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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Liberdades econômicas no mundo - Rodrigo Constantino

Gazeta do Povo lança Índice de Liberdade Econômica, melhor mapa para entender como tornar o Brasil uma nação rica

O Índice de Liberdade Econômica, calculado pela Heritage Foundation, é o mais tradicional indicador que mede o grau de capitalismo dos países. Há anos ele é utilizado no mundo todo como o melhor parâmetro para avaliar se um país tem ou não o que se pode chamar de economia livre.
E a correlação entre esse indicador e outros que medem qualidade de vida da população, riqueza e desenvolvimento humano, além de corrupção, é enorme e uma com elo causal: a liberdade econômica causa a riqueza, os avanços sociais e maior transparência.
Esse índice era publicado no Brasil pelo Instituto Liberdade, de Porto Alegre, e a Gazeta do Povo marca um golaço ao assumir sua publicação agora, provando seu compromisso com os valores da liberdade e do progresso. Entender os itens desse índice é a melhor forma de compreender as mazelas nacionais, assim como o que deve ser feito para finalmente colocar o Brasil na rota do crescimento.
O Brasil petista despencou no ranking, mostrando como caminhamos na direção do socialismo sob Lula e Dilma. A Venezuela já virou socialista de vez, e os resultados desastrosos estão aí para todos verem – menos os cegos ideológicos. Uma economia controlada pelo estado, fechada, com muita regulação e impostos é a receita mais segura para a catástrofe econômica e social de uma nação. E somos um patinho feio, um ótimo aluno marxista, ostentando a vergonhosa 153a posição no ranking:
Para sermos apenas medíocres ainda precisamos melhorar muito. Não temos direito de propriedade garantido, e basta pensar nos invasores do MST ou nas favelas sem título de propriedade. Os gastos do governo são altos demais, a carga tributária é muito elevada e complexa, a saúde fiscal é péssima, com rombo de quase R$ 200 bilhões por ano. O judiciário é lento, as leis são arbitrárias, nem o passado é certo. O protecionismo é grande e afasta o país da globalização. As leis trabalhistas são inspiradas no fascismo marxista de Mussolini e Vargas, com amplo poder sindical. O setor financeiro é concentrado demais, com muita barreira à entrada.
Enfim, o “neoliberalismo” é o fantasma da mitologia canhota inventado como bode expiatório para os males produzidos pelo excesso de estado. Só há duas saídas para o Brasil: aeroportos ou liberalismo! Nosso podcast Ideias desta semana foi justamente sobre esse relevante tema:
Estamos em ano de eleições. Cobre dos seus candidatos uma postura sobre esses pontos. Só vote em quem estiver comprometido com o avanço da liberdade econômica, quem tiver noção de que o caminho para a prosperidade passa inexoravelmente pela redução do estado e de seu intervencionismo. Pregar maior controle estatal é impedir nosso avanço, asfixiar aqueles que criam riquezas, manter as amarras que sufocam o Brasil. Chega de tanto estado! Vamos dar uma chance à liberdade…
Rodrigo Constantino

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Miseria da universidade brasileira: tem remedio? - Artigo de Dennys Garcia Xavier (Gazeta do Povo)

Golpe? É hora do “contragolpe” nas universidades brasileiras


Querem falar sobre impeachment, sobre liberdade ou ciência? Ótimo, é mesmo preciso. Que não seja, entretanto, sob a égide da foice e do martelo balançando sobre nossas cabeças

