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domingo, 28 de abril de 2019

Tragédias: o primeiro artigo de Armínio Fraga na FSP

Tragédias

Somos um país de renda média e também um dos mais desiguais, atrasado portanto

Entrego aqui o primeiro artigo para o espaço mensal que esta Folha acaba de me conceder e pelo qual sou grato. 

Temendo algum bloqueio, sentei para escrever na Sexta-Feira Santa. Naquele dia, no caderno Mercado, li uma matéria sobre a evolução da participação do nosso PIB no PIB mundial desde 1980: caiu de 4,4% para 2,5%. Se tivéssemos acompanhado a média do crescimento global, teríamos um PIB 76% maior. Imaginem só como seria. 
Com frequência se diz que o Brasil é a oitava economia do mundo. Tudo bem, não é de se jogar fora. Mas o que importa mesmo é a renda per capita, e aí caímos para a 75ª posição. Somos um país de renda média e também um dos mais desiguais, atrasado portanto. Refiro-me a dados do FMI e do Banco Mundial.
Estamos como na estorinha irlandesa: um viajante perdido no campo verde para na estrada e pergunta a um velho pastor como se chega a Dublin. Ele responde: "Não sei, mas não começaria aqui...".
Como não temos essa opção, nos resta por ora evitar problemas maiores e avançar onde der. Mas as pessoas estão descrentes de tudo e todos, e sentem que se exige mais sacrifício dos que menos podem, não sem razão. Quero discutir neste espaço como criar genuínas oportunidades para os que menos podem e como exigir dos que mais podem uma contribuição relevante. 
Um país atrasado em tese deveria ser capaz de acelerar seu crescimento investindo mais do que os avançados, especialmente em gente, e absorvendo melhores tecnologias e práticas. Não foi o que aconteceu aqui. Isso fica claro quando se compara a evolução da nossa renda per capita com a dos Estados Unidos. A comparação é deprimente: estamos em torno de 20% desde 1960.
Perdura uma certa nostalgia quanto ao período do pós-guerra, quando atingimos 29% da renda americana, mas se ignora que a estratégia adotada (economia fechada e estatizada) foi incapaz de nos levar até os padrões de vida dos avançados, por falhas fatais de desenho (fragilidade macroeconômica, descaso com educação e desigualdade). A economia acabou se espatifando na década perdida de 1981-1993, quando se devolveu boa parte dos ganhos auferidos desde 1960.
Verdade que desde então avançamos bastante com a estabilização e a mudança de foco do Estado a partir de 1995, mas aos poucos um bom caminho foi sendo abandonado. A partir de 2011, o intervencionismo e a radical perda de disciplina fiscal levaram a um novo colapso. Foi uma volta a erros do passado, amplamente apoiada pelo andar de cima. A queda na renda per capita repetiu os 10% da década perdida, desta vez em um terço do tempo. Voltamos aos 20% da renda americana de 1960.
Não fora suficiente a atual depressão econômica, metade das pessoas empregadas não tem carteira assinada e se aposenta mais tarde. A educação continua deficiente e metade das moradias não tem esgoto adequado. Não há solução para melhorar a vida de quem mora nas favelas e tampouco para a violência. E por aí vai.
E agora? Como construir um caminho para um desenvolvimento mais inclusivo, acelerado e sustentável? Estamos diante de múltiplas crises, que se reforçam, desafiam as instituições e ameaçam a qualidade da democracia. Difícil imaginar um caminho completo, coerente e viável a partir daqui. 
No momento a prioridade é a reforma da Previdência, passo crucial para sanar a crise fiscal e redutora ela própria de desigualdade. Urge também uma reforma do Estado, que precisa fazer mais com menos. Em ambos os casos as resistências já estão se armando. Como parte da resposta, urge também a eliminação dos subsídios e vantagens tributárias aos de renda mais alta, que envenenam o tecido social. Só assim as pessoas apoiarão as transformações necessárias.

quarta-feira, 14 de março de 2018

O mercado obscuro das obras de arte: Itau Cultural tem obras da Biblioteca Nacional

Ladrão diz que obras hoje no Itaú Cultural são da Biblioteca Nacional

Laéssio de Oliveira afirmou em carta à Folha que gravuras que furtou há 14 anos estão em SP

Laéssio Rodrigues de Oliveira, ladrão confesso de obras raras, afirma que oito gravuras da coleção Brasiliana do Itaú Cultural são as mesmas que ele furtou há 14 anos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Há cerca de 15 dias, a Folha recebeu de Laéssio, atualmente preso em Japeri, no estado do Rio, uma carta manuscrita, de 16 páginas, na qual detalha esse e outros furtos de centenas e centenas de obras, fotos e gravuras de diversas instituições brasileiras.
Das oito obras que Laéssio menciona, seis estão em exposição permanente no espaço Olavo Setubal, no quinto andar do prédio da instituição na av. Paulista, 149. A Brasiliana é uma coleção de documentos e obras de arte sobre a história do Brasil.
As obras roubadas pertencem ao álbum "Souvenirs de Pernambuco", composto de 12 gravuras de autoria do alemão Emil Bauch, impressas na Europa em 1852.
Apesar de gravuras não serem obras únicas —e sim cópias de uma tiragem, como livros—, até 2004 havia apenas duas coleções completas dos "Souvenirs de Pernambuco" no Brasil: uma na Biblioteca Nacional e outra no Instituto Ricardo Brennand, em Recife.
Logo após o furto na Biblioteca Nacional, em 2004, Laéssio foi preso (por outro roubo, do Museu Nacional do Rio) e apareceu nos jornais estampado como o maior ladrão de obras raras do país. Funcionárias da biblioteca o reconheceram, foram checar o que ele pesquisou e notaram a falta de quatro obras de Bauch no álbum "Souvenirs".
O álbum foi colocado em um cofre por 13 anos. Foi aberto no ano passado, quando uma nova vista detectou que outras quatro gravuras eram cópias, elevando assim o furto para oito.
A reportagem soube disso pela carta de Laéssio e confirmou a informação com a Biblioteca Nacional. As oito gravuras que faltam são idênticas às oito que o Itaú possui.
"Sei que o Itaú Cultural tem obras de Bauch", diz a presidente da Biblioteca Nacional, Helena Severo. "Mas não nos compete fazer a afirmação de que são nossas. Isso compete à Polícia Federal, a quem passamos todas as informações. Uma perícia, que analisaria papel, desgaste, dobramento, marcas etc, poderia dar a certeza. Está entregue à Delemaph [órgão federal que investiga crimes contra o Patrimônio Histórico]."
Em sua nota de esclarecimento, o Itaú Cultural afirma não ter sido contatado "por qualquer instituição pública ou privada para questionar a origem de suas obras". Isso apesar de a Polícia Federal ter essas informações desde o ano passado.
O delegado Márcio Manoel da Cunha, encarregado do caso, afirmou à reportagem que preferia não dar informações para não atrapalhar as investigações. A PF, em seguida, informou que "não comenta e não concede entrevistas sobre investigações em andamento".
O diretor do Itaú Cultural, Eduardo Saron, disse que entrou em contato com a presidente da Biblioteca Nacional assim que terminou sua entrevista com a Folha, na semana passada. "Estamos absolutamente à disposição para levar as obras a eles para análise técnica. Sabemos que são múltiplos [obras impressas], mas não queremos oferecer nenhuma dificuldade de acesso à Biblioteca."

