 1964. 

Veja o link abaixo:

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Socialismo é barbárie - Luiz Felipe Ponde (FSP)

Socialismo é barbárie
LUIZ FELIPE PONDÉ
FOLHA DE S.Paulo, 24/02/2014

A esquerda está em pânico porque estava acostumada a dominar o debate público

Se eu pregar que todos que discordam de mim devem morrer ou ficarem trancados em casa com medo, eu sou um genocida que usa o nome da política como desculpa para genocídio. No século 20, a maioria dos assassinos em massa fez isso.
O Brasil, sim, precisa de política. Não se resolve o drama que estamos vivendo com polícia apenas. Mas me desespera ver que estamos na pré-história discutindo ideias do "século passado". Tem gente que ainda relaciona "socialismo e liberdade", como se a experiência histórica não provasse o contrário. Parece papo das assembleias da PUC do passado, manipuladoras e autoritárias, como sempre.
O ditador socialista Maduro está espancando gente contra o socialismo nas ruas da Venezuela. Ele pode? Alguns setores do pensamento político brasileiro são mesmo atrasados, e querem que pensemos que a esquerda representa a liberdade. Mentira.
A maioria de nós, pelo menos quem é responsável pelo seu sustento e da sua família, não concorda com o socialismo autoritário que a "nova" esquerda atual quer impor ao país. A esquerda é totalitária. Quer nos convencer que não, mas mente. Basta ver como reage ao encontrar gente inteligente que não tem medo dela.
Ninguém precisa da esquerda para fazer uma sociedade ser menos terrível, basta que os políticos sejam menos corruptos (os da esquerda quase todos foram e são), que técnicos competentes cuidem da gestão pública e que a economia seja deixada em paz, porque nós somos a economia, cada vez que saímos de casa para gerar nosso sustento.
Ela, a esquerda, constrói para si a imagem de "humanista", de superioridade moral, e de que quem discorda dela o faz porque é mau. Ela está em pânico porque estava acostumada a dominar o debate público tido como "inteligente" e agora está sendo obrigada a conviver com gente tão preparada quanto ela (ou mais), que leu tanto quanto ela, que escreve tanto quanto ela, que conhece seus cacoetes intelectuais, e sua história assassina e autoritária.
Professores pautados por esta mentira filosófica chamada socialismo mentem para os alunos sobre história e perseguem colegas, fechando o mercado de trabalho, se definindo como os arautos da justiça, do bem e do belo.
A esquerda nunca entendeu de gente real, mas facilmente ganha os mais fragilizados com seu discurso mentiroso e sedutor, afirmando que, sim, a vida pode ser garantida e que, sim, a sobrevivência virá facilmente se você crer em seus ideólogos defensores da "violência criadora".
Ela sempre foi especialista em tornar as pessoas dependentes, ressentidas, iludidas e incapazes de cuidar da sua própria vida. Ela ama a preguiça, a inveja e a censura.
Recomendo a leitura do best-seller mundial, recém publicado no Brasil pela editora Agir, "O Livro Politicamente Incorreto da Esquerda e do Socialismo", escrito pelo professor Kevin D. Williamson, do King's College, de Nova York. Esta pérola que desmente todas as "virtudes" que muita gente atrasada ou mal-intencionada no Brasil está tentando nos fazer acreditar mostra detalhes de como o socialismo impregnou sociedades como a americana, degradou o meio ambiente, é militarista (Fidel, Chávez, Maduro), e não deu certo nem na Suécia. O socialismo é um "truque" de gente mau-caráter.
As pessoas, sim, estão insatisfeitas com o modo como a vida pública no Brasil tem sido maltratada. Mas isso não faz delas seguidores de intelectuais e artistas chiques da zona oeste de São Paulo ou da zona sul do Rio de Janeiro.
A tragédia política no Brasil está inclusive no fato de que inexistem opções partidárias que não sejam fisiológicas ou autoritárias do espectro socialista. Nas próximas eleições teremos poucas esperanças contra a desilusão geral do país.
E grande parte da intelligentsia que deveria dar essas opções está cooptada pela falácia socialista, levando o país à beira de uma virada para a pré-história política, fingindo que são vanguarda política. O socialismo é tão pré-histórico quanto a escravatura.
Mas a esquerda não detém mais o monopólio do pensamento público no Brasil. Não temos mais medo dela.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