Dennys Garcia Xavier 
Gazeta do Povo, 20/06/2018

Há vida inteligente dentro da Universidade brasileira e ela está farta de se submeter. Nossa história acadêmica não é muito diversa daquela verificada em outras instâncias dependentes da “arquitetônica do jeitinho”, própria da Zumbilândia chamada Brasil. 
Nos esportes, por exemplo, acontece de modo quase idêntico: não produzimos boa qualidade em série ou de forma sistemática – sequer em quantidade risível – e, então, na maioria das vezes, dependemos de talentos individuais/abnegados que surgem, aqui e ali, também como exceções que confirmam a regra da nossa reconhecida incompetência. 
No mundo das Instituições de Ensino Superior, o tal “curso sobre o golpe”, multiplicado pelas Universidades tupiniquins na velocidade que só a sua mediocridade permitiria, não poderia ficar sem resposta. Resolvemos agir (e não apenas neste caso). 
“Oras, mas não se pode oferecer livremente um curso sobre o tal ‘golpe’, mesmo com clara intenção ideológico-partidária, dentro de uma Universidade?”, alguém poderia justamente perguntar. Claro que pode, responderia eu, mas talvez não deva, especialmente diante de um quadro geral que coloca nosso sistema de ensino entre os piores do mundo, acompanhado de países miseráveis, alguns dos quais em guerra civil declarada. 
É preciso superar a fase do medo de reputações manchadas pelo submundo universitário, das ameaças patrocinadas por colegas, da perseguição sorrateira no interior dos Departamentos e Faculdades. É preciso avançar, mesmo com o inevitável sacrifício pessoal naturalmente derivado do combate a práticas políticas que nos arrastam progressivamente para a periferia da produção científica no mundo. Somos uma pátria de analfabetos/analfabetos funcionais. E a Universidade tem enorme parcela de culpa nesta história. É preciso mudar com máximo senso de urgência. 
A UniLivres, organização de alunos e professores que tem como principal objetivo exatamente a luta pela liberdade dentro das Instituições de Ensino Superior do país, oferece alternativa. Querem falar sobre impeachment, sobre liberdade ou ciência? Ótimo, é mesmo preciso. Que não seja, entretanto, sob a égide da foice e do martelo balançando sobre nossas cabeças. 
Eis aqui proposta concreta: curso de extensão “Democracia e Liberdade em tempos de crise - impeachment e ciência na Universidade brasileira”. Conteúdo ministrado gratuitamente, via WEB, por cinco professores universitários distantes do universo das utopias coletivistas, obtusas e castradoras que nos levaram a fracasso inequívoco. 
Estamos falando de atividade suprapartidária, de abordagem técnica, com bibliografia que não inclui, por exemplo, blogs patrocinados por vassalos de correntes políticas comprometidos com valores dificilmente confessáveis, mas sobremaneira explícitos nas trincheiras sindicais ideologicamente aparelhadas. São cinco módulos de formação, com, em média, uma hora cada, sobre Educação (Profa. Anamaria Camargo), Literatura (Profa. Fernanda Sylvestre), Filosofia (com o autor deste texto), Economia (Prof. Ubiratan Jorge Iorio) e Direito (Profa. Janaína Paschoal). 
Inscrita ou não, qualquer pessoa pode assistir às aulas pela página da UniLivres no Facebook ou pelo  YouTube
A importância de tais iniciativas? Bem, os fatos falam por si com eloquência. 
Há tempos a Universidade brasileira virou as costas para a sociedade que a mantém. Há uma série de fatores que explicam o fenômeno, sem, entretanto, justificá-lo minimamente. 
Em primeiro lugar, a estrutura pensada para as Instituições Públicas de Ensino Superior é o que poderíamos denominar “entrópica”. Com isso quero dizer que passam mais tempo a consumir energia para se manter em operação do que a fornecer, como contrapartida pensada para a sua existência, efetivo aperfeiçoamento na vida das pessoas comuns, coagidas a bancá-las por força de imposição estatal. 
Insisto para evitar mal-entendidos: não desconsidero as contribuições pontuais e louváveis que a custo conseguimos divisar no interior das IPES. No entanto, não é esse o seu arcabouço procedimental de sustentação. Os exemplos de desprezo pelo espírito republicano e pelo real interesse da nação se multiplicam quase que ao infinito: Universidades e cursos abertos sem critério objetivo de retorno, bolsas e benefícios distribuídos segundo regras pouco claras – muitas vezes contaminadas por jogos internos de poder político –, concursos e processos seletivos pensados “ad hoc” para contemplar interesses subjetivos e pouco nobres entre outros. Em texto que contou com grande repercussão nacional, o Prof. Paulo Roberto de Almeida esclarece o que aqui alego: 
