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domingo, 28 de dezembro de 2014

Janer Cristaldo sovre o Silencio dos Vendidos (2005) - adivinhe quem?

Janer Cristaldo, terça-feira, agosto 30, 2005

O SILÊNCIO DOS VENDIDOS
 
Triste sina a da direita no Brasil. Em países mais civilizados, ser de direita é apenas não concordar com as propostas da esquerda, direito legítimo de todo cidadão. No Brasil, direita significa portar toda a infâmia do mundo. Que o diga Clóvis Rossi. Em recente crônica, afirmou: "É um caso de estudo para a ciência política universal. Já escrevi neste espaço uma e outra vez que o PT fez a mais radical e rápida guinada para a direita de que se tem notícia na história partidária do planeta".
Isto é: se o PT se revela corrupto, ele não é mais esquerda. É direita, porque só a direita é corrupta. Mesmo que o PT seja hoje o mesmo desde que nasceu, mesmo que os grandes implicados na corrupção - Genoíno, Mercadante, Zé Dirceu, Lula - sejam seus pais fundadores. Segundo Rossi, o PT guinou para a direita. E por que guinou para a direita? Porque suas falcatruas foram trazidas à tona. Permanecessem submersas, o partido continuaria sendo de esquerda.
É o que os franceses chamam de glissement idéologique. O conceito de esquerda sempre muda, à medida em que se corrompe. A direita é a boceta de Pandora, o repositório de todos os males do mundo, inclusive os das esquerdas. Pois quando as esquerdas cometem crimes - ou "erros", como preferem seus líderes - é que não eram de esquerda, mas de direita.
O PT, partido que nasce do ventre de uma mentira secular, mesmo ao tentar reerguer-se continua mentindo. Em recente sabatina organizada pela Folha de São Paulo, Tarso Genro, o novo presidente do partido, foi buscar situações análogas em outros partidos de centro-esquerda no mundo, como os democratas cristãos italianos e o partido socialista espanhol. "Isso tem algumas explicações que são de natureza histórica e que diz respeito a questões filosóficas, teóricas, profundas e questões relacionadas com responsabilidades individuais", disse o mago das palavras. Em verdade, não disse nada, sua explicação e explicação nenhuma são a mesma coisa. Mas conseguiu um milagre de retórica: mesmo sem dizer nada, mentiu. As situações análogas às do PT não devem ser buscadas nas sociais-democracias européias, pois nelas não estão nem nunca estiveram as origens de seu partido.
As origens do PT estão nas ideologias que empestaram o século passado, no bolchevismo, maoísmo, trotskismo, polpotismo, no comunismo albanês. Os quadros do partido eram egressos destas doutrinas e sempre condenaram as sociais-democracias, às quais atribuíam a pecha de revisionistas. O que está sendo derrubado, hoje, no Brasil, é o muro de Berlim mental das esquerdas tupiniquins, dezesseis anos após a queda do muro de concreto. A estrela vermelha, hoje cadente no Brasil, que Lula houve por bem trocar por uma medalha de Nossa Senhora Aparecida, nunca foi símbolo de social-democracia alguma, mas insígnia do Exército Soviético. Nos anos 90, foi arrancada de todos os prédios do poder na ex-URSS. Mas permaneceu pregada no peito das esquerdas latino-americanas.
O PT - ou o que dele resta - quer renovar-se. Mas só da boca pra fora. Jamais renunciará ao culto de seus deuses tutelares, Fidel Castro, Che Guevara, Prestes, Lamarca ou Marighella. Tarso Genro considera o assassino Prestes como o mais excelso herói que o Brasil já teve e Lula, sexta-feira passada, ainda citava Che Guevara: "Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas não podem deter a chegada da primavera". O PT quer renovar-se, mas ainda sente saudades das primaveras sangrentas prometidas pelo guerrilheiro argentino.
Em meio a isso, os intelectuais responsáveis pela ascensão do PT ao poder se reúnem em seminário para carpir o passado. O seminário, eufemisticamente, intitula-se O Silêncio dos Intelectuais. Melhor definido seria se se intitulasse o Silêncio dos Vendidos. Pois os intelectuais brasileiros, desde o início do século passado, venderam suas consciências ao socialismo soviético, a tal ponto que a palavra intelectual vinha sempre carimbada com um complemento: "de esquerda". Oswald de Andrade, hoje leitura obrigatória nos vestibulares, começa sua carreira nos anos 20, louvando o comunismo e o fascismo. No que aliás era muito coerente, comunismo e fascismo são as duas faces de uma mesma moeda. Seguiram-lhe os passos Jorge Amado, Graciliano Ramos, Dyonélio Machado, Raquel de Queiroz, Carlos Drummond de Andrade e uma miríade de escritores menores, todos militantes marxistas ou no mínimo compagnons de route, a tal ponto que não existe grande diferença entre a história da literatura brasileira no século passado e a história das idéias comunistas no Brasil. Até mesmo um escritor tido como liberal, como Erico Verissimo, não resistiu ao canto das sereias. Nos anos 60, recomenda a Sérgio Faraco não publicar suas memórias de Moscou, que denunciavam seu internamento forçado numa clínica psiquiátrica.
Nem Machado de Assis foi inocente. Marx morreu em 1883, o último volume de O Capital foi publicado em 1894. Machado, que tinha acesso a línguas estrangeiras e a publicações do Exterior, jamais disse um pio sobre a doutrina que começava a fazer carreira. Ora, o gaúcho Qorpo Santo, tido como louco e morto justamente em 1883 - 15 anos antes de Machado e 24 anos antes da Revolução de 17 - já denunciava o comunismo em sua obra. Que permaneceu por um século inédita, é verdade. Mas a denúncia já estava lá, em sua Ensiqlopédia ou seis mezes de huma enfermidade, como alerta aos pósteros. Machado não viu nada. Melhor para sua fortuna, ou não seria hoje leitura obrigatória nos vestibulares. Qorpo Santo só poderia ser louco, ao denunciar antecipadamente a peste que dominou o século XX.
Quase cem anos se passaram desde então, e a intelligentsia tupiniquim - ou talvez melhor disséssemos burritsia - não aprendeu nada com o século. Marilena Chauí, a filósofa mater do PT, como a qualifica o Estadão, considera que o silêncio da intelectualidade no mundo não se trata de uma recusa, mas de uma impossibilidade de interpretar a realidade presente. E o que resta, neste caso, é o silêncio. "Manifestar-se sobre tudo, mudar de atitude conforme mudem os ventos, abandonar a obra já feita, desdizendo-a e desdizendo-se, é irresponsabilidade, não é liberdade. Muitas vezes o verdadeiro engajamento exige que fiquemos em silêncio, que não cedamos às exigências cegas da sociedade". O chofer de táxi, a faxineira, o barbeiro, o padeiro da esquina já têm elementos suficientes para interpretar a realidade presente. A douta PhDeusa uspiana, especialista em Spinoza, que muito escreveu sobre ética e política, ainda não sabe o que pensar. Se tiver de fazer coro às denúncias de corrupção do PT, terá de jogar no lixo boa parte de sua biografia. Árvore velha não se dobra. Pode até quebrar, mas não cede. A crise hoje vivida pelo governo está demonstrando a senilidade mental de seus defensores.
Luís Fernando Verissimo matou a Velhinha de Taubaté. Seria difícil manter vivo um personagem que sempre acredita no governo. Mas... matá-la é suficiente? Verissimo não vai pedir desculpas a seus leitores pelas décadas em que os induziu a votar no mais corruptor partido do Ocidente? Não vai penintenciar-se por ter sido um dos mais influentes escritores a apoiar Lula e seus asseclas? Quando ruiu o regime comunista na Polônia, velhos militantes crucificaram-se simbolicamente por uma hora, para manifestar em público seu arrependimento. Verissimo não poderia dar-nos o prazer de pelo menos cinco minutinhos de contrição, não digo numa cruz, mas numa tribuna qualquer?
Chico Buarque, pobre alminha ferida, declarou-se "triste' com a situação. Quando o país todo está revoltado, o poeta das esquerdas, com seus enternecedores olhos verdes, se declara... triste. E nisso ficamos. Diz ainda esperar que crise não provoque "apenas a alegria raivosa de quem não votou em Lula". Velho tique das esquerdas, muito do agrado de Genoíno e Mercadante: quando se faz qualquer crítica ao PT, a crítica não é crítica. É ódio. Engana-se o vate cubanófilo. A alegria de quem não votou em Lula é a mesma e saudável alegria dos franceses quando se libertaram do jugo alemão, dos alemães quando caiu o muro, dos russos quando Ieltsin deu um canhonaço na Duma, dos povos soviéticos quando viram cair as estrelas vermelhas de seus prédios públicos. Estamos alegres, sim senhor. Principalmente porque nem foi preciso lutar para derrubar o PT. Os petistas se encarregaram disto.
Na 11ª Jornada Nacional de Literatura, em Passo Fundo, Frei Betto deplorou que "nem sob os anos da ditadura a direita conseguiu desmoralizar a esquerda como núcleo petista fez em tão pouco tempo (...) esses dirigentes desmoralizaram o partido e respingaram lama por toda a esquerda brasileira". Ocorre que as esquerdas brasileiras têm suas raízes no lamaçal ideológico do século passado.
Nada demais, meu caro Betto: as esquerdas estão voltando às origens.
às 