O mediador

Na carta que enviou ao jornal, Laéssio Rodrigues de Oliveira afirma que vendeu as oito gravuras da Biblioteca Nacional a Ruy Souza e Silva, colecionador e ex-marido de Neca Setubal, filha de Olavo Setubal. Efetivamente, Souza e Silva arregimentou diversas obras para a coleção Brasiliana, inclusive na Europa, e as revendeu ao Itaú, que montava sua coleção.
Mas nega categoricamente ter comprado as obras roubadas. "Isso não ocorreu. Não comprei essas gravuras de Laéssio. As gravuras foram adquiridas em Londres na centenária loja Maggs Bros.", respondeu ele à Folha (leia aqui entrevista completa).
O Itaú Cultural forneceu dois documentos de procedência. O primeiro deles é um recibo da compra de Ruy Souza e Silva na loja Maggs Bros em 9 de novembro de 2004.
Nele, lê-se a transação de um "album of engravings of Brazil" (álbum de gravuras do Brasil), sem especificar o autor ou o número dessas gravuras. O único detalhe que traz é que certifica que os bens têm mais do que cem anos.
O segundo documento é a venda de Souza e Silva para o Itaú em 17 de janeiro de 2005, ali, sim, especificando serem oito gravuras de Bauch feitas em Pernambuco.
Em 2007, devido a um inquérito ao qual Laéssio respondia na Justiça do Rio, Ruy Souza e Silva espontaneamente devolveu uma série de obras que havia adquirido.
"Pela boa-fé, ele não foi denunciado no inquérito", disse o procurador Carlos Aguiar, do Ministério Público do Rio de Janeiro.

CRONOLOGIA DO CASO
2004 - Laéssio de Oliveira subtrai oito gravuras de Emil Bauch da Biblioteca Nacional, mas só o furto de quatro é notado 
nov.2004 - Ruy Souza e Silva compra um álbum de gravuras brasileiras na Maggs Bros., em Londres 
jan.2005 - Souza e Silva vende oito gravuras de Emil Bauch para o Itaú Cultural
2014 - O Itaú Cultural inaugura sua mostra permanente, exibindo seis das oito gravuras
2017 - A Biblioteca Nacional nota que outras quatro obras de Bauch haviam sido furtadas em 2004
2018 - Laéssio escreve à Folha

Trecho da carta do ladrão
“Desta feita, uma das obras que eu consegui subtrair foi parte do conjunto das lâminas do raríssimo álbum litografado ‘Souvenirs de Pernambuco’, de autoria do alemão Emil Bauch, que foi editado na Alemanha em 1852. Das 12 lâminas iconográficas do referido livro, eu apenas tive tempo de trocar 8 delas, através de uma cópia mui grosseira.”

segunda-feira, 12 de março de 2018

Rubens Barbosa: um programa de trabalho para a próxima diplomacia (FSP, 11/03/2018)

Brasil precisa definir o que quer de sua política externa, diz embaixador

Para Rubens Barbosa, ainda estamos presos a percepções e conceitos político-econômicos superados

RESUMO Autor responde a artigo de Armínio Fraga e Robert Muggah e defende que a inserção do país na ordem liberal internacional passa também pelo comércio exterior e a política industrial. Ele entende ser urgente que o Brasil defina seus interesses reais e assuma seu papel de décima economia mundial. 

Em estimulante artigo na Ilustríssima de 4/2, Armínio Fraga e Robert Muggah chamam a atenção para as rápidas transformações da ordem liberal mundial e discutem a oportunidade que se abre ao Brasil para reformular sua política e economia e, no processo, reposicionar-se no tabuleiro das relações internacionais.
Ressaltando que a posição tanto do governo quanto do setor privado tem sido ambígua em relação às mudanças globais, os articulistas pregam o engajamento mais eficaz do país na reformulação de uma nova e mais progressista ordem liberal internacional. Na conclusão, esperam a eleição de um candidato que defenda uma agenda ampla e profunda de reformas.
A provocação é importante e oportuna porque suscita o debate sobre o lugar do Brasil no mundo, num momento de grandes desafios internos e externos. O enfoque econômico do artigo deveria ser ampliado, com qualificação da capacidade de o país se engajar e influenciar a reformulação da nova ordem liberal internacional.
Para que se possa demandar maior engajamento do Brasil nesse tema —uma das muitas áreas em que o país precisa fazer sua voz ser ouvida—, a análise deve englobar questões político-diplomáticas, mas também as rápidas transformações econômicas, financeiras e de conhecimento.
O liberalismo econômico internacional, por si só, não resolve aspectos relativos ao poder e à riqueza (desenvolvimento) do país, além de estar sob intenso ataque com o esvaziamento da OMC (Organização Mundial do Comércio) e com as políticas restritivas dos EUA, da China e, em muitos setores, da União Europeia.
Para entender a posição do Brasil e suas limitações no cenário internacional, é necessário reconhecer que a fronteira que separava a agenda econômica externa da política econômica interna está desaparecendo, se é que já não desapareceu. Como consequência, a formulação da política macroeconômica deveria incluir também comércio exterior e política industrial, não podendo voltar-se quase exclusivamente à política monetária e ao combate à inflação.

GLOBALIZAÇÃO

O sistema internacional político, econômico e comercial está em acelerada transformação. A ordem global tradicional foi construída, a partir do tratado de Vestfália em 1648 (Estado-nação) e do Congresso de Viena em 1815 (concerto europeu), em torno da proteção das prerrogativas dos Estados e da criação de instituições multilaterais para assegurar a paz, a segurança e a ordem econômica e financeira do mundo —ONU, Banco Mundial e FMI. Os países desenvolvidos tomavam decisões e impunham suas visões geopolíticas e geoeconômicas como se estivessem sozinhos.
Nas últimas décadas, as mudanças ocorridas com a globalização —positivas, como o livre-comércio, e negativas, como o aumento das desigualdades—, com a revolução nas comunicações e com o fim do mundo bipolar, estão afetando o processo decisório dos países e obrigando os governos a repensar a maneira como os desafios externos devem ser encarados.
A defesa do interesse nacional político, econômico e social está levando ao reexame desses conceitos, à superação das obsessões ideológicas (como a defesa do livre-comércio ou do nacionalismo econômico) e ao questionamento das ações dos países desenvolvidos.
As percepções sobre o novo sistema internacional devem, assim, ser coerentes com a evolução, os avanços e as rupturas em relação à ordem tradicional. Novos caminhos deveriam ser buscados a partir da atual geopolítica, caracterizada pela globalização, pelo reforço do regionalismo e pela rápida evolução da digitalização.
A nova ordem em formação está adaptando os conceitos vigentes até aqui à realidade de um mundo mais interconectado e que enfrenta desafios como terrorismo, ataques cibernéticos, armas nucleares, mudanças climáticas, desigualdade, guerras localizadas e crises imigratórias. A soberania não é mais um conceito absoluto, e as organizações internacionais deverão ser reformuladas.

CONCEITOS SUPERADOS

No Brasil, ainda estamos presos a percepções e conceitos superados. Não houve renovação no pensamento estratégico em grande parte do governo, do setor empresarial e da comunidade acadêmica.
Como inserir o Brasil nessa nova ordem internacional em mutação com novos conceitos e novas maneiras de ver o que está acontecendo ao nosso redor? Pouco se discute sobre isso.
Das lições da economia política internacional clássica, valeria a pena resgatar os conceitos de poder e de desenvolvimento. Ambos caminham juntos. O crescimento do poder reduz a vulnerabilidade externa, reforça a voz do país no mundo e garante a segurança e a defesa. O desenvolvimento amplia o PIB pela re-industrialização, pela diversificação produtiva, pela expansão do comércio exterior e pelo fortalecimento da defesa. O ex-ministro Olavo Setúbal, de quem fui chefe de gabinete, costumava repetir: poder é PIB.
Está superado o debate entre liberalismo econômico e neo-desenvolvimentismo, entre agricultura e indústria, assim como saber se o desenvolvimento leva à industrialização ou se a especialização produtiva conduz ao crescimento.
No caso do Brasil, por seu território, sua população e suas riquezas naturais, a importância de sua inserção geopolítica deve —também e sobretudo— ser levada em conta na formulação das políticas econômica, industrial, de comércio exterior, de inovação/tecnologia e externa (que tem, entre suas prioridades, a defesa do desenvolvimento econômico do país).
Quando se analisa o lugar do Brasil no mundo e sua possível influência no cenário internacional, devemos partir de algumas premissas.
Como pano de fundo, deve-se reconhecer que a América do Sul está na periferia das transformações econômicas e tecnológicas, está longe dos principais centros dinâmicos de comércio (Ásia) e, até aqui, não está contaminada pela ameaça terrorista e de grandes crises sociais, guerras e refugiados (como Europa e Oriente Médio).
Em compensação, a região está mais perto da principal potência militar, econômica, financeira, comercial e política do mundo (EUA), cercada de enormes incertezas, como o início de uma guerra comercial por motivação protecionista (Donald Trump) nos próximos anos.