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Não é segredo para ninguém que as IPES funcionam em bases razoavelmente “privadas” – isto é, são reservadas essencialmente para uma clientela relativamente rica (classes A, B+, BB, e um pouco B-, com alguns merecedores representantes da classe C), que se apropria dos impostos daqueles que nunca terão seus filhos nesses templos da benemerência pública. Na verdade, essa clientela é a parte menos importante do grande show da universidade pública, que vive basicamente para si mesma, numa confirmação plena do velho adágio da “torre de marfim”. Não se trata exatamente de marfim, e sim de uma redoma auto e retroalimentada pela sua própria transpiração, com alguma inspiração (mas não exatamente nas humanidades e ciências sociais). A Capes e o CNPq, ademais do próprio MEC, asseguram uma confortável manutenção dos aparelhos que mantém esse corpo quase inerme em respiração assistida, ainda que com falhas de assistência técnica, por carência eventual de soro financeiro. 
Nessa estrutura relativamente autista, a definição das matérias, disciplinas e linhas de pesquisa a serem oferecidas a essa distinta clientela não depende do que essa clientela pensa ou deseja, e sim da vontade unilateral dos próprios guardiães do templo, ou seja, os professores, inamovíveis desde o concurso inicial, independentemente da produção subsequente. A UNE, os diretórios estudantis, os avaliadores do Estado, os financiadores intermediários (planejamento, Congresso, órgãos de controle) e últimos de toda essa arquitetura educacional (isto é, toda a sociedade) e, sobretudo os alunos, não possuem nenhum poder na definição da grade curricular, no estabelecimento dos horários, na determinação dos conteúdos, na escolha da bibliografia, no seguimento do curso, enfim, no desenvolvimento do aprendizado, na empregabilidade futura da “clientela”, que fica entregue à sua própria sorte. Sucessos e fracasso são mero detalhe nesse itinerário autocentrado, que não cabe aos professores, às IPES, ao MEC responder pelos resultados obtidos (ou não), que de resto são, também, uma parte relativamente desimportante de todo o processo . 
Jamais questione, portanto, pelos motivos expostos, os tantos “gênios” produzidos e alimentados pela academia brasileira. No geral, pensam ser nada mais do que uma obviedade ter alguém para sustentar suas aventuras autoproclamadas científicas, os seus exercícios retóricos de subsistência e seu esforço em fazer parecer importante aquilo que, de fato, especialmente em um país pobre e desvalido, não tem qualquer importância (e me refiro com ênfase distintiva aos profissionais das áreas de Humanidades). Tem razão, portanto, Raymond Aron quando diz: 
Quando se trata de seus interesses profissionais, os sindicatos de médicos, professores ou escritores não reivindicam em estilo muito diferente do dos sindicatos operários. Os quadros defendem a hierarquia, os diretores executivos da indústria frequentemente se opõem aos capitalistas e aos banqueiros. Os intelectuais que trabalham no setor público consideram excessivos os recursos dados a outras categorias sociais. Empregados do Estado, com salários prefixados, eles tendem a condenar a ambição do lucro . 
Estamos evidentemente diante do renascimento do acadêmico egghead ou “cabeça de ovo”, segundo roupagem brasileira, naturalmente. Indivíduo com equivocadas pretensões intelectuais, frequentemente professor ou protegido de um professor, marcado por indisfarçável superficialidade. Arrogante e afetado, cheio de vaidade e de desprezo pela experiência daqueles mais sensatos e mais capazes, essencialmente confuso na sua maneira de pensar, mergulhado em uma mistura de sentimentalismo e evangelismo violento. O quadro, realmente, não é dos mais animadores. 
Depois, vale ressaltar outro elemento que configura o desprezo do mundo das IPES pela sociedade. A promiscuidade das relações de poder que se formam dentro dela, sem critério de competência, eficiência ou inteligência, o que a tornam problema a ser resolvido, em vez de elemento de resolução de problemas. Talvez esse seja um dos mais graves entraves a ser enfrentado no âmbito da educação brasileira de nível superior: seu compromisso ideológico com o erro, com o que evidentemente não funciona, com uma cegueira volitiva autoimposta que a impede de enxergar o fundamento de tudo o que é: a realidade, concreta, dura, muitas vezes injusta, mas...a realidade. Trata-se de uma máquina que se retroalimenta com sua própria falência e que, por isso mesmo, atingiu estágio no qual pensar a si mesma, se reinventar, é quase um exercício criativo de ficção. 
Certo, não podemos abrir mão de ciência de alto nível, de vanguarda, de um olhar ousado para o futuro. Isso seria reduzir a Universidade a uma existência “utilitária” no pior sentido do termo: e não é disso que estou falando nesta sede. 
Digo mais simplesmente que é passado o momento de darmos resposta a anseios legítimos da população, à necessidade de instruirmos com ferramentas sérias e comprometidas uma massa humana completamente alijada de conteúdos muitas vezes basilares, elementares, que permeiam a sua existência. 
O momento, não obstante complexo, é propício. Parte da Universidade brasileira parece querer acordar do “sono dogmático” que a deixou inerte diante do diferente nas últimas décadas. Seria mesmo inevitável.

