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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Adolf Hitler e o seu Mein Kampf: o que George Orwell disse a respeito? - Ishaan Tharoor (WP)

What George Orwell said about Hitler’s ‘Mein Kampf’

The Washington Post, February 25 at 12:20 PM
As my colleague Anthony Faiola reported this week, Adolf Hitler's "Mein Kampf" is expected to be reissued in Germany for the first time since the end of World War II. Although widely available elsewhere in the world, the book — Hitler's testament and what's considered the founding text of Nazism — was never reprinted in postwar Germany.
Its planned reissue in Germany, The Post notes, will come in the form of a 2,000-page academic tome that supplements Hitler's own text with sharp commentary and criticism. The new version offers "a useful way of communicating historical education and enlightenment," says one of the scholars behind the project. "A publication with the appropriate comments, exactly to prevent these traumatic events from ever happening again."
[Read: ‘Mein Kampf’: A historical tool, or Hitler’s voice from beyond the grave?]
There was a time, though, when "Mein Kampf" was not just the repugnant treatise of the 20th century's greatest villain. More than seven decades ago, Hitler and the message of Nazism had great traction, and it required clear-eyed thinkers to cut through its seductions.
George Orwell's 1940 review of an English edition of the book is as important now as it would have been then. (You can read a digitized version of the piece, which appeared in the New English Weeklyhere.) That's not because he's uniquely right about the threat of Hitler — at this point, World War II was already in full swing. But the celebrated British man of letters has a special lens into the dangers and allure of fascism.
Orwell offers this withering assessment of Hitler's ambitions:
What [Hitler] envisages, a hundred years hence, is a continuous state of 250 million Germans with plenty of “living room” (i.e. stretching to Afghanistan or thereabouts), a horrible brainless empire in which, essentially, nothing ever happens except the training of young men for war and the endless breeding of fresh cannon-fodder. How was it that he was able to put this monstrous vision across?
It's not sufficient to answer that last question just by looking at the political and economic forces that buoyed Hitler's rise, Orwell contends. Rather, one has to grapple with the inescapable fact that "there is something deeply appealing about him."
Hitler, Orwell writes, "knows that human beings don’t only want comfort, safety, short working-hours, hygiene... they also, at least intermittently, want struggle and self-sacrifice, not to mention drums, flags and loyalty-parades."
For good reason, the Atlantic's Graeme Wood quoted this same piece in his lengthy meditation on the worldview of the militants of the Islamic State. The militarist pageantry of fascism, and the sense of purpose it gives its adherents, echoes in the messianic call of the jihadists.
Wood cites this passage in Orwell's review: "Whereas Socialism, and even capitalism in a more grudging way, have said to people 'I offer you a good time,' Hitler has said to them, 'I offer you struggle, danger, and death,' and as a result a whole nation flings itself at his feet."
But, in my view, the most poignant section of Orwell's article dwells less on the underpinnings of Nazism and more on Hitler's dictatorial style. Orwell gazes at the portrait of Hitler published in the edition he's reviewing:
It is a pathetic, dog-like face, the face of a man suffering under intolerable wrongs. In a rather more manly way it reproduces the expression of innumerable pictures of Christ crucified, and there is little doubt that that is how Hitler sees himself. The initial, personal cause of his grievance against the universe can only be guessed at; but at any rate the grievance is here. He is the martyr, the victim, Prometheus chained to the rock, the self-sacrificing hero who fights single-handed against impossible odds. If he were killing a mouse he would know how to make it seem like a dragon. One feels, as with Napoleon, that he is fighting against destiny, that he can’t win, and yet that he somehow deserves to.
Hitler projected this image — of a self-sacrificing hero, wounded by the universe — and went on to unleash horrors on the world. But the narcissism of a "martyr" and the penchant to make dragons out of mice, as Orwell puts it, can be found in demagogues of all political stripes. It's worth keeping these words in mind when watching the spectacle of our contemporary politics.
Related links
Ishaan Tharoor writes about foreign affairs for The Washington Post. He previously was a senior editor at TIME, based first in Hong Kong and later in New York.

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Reflexao da semana: George Orwell on book reviewing

Confessions of a Book Reviewer

George Orwell

Confessions of a Book Reviewer, 1946 [L.m./F.s.: 2013-08-30 / 0.16 KiB]
‘The best practice, it has always seemed to me, would be simply to ignore the great majority of books and to give very long reviews — 1,000 words is a bare minimum — to the few that seem to matter...’
 
 Texto completo neste link: 
http://orwell.ru/library/articles/reviewer/english/e_bkrev

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Reflexao do dia: George Orwell (sempre ele...)

Comprei, antes da viagem, dois livros que me acompanharam por 12 mil kms, mas que não pude abrir, devido justamente à concentração total nas coisas da viagem através dos EUA.
Como a Birmânia parece ter deixado para trás (esperemos que de forma definitiva) o Estado orwelliano que a caracterizou durante mais de quatro décadas de regime militar "socialista", eu havia comprado dois livros para conhecer melhor o país nesta fase de sua nova integração ao mundo.
O Brasil, inclusive, abriu uma embaixada em Rangoon (antigo nome da capital sob o império britânico), mas isto foi uma decisão companheira, adotada quando a Birmânia (ou Mianmar, como eles preferem ser chamados agora) ainda era uma ferrenha ditadura, o que combina totalmente com o espírito companheiro: basta ser ditadura, que eles são aliados incondicionais.
Enfim, os livros são estes:

George Orwell:
Burmese Days
Edição Penguin, de 1989, mas baseada na primeira edição que a editora fez em 1944, quando foram corrigidas adaptações que o autor teve de fazer em 1935, a pedido do editor comunista Victor Gollancz, e que seguiu a primeira edição americana de 1934, corrigida depois pelo autor.