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Janer Cristaldo, eu, e a miseria academica brasileira (grato Gil Rikardo)

Um amigo leitor deste modesto blog, Gil Rikardo, de Joinville, tinha me dito, algum tempo atrás, que o Janer Cristaldo, um dos mais brilhantes cronistas da humanidade (sim, da humanidade), infelizmente falecido nesta primavera (brasileira), tinha mencionado meu blog numa de suas postagens, e que apenas por isso tinha começado a ler o Diplomatizzando. E nunca mais parou. Grato, meu caro.
Eu nunca soube dessa menção, a despeito de visitar, ocasionalmente -- quando lia sucessivamente muitas postagens ao mesmo tempo -- o saboroso blog do Janer Cristaldo, um dos mais inteligentes que possam ter jamais existido nestes espaços brasileiros. Ele encontra-se interrompido, mas ainda disponível, neste link: http://cristaldo.blogspot.com/
Hoje, finalmente, o Gil Rikardo encontrou a postagem do Janer que menciona o meu blog, e me faz alguns elogios. Ela está reproduzida abaixo. Infelizmente, o blog do Janer, não possui instrumento de busca, nem os arquivos estão completos, razão pela qual não pude acessar eu mesmo esta postagem, "Um Leitor Especial", já que as postagens de setembro de 2011 são interrompidas no dia 16 desse mês, e não há jeito de recuperar o material (a menos que alguém da família tenha acesso ao computador e aos arquivos originais do Janer, o que desconheço como fazer).

Eis a mensagem do Gil Rikardo, seguida da transcrição da postagem do Janer. Ao final, transcrevo o que poderia ser a postagem minha que ele leu, sem ter certeza disso, já que não consegui acessar a integridade de suas postagens, neste link: http://cristaldo.blogspot.com/2011_09_01_archive.html.
Também convido os leitores a percorrer algumas das melhores crônicas do Janer Cristaldo, no link que leva aos seus ebooks: http://tinyurl.com/o6b5jmp.
No mais, é sempre um prazer ler coisas inteligentes.
Paulo Roberto de Almeida 

Nome: Gil Rikardo
Cidade: Joinville
Estado: SC
Mensagem: Caro professor, encontrei o texto em que Janer o mencionava. Foi a partir dai que tornei-me assiduo de seu diplomatizzando.
Gil Rikardo


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Janer Cristaldo, quinta-feira, setembro 01, 2011

UM LEITOR ESPECIAL

Se escrevesses mais crônicas como essa, terias mil vezes mais leitores – escreve-me alguém de uma lista de amigos. Referia-se à crônica “Azaléias de agosto”, que republico a cada aniversário da morte de minha mulher. Não sei se ele notou a crueldade do que disse. Está pedindo que morram mais Baixinhas em minha vida. Para começar, só existiu uma. Continuando, se foi duro enfrentar a passagem de uma, imagine o leitor como seria enfrentar a morte de várias. Crônica como aquela, espero jamais ter de escrever de novo.

Mas isto é o de menos. E sim o mil vezes mais leitores. Meu blog está se aproximando aos poucos de um milhão de acessos. Claro que isso não significa um milhão de leitores. Mas é um número significativo para um blog individual, que não é escorado por nenhum portal. Em verdade, mesmo que pudesse individualizar meus leitores, impossível ter uma idéia de quantos são na Internet. Minhas crônicas são replicadas por outros blogs e enviadas por mail a outro tantos leitores. Qualquer estimativa é inviável.