Contexto atual

Vivemos período histórico particularmente afetado pelo bullshit. E, na condição de estudiosos, nos cabe mínima compreensão articulada do fenômeno de proporções evidentemente brutais. É a época da “pós-verdade” (post-truth). O termo foi escolhido em 2016 pelo Departamento Oxford Dictionaries daquela Universidade como a palavra do ano, em referência a substantivo que relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião geral do que apelos à emoção e a crenças pessoais. 
Segundo a Oxford Dictionaries, o termo “post-truth” foi usado com aquela inflexão semântica pela primeira vez em 1992, pelo dramaturgo sérvio-americano Steve Tesich. Apesar de uso razoavelmente corrente desde sua criação, a palavra registrou um pico de uso em tempos recentes, algo em torno dos 2.000% de aumento em 2016. 
A informação dá bem a medida do drama que enfrentamos atualmente. Para aquele Departamento, pós-verdade deixou de ser termo periférico para se tornar central no comentário político, agora frequentemente usado por grandes publicações sem ulterior necessidade de esclarecimento ou definição: um fenômeno que por certo não se verifica apenas em âmbito de macroesfera, mas também em microesfera, vale dizer, em relações pessoais e profissionais subjetivas e de menor visibilidade, igualmente importantes na composição geral do fenômeno bullshit no mundo de hoje. 
Eis que as consequências dessa nova forma de ideologismo se mostram nefastas enquanto transformam praticamente todas as expressões do espírito humano em formas diversas de ideologias, quase sempre contaminadas pelo desprezo da busca pela verdade, ao menos enquanto pode ser alcançada/desejada pelo homem, e, então, pelas causas que subjazem as coisas e os fenômenos. A esse propósito, diz Edgar Morin: 
As ideologias têm uma expectativa de vida superior à dos homens. Elas são mais biodegradáveis do que os deuses, mas algumas podem viver até por vários séculos. As que se definem “científicas” e garantem que sabem realizar na Terra sua promessa de Salvação (...) mostram-se em toda a sua fragilidade após a vitória, que assinala, ao mesmo tempo, sua falência . 
Se os fatos são obstinados, as ideias os esmagam com mais frequência do que o contrário. Estamos diante de uma forma de fé latente, abraçada por alguns como reflexo inequívoco da verdade e apresentada por outros (pelos ideólogos) como aquilo que se deve aceitar como verdadeiro, acreditem eles ou não no que convidam a conhecer. 
Essa é uma lição da qual simplesmente não devemos nos esquecer. A realidade não é um bloco monolítico, cujos problemas podem ser resolvidos com receita ingênua e engessada. A velha estrutura argumentativa “aut... aut...” (”ou isso... ou aquilo...”) – cuja gênese remonta à lógica aristotélica, mas que foi erroneamente aplicada a quase tudo no mundo da ciência pós-cartesiano – deve ser substituída por aquela “et... et...” (“e isso... e aquilo...”), mais rica, não redutiva e nada ingênua se bem aplicada. 
Não nos enganemos: aquela estrutura é sedutora também porque detentora de forte tom messiânico. Mesmo homens inteligentes foram seduzidos por ela e a abraçaram sem qualquer restrição. 
O adversário – e mesmo alguns dos nossos colegas associados à causa, seduzidos por inebriante convicção – se considera portador de verdade absoluta e há poucas coisas mais complexas do que tentar diálogo com portadores de dogmas inquestionáveis. 
Deixemos o sebastianismo a quem com ele se sente confortável e dele depende: na Universidade, até o fim, falaremos de realidade e de ciência, tudo calibrado por ceticismo e pragmatismo. 
Dennys Garcia Xavier é professor Associado de Filosofia Antiga, Política e Ética da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Doutor em Storia della Filosofia pela Università degli Studi di Macerata. Tem Pós-doutorado pela Universidade de Brasília (UnB) e Pós-doutorado pela Universidade de Coimbra.