Emma Larkin:
Finding George Orwell in Burma
Edição da Penguin de 2004, mas com um epílogo atualizado em 2011, depois que a ditadura organizou eleições, ainda controladas, mas já num processo de abertura gradual.

O primeiro eu comprei barato na Abebooks; o segundo na Amazon, pois se trata de livro relativamente novo.

Enfim, a frase que eu encontro na abertura do livro da Emma Larkin é a seguinte, muito citada, extremamente conhecida e no entanto absolutamente verdadeira:

Who controls the past controls the future;
who controls the present controls the past.

Nineteen Eighty-four

Perfeito para os dias que correm e para o que estão fazendo os companheiros, não é mesmo?
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 24/09/2014

sábado, 7 de junho de 2014

Por que escrevo? (2) - Paulo Roberto de Almeida


Paulo Roberto de Almeida

Retomo a discussão suscitada pela questão do título, confessadamente inspirada em ensaio de título análogo (mas sem o sinal de interrogação) de George Orwell, em um texto elaborado em 1946, quando ele já tinha se tornado um escritor profissional, mas ainda enfrentando condições de vida bastante modestas, pois Animal Farm não havia conseguido encontrar, até aquele momento, algum editor disposto a desafiar o Big Brother soviético, e o próprio escritor ainda ruminava a possibilidade de escrever sobre o verdadeiro grande irmão, no romance que lhe trouxe fama universal: 1984. Em “Why I write”, Orwell dizia que existem quatro grandes motivos para escrever e estipulava que eles diferem em graus variados de escritor a escritor, sendo que, em cada um deles, os motivos assumem proporções variáveis ao longo do tempo, segundo a atmosfera na qual os escritores vivem. Vejamos quais são eles, e meus comentários sobre cada um.

(1) Egoísmo puro. O escritor, segundo Orwell, quer parecer inteligente, ser reconhecido como tal, objeto de comentários dos contemporâneos e ser relembrado após a morte. “Seria desonestidade não reconhecer que esse é um forte motivo”, disse ele, terminando esse tópico por um comentário vinculado às duas condições: “Escritores sérios... são, no conjunto, mais vãos e autocentrados do que os jornalistas, ainda que menos interessados em dinheiro” (p. 312, de A Collection of Essays, edição Harbrace, impressa nos EUA, em 1953). Não tenho certeza de que escritores estejam menos interessados em dinheiro do que os jornalistas; provavelmente o contrário, pois estes, supostamente, trabalham geralmente para algum veículo de comunicações, e dispõem de um rendimento regular, enquanto assalariados, ao passo que os primeiros são talvez um pouco como os artistas: só ganham dinheiro quando obtêm sucesso de mercado e quando conseguem vender suas obras em grande número, ou a preços altos.
De minha parte, ainda que os motivos de orgulho e de reconhecimento pessoais possam ter contado em algumas fases de minha atividade de escrevinhador – jamais de escritor – não foi isso que essencialmente me levou a me dedicar à palavra escrita, tanto porque quase nunca pensei em publicar o que escrevo, até quando já não dependia em nada desses parcos rendimentos de uma atividade irregular. Obviamente, fama e glória só existem quando se é publicado – contra ganhos ou não, e no meu caso raramente a primeira hipótese esteve em jogo – e, do total de meus escritos, apenas uma ínfima parte encontrou o caminho da divulgação pública. A proporção cresceu, está claro, na era digital, quando o custo associado à divulgação eletrônica se tornou ínfimo, comparado às edições comerciais para o mercado de massa, mas ainda assim não posso dizer que escrevo com o objetivo de ser lido para obter reconhecimento público, ou em nome do egoísmo (ou vaidade) de que falava George Orwell.

(2) Entusiasmo estético, ou seja, percepção da beleza das palavras, de seu impacto no mundo circundante, ou desejo de expressar e partilhar uma experiência que é considerada relevante para si próprio e eventualmente para os demais. “O motivo estético”, reconhece Orwell, “é bastante fraco em muitos escritores, mas mesmo um panfletário, ou um autor de livros-texto, terá palavras ou frases que lhe são preferidas por razões não utilitárias; (...) Além do nível de um guia de trens, nenhum livro está desprovido verdadeiramente de considerações estéticas” (idem, p. 312)
Acho que, sob esse critério, eu devo ser um desastre, pois meu estilo é pesado, prolixo, no mais das vezes descuidado na forma e desengonçado na composição das palavras, com uma redação tortuosa e torturada, que apenas reflete minha rebeldia inicial e constante em me dedicar às boas regras da gramática e à redação bem cuidada. Sou tão atento às palavras, pelo seu significado e conteúdo substantivo, quanto sou desatento à forma pela qual elas devem ser ordenadas no texto, sua correção formal: as frases se sucedem, longuíssimas. Trata-se de um defeito grave, eu sei, mas é um pecado original do qual nunca soube me desfazer quando realmente comecei a me dedicar de modo mais sistemático à palavra escrita, um refúgio ao qual recorremos quando estamos longe do ambiente natural em que nos movimentamos desde as primeiras letras.
Essa fase correspondeu ao meu autoexílio voluntário, a partir dos 21 anos (e durante mais de sete anos), quando passei a ler, a estudar e a escrever em outras línguas, numa notável confusão de regras e de estilos. Minha língua de trabalho passou a ser preferencialmente o francês – que não difere muito, no estilo ou na gramática, do português, mas é altamente mais exigente no plano formal – mas também me exerci bastante em espanhol, com intensas leituras paralelas em inglês e em italiano, e breves incursões pelo alemão. Por outro lado, não creio que textos de natureza política, sejam especialmente favoráveis a um domínio erudito da palavra escrita, perdendo de longe, por exemplo, para a boa literatura, da qual estive infelizmente afastado, justamente em função de uma dedicação doentia às questões políticas. Tenho plena consciência de que minha estética das palavras é horrível, e não cultivo nenhum entusiasmo por isso.