A Constituicao aos 25 anos: artigo de Jose Serra (FSP), caderno especial do Estadao

José Serra
Folha de São Paulo, 05/10/2013

Nos 25 anos da Constituição que Ulysses Guimarães classificou de “cidadã”, alinho-me com aqueles que avaliam que uma das virtudes da Carta é sua vocação garantidora de direitos. Foi, nesse caso, o bom uso que se fez de circunstâncias que não eram da nossa escolha. Explico-me: finda a ditadura militar, a Lei Maior procurou expressar o seu repúdio ao autoritarismo, precavendo-se de tentações golpistas e da agressão a direitos individuais. Mas também é preciso dizer que fizemos uma Carta excessivamente marcada por contingências, com o olhar, muitas vezes, posto no retrovisor. Seus defeitos, curiosamente, não foram obra nem da esquerda nem da direita, mas do atraso. No Brasil, infelizmente, os direitistas costumam deixar de lado o conservadorismo virtuoso, e os esquerdistas, o igualitarismo generoso.
Poucos parecem divergir, a esta altura, da constatação de que o principal mérito da Constituição de 1988 é a consagração das liberdades democráticas — de opinião, manifestação e organização — e das garantias individuais:  a criminalização inequívoca do racismo, a  abolição do banimento e da pena de morte, o livre exercício dos cultos religiosos, o repúdio à tortura e a tratamentos desumanos ou degradantes dos cidadãos,  etc. Isso tudo  ficou condensado no artigo 5º, o mais extenso da Carta, com quatro parágrafos e 78 incisos.
À parte o capítulo das liberdades públicas e individuais, destaco, em planos distintos, como os maiores avanços da Carta de 1988 a concepção do SUS;  a  criação de um fundo (posteriormente chamado FAT) que reuniu as contribuições do PIS PASEP para   tornar viável o seguro desemprego e , ao mesmo tempo, financiar investimentos;  o dispositivo que definiu o salário mínimo como o piso dos benefícios previdenciários de prestação continuada; os capítulos que lidam com finanças públicas e controle externo ao Executivo e ao Legislativo —  os tribunais de contas, por exemplo, foram extremamente fortalecidos nas suas atribuições; novos marcos para a política ambiental; o fortalecimento do Ministério Público e a instituição do segundo turno na eleição para presidente, governadores e prefeitos em cidades com mais de 200 mil eleitores.
Mas há também alguns defeitos severos, que apontei e combati quando deputado constituinte — muitas das críticas foram expressas em artigos semanais nesta Folha: a prolixidade;  as concessões de natureza corporativa; a prodigalidade fiscal; a falta de um regime geral de previdência mais homogêneo e adequado ao longo prazo; o atrelamento dos sindicatos ao Estado e a falta de inovação em matéria de sistema político e eleitoral. Deixo de mencionar aqui algumas aberrações aprovadas a respeito da ordem econômico-financeira, removidas nos quinze anos seguintes por intermédio de emendas constitucionais. Tomei a inciativa, como senador, de escoimar da carta os absurdos na área financeira. Contei com o apoio, faça-se justiça aos fatos, do então líder do PT no Senado, José Eduardo Dutra.
A prolixidade não precisa ser provada; é auto-evidente: 245 artigos e 97 disposições transitórias, com numerosos parágrafos e incisos, muitos  deles típicos de leis ordinárias, decretos, portarias ou simples declarações de intenção em discursos parlamentares. Um  exemplo pitoresco? A constitucionalização da existência da Justiça Desportiva e a garantia de “proteção e incentivo às manifestações desportivas de criação nacional”, o que, por óbvio, deixou de fora o futebol, o vôlei e o basquete…
Ao contrário do que se pensa, os interesses corporativos principais cravados na Constituição não foram os do setor privado, mas os da área da administração pública, de que é exemplo escancarado a estabilidade para os servidores não concursados de órgãos públicos que estavam empregados havia mais de cinco anos da data de promulgação da Carta. Abriu-se caminho  ainda para toda sorte de isonomias salariais, permanente e poderoso mecanismo gerador de despesas.
Esse aspecto corporativista da Constituição representou um fator decisivo na chamada prodigalidade fiscal. Outro foi a forte redistribuição federativa de receitas tributárias, sem que houvesse, paralelamente, nenhuma descentralização de encargos — feroz e eficazmente combatida pelas corporações de funcionários e de clientes dos setores envolvidos.
Se a força e a amplitude dos direitos e garantias fundamentais deveu-se à ruptura com um regime de força — tratava-se de esconjurar o passado —, os defeitos da Carta de 1988 estão relacionados a contingências políticas e às falsas expectativas que gerou. Afinal, a Assembleia Nacional Constituinte tinha sido uma bandeira da oposição ao regime militar desde a segunda metade da década de 1970. Não era vista apenas como o umbral da liberdade, mas também da prosperidade e da justiça social.