Mas digamos que, para efeitos de raciocínio, eu tivesse cem leitores. Es un suponer. Mil vezes mais significaria cem mil. Ora, no dia em que eu estiver sendo lido por cem mil leitores, vou parar, olhar-me no espelho e perguntar-me que ando escrevendo de errado. Prefiro cem. Escrevo para comunicar o que penso, não para cativar leitores. Alguns, eu os cativo e isso me faz bem ao ego. Outros, eu os irrito, e isto também me faz bem ao ego. Diria até mesmo que o número dos que irrito é bem maior do que o número dos que cativo. Paciência. Não peço para ser lido. Se sou, muito obrigado, seja lá quem for que me lê.

Confesso ficar em dúvida se gosto mais dos leitores que me elogiam ou dos que insultam. Recebo centenas de mails insultuosos – e esta é uma das razões pelas quais meu blog não é aberto a debates. Discordar, tudo bem, e seguidamente publico leitores que de mim discordam. Mas não vou dar espaço a insultos. Seja como for, eles me divertem. É a reação irracional do leitor que se sente machucado e não tem argumentos. Estes leitores não demonstram muita inteligência. Se soubessem o prazer que me dão, me subtrairiam este prazer.

Não tenho vocação para best-seller. Aliás, abomino best-seller. Se um livro vendeu de repente um milhão de exemplares, este é um de meus critérios para não comprá-lo. Não existe tanta gente inteligente no mundo. Não existe um único best-seller em minha biblioteca. Aliás, quando saio atrás de um título, tenho de trotar entre uma livraria e outra, pois trata-se de livro geralmente pouco divulgado. Diga-se o mesmo de filmes.

Ora, direis, mas a Bíblia ou o Quixote não são best-sellers? Claro que são, mas por outras razões. A Bíblia, além de ter três mil anos, é um livro religioso e atende a um público que não está interessado em razões estéticas. Eu a leio não por fé – quem me lê sabe que desde meus verdes anos sou ateu. Aliás, como todo mundo, nasci ateu. Deus é fruto do Estado, da família, da educação. Leio a Bíblia, por um lado, por razões estéticas, nela há livros de extraordinária beleza, como o Cântico dos Cânticos e o Eclesiastes. Por outro lado, para entender este mundo em que vivo. Ninguém entenderá o Ocidente sem ler o Livro.

Quanto ao Quixote, que consta ser o segundo livro mais vendido depois da Bíblia, é best-seller ao longo de quatro séculos. Não é best-seller do dia para a noite, como os Paulos Coelhos da vida. Ainda há pouco, eu dizia que não leio ficcionistas contemporâneos, é como se estivesse ouvindo mais uma vez as histórias que ouço em meu boteco. Cervantes é diferente. Me leva a um país que adoro, a uma outra geografia que não a minha e rumo a quatrocentos anos atrás. Em suma, me transporta ao anecúmeno. Isso sem falar na ironia de Cervantes, que perpassa a obra toda. Best-sellers que resistem aos séculos, eu os leio com muito prazer.

Mas falava de meus cem hipotéticos leitores. Que certamente serão mais, bem mais. São de modo geral pessoas cultas, que gostam de viagens, boa leitura, bona-xira. Me sinto bem quando toco a sensibilidade de um leitor culto. Nestes dias, fiz uma descoberta daquelas que, por um lado, mostra que não escrevo rumo ao inútil. Por outro, me compromete a escrever exigindo cada vez mais de meus textos.

Andava eu pelo Google em busca de mim mesmo, quando caí no blog Diplomatizzando, do escritor e diplomata Paulo Roberto de Almeida, homem vivido, viajado e de pensamento. Já havia passado por ele, onde tive a honra de ver algumas de minhas crônicas reproduzidas. Mas agora li texto que me fez ganhar meu dia. Segue abaixo. Se o leitor que quiser ter bons momentos de leitura, voilà o link: http://diplomatizzando.blogspot.com.

Suas palavras me honram, professor. (Só faria uma ressalva. Não me pretendo um anarquista. Um terrorista de idéias, talvez). Ao mesmo tempo, implicam um baita compromisso. Fico, daqui pra frente, proibido de escrever qualquer coisa que mesmo de longe roce o medíocre. Farei o que for possível.

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Transcrevo agora minha postagem de 15 de maio de 2011, que suponho tenha motivado, pelas minhas palavras iniciais sobre o "anarquista" Janer Cristaldo, suas palavras finais me corrigindo. De fato, ele é um terrorista das ideias, no bom sentido claro, o que eu também admito ser. Implodimos ideias que nos parecem perniciosas, mas nisso não vai nenhum fundamentalismo ou prejuizo para a humanidade. Nunca matamos ninguém, apenas não repugnamos um bom debate de ideias. Que vençam as melhores, nesta justa luta pela elevação espiritual da humanidade. Chega de mediocridade, acadêmica ou qualquer outra.
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 30/11/2014

A mediocrizacao academica - eu e Janer Cristaldo (com razao)
A mediocrizacao academica - eu e Janer Cristaldo (com razao) - See more at: http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/05/mediocrizacao-academica-eu-e-janer.html#sthash.fkKyjYsq.dpuf

domingo, 15 de maio de 2011

A mediocrizacao academica - eu e Janer Cristaldo (com razao)

- See more at: http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/05/mediocrizacao-academica-eu-e-janer.html#sthash.fkKyjYsq.dpuf