O QUE FAZER

Encontrar seu lugar e sua voz no mundo, compatíveis com o papel de uma das dez economias mundiais, é prioridade inadiável para o Brasil. Urge definir nossos reais interesses. Como nos posicionar diante do sistema liberal internacional e do nacionalismo econômico? O que queremos das relações com os EUA, com a China, com a União Europeia, com os vizinhos sul-americanos e com os Brics? Não será fácil chegar a tais definições, dada a atual divisão existente na sociedade brasileira.
Ao discutir o que queremos para o Brasil no novo cenário internacional, teríamos de levar em conta diversos aspectos.
Do ponto de vista político, diplomático e comercial é necessário:
(i) integrar o país nos fluxos dinâmicos de comércio exterior e da economia global, ampliando a competitividade da produção nacional com a simplificação dos processos decisórios e regulatórios;
(ii) assumir a efetiva liderança na América do Sul, o que não significa dominação nem hegemonia, e sim discutir o papel do Mercosul e de nosso relacionamento bilateral;
(iii) ampliar a voz do Brasil nos organismos internacionais; e
(iv) pôr fim ao seu isolamento nos entendimentos comerciais, ampliando as negociações bilaterais e com megablocos, como União Europeia e mesmo Ásia, examinando a conveniência de aderir à Parceria Ampla e Progressiva Trans-Pacífica.
Do ângulo econômico e tecnológico, deve-se:
(i) promover a gradual abertura da economia e a modernização das regras para aproximá-las de padrões internacionais;
(ii) reduzir o papel do Estado, aprovar reformas estruturais (tributária, da Previdência) e desenvolver projetos de infraestrutura que reforcem a competitividade da economia e da produção nacional;
(iii) definir políticas para atrair investimentos em áreas de interesse estratégico, promover indústrias com vantagens comparativas e aumentar as exportações;
(iv) apoiar iniciativas visando aperfeiçoamento da educação e desenvolvimento de pesquisa em inovação e tecnologia de ponta;
(v) aproveitar as facilidades financeiras oferecidas pelo Brics para projetos de infraestrutura e ampliar a cooperação econômica entre o Brasil e os outros membros;
(vi) tornar-se membro pleno da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) a partir do programa de ação conjunta aprovado pelo governo brasileiro em fevereiro de 2015.
Assim como ocorre com a política econômica, a discussão sobre o papel do Brasil no mundo e a definição do que queremos nas nossas relações externas deveriam estar na agenda da eleição presidencial de 2018.
Um projeto de modernização do Brasil dentro desse amplo contexto deveria ser prioridade para os candidatos comprometidos com um programa mínimo a ser implementado a partir do próximo governo, a fim de definir um lugar significativo do país no mundo, superando os desafios internos e externos.

Rubens Barbosa, 79, ex-embaixador do Brasil em Washington, é presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comercio Exterior (Irice).

sábado, 9 de setembro de 2017

O mito da reducao da desigualdade de renda na era lulopetista - FSP

Um dos mais propalados mitos -- ou seria mentira? -- da era lulopetista acaba de ruir: a de que suas políticas teriam conduzido a uma redução da alta concentração de renda no Brasil.
Nem poderia.
A despeito das alegações -- fabricadas, mentirosas -- todas as políticas operaram sempre em favor dos mais ricos, junto aos quais a organização criminosa ia buscar o dinheiro para o seu próprio enriquecimento e para montar um gigantesco esquema de corrução para garantir o seu monopólio de poder.
Paulo Roberto de Almeida


Desigualdade de renda no Brasil não caiu entre 2001 e 2015, aponta estudo
Folha de S.Paulo, 9 de setembro de 2017

A desigualdade de renda no Brasil não caiu entre 2001 e 2015 e permanece em níveis "chocantes", de acordo com um estudo feito pelo World Wealth and Income Database, instituto de pesquisa codirigido pelo economista Thomas Piketty, conhecido por seus estudos sobre desigualdade com a obra "O Capital no Século 21". 
Segundo a pesquisa, os 10% mais ricos da população aumentaram sua fatia na renda nacional de 54% para 55%, enquanto os 50% mais pobres ampliaram sua participação de 11% para 12% no período. Esse crescimento foi feito às custas de uma queda da participação de dois pontos percentuais dos 40% que estão entre os dois extremos (de 34% para 32%). O crescimento econômico observado no Brasil no período teve pouco impacto na redução da desigualdade porque foi capturado principalmente pelos 10% mais ricos, que ficaram com 61% da expansão observada no período. Já a metade mais pobre da população foi beneficiada com apenas 18% desses ganhos. "Em resumo, a desigualdade total de renda no Brasil parece ser muito resiliente à mudança, ao menos no médio prazo, principalmente em razão da extrema concentração de capital e seus fluxos de renda", conclui o estudo. 
O estudo do World Wealth and Income Database, assinado pelo economista Marc Morgan, vai na contramão de indicadores como o índice de Gini, que mostra a desigualdade, o qual indicou que houve uma melhora do cenário no Brasil, atribuída às políticas de redistribuição de renda dos governos do PT, como o Bolsa Família, e à política de valorização do salário mínimo, cujo valor real aumentou cerca de 50% no período. Com base nesses indicadores, os governos Lula e Dilma defenderam que houve redução na desigualdade durante suas gestões – o que o estudo questiona. 
Os resultados mais recentes estão em linha com os observados pelos pesquisadores Marcelo Medeiros, Pedro Souza e Fábio de Castro, da Universidade de Brasília, que identificaram uma estabilidade no nível de desigualdade entre 2006 e 2012. "A redistribuição que houve nos anos 2000 foi sobretudo na base da pirâmide, pelo aumento do salário dos trabalhadores menos qualificado por meio da valorização do salário mínimo e demanda maior por esses trabalhadores nos setores de serviços e construção naqueles anos", diz a economista da USP e colunista da Folha Laura Carvalho.
 "Os mais ricos continuaram se apropriando de uma parcela muitíssimo elevada da renda, que pode ser explicada pela alta concentração de riqueza financeira e não financeira no Brasil, além dos juros altos", completa. 
Segundo o estudo, a participação do Bolsa Família e do Benefício da Prestação Continuada (BPC) na renda total nacional foi de 1%, em média, nesses 15 anos. Apesar da contribuição total pequena, esses programas elevaram a taxa de crescimento da fatia dos 50% mais pobres de 9% para 21%.
Uma das explicações para a discrepância é a metodologia adotada. O estudo do World Wealth and Income Database leva em conta dados da Receita Federal e das contas nacionais no cálculo, o que minimiza o problema de pesquisas com base em declarações de entrevistados, como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad, do IBGE), nas quais os mais ricos tendem a omitir sua renda. Esther Dweck, assessora econômica do Ministério do Planejamento entre 2011 e 2016, afirma que não é possível medir se a situação de quem estava abaixo da linha da pobreza melhorou pelo estudo. "A renda dos mais miseráveis não é medida pelo Imposto de Renda, porque eles não declaram. Esse é um estudo que capta bem a situação do 1%, que não ganha com trabalho." "De fato, pela Pnad, os números pareciam melhores. 
O estudo mostra que, no Brasil, não conseguimos fazer uma política de redistribuição na riqueza de forma mais estruturante", diz Dweck. Assim, o levantamento chegou a uma média de renda anual de US$ 541 mil (R$ 1,6 milhão) entre o 1% mais rico da população (cerca de 1,4 milhão de pessoas) em 2015 —superior à renda média do top 1% francês (US$ 450 mil a US$ 500 mil). 
Ao mesmo tempo, a renda média dos 90% mais pobres no Brasil equivale à média dos 20% mais pobres da França. Os mais ricos no Brasil têm, então, uma renda superior aos mais ricos da França, enquanto a maioria dos brasileiros têm renda equivalente aos franceses mais pobres. Para Carvalho, são os dados comparativos com outros países os resultados mais chocantes da pesquisa.



sábado, 24 de setembro de 2016

Quando vao prender os principais criminosos politicos? Esses mesmos que todos sabem quem sao?