(3) Impulso histórico, que é o mais curto dos motivos elencados por Orwell. Ele escreve apenas isto: “Desejo de ver as coisas como elas são, de descobrir os fatos verdadeiros e de guardá-los para uso da posteridade” (p. 312). Parece, dito assim, a mais desprendida das motivações, uma escrita voltada unicamente para a preservação dos eventos, vistos, ouvidos ou lidos, algo como uma vocação à la Ranke: contar os fatos como eles efetivamente aconteceram (wie es eigentlich Gewesen). Ainda que eu tenha sempre cultivado a história como a mais saborosa das literaturas, e a considere como a “mãe de todas as ciências”, como reza o famoso dístico – não sei se desde Heródoto ou Tucídides – não me dedico especialmente à escrita da história, tanto porque não possuo a necessária preparação metodológica para fazê-lo. Mas todos os meus trabalhos possuem forte inclinação histórica, no sentido em que procuro contextualizar os fatos ou eventos analisados em suas causas originais, em seu ambiente de formação e ulterior desenvolvimento, pois tudo se torna mais compreensível quando recolocamos quaisquer fatos ou processos históricos no ambiente que os viu nascer, levando em conta os vetores que os moldaram e as forças que continuaram influenciando seu itinerário.
Espíritos simplórios, e burocracias sem memória, tendem a considerar tais fatos ou processos apenas como eventos ad hoc, como se eles surgissem de repente, e fossem originais ou inéditos. Não se poupam, assim, de cometer os mesmos erros ou equívocos a que estão condenados, segundo Santayanna (ou algum outro filósofo antes dele), todos aqueles que ignoram a história. É certo que a história nunca se repete, mas os espíritos despreparados tendem a cometer os mesmos erros que já ocorreram anos, décadas ou séculos antes, ainda que em circunstâncias diferentes. Não existe nenhuma novidade nas bolhas financeiras, nas valorizações exageradas das bolsas, na especulação com metais ou imóveis, mas aparentemente as gerações sucessivas acabam incorrendo nos mesmos desvios de comportamento que vitimaram os holandeses das tulipas, os franceses de John Law ou, modernamente, os deslumbrados das “ponto.com”.
Mas eu também me desvio do principal nesta questão: escrever com finalidades ou propósitos históricos ou simplesmente pelo prazer da escrita. Creio ter esse impulso da escrita, e também o espírito histórico, o que torna essa escrita mais empiricamente fundamentada, mesmo sem pretender ser um fiel cronista dos eventos correntes. Deixo a história para os profissionais, mas não hesito em penetrar em seu território e roubar algumas de suas técnicas de investigação, questionando documentos de arquivos e consultando relatos de contemporâneos, tanto quanto lendo os historiadores que vieram depois, e que podem iluminar novos aspectos de eventos e processos passados.
Minha escrita é histórica: não tenho nenhuma dúvida quanto a isso, e tal característica só se aprofunda com o tempo. Uma das vantagens de envelhecer – se é que se trata de uma “vantagem” – é a de poder escrever sobre fatos que nos foram contemporâneos, por assim dizer, eventos que depois se tornaram “históricos” e aos quais assistimos com os nossos olhos, ou que estiveram nas páginas de jornais que líamos todos os dias, hoje bem mais a televisão e a internet do que o papel impresso. Atualmente, posso falar com total domínio sobre o último meio século, e talvez até um pouco mais, dado que os livros “contemporâneos” do último meio século falam com grande domínio sobre o meio século precedente.
Assim, o “breve” impulso histórico de Orwell pode ser lido de várias maneiras, ele que foi um homem profundamente marcado pelas tragédias dos anos 1930 e pela Segunda Guerra Mundial. Um de seus textos começa exatamente assim: “Enquanto eu escrevo, seres humanos altamente civilizados estão voando sobre minha cabeça, tentando matar-me” (p. 252 de A Collection of Essays). Se tratava do ensaio “England Your England”, escrito em 1941, quando o pico dos ataques aéreos nazistas contra a Inglaterra já tinha passado, mas a Luftwaffe ainda continuava a fazer incursões ocasionais sobre Londres, tentando quebrar a moral dos ingleses (bem antes que os americanos fossem obrigados a finalmente se envolver na guerra).
O que mais marcou Orwell, entretanto, foi o totalitarismo dos regimes soviético e nazista, o que está muito evidente tanto em Animal Farm quanto em 1984. No mesmo ensaio que serviu de inspiração a este aqui, ele escreveu: “Cada linha de trabalho sério que eu escrevi desde 1936 [quando ele esteve na Espanha da guerra civil, do lado republicano, experiência relatada em Hommage to Catalonia] foi escrita, direta ou indiretamente, contra o totalitarismo e a favor do socialismo democrático, tal como eu o entendo” (p. 314, ênfases no original). É bastante provável que, se não tivesse morrido precocemente, Orwell continuasse um socialista democrático, na Grã-Bretanha dos anos 1950 e 1960, mas é altamente improvável que ele assistisse indiferente à decadência britânica que esse mesmo socialismo ajudou a aprofundar logo em seguida, até culminar nos imensos retrocessos sociais e industrial da fase imediatamente anterior à eleição de Margaret Thatcher. Mesmo continuando um socialista, e inimigo dos conservadores, Orwell provavelmente não discordaria das orientações libertárias dos novos tories, já que, entre sindicalistas estatizantes e defensores das liberdades individuais, ele sempre ficaria com estes últimos, contra o controle das vontades pelos novos totalitários. A história sempre tem algo a ensinar aos espíritos abertos como ele (eu também).