Sou um acadêmico, eu sei, vocês sabem, ademais de ser também funcionário público federal da carreira do Serviço Exterior Brasileiro, mais exatamente diplomata, como se diz comumente.
Não sei em qual profissão eu me divirto mais, sou mais anarquista, ou ganho mais. Não importa. Olho as duas com olhar crítico. E acho que mereço os dois salários que ganho, pois como todos sabem, eu trabalho, produzo (supostamente coisas úteis à sociedade), mostro o que produzo, e me submeto a avaliações (dos chefes, dos alunos, dos pares, da sociedade, todos podem ler, ou não, o que escrevo, comprar meus livros publicados, enfim, me julgar de modo aberto, alguns até anonimamente, aqui mesmo neste blog até agora gratuito).
Não é de hoje que eu digo que a universidade vai para o brejo, que ela está decadente, que o ensino é medíocre, enfim, o que constato, visualmente, diretamente.
Claro, não pretendo ofender os colegas, chamando-os de medíocres ou preguiçosos, tanto porque escolho me relacionar com pessoas produtivas, inteligentes, dedicadas e honestas intelectualmente. Sinto muito, mas não consigo me relacionar com "maus-caráteres", desonestos, fraudadores. Esses eu simplesmente deixo de lado. Mas eu os encontro, aqui e ali: numa palestra (ou numa arenga), num artigo entregue para revisão e publicação (e quando chega para meu parecer sou apenas rigoroso), pelo que leio por aí, nesses jornalecos medíocres, nesses blogs alimentados com o dinheiro público.
Pois bem, o Janer Cristaldo é um provocador (como eu), embora ele seja muito mais anarquista do que eu. Ele não tem nenhum respeito pelos poderes constituídos (nem eu, mas preciso manter as aparências, por enquanto).
Ele não só critica as universidades (em geral, e as brasileiras em particular), no que acho que ele faz muito bem, mas ele critica a instituição do doutoramento. Concordo em grande medida com ele: tem muito teatro nessa coisa e muita embromação. Mas não ouso criticar sem oferecer uma solução alternativa. Não tenho ainda um substituto. Mas concordo em que as universidades estão defasadas e precisam se reformar, se modernizar, se transformar completamente...
Seguem três posts do Janer sobre um dos muitos motivos da decadência acadêmica
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15 de maio de 2011 

A ARMADILHA DOS DOUTORADOS
Janer Cristaldo
Blog do Janer, Quarta-feira, Maio 11, 2011

Em 2005, a Capes previa investir R$ 3,26 bilhões para aumentar o número de doutores por ano no Brasil. O Plano Nacional de Pós-Graduação apresentado ao então ministro da Educação, Tarso Genro, propunha a aplicação nos seis anos seguintes de R$ 1,66 bilhão a mais em bolsas e fomento de pós-graduação, o que permitiria passar dos 8.000 doutores titulados por ano para 16 mil em 2010. O plano “será acolhido integralmente", disse Genro na ocasião.

Se foi acolhido integralmente, não sei. Na época, falei da desmoralização do título de Doutor que, entre nós, se deve à universidade brasileira, ao distribuir doutorados a torto e a direito, como quem joga milho aos porcos. Não faltou quem protestasse. Que quem jogava milho aos porcos era a universidade francesa, com seus diversos doutorados, o Dr. Ingénieur, o Doctorat d’Université, o Doctorat de IIIe Cycle e o famigerado Doctorat d’État. Pode ser.

O missivista considerava que o único doutorado francês válido seria o Doctorat d’État. “Um doutorado na França é conhecido por doctorat d’Estat (sic!) e esse sim é equivalente o doutorado no Brasil. Lá existem vários tipos de doutorado, a maioria pode ser realizada em no máximo dois anos, à exceção do doctorat d’Estat (resic!), cuja duração é equivalente aos dos outros países – uns cinco anos. Quase todos os nossos intelectuais de esquerda fizeram um curso Troisiéme Cycle na França e se dizem doutores".

O ilustre especialista em doutorados – que escreveu sob pseudônimo – sequer sabia redigir corretamente a designação do título. Também ignorava que o Doctorat de IIIe Cycle se faz em quatro – eventualmente cinco – anos e que o famigerado doctorat d’Estat, como ele grafava , era feito em dez ou mais anos. O Doctorat de IIIe Cycle sempre foi reconhecido como doutorado em todos os países europeus. O d’État era tido como mais uma bizarrice dos galos.

Distorção da universidade francesa, servia como placebo ao desemprego, ao mesmo tempo que mantinha o doutorando afastado por uma boa década do mercado de trabalho. O candidato ao título desenvolvia teses monumentais, às vezes de quatro ou cinco volumes, que nem mesmo a banca julgadora lia na totalidade. Tais calhamaços ficavam entregues às traças e à poeira nas bibliotecas e a universidade francesa sequer percebia que delas poderia tirar algum lucro. Exportando para a Holanda, por exemplo, para fazer diques. O governo Mitterrand tomou consciência desta perversão acadêmica e a extinguiu. Agora existe apenas Doctorat, tout court.

Há horas venho afirmando que os doutorados são uma solene inutilidade. Ou melhor, uma armadilha acadêmica. Você faz um curso universitário e desemboca no desemprego. Para capear a adversidade, você se inscreve em mestrado. Mais quatro anos afastado do mercado de trabalho. Conclui o mestrado e de novo vê o breu pela frente. Seu professor, que precisa de doutorandos para cumprir sua carga horária enquanto folga em casa ou no Exterior, o convida para um doutorado. Você aceita, afinal está desempregado e a bolsa não é de se jogar fora. Mais quatro ou cinco anos fora do mercado.

Quando você vai ver, tem mais de trinta anos e nunca teve carteira de trabalho assinada. Em um país onde se tende a considerar que uma pessoa com 35 anos já é idosa, ou você tem pistolão na guilda e entra no magistério – para que a poleia sem fim dos doutorados continue rodando – ou vai talvez dirigir um táxi ou ser corretor de imóveis. Afinal, comer é preciso.

Isso sem falar no que chamei de mestrandos carecas. Entre as muitas anomalias da universidade brasileira estão os mestrandos quarentões. Aquela iniciação à pesquisa, pela qual o candidato deveria optar tão logo terminasse o curso superior, é adiada para uma idade em que do acadêmico já se espera obra consolidada. Pior mesmo, só os doutorados de terceira idade. Marmanjos de cinqüenta e mais anos, em idade de aposentar-se, postulando um título que só vai servir para pendurar junto com as chuteiras.

Mestrado não é para carecas. Já um doutorando, este deveria defender sua tese no máximo aos trinta e poucos, para que sua experiência em pesquisa possa ser útil ao ensino e à sociedade. Que mais não seja, é patético ver um homem já maduro humilhando-se, ao tentar iniciar-se em metodologias que devia desde jovem dominar. Isso sem falar em métodos que não passam de masturbação acadêmica, como ocorre na área das ditas Humanas. Na universidade brasileira, o doutorado nem sempre é visto como início de uma carreira, mas como louro a coroar a calva do acadêmico quando este está prestes a usar pijamas. Quem paga tais vaidades senis? Como sempre, o contribuinte.