Havia uma expectativa de elevação imediata do bem-estar social, o que havia sido proporcionado, note-se, pelo Plano Cruzado, na sua fase bem-sucedida em 1986, proporcionando muitos votos ao PMDB nas eleições desse ano. Ocorre que a agonia do plano coincidiu com o início dos trabalhos da Constituinte, no começo de 1987.  A sombra da inflação de dois dígitos mensais, fator de profunda perturbação e instabilidade social, fez sombra na Assembleia até o fim. Parlamentares e partidos se moviam freneticamente para mostrar serviço aos eleitores e para responder a demandas da opinião pública, procurando mitigar insatisfações com a criação de preceitos constitucionais. Ou por outra: uma Carta Constitucional, que é feita, por definição, para durar e para estar acima de contingências, transformava-se em fator de ajuste de tensões sociais e conflitos distributivos corriqueiros.
O colapso da estabilidade econômica enfraqueceu rapidamente o governo Sarney e ampliou a distância entre o mandatário e o PMDB, partido ao qual se filiara exclusivamente para assumir a condição de vice na chapa encabeçada por Tancredo Neves. O setor mais influente do partido deu início aos trabalhos para redigir a nova Carta procurando diferenciar-se do governo. Ganhou força a ideia de uma Assembleia que editasse Atos Constitucionais que se sobrepusessem ao Executivo. Isso acabou não acontecendo, mas inaugurou um tipo de conflito que se manteria até o final do processo constituinte.
O confronto mais relevante teve como objeto a duração do mandato de Sarney, que tinha sido eleito com Tancredo para governar por seis anos, mas aceitava cinco. O então líder da bancada do PMDB, Mário  Covas, defendia quatro e emplacou esse número numa primeira versão da Constituição, vinda da Comissão de Sistematização, em meados de 1987, junto com a aprovação do parlamentarismo. O presidente Sarney propôs um acordo: apoiaria o parlamentarismo se lhe dessem cinco anos e o direito de indicar um primeiro ministro com estabilidade inicial de dez meses, se a memória não me falha. O PMDB recusou a oferta. O governo não mediu esforços para garantir os cinco anos, recorreu a todas as armas da fisiologia, para dizer o mínimo, e saiu vitorioso. O trágico é que o parlamentarismo acabou sendo tragado pela voragem.
A impopularidade e a insegurança do governo, determinadas pela inflação galopante e pelos conflitos com a Assembleia, retiraram do governo a capacidade de assumir um papel relevante na formação do texto constitucional. Na verdade, o Planalto se omitiu, especialmente em relação aos gastos — chegou a apoiar medidas nesse sentido.  O chamado “Centrão”, um agrupamento de parlamentares mais ligados ao governo, só tinha compromisso com os cinco anos e o presidencialismo. No mais, dispôs de plena autonomia para defender suas propostas.
É preciso destacar ainda as condições difíceis em que atuou o PMDB, o maior partido do Congresso. Era já uma força extremamente heterogênea, cindida por interesses regionais. Chegou à Constituinte sem uma concepção sobre a Carta ou a forma de organizar o trabalho. Além disso, ficou politicamente dividido entre suas duas figuras principais, ambos aspirantes à Presidência nas eleições seguintes: Ulysses Guimarães e Mário Covas. O primeiro era o presidente da Assembleia; o segundo, líder do partido, eleito contra o candidato de Ulysses.
Alguns analistas se confundem ao procurar entender o texto constitucional a partir da dinâmica de conflitos entre “esquerda” e “direita”. A chamada direita, no Brasil, não se expressa pelo conservadorismo, mas pelo atraso. Nem remotamente é austera. O texto substitutivo do Centrão era mais gastador e prolixo, mais recheado de casuísmos, privilégios corporativos, vinculações e isonomias do que o já pródigo projeto que fora por ele derrubado, da Comissão de Sistematização, este sim comandado pela fatia do PMDB que se afastara do governo.  Mesmo o Centrão, note-se, manteve no seu projeto todas as garantias democráticas do relatório que conseguiu derrubar. Estas não foram objeto de nenhum confronto significativo no desenrolar de todo o processo. E,  só por curiosidade, foi do Centrão, do deputado Gastone Righi, a criação do abono de férias para todos os assalariados…
O que se poderia chamar “esquerda”, à época, era dominada pela concepção do Estado varguista e as ideias das décadas de 50 e 60, alienadas das mudanças que já estavam acontecendo no mundo e que só começariam a tornar-se mais transparentes no Brasil depois da queda do Muro de Berlim. Para ela, eram exóticas as preocupações com inflação, quadro fiscal, travas ao investimento privado e paternalismo estatal, sem mencionar a confusão permanente e até contradição entre benefícios para corporações restritas e  os interesses sociais mais amplos.
Os dois lados exibiram seu antagonismo — o que politicamente convinha a ambos — com farta cobertura da imprensa. O tema foi a reforma agrária, e o confronto se deu em torno da função social da propriedade e da possibilidade de se desapropriarem propriedades produtivas. Tudo acabou resolvido em dois artigos. Noves fora as diferentes formas de lidar com o MST e  com a inconstitucional violência rural, nenhum governo posterior procurou mexer no texto desses artigos nem deixou de levar adiante o caríssimo processo da reforma agrária.

