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terça-feira, 16 de junho de 2020

Itamaraty estende tapete vermelho para monarquistas e olavistas - Jamil Chade (UOL)


COLUNA

JAMIL CHADE

Itamaraty estende tapete vermelho para monarquistas e olavistas
Uol Notícias, 16/06/2020

Nesta terça-feira, o Itamaraty promove uma palestra de Bertrand de Orleans e Bragança. No material de promoção do evento, porém, o convidado é apresentado como "S. A. I. R.". Ou seja, "Sua Alteza Imperial Real", um título que desapareceu no país com a chegada da República, há mais de cem anos.
A palestra com o descendente da família real é mais um encontro numa série promovida pela Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) - órgão ligado à chancelaria - para avaliar o mundo "pós-pandemia".
Quem acompanhou os debates nas últimas semanas se deparou com revelações importantes. Elas incluem a suposta relação da pauta de meio ambiente e o comunismo, além dos inúmeros outros riscos do marxismo. Também são apresentadas com exaustão as virtudes da aproximação do Brasil com os EUA, assim como a eficiência da cloroquina. A China também faz parte do debate, tanto no que se refere aos seus planos de colonização, assim como a suposta derrocada de sua economia. Os convidados ainda alertam sobre os riscos para a democracia que representam os atuais protestos nas ruas e como, com Deus e soberania, o Ocidente deve ser protegido.
Tampouco faltam convidados que, por videoconferência, se apresentam ao lado de bandeiras da monarquia e símbolos religiosos.
Para prever o futuro, estão sendo convidados personalidades que questionam o papel da ciência na definição de políticas e promovem ataques recorrentes ao sistema internacional. Cada intervenção é concluída por rasgados elogios por parte do mediador do debate, um diplomata próximo ao chanceler Ernesto Araújo.
Há ainda um ponto constante em muitos dos discursos e intervenções: as repetidas referências ao guru do governo, Olavo de Carvalho.
Antes do seminário desta semana com a "alteza imperial", a Funag promoveu há poucos dias um evento com Rafael Nogueira, presidente da Fundação Biblioteca Nacional. Assim como vários outros, ele não fugiu do padrão e usou seu discurso para citar Olavo de Carvalho. Em mais de duas horas e meia, ele questionou inclusive o papel que se atribui ao nacionalismo como um dos motivos da Segunda Guerra Mundial.
O convidado ainda criticou a OMS em sua resposta pela pandemia e alertou que seria "muito perigoso" dar mais poderes para a agência internacional. "A OMS não conseguiu enxergar com antecipação o que estava ocorrendo", disse, sugerindo que a agência tem "financiadores" e "interesses ideológicos".
Ele, apesar do longo discurso, não citou o fato de a OMS ter declarado a emergência global no dia 30 de janeiro e que, por semanas, o presidente Jair Bolsonaro ter insistido em minimizar a crise.

Vírus do comunismo
Nogueira, porém, teve tempo para falar sobre a obra Vírus, do marxista Slavoj Zizek. Coincidência ou não, o livro foi o mesmo usado por Ernesto Araújo, o chanceler, para alertar sobre o risco de um plano comunista que se utilizaria da pandemia para ganhar força.
O moderador do debate, o diplomata Roberto Goidanich, lamentou que a "grande imprensa" não conceda mais espaço para nomes como Nogueira.
A lista de convidados da casa de Rio Branco também incluiu Bernardo Kuster, que se dedicou a criticar a China. No mês passado, ele foi alvo de mandados de busca e apreensão em operação da Polícia Federal no inquérito sobre "fake news". Allan dos Santos, blogueiro também alvo da PF, foi outro nome convidado pelo Itamaraty.
Num outro debate, Leandro Ruschel, do site Conexão Política, alertou que existe uma "instrumentalização da pandemia para inserir toda a agenda de esquerda". "As pessoas estão em cárcere privado", disse. Ele, assim como os demais, atacou a OMS e o multilateralismo. "Governo global é um totalitarismo da pseudo-ciência", afirmou.
Num dos trechos do seminário, Silvio Grimaldo, editor do Brasil Sem Medo, contou como, numa conversa com Olavo de Carvalho, chegou a falar em uma brincadeira no que seria uma "Internacional Nacionalista", com governos como os do Brasil, Japão, Índia e outros pressionando por uma agenda na qual a soberania seria revalorizada.
José Carlos Sepúlveda, do canal Terça Livre, também tomou a palavra para alertar que existe uma ação progressista mundial sendo infiltrada no país. "Estamos assistindo um assalto ao direito à propriedade", disse, alertando para a arbitrariedade das decisões de distanciamento social.

Procurado pela coluna, o diplomata Paulo Roberto de Almeida, ex-diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri), apontou que, desde o início do governo Bolsonaro, "a Funag só faz o que o gabinete (de Ernesto Araújo) e Filipe Martins querem, e só convidam olavistas". Em 2019, o embaixador Paulo Roberto de Almeida foi demitido pelo chanceler e, neste mês, publica o livro O Itamaraty num labirinto de sombras.