Sinais da Lava Jato servem de alerta para Dilma Rousseff
- Leandro Colon
Folha de S. Paulo, sábado, 24 de setembro de 2016

Os investigadores da Lava Jato em Curitiba, em meio a "coincidências infelizes" e arroubos de estrelismo, emitem sinais que deveriam servir de alerta à ex-presidente Dilma Rousseff.

A prisão relâmpago de cinco horas de Guido Mantega trouxe a história de que Eike Batista teria recebido um pedido de R$ 5 milhões do ex-ministro para pagar dívidas do PT.

Segundo as palavras de Eike, os recursos eram para o partido "acertar as contas". A conversa indecente, afirmou, ocorreu no dia 1º de novembro de 2012 em uma reunião no gabinete de Guido Mantega na Fazenda.

Pela versão do ex-bilionário, o ex-ministro não se constrangeu em pedir dinheiro ao PT dentro de uma sala na Esplanada dos Ministérios.

Eike apresentou documentos sobre o repasse feito por ele por meio de João Santana e Mônica Moura.

Pendente de confirmação, o conteúdo da conversa dele com Mantega transforma em piada de salão o vídeo de 2005, raiz do escândalo do mensalão, em que o então servidor dos Correios Maurício Marinho cobra R$ 3.000,00 de propina em diálogo flagrado no prédio da estatal.

Se comprovado, o teor da reunião na Fazenda há quatros anos fragiliza os argumentos de Dilma e aliados de que o esquema da Petrobras não tinha o conhecimento do Planalto.

A agenda oficial de Mantega confirma que ele recebeu Eike em 1º de novembro de 2012. Duas horas antes, o ex-ministro e Dilma despacharam.

A 34º fase da Lava Jato mira sem pudor o elo financeiro do esquema do petrolão e seus laços com o primeiro escalão dos governos petistas.

A investigação mandou para a cadeia o tesoureiro do PT, o marqueteiro do partido, figurões como José Dirceu e agora fecha o cerco ao ex-presidente Lula, réu em duas ações.

Com a cassação do mandato presidencial, Dilma Rousseff perdeu o foro privilegiado que a blindava dos atos de Curitiba. Costuma-se dizer em Brasília que a Lava Jato caminha meses à frente de todos nós.

domingo, 11 de setembro de 2016

11 de Setembro: um dia que ficou na Historia: reportagens do dia 12/09/2001 (FSP)

FOLHA DE S.PAULO
12 de setembro de 2001

HORROR EM NOVA YORK
Corpos e destroços compõem o cenário

Além de ar sufocante, calor e fogo, há um desagradável cheiro doce de queimado, que embrulha o estômago

SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK

A ponte que ligava as duas torres do World Trade Center está a 10 metros, caída no chão sobre dois carros da polícia e quatro caminhões dos bombeiros. Cedeu quando a primeira torre veio ao chão. Dois enfermeiros carregam uma maca com o corpo de um bombeiro. Ele está decapitado.
Protegido por uma máscara que consegui com um dos bombeiros, pude ultrapassar três bloqueios policiais e estou a poucos passos dos fundos do que sobrou das estruturas das duas torres. O ar está tomado por uma mistura de pó branco com fumaça preta. É meio-dia, o sol brilha alto, mas ao lado do World Trade Center está escuro como noite.
Além do ar sufocante e do calor que emana das duas construções em fogo, há um desagradável cheiro doce de queimado, que embrulha o estômago.
O barulho dos alarmes de incêndio dos prédios vizinhos, todos disparados, se junta aos alarmes dos carros que não foram completamente queimados e às sirenes das ambulâncias e das viaturas que conseguiram escapar do segundo desabamento.

Desordem
Não há uma ordem aparente. Policiais chegam, sozinhos ou em duplas, e gritam ordens, que são modificadas pelo chefe dos bombeiros, que se sobrepõe aos agentes do FBI. No meio da confusão, enfermeiros, paramédicos e voluntários não sabem o que fazer.
Eles são os que sobraram, a terceira leva do resgate. A primeira foi quase toda soterrada pelo primeiro desabamento. Parte da segunda, que foi enviada para tentar resgatar a primeira, está sob os escombros do segundo desabamento. A terceira é de bombeiros que estavam de folga, enfermeiros aposentados, policiais de outros bairros da cidade, agentes mais acostumados ao trabalho atrás das mesas, estudantes de medicina e de enfermagem.
De vez em quando, todos se entreolham assustados: um dos canos de gás que ainda resiste na estrutura dos prédios explode, fazendo um barulho desagradavelmente parecido com o das bombas de minutos atrás. Cães farejadores começam a latir e a vasculhar pedras, atrás de corpos.

Primeiro desabamento

O escritório da Folha em Nova York fica a cerca de 15 quadras do local da explosão, ambos no sul da ilha de Manhattan, em Nova York. Desde que ouvi as primeiras sirenes e barulhos de helicópteros, fui para as ruas tentar chegar ao World Trade Center.
Em questão de minutos, o serviço do metrô foi interrompido. Logo as ruas foram invadidas por pessoas, que tomaram os táxis e os ônibus, já parados pelo tráfego. A solução foi caminhar. Descendo a Terceira Avenida, o primeiro susto: uma das duas torres que até então estavam lá, à vista, desaba numa nuvem de poeira.
Nenhum barulho, nenhuma alteração. As lojas ainda estão funcionando, a bilheteria do cinema ainda vende ingressos. Até que as primeiras notícias começam a chegar pelo boca-a-boca. Realmente, a torre desabou. Começam a se formar filas nos poucos telefones públicos que ainda funcionam. Os primeiros gritos.
Todos tentam em vão falar nos celulares, que estão fora do ar. Um casal atravessa a rua correndo e chorando. Dois amigos se abraçam com lágrimas nos olhos. Uma senhora leva as mãos à cabeça e pergunta: "Por quê? Por quê?" Grupinhos assustados vão se formando nas esquinas.
Já na altura da Quinta Avenida, com uma visão mais completa da torre que sobrou, tomo o segundo susto. É como uma batida de carro. Um ruído surdo e seco, alguns berros. Um silêncio. E então a correria nas ruas, o desespero, o pânico. A segunda torre acaba de desabar, ali, aos olhos de todos, em nova nuvem de poeira.
Consigo chegar à parte de trás do que ontem de manhã era o prédio mais alto da cidade. O cenário é de guerra. Todos os edifícios num raio de três quarteirões sofreram pelo menos algum abalo. Alguns ainda correm risco de desabamento.
A poucos passos de uma das entradas da segunda torre do prédio, um telefone público teve o gancho arrancado. Sobre o aparelho, um saquinho com um resto de maconha. No chão, perto de um dos carros queimados, um chapéu de policial pisado faz companhia para duas botas destruídas numa poça de sangue.
Perto das 13h, com o fogo aparentemente controlado e sem perspectivas de novos desabamentos, uma nova leva de salvamento, a quarta do dia, começa a chegar. São dezenas de homens, que andam juntos arrancando mais poeira do chão, numa imagem que remete ao Velho Oeste.
Batalhões de voluntários, bombeiros, médicos e policiais passam a se aproximar em blocos do prédio para verificar se há sobreviventes. Mas não há. Em minutos, macas começam a ser tiradas. São corpos esmagados, na maioria policiais e bombeiros, cobertos de pó branco e sangue.
Nesse momento, sou expulso do lugar.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1209200143.htm

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GUERRA NA AMÉRICA
Na torre, "o chão parecia uma geléia", conta paulista
Multidão se espreme em escadas cheias de fumaça; saídas estavam bloqueadas
Elevadores caíram; ordem era correr, com mãos ao alto, sem olhar para trás