Mister Trump parte em guerra (comercial) - Paulo Roberto de Almeida (Gazeta do Povo)

Meu artigo sobre a "guerra comercial" deliberadamente provocada e deslanchada pelo presidente americano, escrito depois que ele anunciou as primeiras medidas de sobretaxas (de US$ 50 bilhões), mas antes que ele ameaçasse recrudescer em mais US$ 200 bilhões.
Ou seja, o que deveria ser uma ameaça de rusga bilateral, mas com armas de guerra, pode redundar em uma guerra aberta, com equipamento pesado e mobilização de todas as frentes e corpos bélicos, o que fatalmente atingirá outros países, mesmo os "neutros", onde o Brasil gostaria de estar. 
Como nos dois grandes conflitos bélicos do século XX, essas guerras, começadas num contexto regional limitado, logo se transformam em enfrentamentos globais, atingindo todos os países.
Vamos seguir o teatro de operações.
Paulo Roberto de Almeida 

Rumores de guerra comercial já não são

 mais exagerados

Depois da Guerra Fria geopolítica, o que temos hoje é uma Guerra Fria econômica

Gazeta do Povo (Curitiba, 18/06/2018)


Ficou conhecida a frase de Mark Twain, em comentário a jornalistas, quando confrontado a um obituário publicado a seu respeito: “Os rumores sobre a minha morte são grandemente exagerados”. O mesmo poderia ser dito, até recentemente, sobre as ameaças de uma guerra comercial, continuamente anunciada pelos jornais nos últimos meses, mas que ainda não tinha sido aberta de verdade. Não mais, agora já é um fato: o presidente Trump anunciou sua decisão de impor sobretaxas a produtos exportados pela China num valor aproximado a US$ 50 bilhões. A China anunciou imediatamente que iria retaliar por um montante equivalente, alvejando produtos da exportação americana para a China. Ou seja, a declaração de guerra já foi expedida: resta ver como serão feitos os movimentos dos batalhões respectivos das políticas comerciais nacionais.
Nunca foi tão importante estar bem informado.Sua assinatura financia o bom jornalismo.
Em primeiro lugar, é preciso ficar claro que o anúncio americano não atinge apenas produtos chineses exportados para os EUA – muitos dos quais, por sinal, podem ser feitos na China, mas sob licença americana, ou seja, servindo aos interesses das empresas e dos consumidores americanos –, e sim os fluxos de comércio dessas linhas de produtos de quaisquer origens e destinações. A explicação é que as sobretaxas aplicadas pelas autoridades aduaneiras americanas atingem produtos, não fornecedores, como sempre ocorre com as salvaguardas (que são diferentes de outros mecanismos de defesa comercial, como pode ser o antidumping, que foca um fornecedor determinado).
Trump justificou a imposição dessas medidas como sendo por motivos de “segurança nacional”, o que é altamente discutível, e poderá ser facilmente desmentido por uma investigação no âmbito da OMC (como fatalmente ocorrerá a partir de reclamações de parceiros prejudicados, e não apenas a China, como já revelado no caso do alumínio e do aço). O problema é que uma investigação na OMC, e a consequente condenação de uma medida claramente violadora do Código de Salvaguardas do Acordo Geral de Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT), costuma demorar mais de ano e meio, talvez dois anos, para ser concluída, e a única coisa que o painel arbitral conseguirá aprovar será, provavelmente, uma autorização para retaliações legais dos atingidos, o que não resolve o problema para ninguém, uma vez que o comércio não se faz como mera expressão da vontade, e sim por razões de preço e qualidade. Assim, as contramedidas conseguem apenas agravar o problema original.
O comércio não se faz como mera expressão da vontade, e sim por razões de preço e qualidade
Uma coisa precisa ficar clara: os déficits comerciais dos EUA, atualmente gigantescos, não são uma novidade, mas um fenômeno praticamente crônico há várias décadas, ainda que eles tenham conhecido flutuações cíclicas – ao sabor das paridades cambiais e dos ciclos econômicos nas principais economias do planeta –, assim como o imenso desequilíbrio no intercâmbio comercial com a China, crescente desde o final do século passado. Dos quase 900 bilhões de dólares de déficit na balança comercial dos EUA, um terço é realizado por exportações chinesas em excesso de suas importações da mesma origem, uma conta que é largamente compensada pelos ganhos obtidos pelos EUA a partir dos serviços, rendas do capital (em diversas rubricas) investido sob a forma de investimento direto ou de aplicações de portfólio.
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A concepção primitiva que o presidente americano mantém a respeito do comércio internacional faz com que ele veja um “prejuízo” para o seu país cada vez que se manifesta um déficit bilateral, o que é absolutamente considerado uma insensatez por qualquer economista sério. O déficit geograficamente considerado a partir do território dos EUA é amplamente compensado pelas exportações das empresas americanas ao redor do mundo, como resultado de décadas de investimentos diretos em quase todos os quadrantes do planeta. Muitos outros países exibem balanças comerciais cronicamente deficitárias, mas cobrindo essas “lacunas” por retornos em outros capítulos do balanço de pagamentos, o que é exatamente o caso dos EUA, que justamente exporta sua moeda nacional ao resto do mundo. O euro não confirmou até o momento as expectativas de que poderia representar parte substancial das reservas nacionais e dos fluxos de pagamentos de fatores para um volume mais significativo dos intercâmbios mundiais.
O Brasil, por exemplo, país notoriamente protecionista, sempre manteve um estrito controle sobre os fluxos de sua balança comercial, uma vez que esses saldos são o único recurso de que dispõe para compensar uma balança de serviços cronicamente deficitária, mas justamente com os EUA acumula saldos negativos desde vários anos, o que não o impediu de ser também atingido pelas salvaguardas de Trump sobre o aço e o alumínio, cabendo-lhe apenas aceitar as sobretaxas (para o alumínio) ou redução dos volumes exportados, as chamadas “restrições voluntárias”, claramente ilegais aos olhos da OMC. Registre-se, desde já, que as mesmas medidas foram aplicadas contra os parceiros americanos do Nafta, Canadá e México, o que é propriamente incrível, pois entre os três países deveria vigorar o livre comércio.
A China saberá responder adequadamente – o que não quer dizer sem prejuízos para si mesma e outros países, entre eles o Brasil – a esse novo desafio lançado por um presidente claramente equivocado tanto no plano conceitual quanto no aspecto prático. Os primeiros prejudicados serão as empresas, os consumidores e os trabalhadores americanos, de uma ampla gama de setores (e segundo uma escolha chinesa visando atingir em primeiro lugar os eleitores de Trump em determinados estados). Pode-se, também, colocar esse complicado contencioso num quadro mais amplo, marcado pela irresistível ascensão da China a certa preeminência internacional, sobretudo no campo econômico, e pelo declínio relativo dos EUA como superpotência indiscutível em todas as vertentes do “grande jogo” geopolítico.
De fato, depois da Guerra Fria geopolítica conhecida durante as quatro décadas em que vigorou a bipolaridade EUA-União Soviética, o que temos hoje é uma Guerra Fria econômica, num contexto de crescente multipolaridade a partir da emergência de potências ascendentes fora do eixo norte-atlântico tradicional. Tanto em termos táticos, quando no plano estratégico, a China deve sagrar-se vencedora desse embate, na medida em que possuiu uma visão clara de quais são os seus objetivos permanentes, a despeito mesmo de suas práticas claramente oportunistas no âmbito comercial. O presidente Trump parece completamente perdido na condução de sua política comercial, uma vez que promete impor novas sanções, pelo dobro do valor, caso a China responda às suas medidas não apenas irracionais, como claramente ilegais segundo as regras da OMC.
O que vai ocorrer? Provavelmente uma crise inédita nas relações econômicas internacionais, provocada por um personagem também inédito na governança da maior potência planetária. Os americanos já “inventaram” a Lei de Murphy – o que pode dar errado, dará, da pior forma possível – e também conhecem a “lei das consequências involuntárias”, que é exatamente o que acontecerá neste caso. O presidente Trump vai conseguir prejudicar não só os seus próprios eleitores, como todos os cidadãos, dezenas de empresas americanas e o papel dos EUA na manutenção da ordem econômica mundial. Parece muito, mas ainda é pouco para um personagem nitidamente desequilibrado, o primeiro a governar o seu país – e a pretender mandar no mundo – a partir de seus tweets diários, já na altura de algumas dezenas de milhares. Podemos esperar novos e tresloucados gestos nas próximas semanas e meses. Parafraseando o título de uma antiga série da TV americana: incrível, mas verdadeiro!
Paulo Roberto de Almeida é diplomata de carreira, professor universitário e especialista do Instituto Millenium.