Outro convidado da Funag em 2020 foi Arthur Weintraub, assessor especial da Presidência da República. Ele é irmão do Ministro da Educação, Abraham Weintraub. Durante o evento, ele sugeriu um novo "tribunal de Nuremberg" para julgar aqueles que se recusaram a dar cloroquina aos pacientes da covid-19, apontando que vidas poderiam ter sido salvas. O tribunal foi criado na Alemanha para julgar os crimes dos nazistas. Na OMS, não existe ainda recomendação para o uso do remédio, enquanto estudos alertam para a falta de evidências de que o produto tenha sua eficácia comprovada.
O debate de mais de duas horas e meia era, oficialmente, sobre a "conjuntura internacional no pós-coronavírus", com Hélio Angotti Neto, diretor do Departamento de Gestão da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, e Marcelo Hermes Lima, diretor-presidente da Associação Docentes pela Liberdade.
Mas no centro da fala de Weintraub estava a ameaça que o Brasil e outros países atravessam diante dos protestos e do que ele acredita ser um fortalecimento dos movimentos "globalistas" diante da pandemia.
"Passando o momento da covid, você vê nitidamente que a mídia e a esquerda já estão fugindo do assunto. Agora estão engrenando no próximo discurso, o próximo discurso é a favor da democracia. É sempre pela coisa mais pura e incontestável. Quem pode ser a favor do racismo? Quem pode ser a favor do câncer? Quem pode ser contra a democracia. Então eles são os donos da verdade", disse.
"E eles pegam toda essa miríada de discursos e se apoderam deles. O racismo é deles. Se você disser: sou contra cotas, vão te dizer que você é racista", disse.
"E agora mudou a chave. A chave antes era covid. Eles adquiriram muito poder. Desestabilizaram as economias. Monopolizaram o discurso", destacou.
"Agora, o mundo ocidental, tirando honrosas exceções - a Suécia, por exemplo - caiu de joelhos. Vamos ficar todos em casa. O impacto disso nas futuras gerações, endividamento, quebra de empresa, que se dane", afirmou Weintraub. Na própria Suécia, porém, questionamentos ganham força sobre a estratégia que o país usou.

Risco de vertente ditatorial
Ao final, ao ser questionado sobre onde achava que o Brasil estaria em cinco anos, o assessor de Bolsonaro se disse otimista. "Houve uma mudança forte no Brasil, no sentido conservador", afirmou. Mas alertou que "vão tentar segurar isso", sem explicar quem. "Eu imagino que pode se inclinar para uma vertente mais autocrática ditatorial de esquerda. Eu não gostaria de ter que sair do Brasil", afirmou.
Mas indicou que "se (o Brasil) virar uma grande Venezuela, não da para ficar". "Seremos mortos", disse.
Hélio Angotti Neto, diretor do Departamento de Gestão da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, completou a lógica de Weintraub. "Se for por guinada ditatorial, ai é fugir ou morrer", completou.


sexta-feira, 8 de maio de 2020

Sob regime do medo, diplomatas aplaudem em silêncio críticas contra Araújo - Jamil Chade (UOL)

COLUNA

JAMIL CHADE

Sob regime do medo, diplomatas aplaudem em silêncio críticas contra Araújo
Notícias UOL, 8/05/2020

Nas sofisticadas embaixadas do Brasil pelo mundo ou nos corredores do Itamaraty em Brasília, a sexta-feira começou de alva lavada para centenas de diplomatas. O motivo: a publicação de um artigo assinado por Fernando Henrique Cardoso, Aloysio Nunes Ferreira, Celso Amorim, Celso Lafer , Francisco Rezek , José Serra , Rubens Ricupero e Hussein Kalout. Apesar de vertentes diferentes, todos eles denunciam de forma conjunta as violações à Constituição perpetradas pela gestão de Ernesto Araújo.
A carta que reúne os ex-chanceleres contra o atual ministro é inédita num organismo tradicionalmente tomado pela hierarquia e, claro, a diplomacia. 
A publicação da análise e ataque foi recebida com uma mistura de alívio e aplausos. Alívio por explicitar o que muitos, dentro da instituição, pensam. Aplausos por escancarar as violações que se cometem.
Uma das esperanças é de que a carta deixe Araújo ainda mais vulnerável, num ambiente no qual ele sofre para conquistar o respeito até mesmo de seus subalternos. 
Por grupos de Whatsapp e outros meios de comunicação, o texto dos ex-ministros circulou em alta velocidade desde as primeiras horas da manhã. Mas temerosos em relação a uma eventual punição, muitos deles pediam anonimato até mesmo sobre o fato de estar passando adiante o texto.
Araújo, desde seus primeiros atos, criou uma legião de desafetos nas bases de seu corpo diplomáticos. As críticas de parte importante do Itamaraty contra o chefe ocorrem de maneira discreta. Mas são contundentes. 
Alguns chegaram a evitar colocar na parede de seus escritórios a foto do presidente. Em pelo menos um local, o retrato estava num corredor, próximo ao banheiro. Entre os mais velhos no serviço diplomático, a queixa é o desrespeito em relação à experiência existente e conhecimento.
Para outros, a perseguição foi uma realidade, com cargos sendo suspensos e nomeações canceladas. Vingativo, o atual gestor do ministério passou a adotar uma orientação profundamente ideológica, sem qualquer relação com o interesse nacional. O temor, entre muitos, é de que um sistema de controle e monitoramento tenha sido estabelecido.
Não por acaso, um dos principais ressentimentos é de que não podem, hoje, dar as caras para apoiar publicamente o texto, sob o risco de punições. Mas, para a grande maioria dos diplomatas, o maior problema não é pessoal. Mas sim o desmonte de tudo o que aprenderam sobre as tradições diplomáticas nacionais, do capital político do país no mundo, os ataques contra a Constituição e a deterioração do relacionamento com o mundo.
Não foram poucos os casos ainda de apoio irrestrito aos filhos do presidente Jair Bolsonaro, causando revolta interna. Um dos trechos mais comentados do texto foi ainda quando os ex-ministros mostram a ""solidariedade e decidido apoio aos diplomatas humilhados e constrangidos por posições que se chocam com as melhores tradições do Itamaraty".
"A reconstrução da política exterior brasileira é urgente e indispensável. Deixando para trás essa página vergonhosa de subserviência e irracionalidade, voltemos a colocar no centro da ação diplomática a defesa da independência, soberania, da dignidade e dos interesses nacionais, de todos aqueles valores, como a solidariedade e a busca do diálogo, que a diplomacia ajudou a construir como patrimônio e motivo de orgulho do povo brasileiro", dizem.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Os direitos "verdadeiramente" humanos dos governos Trump e Bolsonaro - Jamil Chade