Pelo jeito, os acadêmicos começam a se dar conta desta catástrofe. Acabo de receber artigo de Mark C. Taylor, presidente do departamento de religião da Universidade de Columbia em Nova York e autor de Crise no Campus: um plano arrojado para reforma das nossas Faculdades e Universidades (Knopf, 2010). Em seu ensaio, o professor considera que o sistema de doutorado nos Estados Unidos e em muitos outros países é insustentável e precisa de ser remodelado. Em muitos campos, ele cria apenas uma fantasia cruel de um futuro emprego, que promove o auto-interesse dos membros do corpo docente, em detrimento dos estudantes. A realidade é que existem poucos empregos para as pessoas que gastaram até doze anos em sua formação.

“A maioria dos programas de educação-doutoramento está em conformidade com um modelo definido nas universidades européias durante a Idade Média, em que a educação era um processo de clonagem, que treinava os estudantes para fazer o que os seus mentores faziam. Os clones já ultrapassam o número de seus mentores. O mercado de trabalho acadêmico entrou em colapso em 1970 e as universidades ainda não se ajustaram as suas políticas de admissão, porque precisam de estudantes de pós-graduação para trabalhar nos laboratórios e como assistentes de ensino. Mas uma vez que os alunos terminam o ensino, não existem trabalhos acadêmicos para eles.

Para o professor Taylor, só há duas saídas: reformar radicalmente os programas de doutoramento ou fechá-los. “A especialização levou a áreas de investigação tão estreitas que são de interesse apenas para outras pessoas que trabalham nos mesmos domínios, subcampos ou sub-subcampos. Muitos pesquisadores lutam para conversar com colegas do mesmo departamento, e comunicação entre departamentos e disciplinas podem ser impossíveis".

A bicicleta precisa continuar rodando. Milhões de teses no mundo todo, que já não cabem nas bibliotecas oficiais, precisam de anexos para serem guardadas. Guardadas para quê? Para juntar pó. Uma tese é algo que sai caro ao Estado. É preciso subsidiar os graduandos e os professores que os orientam. Deveria ter retorno aos contribuintes que, no fundo, são quem as financiam. Você já viu alguma tese publicada? Às vezes encontramos alguma, mas precisamos pagar por ela. O doutor recebe para redigi-la e depois cobra de novo para que seja lida.

Se o Brasil eliminasse hoje seus cursos de doutorado, não me parece que perderíamos grande coisa. (Vou mais longe: cursos de Letras, Filosofia ou Sociologia não fazem falta alguma). Os professores americanos parecem estar despertando para o problema. Como o Brasil adora importar modas ianques, seria salutar que esta postura chegasse até nós.

Mas não vai chegar. O Brasil prefere importar rock, blockbusters e outras mediocridades do Primeiro Mundo. Do melhor que acontece lá, Pindorama só quer distância.

PS – O artigo do professor Mark Taylor pode ser lido na íntegra em http://www.nature.com/news/2011/110420/full/472261a.html

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AINDA OS DOUTORADOS
Janer Cristaldo, 13 de maio de 2011

De uma boa amiga que está concluindo seu doutorado em Letras na USP, recebo:

Oi, Janer
Lendo seu texto, concordo com a avaliação feita. Os alunos são enviados por inércia ao doutorado por não enxergarem muitas perspectivas (no caso das ciências humanas) no mercado de trabalho, principalmente o acadêmico. E, para sobreviver, aceitam passar mais quatro anos na vida de bolsista. Ocorre que desde 2007 vige uma portaria da CAPES a respeito da publicação de teses e dissertações que obriga o ex-aluno a disponibilizar integralmente o conteúdo de seu trabalho na internet, no banco de dados das universidades brasileiras. Portanto, qualquer pessoa pode ter acesso em um clique. Eu só me pergunto sobre os direitos autorais nesse caso. Existem? - na medida em que o autor é obrigado a cumprir tal medida - embora na lei de 1998 exista um artigo a respeito de que trabalhos financiados pelo Estado não pertencem a ele por conseqüência. Qual sua opinião?

Bom, Aninha,

essa portaria de 2007 é uma boa notícia. Mas tem gente que não vai gostar. Em Florianópolis, nos anos 70, houve um incêndio numa sala da Reitoria, justo aquela em que estavam depositadas as teses. Alguns professores me confessaram que adoraram o incêndio, pois tinham vergonha do próprio trabalho. Quanto a direitos autorais, acho que o autor deveria renunciar a eles. Afinal, foi pago pelo contribuinte. Que devolva, então, gratuitamente, o que lhe foi financiado.

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Esta do Janer é mais forte:

SOBRE TESES E PAPEL HIGIÊNICO
Janer Cristaldo, Sexta-feira, Maio 13, 2011

Do Vanderlei Vaselesk, meu fiel leitor, recebo uma resposta a meu artigo sobre os doutorados, postada em algum fórum da Internet.

Gente,
Esse cara é ultraconservador no pior dos sentidos. O cara propõe praticamente o fechamento dos doutorados e a extinção de determinados saberes tais como Letras, Filosofia e Sociologia. Acho que ele deve ter nascido de chocadeira últra-moderna com a idade que ele tem, pois creio que não deve ter tido um(a) professor(a) de língua portuguesa ou, então, deve ter sido reprovado em Estudos Sociais e OSPB. É possível que a capacidade intelectual dele de raciocinar tenha sido comprometida pela falta de abstração filosófica. De qualquer forma, nem de longe entende que a universidade abre portas e cria possibilidades de se romper com determinadas restrições socio-culturais e econômicas, viabilizando a construção da cidadania e de pessoas efetivamente críticas.

O cara alega que os doutorados são inúteis e custosos. É claro que são custosos e ainda falta investimento! A universidade precisa ser democratizada (algo que não depende só dela para que isso ocorra), mas, agora, associar à inutilidade foi demais! A gente sabe que as universidades têm problemas mil, que ultrapassam questões estritamente pedagógicas ou administrativas, mas a miopia ultra-neoliberal-conservadora do cara é de enojar. Tese e papel higiênico para ele é a mesma coisa. Para ele, as pessoas mais velhas que entram na universidade são praticamente um desperdício de dinheiro público, porque, fica subtendido, são figuras pateticamente anacrônicas. Não vê os professores mais velhos como pessoas que tem algo a contribuir com seu conhecimento e experiencia.