Não por acaso, os dois lados, com a cumplicidade de sucessivos governos, foram e continuem sendo integrantes ativos do mais consolidado de todos os partidos brasileiros: a FUCE – Frente Única Contra o Erário e a favor das corporações de interesses especiais. Ninguém é mais falsamente de esquerda do que ela. Ninguém é mais falsamente de direita do que ela. Ninguém, como ela, é tão objetivamente contra os interesses do Brasil e dos brasileiros.
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Editorial do Estadão e caderno especial: 

25 anos de Constituição

Editorial O Estado de S.Paulo, 6/10/2013

A Carta Magna chega aos 25 anos diante de um País que se mobiliza nas redes e vai às ruas por direitos sociais sem deixar de garantir a estabilidade democrática

Cidadã é o adjetivo que, com simplicidade e realismo, define a Constituição promulgada há 25 anos, em 5 de outubro de 1988. Comandada por Ulysses Guimarães, o político que ganhou a alcunha de “tetrapresidente”, a Assembleia Nacional Constituinte, formada por 559 membros (72 senadores e 487 deputados), foi o marco da transição democrática.
Nesse quarto de século, as mudanças de governo ocorreram todas sob normalidade institucional, mesmo quando um presidente foi afastado. 
O Brasil de 2013 foi às ruas usando as redes sociais como instrumento de mobilização por mais cidadania, e a liberdade de expressão se consolidou como regra do regime democrático. Esse direito, garantido em cláusula pétrea da Carta - não pode ser alterada nem por emenda -, acabou por se transformar em um dos principais valores para uma convivência harmoniosa no País.
Se a Constituição é cidadã, a Nação ainda é claudicante no quesito cidadania. Poucas iniciativas populares, como a Ficha Limpa, se transformaram em lei. Ao mesmo tempo, a Carta está pronta para enfrentar os desafios digitais que surgiram nos últimos 25 anos. 
Promulgada com 250 artigos no texto-base (e mais 97 disposições transitórias), a Constituição teve, ao longo de duas décadas e meia, 48% de seus artigos alterados por emendas. Os três últimos presidentes - FHC, Lula e Dilma - editaram e editam, em média, mais de três medidas provisórias por mês. O polêmico debate das MPs durante a Constituinte assegurou, no sistema presidencialista, excesso de poder ao Executivo e acaba por gerar desarmonia entre os Poderes. 
Fruto de uma construção coletiva, a Carta de 1988, ao idealizar o Estado de bem-estar social, serviu de justificativa para a elevação dos impostos. Municípios e Estados receberam mais recursos do bolo tributário, mas a descentralização dos serviços públicos não tira a discussão sobre o pacto federativo da pauta. 
O adjetivo dado por Ulysses não dá conta, porém, de toda a polêmica sobre o excesso de detalhes do texto. Ainda assim, esses 25 anos não apagaram o mantra do “Sr. Diretas”, morto em 1992: “Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca.”