EUA discutem redefinir direitos humanos no mundo; Brasil vê processo "útil"

Jamil Chade
UOL notícias, 18/02/2020
03.jan.2020 - Os ministros Henrique Mandetta (Saúde) e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) durante apresentação da Campanha de Prevenção à Gravidez na Adolescência - Pedro Ladeira/Folhapress
03.jan.2020 - Os ministros Henrique Mandetta (Saúde) e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) durante apresentação da Campanha de Prevenção à Gravidez na Adolescência Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress
O governo dos EUA prepara uma redefinição do que são os direitos humanos, num processo que pode ter um impacto global. Longe dos holofotes, a Casa Branca costura um esforço inédito para colocar limites às novas reivindicações dos direitos humanos e realizar a maior revisão do termo desde a assinatura em 1948 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, uma espécie de bússola da humanidade depois dos horrores da Segunda Guerra Mundial.
Em meados do ano passado, a Casa Branca criou a Comissão sobre Direitos Inalienáveis e seus dez membros ganharam o mandato de redefini-los.

Para os críticos e especialistas, o esforço de focar os trabalhos em "direitos inalienáveis" é, na realidade, uma tentativa de restringir os direitos que o governo tem a obrigação de proteger. Poderiam ser afetados direitos sexuais e a proteção de minorias, entre elas a comunidade LGBTQ e imigrantes.

A coluna apurou que o processo passou a ser acompanhado com grande interesse pelo Itamaraty e pelo Ministério dos Direitos Humanos. O governo brasileiro chegou a enviar representantes às reuniões do grupo, em Washington.
Procurado pela reportagem, o Itamaraty indicou que "as audiências são abertas ao público, inclusive para a participação de representações diplomáticas estrangeiras. Como diversos outros países, o Brasil recebeu convite para acompanhar as discussões".
Em dezembro do ano passado, o país enviou delegação à sessão que tratou de temas da pauta internacional. "O governo brasileiro entende que a comissão foi estabelecida para responder a questionamentos específicos dos EUA. Isso não obstante, considera que os trabalhos da comissão poderão ser úteis para o Brasil", confirmou o governo.
O Itamaraty fez questão de ressaltar que, conforme estabelecido na Declaração de Viena, o governo brasileiro "reitera o entendimento de que os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados".