(4) Objetivo político: Orwell usa o termo político no seu sentido mais amplo, como ele mesmo explica, complementando ao início de sua longa explicação sobre a motivação especificamente política dos escritores: “nenhum livro é genuinamente destituído de algum viés político. A opinião de que a arte não deve ter nada com a política é, ela mesma, uma atitude política” (p. 313). Concordo inteiramente, mas a dificuldade, aqui, está justamente em aceitar que nossas opiniões políticas constituem o reflexo de nossas leituras e experiência de vida anteriores, que refletimos o estado do debate político na sociedade e que podemos, e devemos aprofundar esse debate, e assumir novas posturas, à medida que aprendemos com o tempo, com as leituras, com pessoas mais experientes, com a observação honesta e objetiva da realidade.
Por observação objetiva da realidade, como condição inseparável da honestidade intelectual, eu quero me referir à minha própria trajetória política, iniciada sob o domínio do marxismo teórico e do leninismo prático, continuada sob o signo do socialismo democrático nos anos 1970 e 1980 – como Orwell, ao contemplar as misérias do nazismo e do stalinismo nos anos 1930 e 1940 –, e chegando a uma espécie de contrarianismo libertário nos tempos presentes, certamente mais liberal no seu conteúdo econômico, do que nos tempos socialistas, e mais anarquista nos domínios cultural e político. A migração não foi instantânea, nem desprovida de racionalizações justificativas, mas a recusa do totalitarismo bolchevique foi, sim, imediata, uma vez feito o confronto com a realidade.
Ao sair do Brasil, nos tempos mais obscuros dos chamados anos de chumbo da repressão política (e violenta) do regime militar contra os grupos de luta armada, eu fui direto para o coração do socialismo real, na Tchecoslováquia pós-invasão soviética, quando o socialismo à face humana de Dubcek estava sendo definitivamente enterrado pelas forças brejnevistas do sovietismo esclerosado. Mais do que a miséria material, imediatamente perceptível pelas estantes e prateleiras vazias das lojas e armazéns, o que mais me chocou foi constatar a miséria humana, moral e espiritual do socialismo, que também era perceptível pelo ambiente de vigilância policial, de autocensura mental, de contenção nas palavras e nas atitudes. O totalitarismo não era uma invenção da CIA, da revista Seleções (Reader’s Digest), nem da ciência política ocidental; ele era uma realidade perceptível nos olhares e nos gestos, nas pequenas misérias cotidianas que iam muito além da falta de carne ou de frutas nos mercados, de jornais nos quiosques, e se manifestava diretamente no vocabulário, que Orwell chamou de novilingua em 1984.
Obviamente eu não dominava o tcheco para conversar com a população, mas podia conversar em francês com as senhoras idosas que frequentavam a biblioteca da Alliance Française, onde eu ia para ler o Le Monde – a única fonte de informação que eu tinha no socialismo real – e onde elas iam para se aquecer no inverno, já que o carvão custava caro e talvez fosse extremamente difícil subir tantos sacos em muitos lances de escada, em suas antigas casas patrícias transformadas em residências coletivas para seis ou sete famílias operárias. Aquelas senhoras vinham do capitalismo liberal e da Tchecoslováquia independente dos anos de entre-guerras, e ressentiam intensamente o descenso social que experimentaram a partir de 1948, mas sobretudo estavam profundamente deprimidas pelo clima de repressão policial e de controles do partido sobre a vida dos cidadãos, situação temporariamente flexibilizada durante os anos de Alexander Dubcek à frente do comité central do Partido Comunista. Foi apenas uma primavera, logo interrompida pelos tanques soviéticos e do Pacto de Varsóvia.
Essa foi a miséria do socialismo que me foi dada contemplar nos curtos três meses que passei do outro lado da “cortina de ferro”. Logo em seguida fui trabalhar e estudar no capitalismo explorador, e me senti inteiramente à vontade com livrarias, bibliotecas, olhares desprovidos de medo, bem mais do que com as estantes cheias e a abundância dos supermercados. A partir desse momento, eu reforcei minha vocação de escritor político, profundamente político, sem qualquer resquício do fundamentalismo ideológico que me tinha aprisionado no pensamento único dos neobolcheviques nos anos anteriores. Orwell tinha razão: nenhum escritor, nenhum livro é desprovido de um viés político determinado.
Como ele escreveu, mais para o final de “Why I Write”: “Animal Farm foi o primeiro livro no qual eu tentei, com plena consciência do que estava fazendo, fundir o objetivo político e o objetivo artístico em um único conjunto. (...) Todos os escritores são vãos, egoístas e preguiçosos e, bem no fundo de suas motivações, reside um mistério. (...) Eu não posso dizer com certeza quais das motivações são as mais fortes, mas eu sei quais delas merecem ser seguidas. E olhando retrospectivamente minha obra, eu vejo que foi invariavelmente quando eu não tinha uma motivação política que eu escrevi livros sem vida e fui traído por passagens obscuras, sentenças sem significado, adjetivos decorativos e, em geral, desonestidade” (p. 316).
 Cabe aos que cultivam um mínimo de honestidade intelectual ter consciência desse tipo de viés, inevitável na literatura política, passando então a imprimir o máximo de objetividade observadora, de fidelidade à realidade que nos cerca, e tratar de traduzir uma clara percepção dessa realidade nos escritos que produzimos. É o que eu tento fazer cada vez e sempre que busco um livro na estante, que seleciono minhas leituras de pesquisa, de estudo ou de lazer, e que tomo da pluma, ou que me sento em face do computador, para escrever alguma coisa, qualquer coisa, como esta agora, por exemplo. Sempre...