Fico só lembrando também dos meus alunos e alunas com mais de 45 anos que estão fazendo a faculdade pela primeira vez, buscando não somente melhorar de vida ou simplesmente conhecer e explicar o mundo em vivemos a fim de ajudar a mudá-lo. O cara nem está a par do mercado editorial virtual ou não! Para mim, o que está em jogo é um discurso ou uma atitude perigosamente conservadora de um recalcado que só justifica os investimentos válidos se forem direcionados para os cursos da moda, especialmente os relacionados à economia capitalista e à alta tecnologia. Ah, ele diz que é jornalista, escritor e ensaista! Outra coisa: acho que ele não fez o mestrado e doutorado! Ah, entendi!


[Retoma o Janer:]
Vamos por partes. Tese e papel higiênico não são para mim a mesma coisa. Jamais afirmaria tal heresia. Papel higiênico é um dos grandes avanços da humanidade. Tanto que sempre faltou nos países mais atrasados do mundo, os socialistas. Tese nem como papel higiênico serve. Não vou negar que cá e lá – falo da área humanística - encontramos alguma tese que constitui uma contribuição à cultura. Mas são raríssimas. Tanto que a maioria quase absoluta delas fica relegada ao pó das bibliotecas. Tese, no fundo, só serve para manter as mordomias dos PhDeuses orientadores e aumentar salários dos acadêmicos. Também é muito conveniente para fazer turismo às margens do Sena, Tâmisa ou Spree.

Que velhos façam a universidade pela primeira vez, nada contra. Mas estas pessoas já avançadas em idade nunca procuram os cursos realmente úteis à sociedade, como enfermagem, odonto, medicina ou engenharia. Geralmente buscam aqueles cursos de vestibular fácil, isto é, as tais de Humanas. Como lazer de terceira idade é uma opção interessante. Melhor que ficar espichado no sofá vendo novelas. Daí que isto traga alguma contribuição ao país vai uma longa distância. Mas minha restrição não é a quem busca universidade em idade provecta. E sim aos mestrandos e doutorandos carecas. Terceira idade não é idade para se fazer mestrado, muito menos doutorado.

Se um ancião quiser fazer doutorado, para seu prazer espiritual, pagando de seu próprio bolso, que esteja a gosto. O que é obsceno é ver macróbios subsidiados pelo contribuinte para satisfazer uma vaidade. Ou para aumentar a aposentadoria. Tanto o mestre como o doutor devem formar-se ainda jovens, para que possam prestar bom tempo de serviço ao ensino. Tenho visto gente que começa doutorado lá pelos cinqüenta. Quando obtém o título, está em idade de aposentar-se. Isto é uma perversão típica da universidade brasileira.

Professor mais velho é outra coisa. Nada a ver com mestrandos carecas. Um professor mais velho acumulou experiência e saber durante todo seu magistério. Desde que não tenha começado a aprender quando já era velho. Neste caso, é muito curto seu período de aprendizado.

Em seu arrazoado precário, o missivista apela ao argumento ad hominem: “acho que ele não fez o mestrado e doutorado”. De fato, mestrado não fiz. Quando ia inscrever-me em curso de mestrado na Université de la Sorbonne Nouvelle – Paris III – encontrei numa fila M. Raymond Cantel, doyen da antiga Sorbonne, que não mais existe. Considerou que era uma perda de tempo matricular-me em mestrado. Eu tinha publicações suficientes para postular um doutorado. Naquele breve diálogo, meu mestrado se transformou em doutorado.

Mas ninguém pense que um dia almejei tal título. Quando terminei minhas universidades – Filosofia e Direito – prometi a mim mesmo que jamais voltaria a pôr os pés nesses templos do saber. Enveredei pelo jornalismo. Acontece que sempre gostei de viajar. Bolsa é uma boa chance de viajar, os acadêmicos tupiniquins que o digam. A França oferecia bolsas. Candidatei-me a uma delas, na área de Literatura Comparada. Certo dia, encontrei na rua o cônsul francês em Porto Alegre. “Tu és o nosso candidato. Mas não podes trocar de área? Em literatura é difícil. Não pode ser Direito?”

Poder, podia. Mas nada mais queria com Direito. Ao terminar meu curso, em gesto simbólico, joguei meus códigos e tratados no Guaíba. Tive uma extraordinária sensação de libertação. Insisti em Literatura e fui contemplado com a bolsa.

Ora, eu nem sabia o que era doutorado e muito menos Literatura Comparada. O que eu queria, lá no fundo, era Paris, sua estética, seus cafés, seus queijos e vinhos. E também suas mulheres. Se o preço era redigir uma tese, eu o pagava com prazer.

Paguei. Comprei vários ensaios na área, estudei a disciplina e redigi minha tese. Menção? Très Bien. Isso após uma defesa tumultuada. Fiz um ensaio absolutamente antiacadêmico, sem citar nenhum teórico. O que constitui heresia no universo dos PhDeuses. Método é um freio mental que a banca impõe ao thèsard. Você não pode pensar com seu próprio intelecto. Seria o caos.

Tant pis pour moi. Eu não buscava nenhum título e não tinha compromisso com universidade alguma. Minha tese, fosse aprovada ou não, não mudava nada em meus propósitos. Havia escrito um ensaio útil e, mais importante, legível. Fiquei surpreso quando, ao final do doutorado, soube que uma tese servia para lecionar. Foi assim que caí no magistério de Letras, os quatro anos mais inúteis de minha vida.

A defesa, peça teatral que dura em geral uma hora, se estendeu por quatro horas. Uma doutora da banca não admitia tese sem metodologia. “Où est votre méthode?” – questionou-me. Respondi que não havia ido à França para pensar com a cabeça de terceiros. Pensava com a minha. “Ma méthode, c’est la cristaldesque”.

Após longos e tensos debates entre os membros do júri, a tese foi aceita. Atribuo um pouco esta concessão à platéia. Na salle Bourjac, da Sorbonne, havia entre cinqüenta e sessenta mulheres, e um único rapaz. Não só a banca, como eu e minha mulher, estávamos perplexos. “Trabalhaste duro neste tempo todo” – me disse a Baixinha. Bom, confesso que tinha me esforçado. No fundo, penso que devo àquelas meninas minha aprovação. Seria uma grosseria rejeitar meu trabalho ante platéia tão florida.