Mulher-forte do governo Bolsonaro

A representante do Brasil no evento foi a secretária nacional da Família do governo, Angela Gandra Martins, que viajou até a capital americana para acompanhar as reuniões.
Ela é considerada dentro da diplomacia brasileira como a pessoa que, de fato, determina e conduz a agenda de costumes e valores no governo, além de transitar com facilidade nos meios conservadores americanos. Damares Alves, a ministra, seria apenas uma figura popular para encabeçar essa agenda.
"O governo brasileiro acompanha com interesse os trabalhos da Comissão de Direitos Inalienáveis do Departamento de Estado dos EUA", declarou o ministério dos Direitos Humanos, numa nota enviada à reportagem." Os trabalhos da Comissão, contudo, visam subsidiar o secretário de Estado Mike Pompeo na condução da política externa dos EUA. Trata-se, portanto, de uma iniciativa interna do governo norte-americano, cujos resultados ainda são desconhecidos", insistem.
A pasta indica que, por se tratar de uma iniciativa interna do governo dos EUA, o ministério "não foi chamado a apoiar os trabalhos da Comissão". Mas deixa claro que está alinhado com o esforço.
"O governo brasileiro tem um compromisso fundamental com a defesa dos direitos humanos, entendidos como universais, indivisíveis, interdependentes e interrelacionados, e vê oportuna a necessidade de aprofundar neles para melhor compreensão diante de variadas mudanças, maior respeito a soberania dos Estados e melhor integração e solidariedade internacional em sua defesa", declarou. Angela Gandra Martins se reuniu em um jantar com Mary Ann Glendon, a pessoa escolhida pela Casa Branca para liderar o processo. O governo apenas explicou que a secretaria, por também ser professora de Filosofia do Direito, "conhecia já a presidente da Comissão devido a estudos em sua Universidade e jantou com ela".
Glendon é a ex-embaixadora do governo de George W. Bush junto ao Vaticano. Conservadora, ela causou polêmica no meio acadêmico ao recusar um título da Universidade de Notre Dame no ano em que o presidente Barack Obama faria um discurso sobre direitos reprodutivos.
Nos anos 90, ela teceu duras críticas às Nações Unidas. "Precisamos levantar a questão se essas organizações defendem as famílias ou se as famílias precisam ser defendidas contra elas", disse.
Uma década depois, ela apoiou a tentativa de Bush de aprovar uma emenda à Constituição americana para definir o casamento como um ato entre um homem e uma mulher. Num artigo, ela sugeriu que quem defende o casamento homossexual usa os "direitos civis" como forma de obter "preferências especiais".
Segundo ela, ao aceitar o casamento gay, a sociedade estaria criando uma discriminação contra todos aqueles que participam de uma religião que é contrário ao ato. Nos últimos anos, a professora de Harvard também causou indignação de ativistas ao sugerir a flexibilização dos direitos universais para acomodar tradições locais.

"Prioridades políticas questionáveis"

Ao lançar o projeto, o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, alerta que "nas últimas décadas, temos ficado confusos sobre direitos". "Apelos por direitos têm moldado nossos debates políticos. Mas não é sempre claro se estamos falando de direitos fundamentais e universais, ou de prioridades políticas questionáveis, ou apenas preferências pessoais", disse.
Segundo ele, a reivindicação por direitos "explodiu" nos últimos anos. Ele aponta que, entre a ONU e o Conselho da Europa, existem 64 acordos relacionados aos direitos humanos, com 1.300 itens.
"Órgãos internacionais designados a proteger os direitos humanos tem saído do caminho de suas missões ou foram corrompidos", criticou.
Sua visão e da Casa Branca é de que as escolas deixaram de ensinar os princípios sobre os quais os EUA foram fundados, um apelo ao passado. "Chegou a hora de fazer algumas perguntas", declarou.
Mas a Casa Branca não espera que o trabalho da comissão determine apenas o que existe dentro das fronteiras americanas. "Esperamos que ela (a comissão) gere um debate sério sobre direitos humanos que se estenda além das posições dos partidos e fronteiras nacionais", disse Pompeo, que aposta no trabalho dos especialistas para marcar o "legado americano" pelo mundo.
A coluna apurou que um dos focos do lobby americano é o governo brasileiro de Jair Bolsonaro, que acaba de ser eleito para mais dois anos no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Por uma questão de defesa de Israel, a administração Trump decidiu se retirar do órgão. Mas deixou dentro da sala alguns de seus maiores aliados, entre eles o Brasil, Polônia e República Tcheca. Nos últimos meses, a Casa Branca já garantiu a presença do Brasil em declarações conjuntas que visavam questionar a reivindicação de "novos direitos", principalmente na área de saúde.
São governos que assumem uma postura sobre costumes e valores próximas às ideias da administração conservadora de Trump. Entre os pontos defendidos está o combate a qualquer brecha que se permita falar de "igualdade de gênero", direitos reprodutivos e mesmo educação sexual completa.

Processo não tem supervisão, dizem democratas

A iniciativa americana, porém, tem gerado duras críticas por parte de organizações que formam o pilar internacional dos direitos humanos. O temor é de que a nova comissão e as novas alianças internacionais caminhem para o estabelecimento do direito natural como base de uma ofensiva conservadora.
Numa recente audiência diante da comissão, o diretor-executivo da Human Rights Watch, Kenneth Roth, afirmou estar preocupado com o destino do trabalho encomendado pelo governo americano. Sua avaliação era de que o fracasso dos direitos humanos estava relacionado à incapacidade de governos de cumprir o que já estava estabelecido como tal. E não por conta da criação de novos direitos, como sugeria Pompeo.
Ele ainda alertou que o que saísse daquela comissão teria o potencial de ter um impacto global, principalmente depois que o Departamento de Estado deixou claro que as conclusões dos trabalhos ajudariam a nortear a diplomacia americana.
Num recente artigo escrito para o Washington Post, a escritora Katherine Marino alertou que a iniciativa era uma ameaça à igualdade sexual, direitos LGBTQ e saúde reprodutiva. Ela lembra que, para Glendon, nem todos os direitos das mulheres deve ser considerado como um direito universal.
Marino ainda advertia que tais posturas, uma vez assimiladas à política externa americana, legitimaria o corte de verbas do governo para programas no exterior que pudessem ser entendidos como pró-aborto.
Já a Anistia Internacional insistiu que simplesmente não existe motivo para rever o arcabouço dos direitos humanos. "Este governo tem trabalhado ativamente para negar e retirar as proteções de direitos humanos", disse Joanne Lin, representante da Anistia.
Dentro dos EUA, a iniciativa também gerou críticas. Senadores democratas enviaram uma carta atacando o fato de que o processo está ocorrendo sem a supervisão do Congresso. De acordo com o documento, uma parcela dos membros "tem opiniões hostis aos direitos das mulheres ou apoiam posições contrárias às obrigações do tratado dos EUA".
Ainda assim, o governo americano vai adiante com a ideia que tem o potencial de redefinir o conceito de direitos humanos no mundo.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