SÍLVIA CORRÊA
PALOMA COTES
DA REPORTAGEM LOCAL

"O prédio tremeu. O chão parecia uma geléia. Levantou um metro para lá, um para cá. As pessoas caíam. As coisas caíam. Foram uns dez segundos eternos."
Foi essa a sensação do paulista Guilherme Castro, 27, operador de uma corretora do mercado financeiro que trabalhava no 25º andar da torre 1 do World Trade Center ontem de manhã. O tremor que ele narra foi consequência do impacto causado pela batida do primeiro avião.
O andar era aberto, sem divisórias. Havia mais de 1.500 pessoas nele. De repente, a explosão.
"Foi muito forte. As pessoas se agarravam às coisas e se olhavam, desesperadas. Eu tinha certeza de que era uma bomba, mas não sabia se vinha de cima ou de baixo. O prédio balançou, inacreditavelmente. Vum... Vum... Tive certeza de que ia morrer", relatou ele.
O desespero aumentou quando o tremor passou. As janelas do prédio não abriam. "Tentei quebrar uma delas. Queria olhar para fora e ver o que estava havendo. Outras pessoas tiveram a mesma reação, mas não conseguíamos romper os vidros", continuou Raul Paulo Costa, 33, também operador da Garban Intercapital, que estava no mesmo 25º andar.
"Sem abrir o vidro, olhei pela janela e vi coisas caindo. Pareciam pedaços do prédio, pessoas, sei lá. Saí correndo, procurando a escada. Deixei tudo para trás", completou Castro. Na mesa ficaram documentos da empresa e de clientes, chave de casa, telefone.
Na fuga, outro capítulo do pânico. Segundo Costa, havia algumas saídas fechadas, o que causou tumulto nos andares. Mas as pessoas acharam outras rotas e, em segundos, as escadas lotaram.
"As pessoas pediam calma. Choravam. Havia muita fumaça e era difícil respirar", narrou Castro, que envolveu a cabeça na camisa como a maioria dos que tentavam escapar pelas escadas.
Para ele, foram 20 minutos até o térreo. Para o colega Costa, foi uma hora. "Foram os minutos mais longos da minha vida. Depois de um certo tempo, não acreditava mais que fosse sair vivo daquele horror", descreveu Costa.
No térreo, os brasileiros viram, em pedaços, as mais claras imagens da tragédia. "Estava tudo destruído. Os elevadores despencaram. Estavam com as portas em pedaços, amassados. No chão, tinha água, fios, vidro. Partes do teto estavam caídas e havia muita, muita poeira", contou Castro, nervoso, seis horas depois.
As pessoas foram orientadas a deixar o prédio pelo hotel Marriot, que ficava no térreo do WTC. Já havia feridos no saguão. Os policiais gritavam. "Todo mundo correndo. Mãos nas cabeças e sem olhar para trás", narraram os brasileiros, reproduzindo as ordens.
Castro e uma multidão deixaram o WTC em direção a Battery Park. "De repente, um míssil. Eu tinha certeza de que era um míssil e que ia cair na minha cabeça. Aí, outra explosão." Era o segundo avião. Atingia a segunda torre. Em minutos, ela desabaria.
Costa, o outro brasileiro, ainda estava preso em uma das escadarias de incêndio. "No 13º andar, as portas também estavam travadas. As pessoas começaram a subir, descer, subir. Ficaram desesperadas. Elas se amassavam naquele corredor. Algumas desistiam no meio do caminho, tamanha a dificuldade para respirar", disse ele.
O brasileiro foi achando outras escadas, outras rotas de fuga. No 3º andar, a água já tomava conta do chão e estava na altura de seus joelhos. Foi escorregando, agarrado a um corrimão. Foi caindo, resvalando, tentando. Saiu.
Ambos os brasileiros foram a pé para casa. Correram. Não esperaram assistência médica.
Castro soube no caminho que as torres haviam caído. Costa correu 40 quadras até chegar em casa e se sentir seguro.
Às residências, ambos chegaram em pânico. Ligaram para o Brasil, mas mal puderam falar. Ficaram imóveis, "na frente da TV, revendo tudo desabar".
No final do dia, ainda não tinham notícia de alguns amigos. Acham que muitos não conseguiram escapar. Ao trabalho, não sabem quando voltam. Os escritórios não existem mais.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1209200146.htm

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HORROR EM WASHINGTON
Governo fecha Casa Branca, Congresso e prédios públicos
Vice-presidente e integrantes do Conselho de Segurança Nacional se refugiam em prédio subterrâneo secreto
MARCIO AITH
DE WASHINGTON

Uma sensação inédita de vulnerabilidade atingiu ontem o centro político e militar dos EUA, nação mais poderosa do mundo.
Minutos depois do ataque terrorista que destruiu parte do Pentágono, o governo decidiu fechar a Casa Branca, o Capitólio e todos os outros prédios públicos da capital do país. O vice-presidente, Dick Cheney, líderes no Congresso e integrantes do Conselho de Segurança Nacional foram removidos para um prédio subterrâneo secreto.
Jatos F-16, da Força Aérea norte-americana, sobrevoaram o centro da cidade. Como todos os vôos comerciais no país foram suspensos e não havia certeza com relação ao número de aviões sequestrados, os pilotos militares receberam a missão de derrubar qualquer aeronave que se aproximasse da cidade.
Ofegante, depois de descer cinco lances de escadas do prédio que abriga a sede do Federal Deposit Insurance Corporation, a quatro quarteirões da Casa Branca, a fiscal de contabilidade Debby Carlson, 42 anos, juntou-se na rua a uma multidão de funcionários públicos que, calados, olhavam para o céu. Quarenta minutos antes, o Pentágono fora atacado. Quase duas horas antes, dois outros aviões atingiram as torres do World Trade Center, em Nova York, derrubando-as mais tarde.
"Disseram que tem outro avião vindo", gritou. "Agora eles querem a Casa Branca", alertou. "Eles", na visão de Carlson, são os terroristas. "No dia em que eles destruírem Washington, será o fim do mundo livre."
Pessoas andavam, a esmo, com crachás pendurados. Outros tentavam, sem sucesso, usar celulares. No início, acreditava-se que uma bomba teria explodido no Congresso e que o Departamento de Estado estaria em fogo. As informações, mais tarde desmentidas, ajudaram a elevar o pânico.
As autoridades decretaram estado de emergência na cidade. Operações do Metrô foram interrompidas durante um período. O trânsito, restrito por dezenas de bloqueios de segurança, ficou caótico. Ninguém podia chegar a uma distância inferior a três quarteirões da Casa Branca.
Os museus ao longo da longa área verde conhecida como "Mall" não funcionaram, assim como a maioria das embaixadas. Turistas, atônitos, pediam ajuda a policiais com metralhadoras.
A fumaça vinda do Pentágono, do outro lado do Rio Potomac, que separa Washington do Estado da Virgínia, misturava-se à imagem do Monumento de Washington, obelisco da cidade. "A cidade está mais tensa do que durante a crise dos mísseis com Cuba, em 1962", disse o senador Chuck Grassley, republicano de Iowa que misturou-se à multidão. "Só que, agora, fomos atingidos."
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1209200155.htm