Hartford, 7 de Junho de 2014

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Por que escrevo? (1) - Paulo Roberto de Almeida


Paulo Roberto de Almeida

A pergunta do título poderia, hipoteticamente, sugerir aos leitores deste texto que eu estaria me considerando um escritor, o que não é absolutamente verdade, nem pela suposição implícita, nem, muito menos, pela condição efetiva. Escritor é aquele que faz do ofício da escrita sua atividade principal e que, portanto, vive disso (a menos que seja um milionário despreocupado, ou um proustiano que vive de ar e madeleines). Eu não ganho minha vida escrevendo, muito pelo contrário: até devo perder algum dinheiro (às vezes muito, pela compra de livros), e provavelmente também porque meus textos publicados não constituem exatamente ativos em minha vida profissional (eles podem até ter contribuído para alguns dissabores ao longo da carreira, pelo fato de não aderir às doutrinas oficiais, e possivelmente também na vida acadêmica, onde o desfilar de vaidades é uma constante e as lutas tribais inevitáveis).
Então, retomando a pergunta do título, por que escrevo? Poderia dizer, muito diretamente, assim: por necessidade interior. Ou então, simplesmente, porque me dá prazer. Com efeito, faço da escrita uma segunda natureza (talvez a primeira, junto com a leitura, e não imagino nenhuma outra tão absorvente quanto essas duas; sim tem outras, mas não é o caso aqui de entrar em detalhes). Mas confesso que estou escrevendo este pequeno ensaio por sugestão indireta, em todo caso póstuma, de uma terceira pessoa, ela sim um escritor consumado, deliberado, definitivo, um dos meus preferidos, desde muitos anos, desde quando, ainda na adolescência, li Animal Farm (A Revolução dos Bichos). Sim, Eric Blair, aliás mais conhecido pelo seu nom de plume, George Orwell.
Acabo de receber um livrinho usado, que comprei por pouco mais de quatro dólares (frete incluído) da Thriftbooks (via Abebooks), chamado simplesmente de A Collection of Essays (Harbrace, copyright de 1946 pelo próprio George Orwell e, em vários outros anos, por Sonia Brownell Orwell). A despeito de conter ensaios altamente convidativos – vários dos quais eu já conhecia por outras edições de suas obras – como, por exemplo Shooting an Elephant, Politics and the English Language, Looking Back on the Spanish Civil War – fui direto ao último texto, de 1946, que exibe exatamente o título deste meu pequeno ensaio: Why I write (sem ponto de interrogação). Devo um pequeno copyright ao estate de George Orwell, portanto, ou se não para pagar seus legal rights, pelo menos registro aqui seu moral right quanto ao título e a inspiração.
Volto à questão da escrita por necessidade, pois ela é real e verdadeira, se me permitem a redundância. E isso não tem nada a ver com as características de escritor de George Orwell, que informa, nesse seu ensaio, que já sabia que queria ser escritor na tenra idade de cinco ou seis anos, quando recitou um poema para que sua mãe escrevesse, provavelmente inspirado – ou plagiado, como ele escreve – num poema de Blake, “Tiger, Tiger”. Em todo caso, já aos onze anos, quando começou a Grande Guerra, ele escreveu um poema patriótico publicado num jornal local. Ele começou assim, escrevendo vers d’occasion, ascendendo numa carreira que enveredou pelo jornalismo, pelo ensaísmo e que chegou até o famoso romance distópico que ainda hoje é referência, tanto na literatura dessa área, quanto para o pensamento político dirigido para a condição humana e a organização das sociedades, naquele tom pessimista que sabemos lhe ter sido precocemente inspirado pelo conhecimento direto do stalinismo, primeiro na Espanha, depois ao tomar conhecimento dos processos de Moscou.
No meu caso, não foi nada disso, nem versos de ocasião, nem experiência traumática em alguma guerra, embora possa reconhecer que o golpe militar de 1964 me despertou também precocemente para a política e para o estudo sistemáticos dos problemas sociais e econômicos do Brasil. Mas, a essa altura, eu já era um escritor não confirmado, mas provavelmente improvisado, mas já totalmente dedicado às artes altamente suspeitas da leitura obsessiva e da escrita compulsiva, talvez um pouco como Orwell. Não que eu pretenda me igualar ao grande escritor, longe disso, mas é que, como no seu caso – e suspeito que isso eu possa compartilhar com ele – eu nunca escrevi nada, absolutamente nada, que não tivesse vontade de escrever, e nunca escrevi qualquer coisa que violasse minha própria consciência quanto ao conteúdo mesmo que estava sendo transposto para o papel, mais tarde para as telas de computador. Jamais. Como Orwell, possivelmente, só escrevi aquilo que motivava minha vontade, que atiçava meu cérebro, que correspondia a algum impulso interior, e que brotava naturalmente da pluma, ou do teclado, segundo alguma reflexão própria, jamais ditada por alguma força externa.