A super riqueza de 22 homens e a extrema pobreza das mulheres africanas - Paulo Roberto de Almeida

A super riqueza de 22 homens e a extrema pobreza das mulheres africanas

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: debate; finalidade: comentário econômico]


Discordando de Jamil Chade: “Os 22 homens mais ricos do mundo têm mais riqueza que TODAS as mulheres da África.”
PRA: o quê uma coisa tem a ver com a outra? Absolutamente NADA!
Esses 22 megabilionários EXTRAIRAM sua riqueza das mulheres africanas?
Eles as impedem ou estão impedindo-as de também enriquecerem com base em seu próprio esforço e trabalho?
O que realmente impede mulheres e homens africanos de serem mais ricos do que são atualmente?
Seria a super riqueza de 22 privilegiados em outros continentes, que atuam em áreas completamente diversas?
Será que o fato de a mulher mais rica da África – a filha do ex-ditador de Angola por 39 anos – ter extraído, literalmente, sua riqueza de empresas estatais angolanas não estaria impedindo todas as demais mulheres angolanas de serem um pouco mais ricas, ou pelo menos um pouco menos pobres?
Em quê essa “acusação” de super riqueza de 22 homens ser maior do que o patrimônio de TODAS as mulheres africanas juntas resolve, corrige, supera essa tremenda desigualdade?
Por acaso a eventual, hipotética distribuição igualitária – se tal fosse possível sem violência – de TODA a fortuna dos 22 megabilionários em benefício de TODAS as mulheres africanas resolveria de fato o problema geral da pobreza africana, de homens, mulheres, crianças e velhos?
O que essa pobreza tem a ver com a super riqueza de certos dirigentes africanos, como, por exemplo, a filha do ex-ditador de Angola?
Não estaria essa desigualdade propriamente africana, mais próxima das raízes locais, reais, da desigualdade africana, do que a existência efetiva de 22 estrangeiros, provavelmente cidadãos de outros países e residentes em outros continentes e cuja fortuna deve ter muito pouco a ver com atividades econômicas conduzidas na África?
Que tal se, em lugar de ficar indicando 22 estrangeiros como supostos “culpados” da – ou pelo menos “correlacionados” com a – pobreza das mulheres africanas, jornalistas realmente investigativos buscassem investigar as reais origens, causas e fundamentos da pobreza de TODOS os africanos, ou pelo menos a imensa maioria deles?
Por que, em lugar de buscar soluções “Pickettyanas” – taxação dos ricos e distribuição igualitária dessa riqueza – para o problema da pobreza africana (latino-americana também), não se buscam soluções efetivas ao eterno problema de pobreza de nações dotadas de baixa produtividade do trabalho, isto é, da baixa qualidade do capital humano?
Por que, em lugar da péssima “solução” de empobrecer os muito ricos, economistas e jornalistas investigativos não se dedicam à nobre arte de enriquecer os muito pobres?
Por que essa obsessão doentia com as desigualdades distributivas – se elas não são o resultado da ação direta de governos e Estados, como pode ser o caso na África e na América Latina –, em lugar de simplesmente se ocupar da imensa pobreza de centenas de milhões de pessoas?
Por que raciocínios tão primários, ao estilo da OXFAM?

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20/01/2020

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Brasil esconde ditadura e fala em anistiar crimes de desaparecimento - Jamil Chade (UOL)

À ONU, Brasil esconde ditadura e fala em anistiar crimes de desaparecimento

Jamil Chade
UOL, 15/01/2020

Um documento elaborado pelo governo de Jair Bolsonaro sobre desaparecimentos forçados no Brasil omite a existência da ditadura militar no país entre 1964 e 1985. O informe entregue pelo Itamaraty em junho de 2019 e tornado público agora trata da situação do crime de desaparecimento no país, uma obrigação que o governo tem diante da ONU por ser parte de tratados internacionais. No texto, o governo ainda deixa claro que defende que qualquer tipificação do crime no Brasil seja limitada pela Lei da Anistia.
Apesar de listar as entidades existentes no Brasil criadas para lidar com as vítimas dos anos de chumbo, não há qualquer referência nas 29 páginas submetidas às Nações Unidas sobre o golpe de Estado ou os crimes da ditadura. Os mecanismos são apenas citados, sem explicar a função de colher informação ou indenizar vítimas de tortura dos militares.

O governo tampouco condena o que ocorreu no país neste período.