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Depois da diplomacia companheira: o que vem pela frente? - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente artigo:

3197. “Depois da diplomacia companheira: o que vem pela frente?”, Brasília, 26 novembro 2017, 3 p. Colaboração à seção de “artigos de opinião”, do jornal Gazeta do Povo, seção Debates. Publicado na Gazeta do Povo (28/11/2017, link: http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/depois-da-diplomacia-companheira-o-que-vem-pela-frente-di5ffopc0ywu56cc29s8s5hsr). Relação de Publicados n. 1273.

 
Depois da diplomacia companheira: o que vem pela frente?

Paulo Roberto de Almeida 

Todo diplomata que pretenda escapar das áreas literárias – contos, romances, poesia, ou seja, os produtos habituais da literatura – e que queira se dedicar ao seu objeto próprio de trabalho, precisa passar pelo controle político da instituição. Ele se defronta, nesse caso, com dois instrumentos regulatórios (e com dois problemas de consciência) sobre o que ele teria a dizer no terreno da diplomacia: um deles é a Lei do Serviço Exterior, que disciplina o comportamento do autor que pretenda discorrer sobre os temas que podem integrar a agenda de trabalho da instituição; o outro é a chamada “Lei da Mordaça”, uma circular restritiva emitida em 2001 para reforçar os controles existentes no primeiro instrumento, controlando mais restritivamente qualquer manifestação pública e introduzindo o que se poderia chamar de censura prévia.
O que isto significa? Qualquer manifestação pública sobre temas correntes da política externa – às vezes até determinados assuntos “históricos” – obriga o diplomata a requerer preventivamente a devida autorização para publicar textos ou conceder qualquer entrevista identificada aos meios de comunicação. E quanto ao problema de consciência? Trata-se, reconhecidamente, de um terreno mais “pantanoso”, pois que o diplomata acadêmico – o que é exatamente o meu caso –, aquele que se dedica a pesquisar, dar aulas, escrever e publicar sobre temas de relações internacionais e de política externa corrente, pode se encontrar cingido por certas normas suficientemente vagas no terreno aqui referido, para constranger sua pluma e sua palavra nas análises que possa empreender e divulgar. As autorizações tardam a vir, e como o trabalho acaba sendo conduzido por algum assessor júnior dos gabinetes, a tendência é a de se efetuar cortes e pedidos de mudança numa escala e escopos bem mais amplos do que seria desejável ou útil, para a discussão de algum problema concreto.
Digo isto porque já enfrentei esse tipo de situação diversas vezes, com alguns cortes de parágrafos em meus livros, ou mesmo advertências a posteriori quando da publicação de algum artigo ou entrevista julgados não conformes ao espírito da política oficial. Já acumulei duas ou três sanções formais durante o “antigo regime” neoliberal que, com a assunção do regime companheiro, foram agravadas por meio da vedação virtual a qualquer cargo na Secretaria de Estado no decorrer dos 13 anos de lulopetismo diplomático, quando meus artigos certamente dissentiam fortemente da linha do “comitê central” do partido neobolchevique. Sobrevivi ao período, não sem um alto preço pago em termos de evolução funcional e perdas financeiras, mas estou de novo incorporado ao trabalho corrente, embora num cargo de tipo acadêmico.
A Lei do Serviço Exterior se resume basicamente a dois dispositivos: não se pronunciar sobre a política externa oficial sem a devida autorização e conhecimento superior; não utilizar expedientes de ofício para outras finalidades que não o próprio trabalho de chancelaria. As punições que recebi, sob a forma de comunicações formais, se deram a propósito de pronunciamentos gerais que efetuei sobre política internacional, e mais especificamente sobre temas do comércio internacional. Mas isto se deu quando o Brasil ainda não tinha sido dominado pelo pensamento único dos companheiros e por suas preferências ideológicas, inclusive em matéria de política externa. Nesta, como todos se recordam, fomos bafejados por uma “diplomacia ativa e altiva”, e também “soberana”, como lembravam a todo instante seus principais promotores. Como eu nunca fui de aderir a modismos, ou de me curvar às verdades do momento, continuei a fazer minhas análises, que sempre entendi objetivas e de espírito puramente acadêmico, e a publicar, ocasionalmente, artigos em revistas e ensaios em livros, que nunca sofreram, cabe esclarecer, qualquer sanção formal no regime companheiro.
A sanção, na verdade, veio sob outra forma: um veto não declarado, mas real e mesquinho, a qualquer trabalho na Secretaria de Estado, o que significou, na prática, uma longa travessia no deserto funcional, que redundou em ostracismo administrativo e total bloqueio na carreira. Esse foi o preço pago por ousar desafiar o adesismo em vigor, uma situação patética na qual todo o Itamaraty foi colocado a serviço do “guia genial dos povos”, e suas preferências políticas orientadas pelos apparatchiks do partido e seus mestres em outras esferas. Durante esse longo período, publiquei algumas matérias de atualidade, e até alguns livros de pesquisa, mas deixei muitas outros trabalhos – que poderiam, eventualmente se enquadrar na esfera da Lei do Serviço Exterior – dormindo em pastas de “trabalhos a terminar”, entregues à “crítica roedora dos ratos”, como declarou em tempos recuados um desses dissidentes das verdades oficiais.
Parece que esse tempo finalmente passou. O Brasil, nesta fase de transição para um novo governo, a partir de 2019, retornou a uma política externa que corresponde, de modo mais adequado, a padrões tradicionais, ou seja, a uma diplomacia não partidária, voltada de maneira consensual para os interesses nacionais de uma forma não sectária, como foi o caso durante o regime companheiro, aliado voluntário de ditaduras na região e em outros continentes. Num momento em que se abre um novo período eleitoral, ao abrigo do qual serão discutidas opções fundamentais de políticas públicas, econômicas e setoriais – entre elas a própria política externa –, é importante que diplomatas também participem de um debate nacional no qual eles possam oferecer ao menos o testemunho de sua experiência e o seu conhecimento especializado numa das principais interfaces de relacionamento do Brasil com o mundo.
Poderei, neste caso, retornar às minhas pastas de trabalhos inconclusos, onde se encontram muitos registros de meu combate silencioso, durante a década e meia que se passou, em prol de uma diplomacia menos ideológica e de uma política externa mais conforme o interesse nacional.


[Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 26 de novembro de 2017, 3 p.
Artigo de opinião; colaboração a periódico]

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Diplomacia lulopetista: a imagem do desastre - Editorial Gazeta do Povo

editorial Gazeta do Povo, 27/09/2017

A imagem do desastre

A diplomacia do PT destruiu uma tradição de equilíbrio, bom senso e excelência, perseguiu diplomatas não alinhados, abandonou interesses nacionais e apoiou regimes ditatoriais

http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/editoriais/a-imagem-do-desastre-8y9imwbxdmy5jup8isxg59ea1

 
O embaixador Rubens Ricupero, um dos mais destacados diplomatas brasileiros, que ademais já foi ministro do Meio Ambiente e da Fazenda nos anos 1990, está lançando um novo livro, que se soma a seu prolífico legado como historiador e ensaísta. Na obra A diplomacia na construção do Brasil – 1750-2016, Ricupero analisa o papel da diplomacia brasileira na consolidação das fronteiras nacionais e na identidade da nação. Em entrevista à Folha de São Paulo, nesta terça-feira (26), o diplomata deu um diagnóstico certeiro sobre a atual imagem do país lá fora: “Ninguém quer sair na foto com o Brasil”. Esse derretimento da imagem brasileira no exterior, à semelhança da mais grave crise econômica da nossa história, é outra das heranças malditas do governo do Partido dos Trabalhadores.