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No Pentágono, mesa é usada como escudo
GABRIELA ATHIAS
ESTELA CAPARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Assim como em todas as manhãs, o engenheiro americano Gregory Stotmayer, 52, estava em sua mesa começando mais um dia de trabalho no Prédio Federal número 2, mais conhecido como "Navy Annex", quando ouviu um estrondo.
Sua primeira impressão foi que "algo muito grande" havia se chocado contra alguma construção do bairro, já que do escritório dele não era possível ver a queda do avião sobre o prédio que até então simbolizava a força da América. "Nunca imaginei que pudesse acontecer algo com o Pentágono", disse ele da sua casa, em um subúrbio de Washington, à Folha, por telefone.
"Eu nunca tinha estado em uma explosão antes. Para mim, a impressão foi de um barulho seco e alto de algo se chocando contra uma parede", disse Stotmayer.
"Fomos retirados do prédio em menos de um minuto e só na saída é que eu percebi que o Pentágono havia sofrido um atentado", relatou o engenheiro.
"Enquanto estávamos no prédio, nenhum de nós havia imaginado que a explosão pudesse ter algo a ver com o Pentágono. De lá só foi possível ouvir a explosão", completou Stotmayer.
Ele disse não ter "entrado em pânico", mas reconheceu ter sido surpreendido com o alcance dos atentados terroristas contra civis. "Pela primeira vez pensei no que pode acontecer contra nós [americanos]."
"Nós não sabíamos se deveríamos sair ou ficar no prédio. O problema é que, em uma situação como essa, você não sabe o que vai ocorrer no próximo minuto", completou John Damoose, um funcionário do Pentágono que estava em reunião quando ocorreu o atentado.
Para Damoose, o pior momento foi quando ele deixou o prédio e andou pela ciclovia Fort Meyer Drive: "Você podia ver pedaços de avião".
Ainda no Pentágono, a reação do engenheiro Rick Watson, 30, para quem o estrondo se assemelhou a um terremoto, foi correr para debaixo da mesa. Tom Seibert, 33, também engenheiro, disse que agiu por impulso: "Nos jogamos no chão por instinto".
Apesar da tensão e do clima de terror, a retirada dos funcionários do Pentágono foi feita de forma calma, organizada e durou poucos minutos.
"Quando pediram para deixarmos o prédio, já sabíamos o que havia acontecido no World Trade Center, em Nova York. Em três minutos estávamos todos na rua", disse uma funcionária que não quis se identificar.
Já na rua, as pessoas perceberam que teriam dificuldades de voltar para casa. A maioria das linhas de ônibus dessa região de Washington tem seu ponto inicial no Pentágono. Como a região foi interditada pela polícia, os ônibus não puderam trafegar, e as pessoas não souberam para onde se dirigir para pegá-los.
Com agências internacionais.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1209200156.htm

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Guinada 'a direita no Itamaraty - Celso Amorim (FSP, 22/05/2016)

Opinião

Guinada à direita no Itamaraty

Uma imagem vale mais que cem palavras, diz o provérbio chinês; e uma ação vale por cem imagens, poder-se-ia complementar. E, no entanto, na diplomacia, as palavras podem ter grande peso.
A combinação das palavras com as ações em matéria de política externa, que se ouviram ou viram até aqui, inspira preocupação.
É até compreensível que o novo chanceler do governo interino defenda o processo que o guindou ao cargo, amplamente criticado no mundo, ainda que uma grande parte da população brasileira considere tal processo ilegítimo.
E não estamos falando apenas dos militantes do PT e do PC do B, mas de artistas e intelectuais, que, de maneira intuitiva, interpretam a alma do povo. Certamente, a imagem da equipe do filme "Aquarius", estampada pela Folha em sua primeira página da edição de quarta-feira (18), contrasta, inclusive por sua diversidade, com as figuras cinzentas que aparecem na cerimônia de posse do presidente interino.

Evaristo Sá -18.maio.2016/AFP
Novo chanceler brasileiro, José Serra, em seu escritório no Itamaraty, Brasília
Novo chanceler brasileiro, José Serra, em seu escritório no Itamaraty, Brasília
Por um momento, ao vê-las, com os áulicos de ontem e de sempre, fui transportado aos eventos palacianos do tempo do governo militar, quando não se viam mulheres, negros ou jovens.
O que assistimos no Itamaraty guarda semelhança com esse quadro mais amplo.
Em suas primeiras ações, o novo chanceler disse a que veio: com palavras incomumente duras, que fazem lembrar os comunicados do tempo da ditadura, como a acusação de que governos de países da nossa região estariam empenhados em "propagar falsidades", as notas divulgadas (aliás, estranhamente atribuídas ao Ministério das Relações Exteriores e não ao governo brasileiro, como de praxe, com o intuito provável de enfatizar a autoria) atacam governos de países amigos do Brasil, ameaçam veladamente o corte da cooperação técnica a uma pequena nação pobre da América Central e acusam o secretário-geral da Unasul (União das Nações Sul-Americanas), um ex-presidente colombiano, eleito pela unanimidade dos membros que constituem a organização, de extrapolar suas funções.
Um misto de prepotência e de arrogância pode ser lido nas entrelinhas, como se o Brasil fosse diferente e melhor do que nossos irmãos latino-americanos.
Talvez, por prudência (ou temor do sócio maior dessa entidade), as notas evitaram palavras equivalentes sobre a OEA (Organização dos Estados Americanos), a despeito das expressões críticas do seu secretário-geral e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Até o momento, eximiu-se de manifestar-se sobre as preocupações expressadas pela pequena, mas altiva Costa Rica, insuspeita de bolivarianismo.
Mas o que mais preocupa é o afã em diferenciar-se de governos anteriores, acusados de ação partidária, como se esta só existisse na esquerda do espectro político. Quando o partido é de direita, e as opções seguem a cartilha do neoliberalismo, não haveria partidarismo. Tratar-se-ia de políticas de Estado.
Há muito que "especialistas", cujos discursos são ecoados pela grande mídia, acusam de "partidária" a política externa dos governos Lula e Dilma, esquecendo-se que muitas de suas iniciativas foram objeto de respeito e admiração pelo mundo afora, como a própria Unasul —aparentemente desprezada pelos ocupantes atuais do poder— os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul; sem os quais não teria havido a primeira reforma real, ainda que modesta, do sistema de cotas do FMI e do Banco Mundial) e o G-20 da OMC (Organização Mundial do Comércio), que mudou de forma definitiva o padrão das negociações em nível global.
Ao mesmo tempo, busca-se derreter o Mercosul, retirando-lhe seu "coração", a União Aduaneira (para tomar emprestado uma metáfora do presidente Tabaré Vasquez).
Em matéria comercial, o afã em aderir a mega-acordos regionais do tipo do TPP (a Parceria Transpacífico ) denota total ignorância das cláusulas, que cerceiam possibilidades de políticas soberanas (no campo industrial, ambiental e de saúde, entre outros).
Chega a ser espantoso que alguém que se bateu, com coragem e firmeza, pelo direito de usar licenças compulsórias para garantir a produção de genéricos, não esteja informado da existência de cláusulas, intituladas enganosamente de Trips plus (na verdade, do nosso ponto de vista, seriam Trips minus), que, de forma mais ou menos disfarçada, reduzem a latitude para o uso de tais medidas, no momento em que comissões de alto nível criadas pelo secretário-geral da ONU alertam para o risco de debilitar a Declaração de Doha sobre Propriedade Intelectual e Saúde, consagrada pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, aprovada pelos chefes de Estado na 20ª Assembleia Geral da ONU.
A África, de onde provém metade da população brasileira e onde os negócios do Brasil cresceram exponencialmente —sem falar na importância estratégica do continente africano para a segurança do Atlântico Sul- ficará em segundo plano, sob a ótica de um pragmatismo imediatista. Sobre os Brics, o Ibas (Índia, Brasil e África do Sul), as relações com os árabes, uma menção en passant. Esqueça-se a multipolaridade, viva a hegemonia unipolar do pós-Guerra Fria. Nada de atitudes independentes.
A Declaração de Teerã, por meio da qual o Brasil, com a Turquia (e a pedido reiterado do presidente Barack Obama, diga-se de passagem) mostrou que uma solução negociada era possível, completou seis anos, no dia 17 de maio. Na época, foi exaltada por especialistas das mais variadas partes do mundo, inclusive nos Estados Unidos. Porém causou horror aos defensores do bom-mocismo medíocre em nosso país.
Mas as elites não terão mais nada a temer. Nenhuma atitude desassombrada desse tipo voltará a ser tomada. O Brasil voltará ao cantinho pequeno de onde nunca deveria ter saído.

 CELSO AMORIM, diplomata de carreira, foi ministro das Relações Exteriores (governos Itamar e Lula) e da Defesa (governo Dilma).