Entre o final de março e início de abril de 2020, o Comitê sobre Desaparecimentos Forçados da ONU avaliará o Brasil e convidará o governo a se submeter a uma sabatina para responder às perguntas dos peritos.
A prestação de informação não é opcional. Em 2007, o governo brasileiro aderiu à Convenção Internacional para a Proteção de Pessoas do Desaparecimento Forçado. Em 2009, o texto foi aprovado pelo Congresso e ratificado em 2010. Em 2016, um decreto presidencial o transformou em lei doméstica.
Mas, ao longo do ano de 2019, o Itamaraty enviou para a entidade internacional uma carta em que justificava o regime militar, dentro de um contexto da Guerra Fria. Também no ano passado, num evento público, um diplomata, sob instruções de Brasília, se recusou a esclarecer se houve um Golpe de Estado no Brasil em 1964.
Policiais reprimem manifestantes no Rio de Janeiro no período da ditadura militar - Folhapress
Policiais reprimem manifestantes no Rio de Janeiro no período da ditadura militar (Imagem: Folhapress)
Agora, no informe dedicado ao desaparecimento forçado de pessoas, o governo borra os acontecimentos de sua história.
Num dos capítulos, o governo cita como a lei nacional conta com mecanismos para indenizar vítimas de mortes ou prisões ilegais. O texto também fala do direito à memória e informação, assim como o acesso a arquivos e a obrigação do governo de coletar documentos.
O governo explica como o Ministério da Justiça tem atuado ao lado de procuradores para ajudar famílias de vítimas. Mas sempre sem citar a causa de tais desaparecimentos e nem fazer referências ao papel do Estado.
Num outro trecho do documento, o governo diz que criou mecanismos para "encorajar a não repetição de violações de direitos humanos e desaparecimentos forçados". Mas se omite em dizer o que levou a isso.

"No Brasil, ações coordenadas nos campos administrativos, legislativos e de pesquisa, assim como na sociedade civil, têm sido implementadas nas últimas décadas, com o objetivo de promover a "não-repetição", explica o documento.
Entre os mecanismos criados, o governo fala na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, do Congresso Nacional e no Comitê Especial sobre a Morte e Desaparecidos Políticos.
Até mesmo ao citar a Comissão Nacional da Verdade, o governo omite que o foco do trabalho foi sobre a ditadura e diz que o mecanismo foi criado em 2012 como "uma forma de reparação, direito à verdade e, no médio e longo prazo, como uma orientação para a não-repetição". De acordo com o documento, as conclusões da Comissão da Verdade se referem a "diferentes frentes no campo de direitos humanos" - sem citar as conclusões sobre o papel de militares na repressão.
O mesmo padrão de omissão se repete quando o governo diz que leis instruíram a mudança de de ruas que levavam o nome de "pessoas envolvidas na repressão, violência e esquemas de tortura". Uma vez mais, nada de Regime Militar. Ao citar os monumentos erguidos para homenagear as vítimas, o documento uma vez mais deixa o leitor sem saber quem teria sido o repressor.
Ficha Criminal: Morte de Herzog expôs tortura e levou ditadura a tribunais
UOL Notícias

Anistia

Num outro trecho do informe, o governo é ainda mais claro em seu posicionamento. Ao tratar do Grupo de Trabalho de Perus, as autoridades citam a coleta de dados genéticos e traços de pessoas que teriam morrido.
Sem citar a suspeita de ali ser um destino das vítimas da ditadura, o governo alerta que "as últimas investigações nesse caso e outros, dados e levantamentos estão sendo investigados para efetivamente encontrar a verdade precisa, sem uma representação desvirtuada e ideológica".
Também chamou a atenção de peritos o fato de o governo insistir que, caso o desaparecimento forçado seja tipificado na lei brasileira, ele terá de se ater aos limites impostos pela Lei da Anistia. Ou seja, qualquer pessoa envolvida num tal ato não poderia ser punida. Um projeto de lei tramita neste sentido no Congresso.

Reações

Como previsto pela ONU, entidades e associações enviaram os comentários sobre o relatório do Brasil. Uma das respostas mais enfáticas é do Instituto Vladimir Herzog, que alertou a ONU sobre o caráter "extremamente grave e problemática" de apresentar a questão da tipificado do crime limitada à Lei de Anistia.
"É uma interpretação extremamente equivocada que está em absoluto desacordo com os regulamentos e tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário, que postulam que as leis de anistia não podem e não devem ser aplicadas em casos de crimes como tortura e desaparecimento forçado", alertou.
"Como já apresentado pela Comissão Nacional da Verdade em sua recomendação, o Estado brasileiro deve proceder com a determinação da responsabilidade criminal, civil e/ou administrativa dos agentes públicos que praticaram graves violações de direitos humanos", destacou.