Obviamente, ao longo da carreira profissional fui levado a escrever textos para terceiros, geralmente chefes na hierarquia vaticana do Itamaraty, mas não me lembro de jamais ter recorrido ao diplomatês insosso, no estilo bullshit habitual nesse meio, àquela langue-de-bois (ou chapa branca) que sempre me horrorizou sobremaneira. Sempre escrevi o que queria, e se algum chefe, ou gabinete, quisesse mudar depois, isso não mais me interessava. Nenhum desses escritos entrou na minha lista de trabalhos (só um ou outro cuja estrutura, conteúdo e forma foram preservados, mas de toda forma apenas para fins de registro, não como trabalhos que eu pudesse considerar como sendo meus).
À diferença de Orwell, comecei a escrever tarde, mas talvez não muito mais tarde do que ele mesmo. As primeiras lembranças da fase de aprendizagem da leitura e da escrita, me remetem ao livro de alfabetização – estilo “Ivo viu a uva” – e ao caderno de caligrafia, com suas três linhas, a superior reservada às maiúsculas iniciais e aos nomes próprios, mas que jamais poderia ser ultrapassada. As ferramentas eram o lápis, o apontador, a borracha e a caneta de pluma de ferro, com o tinteiro de marca americana, creio que Parker, que também era o nome de uma famosa caneta tinteiro que nunca cheguei a possuir. Mais adiante, talvez no terceiro ano do primário, já se trocou a caneta de pluma de ferro – também cheguei a experimentar pluma de ganso, apontada – por uma caneta tinteiro, dessas de bomba de borracha, que costumam fazer a maior sujeira, se manejadas sem cuidado (quantos cadernos e livros estragados com uma ou outra vazão exagerada de tinta...).
Depois do bê-á-bá, os primeiros escritos foram apenas as respostas às perguntas da professora, copiadas da lousa, a mesma para os quatro anos do primário, e que dava todas as aulas das quatro ou cinco disciplinas obrigatórias (e aplicava os corretivos, quando fosse necessário). Havia também os corretivos em casa, quando o boletim ou o caderno vinha com notas vergonhosas, o que era raro, mas em todo caso servia para incutir um alto senso de responsabilidade nos deveres escolares de todo mundo (algo que aparentemente parece ter sido perdido atualmente, ainda mais com a tal de “lei da palmada”). Os casos mais graves de comportamento eram resolvidos no chinelo ou na cinta, mas jamais para deveres escolares, inclusive porque a escola era disciplinadora.
Mas eu me perco no roteiro deste ensaio: por que escrevo? Bem, comecei com trabalhos escolares, mas jamais respondendo apenas o estritamente necessário, de forma lacônica: sempre passeando pelo Egito antigo, pela Grécia clássica, pela Roma dos tribunos e dos imperadores aloprados, inclusive porque era isso o que eu aprendia nos livros, nas versões infantis das histórias de Monteiro Lobato, dos clássicos de Swift, Cervantes, Hans Staden, Defoe, nos romances de Karl May, Emilio Salgari e muitos outros. O gosto pela história veio muito cedo, na adaptação feita por Lobato da História do Mundo para as Crianças, cujo autor me escapa completamente agora.
Tudo isso eu tinha à minha disposição na fabulosa Biblioteca Infantil Municipal Anne Frank, no bairro do Itaim-Bibi, que eu frequentava antes mesmo de aprender a ler, o que só fiz na tardia idade de sete anos. No ano seguinte, já me debrucei sobre coisas mais “complicadas”. Cheguei a decorar os nomes de faraós de várias dinastias egípcias, e sabia perfeitamente distinguir quem foram e o que fizeram os gregos mais famosos, filósofos, dirigentes políticos ou líderes militares. Não sei se foi isso que me levou à incontinência da pena, provavelmente não: esse foi apenas o caminho para a loucura gentil da leitura obsessiva, embora a escrita caminhasse junto, pois era dessa forma que eu realmente absorvia cada livro lido, pelos resumos efetuados a cada vez, e que infelizmente se perderam na passagem da infância para a adolescência.
Chegada essa fase, minhas preocupações eram outras, não mais puramente históricas, e muito menos literárias, o que nunca foi o meu forte, até hoje (o que, aliás, explica inúmeros defeitos de escrita, inclusive porque nunca cuidei da forma, muito menos da gramática ou do estilo). Elas se tornaram sociais e políticas, sobretudo porque eu procurava entender porque eu e minha família éramos tão pobres, tão desprovidos de coisas básicas (telefone, televisão, carro, ou livros, em casa), em face de tantos colegas da escola, de roupas vistosas e hábitos “burgueses” (sim, aprendi muito cedo o significado desse conceito essencialmente marxista).