O embaixador Ricupero até tenta contemporizar, bem no tom do diplomata experiente que é, elogiando algumas iniciativas do ex-presidente Lula e do ex-chanceler Celso Amorim, que esteve à frente do Itamaraty entre 2003 e 2010. Mas a verdade é que a diplomacia petista obliterou o Ministério das Relações Exteriores e fez terra arrasada de uma tradição de dois séculos de equilíbrio, bom senso e excelência, perseguindo diplomatas não alinhados, aparelhando descaradamente a máquina ministerial, abandonando interesses nacionais óbvios e apoiando financeiramente regimes ditatoriais. O Itamaraty, que sempre se orgulhara de fazer política de Estado, e não de governo, foi praticamente posto de joelhos pela sanha ideológica de uma diplomacia rasteira e nitidamente enviesada, estranha à vocação universalista do Brasil.
O Itamaraty foi posto de joelhos pela sanha ideológica de uma diplomacia rasteira e nitidamente enviesada
Ainda mais, o avanço da operação Lava Jato e de suas ramificações nos Judiciários estrangeiros está revelando que muito desse processo se deveu não só à cegueira ideológica e ao autoritarismo tacanho, mas deu-se às custas da mais desbragada corrupção. Aqui como lá os companheiros só faziam lambuzar-se nos recursos sofridos do contribuinte brasileiro, notadamente pelo financiamento do BNDES a obras de interesse duvidoso no exterior. Isso só foi possível por uma operação de marketing pedestre, que contou com a vista grossa de muitos formadores de opinião e observadores desaviados: “Esse é o cara!”, declarava o ex-presidente Barack Obama sobre Lula em 2009, para a jactância dos petistas que, à época, convenientemente se esqueceram do seu antiamericanismo atávico.
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Para ficar só no exemplo mais notável do completo naufrágio da diplomacia petista, a criação de 44 novas embaixadas entre 2003 e 2010 e a expansão dos quadros do Itamaraty sempre foram justificados pela necessidade de fazer comércio e estreitar laços com parceiros de grande potencial econômico, bem como para fortalecer a campanha pelo assento permanente do Brasil no Conselho de Segurança da ONU. Ilusão de ótica: o país continua alijado do centro do poder geopolítico e com a pauta comercial concentrada nos poucos parceiros tradicionais (China, Estados Unidos, Europa, Mercosul e Japão).
Leia também: Diplomacia que se apequena (editorial de 27 de julho de 2014)
Que grande campanha publicitária foi essa, que não deixa nada a dever às maquinações do marqueteiro João Santana? Da mesma forma que o desempenho econômico brasileiro nos anos 2000 era vendido como mérito exclusivo do PT, enquanto se menosprezavam a bonança internacional do período e o legado positivo da estabilização econômica dos anos 1990, o protagonismo externo era creditado exclusivamente ao messianismo do “lulo-amorismo”, desconsiderando a inserção delicada e bem-sucedida do Brasil na ordem internacional, com a adesão a uma série de regimes, como o de não proliferação nuclear e os de direitos humanos, além do início de uma integração responsável com a América do Sul. Plantou-se a mentira estratégica, colheu-se a desmoralização quase completa.
Ricupero cita a importância do Brasil em matéria agrícola e ambiental. Mas nenhuma das posições em que a diplomacia brasileira ainda tem relevo é mérito dos delírios de grandeza da diplomacia “altiva e ativa” de Amorim. A imprescindibilidade do Brasil nas negociações comerciais agrícolas, por exemplo, é fruto do dinamismo e da eficiência do setor agrário, que remonta pelo menos à criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa, em 1973. A centralidade nas discussões ambientais, por outro lado, deve-se ao fato de o país possuir a maior biodiversidade do mundo e uma das matrizes energéticas mais limpas do planeta, escolha política que antecede em muito o petismo. Mesmo as conquistas na proteção ao patrimônio natural da floresta Amazônica, que tanto se alardeia estarem em risco sob o governo de Michel Temer, começaram a degringolar ainda na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff.
O alto custo dessa trama macabra dos petistas no Itamaraty ainda será contabilizado por muito tempo. As dimensões do desastre são muitas e o próprio Ricupero reconheceu que “ninguém pode imaginar que o Itamaraty alavancará o Brasil se o país não acaba com a corrupção, não volta a crescer [e] não combate a miséria”. Mas não é só. Além de reformas de que o país precisa para retomar a estrada do crescimento sustentável e de punição exemplar, na forma da lei, para todos os corruptos que estenderam seus tentáculos sobre o Brasil desde 2003, será necessário garantir que nossa diplomacia seja resgatada – e ainda há diplomatas capacitados para tanto – e permaneça sempre como uma diplomacia de Estado. Não de governo, e muito menos dos companheiros.

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domingo, 3 de junho de 2012

Inflacao de Barao: tem para todos os gostos

O Barão virou nome de Avenida no dia seguinte à sua morte. Desde 1913, invariavelmente, figurou em todas as moedas brasileiras (e elas foram muitas, como vocês sabem, pelo menos seis, sem falar das pequenas variações da mesma moeda). Ele figurou nas notas de 5 cruzeiros, e nas de 1.000 cruzeiros, ou cruzados, ou qualquer outra, até nas moedas de 50 centavos, se não estou enganado.
Tem Barão do Rio Branco em todo o Brasil, cidades, ruas, praças, avenidas, becos sem saída, restaurantes, quem sabe até em casas menos recomendadas?
Enfim, de tudo o que vem sendo visto por aí, e que ameaça nos dar indigestão de barão, esta é uma das melhores matérias que li, bem informativa para nossos estudantes.
Paulo Roberto de Almeida
DIPLOMACIA