O Instituto solicitou que a ONU peça uma revisão desse trecho do informe apresentado pelo Brasil e cobre "uma posição do governo brasileiro de que o crime de desaparecimento forçado não deve ser limitado pela Lei de Anistia". "É urgente que o país enfrente uma vergonhosa e imperdoável história de impunidade para os crimes da ditadura", insistiram.
O documento da sociedade civil também revela como o governo interveio na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, "causando uma perda da representação da sociedade civil na comissão e um desvio e desmantelamento de suas funções como comissão estatal - ela deve ser orientada para os diferentes interesses da sociedade civil e não para os interesses ideológicos do atual governo".
O Instituto Vladimir Herzog também quer saber o que o governo insinua quando diz que "investigações e pesquisas de dados" foram realizadas para que "a verdade seja efetivamente alcançada na sua extensão exata" em relação ao trabalho realizado pelo Grupo de Trabalho Perus. "É também importante esclarecer a que se refere o documento quando menciona "distorções ideológicas" no mesmo parágrafo", diz.
"É urgente que o governo esclareça a sua posição, os seus compromissos e as políticas que pretende promover para enfrentar o desaparecimento forçado nos próximos anos", pediu a entidade.
"O Estado brasileiro deve continuar a agir de acordo com suas responsabilidades, e o atual governo - promovendo comemorações e defendendo a revisão do golpe de Estado de 1964, tendo um líder que faz apologia pela tortura e homenagens a torturadores, e ao desmantelar as comissões e mecanismos que trabalham pela Memória, Verdade e Justiça - mostra que não cumprirá e respeitará suas responsabilidades perante a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado", completou.
Entre os documentos submetidos às Nações Unidas, uma outra entidade ainda sugere que os peritos questionem o Brasil, durante a sabatina, sobre seu posicionamento.
Para o Center for Justice and International Law, os peritos deveriam pedir que o governo informe "como pretende responsabilizar os autores de crimes contra a humanidade cometidos contra opositores políticos que desapareceram à força durante a ditadura militar de 1964-1985".

domingo, 29 de dezembro de 2019

O gol (contra) do chanceler brasileiro - Jamil Chade (UOL)


Fomos surpreendidos, na última sexta-feira do ano (27/12), com uma declaração do chanceler, feita obviamente em tom defensivo, elogiando a sua (bem, isso é um exagero) política externa (que seria, segundo ele, a do povo brasileiro) e criticando a imprensa (sempre essa malvada, sempre do contra) pelas acusações inverídicas e malévolas contra as orientações diplomáticas do governo, e suas incontáveis vitórias.
Teve até uma tentativa de "popularizar" o panegírico apelando a uma linguagem de futebol.
Dizem, mas nem sempre é verdade, que elogio em boca própria é vitupério. Pode ser, mas vamos dizer que o chanceler descreveu o que, segundo ele, são conquistas da diplomacia desse governo.
O problema é que a descrição é incompleta e pouco verídica, segundo este jornalista que é um fino observador da política externa brasileira, não pelas declarações grandiosas que seus representantes fazem da própria, mas na prática das ações e omissões do governo.
Dou a palavra ao jornalista, como é hábito deste blog, que sempre reporta o que encontra de interessante, a favor e contra, para melhor debatermos a questão.
Não esquecer que da última vez que fiz isso, fui exonerado sumariamente do IPRI.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 29/12/2010


O gol (contra) do chanceler brasileiro
Jamil Chade
UOL Notícias, 29/12/2019


O chanceler Ernesto Araújo, no pseudo-balanço de suas conquistas em 2019 publicado na noite de sábado, atacou a imprensa e garantiu que a credibilidade do país pelo mundo avançou sob sua gestão. Além disso, voltou a assegurar que sua diplomacia não era ideológica....
Numa estratégia mais que conhecida entre demagogos, ele negou a realidade...

Declaração de Ernesto Araújo (no Itamaraty):

Ministro Ernesto Araújo faz balanço da política externa brasileira em 2019


Ao longo do ano, tive acesso a mais de uma dezena de telegramas confidenciais. Alguns com sua própria assinatura. E as instruções mostram que sua política externa é essencialmente ideológica, com raros traços de realismo impostos por militares e exportadores agrícolas nacionais. Também percorri, como faço há quase 20 anos, os corredores da ONU, OMC, OMS, OIT e tantos outros organismos de forma quase diária. E, nesses fóruns internacionais, passamos ao longo dos últimos doze meses de alvos de chacota a motivo de uma imensa preocupação.
O que era "divertido" no início do ano se transformou em um pesadelo para governos que, por décadas, viram o Itamaraty como referência.

Mas a realidade é que, no seu balanço do ano, ele não citou que seu ministério se recusou a dar à imprensa por dias os detalhes do tratado assinado com a UE, enquanto repetia que o acordo era "histórico". Dias depois, descobriu-se que as cotas negociadas para as exportações brasileiras eram inferiores aos patamares considerados como "mínimos" por antigos governos brasileiros.
Ex-negociadores sem qualquer relação com o governo Lula ou Dilma comentaram ao descobrir os detalhes: "entregamos tudo". Meses depois, foi a vez de a própria UE indicar em um encontro que havia levado muito mais que cedido na negociação com o Brasil.
Tampouco ele explicou que a assinatura do tratado não significa sua ratificação. Assustados diante da postura do Brasil em temas climáticos, dezenas de deputados pela Europa alertaram não vão dar o sinal verde ao tratado comercial nas atuais condições. Até mesmo aqueles que defendem o acordo chamaram a política ambiental de Bolsonaro de "abominável...
Com os EUA, Ernesto comemorou que um telefonema de Bolsonaro à Trump derrubou a tentativa de os EUA impor uma sobretaxa ao aço brasileiro. Mas ele não contou que seu governo levou um susto quando acordou e leu o Tweet de Trump com o anúncio de que taxaria o Brasil. Um aliado faz ameaças pelas redes sociais, sem antes avisar o parceiro?
Por semanas, a mera ameaça da Casa Branca levou o setor siderúrgico nacional a ver uma suspensão de todos os novos contratos com clientes americanos.
O que ele comemora é algo que não deveria nem mesmo ocorrer. Mas, ainda assim, o conteúdo do telefonema continua sem a devida transparência. Os americanos pediram algo em troca de retirar a ameaça? Houve uma negociação ou uma futura promessa?\