A percepção, real, cruel, dolorosa, da pobreza, da desigualdade social, da carência de meios me impactou desde cedo, e isso porque desde muito cedo fui levado a trabalhar para suplementar o magérrimo orçamento familiar: meu pai era motorista, minha mãe lavava roupas para fora, ambos com primário incompleto, e meu destino, desde o primário, e provavelmente mesmo antes, foi suprir a falta de dinheiro com todos os expedientes aceitáveis então podendo ser desempenhados por um garoto pobre: recolhimento de sucata metálica nos fundos de uma fábrica, pegador de bolas de tênis no clube da vizinhança e empacotador não registrado de supermercado, ganhando apenas gorjetas, portanto. Mais adiante fui ser “office-boy”, que era como se chamavam os contínuos antigamente. Fiz um pouco de tudo, inclusive e principalmente refletir sobre a miséria material da nossa existência.
Daí que, salvo alguns pequenos textos de juventude, para os jornais escolares, meus primeiros escritos tenham sido precocemente impregnados de revolta, logo impulsionada pela leitura de obras como Germinal, de Émile Zola e outros livros dessa mesma feitura. Da revolta instintiva para a “consciência social” foi um passo muito curto, que devo ter ultrapassado antes mesmo do golpe militar de 1964, aos 14 anos, portanto. Antes disso eu já vinha me politizando, com a leitura de jornais, de Seleções (versão brasileira do Reader’s Digest), e de quaisquer outros materiais que viessem às mãos. Depois do Quarto Centenário da cidade de São Paulo, em 1954, e da Copa do Mundo de 1958, na Suécia, o que provavelmente mais marcou minha infância foi a campanha vitoriosa de Jânio Quadros, em 1960, sua renúncia, a seis meses do exercício do cargo (quando minha mãe foi me buscar na escola, talvez temendo uma guerra civil, ou pelo menos distúrbios nas ruas, como quando do suicídio de Getúlio), e a crise dos mísseis soviéticos em Cuba, no ano seguinte. Foram episódios momentosos na vida do país e do mundo, que me levaram às páginas dos jornais, quando eu então passei a usar do meu pouco dinheiro para comprar o grosso Estadão de domingo, onde se podia aprender de tudo, naquela linguagem complicada para um garoto de doze anos.
Nessa altura eu já estava fazendo resenhas de livros para jornais escolares, e produzindo alguns textos “góticos” sobre o Brasil e o mundo, que se perderam todos, com uma ou outra exceção. No ginásio (Vocacional Oswaldo Aranha, entre 1962 e 1965) eu colaborar com “A Pequena Nação”, que tinha como dístico a seguinte frase, altamente pretensiosa: “um jornal que diz bem porque pensa no que diz” (sic). Sobraram como colaborações minhas um elogio pela vitoriosa conquista num torneio feminino de handball, e um poema chamado A Jangada, provavelmente inspirado nas leituras obrigatórias que tínhamos de fazer (nesse caso, José de Alencar, talvez). Mas o golpe militar, logo em seguida, me levou diretamente às leituras políticas, aos escritos na linha do marxismo e ao meu engajamento na “luta contra a ditadura”. A partir daí nunca mais deixei de escrever, compulsivamente, intensamente, aliás muita coisa sob algum nom-de-plume, que no caso era mais exatamente um nom-de-guerre. Mas esta já é outra história que pretendo contar um outro dia...
Termino respondendo à pergunta inicial: escrevo por necessidade. Em primeiro lugar para tentar explicar a mim mesmo as razões da desigualdade, e do nosso estatuto social inferior, e para os outros tentando convencê-lo de que é preciso mudar o país e mudar o mundo, para torná-lo mais justo para aqueles, como eu, que vieram de uma condição inferior e queriam ter acesso às bondades da sociedade de consumo. Quando comecei, a intenção era mais bem a destruir a sociedade capitalista e o mundo burguês, como ocorria com muitos jovens em minha época, e provavelmente de condição social bem superior: líamos Marx e Engels, obviamente, mas também Lênin, Marcuse, e toda a literatura especializada nos problemas sociais brasileiros, inclusive clássicos da teoria social, da história e do desenvolvimento econômico que só seriam recomendados vários anos mais tarde, já na Faculdade.
Depois de muitas aventuras, viagens, leituras e um itinerário de aprendizados constantes eu aprendi que era preciso transformar o mundo, não necessariamente no sentido pretendido na juventude, mas de uma forma mais racional, mais ponderada, menos radical, e certamente mais democrática e tolerante em relação às diversas orientações doutrinárias, políticas e econômicas. Mas, tudo isso foi sendo absorvido ao longo da vida, aos poucos, como acontece com todo mundo aliás.
O que nunca deixei de fazer, sempre, foi ler e escrever, escrever e ler, e pensar, naturalmente. Ainda tenho cadernos e mais cadernos de notas de leituras e de trabalhos esquematizados. Continuo fazendo isso, agora guardando em pastas no computador.
Por que eu escrevo? Por isso mesmo, por absoluta necessidade. Não creio que venha a mudar significativamente esse meu estilo de vida daqui para a frente, mas seria bom um pouco mais de organização: tenho dezenas de trabalhos e muitos livros para terminar. Paro por aqui, pois tenho outras coisas para escrever, no meu caos habitual...