Sou doutor por diletantismo, não por projeto. Me candidatei a outro doutorado na Espanha, queria curtir Madri. Ganhei a bolsa, curti Madri, mas me recusei a redigir a tese. Era picaretagem. Exigiam a redação de uma tese em seis meses. Ora, nenhuma tese séria pode ser redigida em seis meses, ainda mais com uma carga horária de cinco horas de aula por dia. Escrevi uma carta a meu orientador. Cito de memória.

“Dr! Quando se recebe uma bolsa para doutorado, os doutorados são dois. Um deles resulta numa tese que fica mofando nas bibliotecas. O outro é aquele que defendemos nos bares e restaurantes, lendo a imprensa e a literatura do país, conhecendo suas cidades. Esta eu a defendi com brilho e com ela me contento. Salud y felicidad a los suyos”. (Esta era a fórmula burocrática com a qual se terminava um pedido de estada à polícia).

Doutor por acaso, não tenho maior respeito por doutores. Sim, existirão os que merecem consideração por seus trabalhos. Mas estes são muito raros. O que vejo, o mais das vezes, são pavões que se apóiam em teorias sem pés nem cabeça e vivem da antiga fórmula francesa, “louons-nous les uns les autres”.

Antes que me esqueça: até hoje não peguei meu diploma de doutorado. Quando fui apanhá-lo na secretária da Sorbonne Nouvelle, uma velhota burocrata me atalhou: “C’est pas comme ça, Monsieur!” Meu diploma estava ali, do outro lado do balcão. Mas eu precisava enviar uma carta à universidade e esperá-lo em casa. Ora, eu já estava de pé no estribo, entregando as chaves do apartamento. Desisti. Não fui a Paris buscar um papelucho.

Last but not least, quem está propondo o fim dos doutorados não sou apenas eu. Mas também o professor Mark C. Taylor, presidente do departamento de religião da Universidade de Columbia em Nova York.

Papel higiênico, meu caro, é muito mais necessário que uma tese acadêmica. A humanidade consegue viver sem teses. Sem papel higiênico já é mais complicado.
Janer Cristaldo
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Bem ficamos por aqui, e esperemos os próximos rolos de papel higiênico.... quero dizer, teses acadêmicas...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15 de maio de 2011

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

A frase da semana: com quem faremos a revolucao? - Roberto Arlt

Com quem faremos a revolução? — escreveu Roberto Arlt.
Com os jovens. São estúpidos e entusiastas.

via Janer Cristaldo, A Força dos Mitos
(crônicas escritas em 1975 e 1976, publicadas em ebook em 2013)
http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/forcamitos.html

E já que estamos falando do Janer Cristaldo, aqui uma frase dele, que consta do livro
Crônicas da Guerra Fria
"...apesar sua experiência milenar, a Igreja romana ainda não aprendeu que todo index prohibitorum é contraproducente: só serve para vender o que pretendem proibir."
http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/cronicasdaguerrafria.html

Flanando em Paris, com Janer Cristaldo: sugestoes epicurianas

E já que estamos falando e homenageando o Janer Cristaldo, posso postar aqui um guia saboroso do que fazer em Paris, que ele ofereceu em sugestão a um amigo que para lá viajava.
Como eu também estava me preparando para passar seis meses dando aulas em Paris (não foram exatamente seis meses, pois como as minhas aulas só ocupava dois dias na semana, o resto do tempo eu estava viajando pela Europa), anotei as recomendações, mas acho que não segui nenhuma. Em Paris existem tantas boas opções que a gente nunca tem tempo de seguir todas as que nos fazem...
E não deixem de frequentar o seu blog, enquanto não acabar.
Recomendação: copiem ele inteiro, coloquem num arquivo de texto, e depois vocês poderão passar semanas e semanas só lendo Janer Cristaldo: desde outubro de 2003 até setembro de 2014, vocês terão milhares de postagens do maior cronista da internet: http://cristaldo.blogspot.com/
Paulo Roberto de Almeida

 Janer Cristaldo sobre Paris
Segunda-feira, Setembro 26, 2011

Alexandre Breveglieri está com o pé no estribo e me pede dicas sobre Paris. Como não houve jeito de responder (seu email parece estar errado), segue aqui o mapa da mina.

Atenho-me principalmente à geografia etilogastronômica, informação que nem sempre encontramos nos guias de turismo. Cabe lembrar que esta oferta é imensa em Paris, e cada viajante sempre encontrará seus rumos. Cito aqueles que encontrei e gostei. São quase todos centenários e podem ser facilmente encontrados no Google ou no Google Earth.

Fora o Chartier e o Polydor, não são restaurantes baratinhos. Mas tampouco são caros. Praticam os preços médios de Paris. Normalmente, entre duas pessoas, janto por algo entre 60 e 90 euros, vinho incluído. Mas pode-se comer por dez euros naqueles restaurantes do Quartier Latin e Mouffetard. Há menus executivos que constam de entrada, prato principal, sobremesa e eventualmente um demi pichet de vin. Nem sempre se come bem. Mas também se pode comer bem por esse preço, é questão de ter olho clínico. Evite os que ficam em ruas com alto tráfego de turistas.