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Edmar Bacha diz que Brasil nao tem mais governo - Thais Bilenky (FSP)

Brasil segue ladeira abaixo, diz Bacha
Thais Bilenky de Nova York
Folha de S. Paulo, 9/10/2015

Economista diz em aula nos EUA que raiz da crise atual é política e que país está sem governo e preso ao curto prazo
Um dos idealizadores do Plano Real, ele preferiu não responder sobre corrupção e elogiou o Bolsa Família
Em uma aula de pós-graduação na Universidade Columbia (Nova York), uma das mais prestigiadas do mundo, o economista Edmar Bacha teceu duras críticas ao governo Dilma Rousseff e apresentou um ponto de vista pessimista em relação à recuperação do Brasil.
A Folha assistiu à aula, que aconteceu nesta quarta-feira (7) à noite.

A franqueza com que respondeu a uma pergunta sobre as perspectivas para a economia nacional causou um riso constrangido na sala, ocupada por um grupo de economistas de renome, como José Alexandre Scheinkman, André Lara Resende, Fernando Sotelino, Guillermo Calvo e Albert Fishlow.
"As perspectivas são terríveis", disse, em inglês. "Estamos indo ladeira abaixo e continuaremos ladeira abaixo até que se resolvam problemas centrais."
Um dos formuladores do Plano Real e simpático ao PSDB, Bacha afirmou que o país está desgovernado e que a nova composição ministerial ainda é uma incógnita. "Não temos mais governo. Até agora, só se finge que se faz algo." O ministro Joaquim Levy (Fazenda) "faz o que pode", disse, "mas, como se diz no Brasil, uma andorinha só não faz verão".

BOLSA FAMÍLIA
O economista preferiu pular perguntas sobre o impacto da corrupção e cedeu nas críticas quando perguntado sobre o Bolsa Família, programa de transferência de renda instituído pelo governo Lula. "Estava lá, esperando para ser encontrado." A tecnologia já existia e foi implantada da maneira certa, disse. "E foi esse tremendo sucesso."
Sócio-fundador do centro de estudos Casa das Garças, o economista começou sua exposição com uma comparação entre a baixa produtividade do trabalhador no Brasil e no México.
Depois, foi questionado por estudantes brasileiros e estrangeiros do curso do professor brasileiro Sidney Nakahodo –que dá aulas de desenvolvimento político, social e econômico brasileiro em Columbia.
Bacha argumentou que a raiz da crise é política. Questionado sobre quais medidas o governo deveria adotar, ele disse que não há uma em particular como havia quando da implementação do Plano Real, em 1994. "Não há um problema de fundamento na economia. O que se precisa é de uma visão a longo prazo."
Ele defendeu uma abertura maior da economia e criticou as escolhas dos governos do PT, que, segundo ele, não impediram o inchaço do Estado nem posicionaram o país de forma estratégica no comércio internacional.
Sem citar especificamente a CPMF, cuja recriação é defendida pelo governo, Bacha disse que o país "não precisa de mais impostos".
"No Brasil, a gente taxa muito bem. A [Receita Federal] é uma das instituições mais eficientes do país", ironizou ao citar a carga tributária de 36%, a maior da América Latina.
Para Bacha, é urgente uma contenção dos gastos correntes para diminuir o deficit e abrir espaço para investimentos em infraestrutura e melhoria da educação.
Essa contenção envolveria a reforma da Previdência e a desvinculação das receitas da União, o que daria mais flexibilidade aos recursos previstos no Orçamento.
Ele disse que a adoção da idade mínima para aposentadoria é crucial para diminuir os gastos do governo.

MUDAR O EIXO
Parcerias no chamado eixo Sul-Sul, por exemplo, são pouco produtivas: "A gente deveria ir aonde o mercado está", sustentou. "No Brasil, a gente desenvolveu uma mentalidade de que podemos ser autossuficientes e é difícil enfrentar isso. A primeira coisa que o [ex-presidente] Lula fez ao assumir o governo foi riscar fora a Alca [Área de Livre-Comércio das Américas, criada pelos EUA]."
O economista criticou a baixa competitividade das empresas brasileiras, que estariam acomodadas pela proteção do Estado. "Não há pressão para que alcancem melhor desempenho", disse.
Bacha afirmou que a queda no preço de commodities não deveria afetar o agronegócio brasileiro, que, ainda que em expansão, deveria ser mais forte. "O Brasil é grande o suficiente para não precisar escolher um setor [a desenvolver]: ou manufaturas, ou commodities ou serviços."

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Ainda o decreto bolivariano dos totalitarios neobolcheviques:radiografando o soviete tupiniquim - Reinaldo Azevedo

Como diria alguém, uma modesta contribuição ao debate (que não é de minha autoria, claro, mas tampouco deixarei de fazê-lo).
Paulo Roberto de Almeida 


16/06/2014
 às 5:09

De novo, o Decreto 8.243, de Dilma. É golpista e bolivariano, sim! Ou: O que não me parece bom nas seis perguntas e seis respostas da Folha

A Folha, jornal de que sou colunista, publicou no domingo seis perguntas e respostas sobre o Projeto 8.243 — aquele dos “conselhos populares”. O leitor chega à conclusão de que o diabo é bem menos feio do que se pinta. Discordo, é claro! “E por que não escreve a respeito no jornal?” Já escrevi. Volto ao assunto aqui. O que segue em vermelho foi publicado pela Folha. Comento em azul.
Classificado por alguns como “golpista”, “bolivariano” e até “bolchevique”, o decreto de Dilma sobre política de participação social parece bem menos polêmico.

Eu considero o decreto golpista e bolivariano, mas não “bolchevique” porque, parece-me, o bolchevismo supõe a perspectiva imediatamente revolucionária e de eliminação de uma classe social. Não sei quem classifica assim o texto — ninguém que eu tenha visto.

Gramscianamente golpista, isso ele é. Como era — e, em certa medida, ainda é — a terceira edição do Plano Nacional de Direitos Humanos, de dezembro de 2009. E é bolivariano também porque Chávez recorreu a conselhos para minar o sistema representativo na Venezuela.
1) Para que serve a Política Nacional de Participação Social (PNPS), criada por decreto por Dilma?

O objetivo é organizar a relação entre ministérios e outras repartições federais com as diversas instâncias de participação social, como os conselhos permanentes de políticas públicas, as periódicas conferências nacionais temáticas e as frequentes audiências públicas, entre outras.
O texto busca, digamos, naturalizar o decreto, como se Dilma tivesse recorrido a esse expediente — por que não um projeto de lei, por exemplo? — apenas porque surgiu a necessidade de “organizar”. Epa! Um texto legal que regulamenta a participação da sociedade civil, definindo-a como “o cidadão, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações” pode ser tudo, menos corriqueiro. Eu quero saber, por exemplo, a diferença entre um “movimento social institucionalizado” e um “movimento social não institucionalizado”. Mais: se o “cidadão” é parte da sociedade civil, como ele faz para participar de um conselho? Já volto ao ponto.

2) Mas já não existem vários conselhos?

Existem. Alguns são muito antigos, como o CNE (Conselho Nacional de Educação), criado em 1931, e o CNS (Conselho Nacional de Saúde), que existe desde 1937. Há conselhos para os mais variados temas, como direitos dos idosos, trabalho, segurança pública, juventude, política indigenista, previdência, drogas e igualdade racial. Alguns têm caráter normativo, como o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente). Outros são meramente consultivos, como o Conselho de Desenvolvimento Econômico, que reúne vários empresários dos mais diversos setores.
Vamos lá. Peguemos um dos conselhos citados acima: o da Juventude. Alguém ficou sabendo, a começar da imprensa, que as inscrições para tentar fazer parte do “Conjuve” terminaram às 23h59 do dia 4 de junho? Mais: nada menos de 159 entidades — devem ser os tais “coletivos” e “movimentos sociais institucionalizados e não institucionalizados” — se inscreveram. É mesmo?