Hartford, 6 de Junho de 2014


quarta-feira, 28 de maio de 2014

China: uma ditadura orwelliana e os aniversarios incomodos (NYT)

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A police officer guarded a Mao Zedong portrait at Tiananmen Square in Beijing. CreditPetar Kujundzic/Reuters
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BEIJING — Even by the standards of the clampdowns that routinely mark politically sensitive dates in China, the approach this year to June 4, the anniversary of the day in 1989 when soldiers brutally ended student-led protests in Tiananmen Square, has been particularly severe.
The days preceding June 4 often mean house arrest for vocal government critics and an Internet scrubbed free of even coded references to the crackdown that dare not speak its name.
But this year, the 25th anniversary of the bloodshed that convulsed the nation and nearly sundered the Communist Party, censors and security forces have waged an aggressive “stability maintenance” campaign that has sent a chill through the ranks of Chinese legal advocates, liberal intellectuals and foreign journalists.
In recent weeks, a dozen prominent scholars and activists have been arrested or criminally detained, and even seemingly harmless gestures, like posting a selfie in Tiananmen Square while flashing a V for victory, have led to detentions.
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Hong Kong protesters held a picture of Pu Zhiqiang, a lawyer who was arrested.CreditPhilippe Lopez/Agence France-Presse — Getty Images
The police have been warning Western journalists to stay away from the square in the coming days or “face grave consequences,” according to several reporters summoned to meetings with stone-faced public security officials. Amnesty International has compiled a list of nearly 50 people across the country that it says have been jailed, interrogated or placed under house arrest.
“They say it’s springtime in Beijing, but it feels like winter,” said Hu Jia, an AIDS activist and seasoned dissident who has been forcibly confined to his apartment for the past three months.
The growing list of those swept up by China’s expansive security apparatus includes a group of gay rights advocates gathered at a Beijing hotel, several Buddhists arrested as they were meditating in the central Chinese city of Wuhan and an ex-soldier turned artist who staged in a friend’s studio a performance piece that was inspired by the government’s efforts to impose amnesia on an entire nation.
“The response has been harsher and more intense than we’ve ever seen,” said Maya Wang, a researcher at Human Rights Watch in Hong Kong.
To political analysts and rights advocates, the campaign provides further evidence that President Xi Jinping, 15 months into the job, is determined to stamp out dissent amid an ideological assault against liberal ideas that many view as part of a wide-ranging drive to consolidate power. “Until this latest crackdown I was agnostic about Xi, but recent events suggest he would like to be a Mao-style strongman if he could,” said Perry Link, a China scholar at the University of California, Riverside.
Although the red line of permissible public discourse often shifts with the seasons and the whims of those in power, many longtime China watchers say the changes have caught even the most battle-scarred dissidents off guard.
As evidence, they point to the authorities’ forceful response to a seminar, held at a private home in early May, during which more than a dozen people met to discuss the events of 1989. In the days that followed, the participants, including relatives of those killed during the crackdown, were summoned for questioning by the police.
But unlike a similar, much larger event in 2009, five of the attendees were formally arrested. Among them: Hao Jian, a professor at the Beijing Film Academy; Xu Youyu, a philosophy scholar at the Chinese Academy of Social Sciences; and Pu Zhiqiang, a charismatic rights lawyer. All face charges of “creating a public disturbance.”
Since then, the police have repeatedly searched Mr. Pu’s law office and home, carting away computers, financial documents and a DVD of a documentary about the dissident artist Ai Weiwei, a former client.
In an interview, one of his lawyers, Zhang Sizhi, described the charges as illogical. “How can you create a public disturbance while meeting in a private residence?” he asked.
Mr. Zhang and others say it seems increasingly unlikely Mr. Pu will be released after June 4, the pattern of previous anniversary-related detentions.
In building a case against him, the authorities have rounded up a number of Mr. Pu’s friends and associates, among them Vivian Wu, an independent journalist, and Xin Jiang, a news assistant with the Japanese newspaper Nikkei. Friends say they are unclear why the authorities detained Ms. Xin, although some thought it might be related to an earlier interview she conducted with Mr. Pu.
On Tuesday, two weeks after her disappearance, Ms. Xin’s husband took to social media, posting a family photo and a frantic cry for help. “It’s a mess at home,” the husband, Wang Haichun, wrote. “Please come back. I can’t bear this alone.”
The anguish is shared by friends of Liu Wei, a young factory worker from southwest China who was detained on criminal charges on May 17 after returning home to Chongqing from a visit to Beijing. According to a friend, Huang Chengcheng, Mr. Liu’s apparent crime was posting online photos of himself in Tiananmen Square, including one in which he flashed a victory sign, a common pose among Chinese tourists that can also be seen as a sly act of subversion.
Gay rights advocates have also been feeling the heat. Over the past few weeks, the authorities have canceled a number of events in Beijing, including a film screening and a panel discussion to mark International Day Against Homophobia. Earlier this month, the police raided a hotel where a group of civil society advocates had gathered for a seminar focused on the obstacles facing gay and AIDS nonprofits.
Yu Fangqiang, one of the event organizers, said the police arrived at 1:30 a.m., confiscated his cellphone and then used it to text about 30 other would-be participants, telling them the event had been canceled. Mr. Yu and eight others were then bundled off for interrogations that, for several detainees, stretched into the following evening.
Sometimes the authorities’ fears of public unrest have led to confounding measures, like the postponement of a restaurant awards ceremony scheduled for Thursday night in the capital.
Other times their efforts were nothing if not creative.
Chen Yongmiao, a political commentator and rights activist in Beijing, said the police gave him the equivalent of $800 to leave town. “They just don’t want people from the opposition in the political center of Beijing,” Mr. Chen said by phone last week as he traveled through northwest China.
In past years, the noose would tighten in mid-April, coinciding with the anniversary of the death of Hu Yaobang, the reformist Communist Party secretary purged for his “bourgeois” liberal leanings in 1989. It was an outpouring of public mourning after his death on April 15 that coalesced into the demonstrations that swept the nation with demands for justice, democracy and an end to official corruption.
This year, however, many activists say restrictions kicked in months earlier. When they placed him under house arrest in late February, Mr. Hu, the AIDS activist, said the police told him this was an “especially sensitive” year and that they were taking no chances. “The authorities want to create an atmosphere of terror, something they’ve largely succeeded in doing,” he said by phone, listing a number of friends who had been compelled by the police to “go on holiday” and leave Beijing for May.
But Mr. Hu said he thought the campaign was ham-handed and ultimately ineffective. Although party leaders have expunged the episode from Chinese history books and the Internet, leaving a younger generation unfamiliar with the events of June 3-4, Mr. Hu estimated that a million or more people were on the streets of Beijing the night soldiers opened fire on unarmed civilians, killing hundreds, if not more.
“No matter how hard they try,” he said, “they cannot erase this experience from everyone’s memories.”