Brasil, a obra maior do Barão

Atuação do diplomata Barão do Rio Branco, morto há 100 anos, foi fundamental na definição do desenho atual do país
DEREK KUBASKI, ESPECIAL PARA A GAZETA DO POVO
Gazeta do Povo, 02/06/2012
“Dorme, meu grande Rio Branco, o sono da eternidade, que tu foste, da tua pátria, o herói da liberdade”. O estribilho com rima pobre da centenária canção “Morte do Barão do Rio Branco” – do músico Serrano – imortaliza o mito que se criou sobre o “figurão” da diplomacia brasileira cujo verdadeiro nome era José Maria da Silva Paranhos Júnior, morto em fevereiro de 1912. O mito, apesar de alguns exageros, faz jus ao espírito negociador do homem que deu o formato atual de grande parte das fronteiras brasileiras sem apelar para as armas.
Mesmo antes de ser nomeado Ministro das Relações Exteriores do país, em 1902, Rio Branco colecionava participações de peso nas negociações de algumas divisas, como na disputa pelo Território de Palmas, reivindicado pela Argentina, mas que acabou ficando em caráter definitivo para o Brasil em 1895. Se o país platino saísse vitorioso, a extensão Leste-Oeste do estado de Santa Catarina poderia ter aproximadamente um terço do tamanho que tem hoje.
Brasil e Argentina vinham disputando o Território de Palmas (ou “de las Misiones”) desde 1881. Em mais de dez anos de debates, os dois países não chegaram a um acordo. A questão, então, passou para as mãos da arbitragem dos Estados Unidos. Rio Branco, então cônsul do Brasil em Liverpool (Inglaterra), foi chamado para representar os interesses da terra natal. Como ressalta o historiador da Universidade de Passo Fundo (UPF), no Rio Grande do Sul, Adelar Heinsfeld, o sucesso do Brasil na questão se deveu, entre outros aspectos, ao grande conhecimento histórico de Rio Branco, o que deu corpo à defesa que apresentou.
“Não fosse isso, teríamos uma ‘cunha’ argentina encravada bem no meio da Região Sul”, sustenta Heinsfeld, que pesquisou a participação de Rio Branco nas questões fronteiriças brasileiras. Ele acredita que, se o Brasil perdesse o território reivindicado pela Argentina, os movimentos que pregam a separação do Sul do restante do país poderiam ter muito mais força. “A distância entre a Argentina e o litoral de Santa Catarina seria de apenas 45 léguas [cerca de 180 quilômetros]. Boa parte da Região Sul ficaria praticamente ‘fora’ do Brasil”, avalia.
Pouco por muito
No livro “A Geopolítica do Barão do Rio Branco”, o professor Heinsfeld apresenta um panorama das fronteiras cujas formações dependeram diretamente da intervenção do Barão (ver infográfico). Em alguns momentos, como resgata o pesquisador, o “desenhista” das nossas divisas teve de ceder algumas partes dos territórios disputados como forma de compensação aos países com que o Brasil litigava. Mas foram cessões ínfimas: as concessões feitas à Colômbia e ao Peru perfazem cerca de 42 mil km² de terras, enquanto, nas mesmas negociações, o Brasil assegurou cerca de 600 mil km² para o seu território. “Apesar de ser um grande articulador, ele também foi o artífice de um dos processos de maior modernização nas nossas forças armadas, especialmente da Marinha. É o que podemos chamar de uma “Paz Armada””, afirma Heinsfeld.
Articulação
Diplomata aproximou Brasil e Estados Unidos
Crente na possibilidade de tornar o Brasil uma potência internacional, Rio Branco voltou suas atenções para o país norte-americano que – na transição do século 19 para o 20 – não fazia questão de ocultar a gana imperialista. Para um país como o nosso, ainda muito dependente da Inglaterra na época, essa aproximação com os Estados Unidos tencionada pelo Barão era vista como algo ousado.
“Era o que se pode chamar de um americanismo pragmático, não ideológico”, alerta Bonafé. Segundo o pesquisador, ao invés de um alinhamento com o pensamento norte-americano, o chanceler brasileiro buscou antecipar um bom relacionamento com um país que – como revelou a História – se tornaria a maior potência do cenário internacional.
“Prova disso é que a primeira embaixada brasileira é instalada em Washington, capital dos Estados Unidos, em 1905, quando o Brasil recebe a primeira embaixada daquele país na América Latina”, recorda Bonafé. Segundo ele, uma das maiores preocupações de Rio Branco era que o Brasil fosse visto como um país civilizado pela comunidade internacional.
Trajetória
Rio Branco simpatizava com a Monarquia, mas fez fama na República
Filho do senador do Império e também diplomata Visconde do Rio Branco, o Barão começou suas atividades de cônsul – em Liverpool – com apenas 31 anos, em 1876. Depois de já ter atuado em algumas questões fronteiriças, como advogado da República, representou o Brasil em uma missão em Berlim, na Alemanha, entre 1900 e 1902. Naquele ano, foi convidado para ser Ministro das Relações Exteriores, cargo que ocupou até vir a falecer.
Ao todo, Rio Branco assumiu a pasta durante os mandatos de quatro presidentes brasileiros: Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca. O Barão, devido à competência técnica que tinha para o cargo, era benquisto por todos os chefes da República com quem conviveu mesmo sendo um monarquista declarado. Ao contrário de outros diplomatas críticos do governo republicano, Rio Branco não se afastou do regime.
Estudioso do diplomata Joaquim Nabuco e da relação dele com o Barão, o historiador do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Luigi Bonafé, acredita que isso contribuiu para a glória e fama que Rio Branco conquistou. “Ele chega a ofuscar outras personalidades da diplomacia brasileira como Oliveira Lima, Félix Pacheco, Lauro Müller, Domício da Gama e o próprio Nabuco, de quem ele foi amigo pessoal.”
Em sua pesquisa, ele analisou cartas trocadas entre Nabuco e Rio Branco. “Eles são contemporâneos, fizeram juntos o curso de Direito. Ambos tiveram uma formação bastante conservadora e rejeitavam a República. A diferença é que o Barão, com o fim da Monarquia, continuou nas suas funções, enquanto Nabuco assumiu uma posição mais política, batendo de frente com o sistema republicano”, explica.