Ernesto tampouco explicou como decidiu abrir o mercado do trigo para o produto americano, em detrimento dos produtores argentinos, nossos aliados no Mercosul.
Ele não contou que, depois de descobrir uma carta de Pompeo para a OCDE em que não incluía o Brasil entre os países que a Casa Branca queria vez na entidade, o governo foi pedir explicações aos EUA pela atitude. Nas horas seguintes à revelação, os americanos garantiram nas redes sociais que continuavam a apoiar a adesão do Brasil ao clube dos ricos. Mas jamais mandaram uma nova carta para a OCDE para "corrigir" o texto assinado por Pompeo. Na diplomacia, o que ainda conta é a correspondência oficial.

O chanceler não contou no vídeo que um de seus melhores embaixadores teve sua eleição vetada pela Índia para presidir uma negociação na OMC. O motivo: os indianos acusavam o Brasil de ter abandonado os interesses dos países emergentes ao aceitar as imposições americanas na OMC.
Ernesto também se esqueceu de dizer que nossas relações com Israel estão baseadas em uma aliança com um primeiro-ministro indiciado por corrupção. Tampouco mencionou em seu balanço do ano que apostou em Macri. E perdeu. Que apostou em Salvini. E perdeu. Que menosprezou Greta. Mas o gol nem teve tempo de ser comemorado. No contra-ataque, a pirralha foi eleita a pessoa do ano. Ele não contou que seu chefe ofendeu líderes estrangeiros, suas esposas e seus pais assassinados.
Ernesto não contou que sua aliança na Europa é com o governo que é acusado de abandonar a democracia, silenciar a imprensa e acabar com a independência do Judiciário.
Valores brasileiros? Bom saber.
Em seu balanço, o chefe da diplomacia de Bolsonaro (parece até paradoxo) não mencionou que a OIT chegou a colocar o Brasil na lista suja dos países suspeitos de violar leis trabalhistas. Tampouco aparece uma referência ao fato de ter sido 37 vezes denunciado na ONU por violações de direitos humanos. Sem contar o processo que eventualmente pode sofrer no Tribunal Penal Internacional.
Mais recentemente, o sub-Comitê contra a Tortura da ONU chegou à conclusão que o Brasil viola seus compromissos internacionais no combate à tortura. Mas, claro, para um governo que elogia Pinochet, tal conclusão deve até ser considerada como um golaço.
Até hoje, não sabemos por qual motivo somos amigos da ditadura saudita. Ou por qual motivo felicitamos num comunicado de imprensa a eleição da Mauritânia para o Conselho de Direitos Humanos da ONU. Na Mauritânia, mulheres vão para prisão por adultério e a lei permite a pena de morte em alguns casos contra homossexuais.
Ele também não disse que o projeto de mudança da embaixada para Jerusalém viola resoluções do Conselho de Segurança da ONU. Para 2020, ele não mencionou que vamos sediar uma reunião promovida pelos EUA e rejeitada por grande parte dos principais atores por ser considerada como uma ofensiva anti-Teerã.
Quando foi eleito ao Conselho de Direitos Humanos, Ernesto não contou que barganhou votos e que a vitória não teve qualquer relação com direitos humanos. Ah, e não contou que fez campanha contra uma candidatura da Costa Rica para tentar frear os venezuelanos na ONU. Claro, o risco era de que os centro-americanos roubassem os votos do Brasil.

Ficou ainda devendo uma resposta ao STF, que lhe cobrou transparência e a entrega das instruções que ele enviou aos diplomatas sobre questões de gênero. Tampouco contou que suas propostas de modificação de textos de resoluções sobre mulheres foram amplamente derrubadas em reuniões em que eu estive presente.
Quando Ernesto pede em seu vídeo que se acredite apenas na versão oficial e que o público deixe de ler a imprensa, ele está dizendo: não verifiquem os detalhes, não descubram o que dizem os telegramas confidenciais, não busquem saber o que ocorreu nos bastidores.
Fiquem na arquibancada. Queremos torcida. Não queremos cidadãos.
VAR? Impossível diante da qualidade da filmagem.
Enfim, se queremos falar de um balanço de política externa e o papel da imprensa, vamos deixar as comparações do futebol de lado. Não apenas a realidade é mais complexa. Mas recorrer a isso é subestimar a inteligência dos cidadãos e até uma ofensa ao futebol.
Em um ano no comando do Itamaraty, Ernesto de fato reposicionou o Brasil no mundo. Mas, desta vez....Opa, opa.. calma lá...mais um gol da Alemanha.