Ora vejam… Vamos ver o que diz o Artigo 1º do decreto de Dilma: “Fica instituída a Política Nacional de Participação Social – PNPS, com o objetivo de fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil”. Sei… O Inciso II do Artigo 3º sustenta ainda que uma das diretrizes do PNPS é a “complementariedade, transversalidade e integração entre mecanismos e instâncias da democracia representativa, participativa e direta”.
Certo! Então os conselhos são uma forma de democracia direta, né? Só que é a democracia direta que se realiza à socapa, sem que ninguém saiba. Ou o “cidadão” decide fazer parte de algum “coletivo” ou “movimento social”, ou não vai participar de coisa nenhuma. Continuo na questão seguinte.
3) Esses conselhos agora são controlados pelo governo?

Não.
Não??? De novo, tomo o exemplo do Conselho da Juventude. É formado por 60 membros: um terço (20) é de representantes do governo e dois terços (40), da sociedade civil. Se vocês clicarem aqui, terão acesso a seus nomes e entidades às quais pertencem. E ficará claro, de saída, que a questão não está em ser o conselho formalmente controlado pelo governo. Em tese, não é. Estou falando é de outra coisa: de controle ideológico. Vejam lá qual é o viés das tais entidades representadas. Ora… Essa democracia “direta” é, como se vê, bem mais restritiva, então, do que a “representativa”, não? Afinal:
a: o processo eletivo ocorre sem que ninguém saiba;
b: a eleição dos conselheiros será necessariamente indireta;
c: já existe uma seletividade ideológica na largada.

É isso, então, a democracia representativa?
4) O governo passa a ser obrigado a seguir decisões tomadas em conselhos?

Não. O decreto diz apenas que os órgãos da administração, como os ministérios, deverão “considerar” essas instâncias de participação social na hora de formular, executar, monitorar e avaliar suas políticas. Isso já ocorre em muitos casos. O decreto diz também que os órgãos deverão produzir relatórios anuais mostrando como estão implementando a PNPS.
Com a devida vênia, é uma resposta ingênua para uma pergunta não menos. Imaginem se, a partir do decreto, os tais conselhos não acabarão se tornando uma espécie de imposição. Não há como impor legalmente as decisões dos conselhos. Trata-se de um constrangimento político. Tanto é que os órgãos federais são obrigados a prestar contas sobre a forma como estão implementando o tal PNPS. Ora, é o estado se organizando para ter o controle da sociedade civil. Saudável, convenha, seria o contrário!

5) O governo está criando novos conselhos?

O decreto não cria nenhum novo conselho nem mexe nos já existentes. A norma, porém, define parâmetros mínimos para orientar a eventual criação de novos conselhos ou instâncias.
De novo, fica parecendo que Dilma decidiu acordar e dizer: “Hoje é segunda-feira”. Não! A coisa é bem mais grave e mais complexa do que isso. Ademais, insisto na pergunta: por que um decreto? Já volto ao ponto.

6) Os conselhos populares assumem alguma atribuição do Poder Legislativo?

Não. O que se discute é se a PNPS, nos termos em que foi elaborada, deveria passar pelo Congresso. O governo sustenta que, como não há criação de cargos ou despesas, o decreto é suficiente. Alguns entendem que, ao criar um procedimento novo, a PNPS só poderia ser validada por meio de uma lei aprovada pelo Congresso Nacional.
A resposta e amplamente insuficiente. Não se pode perguntar se o decreto faz o impossível porque o impossível ele não faz… A CONSTITUIÇÃO NÃO PERMITE QUE O EXECUTIVO SOLAPE PRERROGATIVAS DO LEGISLATIVO. E NÃO SERIA POR MEIO DO DECRETO 8.243 QUE DILMA O FARIA. A pergunta não faz sentido.

A questão é saber se conselhos não poderão ter um peso maior na decisão de órgãos federais do que o próprio Legislativo. A depender de como se conduzam as coisas, a resposta é “sim”. Segundo o decreto, um dos mecanismos de participação direta da sociedade são as “conferências nacionais”. Peguem as conclusões das conferências de Comunicação e Cultura, por exemplo. Nos dois casos, há flertes claros com a censura, por imposição dos vários grupos de esquerda que as compuseram. COMO NÃO CONSEGUEM VENCER ELEIÇÕES NO PARLAMENTO PARA IMPOR A SUA VONTADE, TENTAM FAZÊ-LO POR INTERMÉDIO DAS TAIS CONFERÊNCIAS. A  de Mulheres, por exemplo, defendeu a descriminação do aborto. Curioso: não é essa a opinião da maioria das mulheres brasileiras nem é esse o resultado das urnas. ESSAS FORMAS DE DEMOCRACIA DIRETA, COM A REALIZAÇÃO DE ELEIÇÕES ÀS ESCURAS, SÃO INSTRUMENTOS DE QUE DISPÕEM MINORIAS QUE SE QUEREM DE VANGUARDA PARA IMPOR A SUA VONTADE ÀS MAIORIAS.
Pior do que tomar o lugar do Legislativo, o “conselhismo” ambiciona é tomar o lugar da Justiça mesmo, e alertei para esse risco em meu artigo na Folha, na sexta. Reproduzo trecho (em preto).
No dia 19 de fevereiro (http://abr.ai/1lkunwF), o ministro Gilberto Carvalho participou de um seminário sobre mediação de conflitos. Com todas as letras, atacou a Justiça por conceder liminares de reintegração de posse e censurou o estado brasileiro por cultivar o que chamou de “uma mentalidade que se posiciona claramente contra tudo aquilo que é insurgência”. Ou por outra: a insurgência lhe é bem-vinda. Parece que ele tem a ambição de manipulá-la como insuflador e como autoridade.
Vocês se lembram do “Programa Nacional-Socialista” dos Direitos Humanos, de dezembro de 2009? É aquele que, entre outros mimos, propunha mecanismos de censura à imprensa. Qual era o “Objetivo Estratégico VI” (http://abr.ai/1lkLvSS)? Reproduzo trecho:

“a- Assegurar a criação de marco legal para a prevenção e mediação de conflitos fundiários urbanos, garantindo o devido processo legal e a função social da propriedade.
(…)
d- Propor projeto de lei para institucionalizar a utilização da mediação como ato inicial das demandas de conflitos agrários e urbanos, priorizando a realização de audiência coletiva com os envolvidos (…) como medida preliminar à avaliação da concessão de medidas liminares (…)”

Dilma resolveu dar uma banana para o Congresso e, em vez de projeto de lei, que pode ser emendado pelos parlamentares, mandou logo um decreto. As Polianas que fazem o jogo dos contentes acusam os críticos do decreto de exacerbação retórica e dizem que a trajetória do PT não revela tentações bolivarianas. Não? Fica para outra coluna. Nego-me a ignorar o que está escrito para ser árbitro de intenções. Pouco me interessa o que se passa na alma do PT. Eu me ocupo é dos fatos. Dilma tem de recuar. Brasília não é Caracas.
Encerro

Ora, uma vez em vigência esse decreto, um juiz poderá se amparar nele para não conceder uma liminar de reintegração de posse, por exemplo — não sem que se realize antes a tal mesa de mediação de conflitos. É evidente que a presidente não assinaria um decreto admitindo que está criando mecanismos que podem ser considerados um Legislativo e um Judiciário paralelos. Só faltava essa! A esse grau de loucura, o petismo ainda não chegou. Mas que o texto pavimenta o caminho para a companheirada não se desgrudar mais do poder, ganhe ou perca eleição, ah, isso é fato! Não é bolchevique porque não dá mais para ser bolchevique, o que muitos lamentam… Mas é golpista, sim. E recorre a expedientes bolivarianos, sim!

Não custa lembrar que, na América Latina contemporânea — mas nunca moderna —, não se dão mais golpes com tanques, mas com instrumentos legais que vão minando o regime democrático. O Decreto 8.243 é um deles. Que o Congresso reaja e derrube essa estrovenga por meio do decreto legislativo. Dilma que envie um projeto de lei. Ou a presidente quer instituir a participação da sociedade civil sem ouvir o Poder Legislativo?

Por Reinaldo Azevedo