Bares

• Os grandes bares de esquina ou de bocas de metrô são sempre mais caros que os botecos mais discretos. Lá, se paga pela paisagem. Num botequinho modesto de meio de rua, pode-se tomar a mesma cerveja dos bares mais imponentes, quase pela metade de preço. Vale o mesmo para cafezinho ou refeições
• Mesmo assim, estacionar em pelo menos um dos dois cafés frente ao metrô Odéon: o Danton e o Relais Odéon, um quase em frente ao outro. Apanhar um jornal, pedir algo e olhar a fauna. Vale a consumação. Por outro lado, sentar numa terrasse numa tarde de inverno, mesmo que o cafezinho custe um pouco mais, é uma boa hipótese para observar as gentes
• Se você quiser uma taça de vinho, deve pedir um ballon, rouge ou blanc, conforme seu gosto
• Dar um giro pela rue Mouffetard, perto do Panteon. Há uma feira deliciosa nas manhãs de domingo. Almoços ótimos e abordáveis. Gosto em particular de um deles, o Tire Bouchon, na rua Descartes, ao lado da Mouff. É daqueles onde se come bem por dez euros, ao meio-dia. O patron se chama Antoine e sempre me recebe de braços abertos. A Mouff merece uma visita, é uma rua para onde os parisienses tentaram fugir, para escapar ao Quartier Latin. Se bem que o turismo já chegou lá. Saindo da Sorbonne, dá uns 10 ou 15 minutos a pé
• Um restaurante interessante a visitar é o Polydor, na rue Monsieur Le Prince, a uns cinco minutos da Sorbonne. Almoços relativamente baratos. Gosto muito, particularmente quando tem boudin no cardápio, o que não acontece todos os dias. Modesto, honesto e tradicional. Bom para um almoço sem maiores pretensões.
• Bem no início da Rue du Faubourg Montmartre, há um restaurante peculiar, o Chartier, bem no início, à esquerda, no fundo de uma “cour”. Simpático, folclórico e muito barato. Foi construído no final do século XIX, hoje está classificado como monumento histórico e gaba-se de servir o mesmo cardápio desde a inauguração. À noite, fecha às nove. Só pelo ambiente, vale a visita. Lembrar que em Paris as mesas, mesmo pequenas, são coletivas. Não se importe de sentar junto a estranhos ou que eles sentem em sua mesa. É normal
• Na Gare de Lyon há um restaurante suntuoso, um teto de cair o queixo, o Train Bleu. Vale a pena a visita, que mais não seja para tomar um cerveja no bar e contemplar o ambiente. Não aconselho comer nele. Muito caro. Rapport prix/qualité nada conveniente
• Na Rue de l’Ancienne Comédie, quase ao lado do Relais Odéon, há o Procope, fundado em 1686. Lá almoçaram desde Racine, Voltaire, Rousseau, D’Alembert até os revolucionários de 89 e Napoleão. Este deixou lá um chapéu a título de pindura. Está lá também a mesa em que Voltaire escrevia. Preços normais de Paris
• Há um belíssimo restaurante, o Julien, na rue du Faubourg Saint-Denis. Pratos excelentes, nada caros em termos de Paris. A rua é de prostituição, está um pouco deteriorada, mas é freqüentável sem problema algum
• Na rue Mabillon, procurar o Charpentier, excelente cozinha, preços humanos. Recomendo vivamente. Cuisine du terroir. O restaurante, simpaticíssimo, é ligado ao movimento de Compagnonage, uma confraria meio paralela à maçonaria. Recomendo vivamente as andouilletes AAAAA. Isto é, as andouilletes aprovadas pela Association Amicale des Amateurs d'Andouillettes Authentiques. O boudin aux pommes é superbe
• Na Île St. Louis, ilha ao lado da ilha da Notre Dame, na rue St. Louis en l’Île, procurar Le Sergeant Recruteur ou, ao lado, Nos Ancêtres, les Gaulois. São dois restaurantes com menu a preço fixo. Entradas, queijos e vinhos à vontade. Quanto aos pratos propriamente ditos, você escolhe um entre três opções. Não esquecer que o vinho é “à la volontê”. Não é lugar para se ir sozinho. Como é ambiente de alegria coletiva, o solitário fica um tanto deslocado. Se o garçom demora e você está sedento, estenda sua taça a seu vizinho de mesa e peça um pouco de seu vinho. Ele não vai negar. Nem estranhar
• Algo mais sofisticado e, evidentemente, mais caro: o Bofinger, numa pequena travessa da Place de la Bastille. É só chegar na Place e perguntar pelo restaurante. Sem falar na cozinha, só o interior vale uma tarde e alguns euros a mais. Quando sento lá, não tenho mais vontade de sair. Em frente, o Petit Bofinger, caso o Bofinger esteja lotado. Mas a arquitetura do Petit não se compara à do primeiro
• Um excelente restaurante, o preferido do Mitterrand, é a Brasserie Lipp, no boulevard Saint Germain. Abrigou várias gerações de intelectuais franceses. As esquerdas sempre sabem onde se come bem. Recomendo fortemente. O plat de resistance é o cassoulet, uma espécie de protofeijoada. Mas o jarret de porc tampouco é de se jogar fora
• Frutos do mar há por toda parte. Mas um dos locais mais reputados é o Au Pied de Cochon, no Les Halles. Em matéria de ostras, minhas diletas são as fines de Claire
• Em quase todos os restaurantes que arrolo, se você quiser vinho, em vez da bouteille pode pedir um pichet, ou, para amadores, un demi pichet ou un quart pichet. Ou seja, uma jarra de vinho, uma meia jarra ou um quarto de jarra. Em geral, o vinho é potável. Em restaurante bom, o vinho sempre é bom

• Tivesse eu de visitar apenas cinco restaurantes, pela ordem, eu começaria pelo Julien e Charpentier, continuaria pelo Procope e Bofinger, e terminaria com a Brasserie Lipp

• Não esquecer as virtudes da comida de rua. Há um sanduíche árabe em Paris que adoro, é o merguez au chili. Merguez é uma lingüicinha picante. Compra-se em quiosques de esquina. Atenção: munir-se de água. Pega fogo na garganta

• A gorjeta vem sempre incluída na conta. Lei do Mitterrand

• Fora isso, deve existir mais uns cinco mil restaurantes e cafés por lá, à sua espera


Outra dicas

• comer ou beber sentado custa uns 20 % a mais do que no balcão. Para um café da manhã, nada melhor que uma tartine au beurre, que é uma baguetinha com manteiga
• em compensação, se você pede um cafezinho ou chope numa mesa, pode a rigor passar uma hora sem que o garçom o incomode
• jamais pedir “une bière”, isto o denuncia como marinheiro de primeira viagem. Se o garçom for sacana, lhe empurra um litro de cerveja. Pede-se “un demi”, ou seja, un demi-verre.
• em boa parte dos bares há uma cerveja belga que gosto muito, é a Abbaye de Leffe. Esta geralmente não é servida em demi, mas em um copo um pouco maior. É mais cara que as triviais, mas vale a pena. Tem três versões: blonde, brune e radieuse. Qualquer uma é boa aposta
• se você vai ficar coisa de uma semana, tratar da carte orange (une semaine, deux zones). A semanal vale de segunda a domingo. Levar fotos 3 x 4. Ou tirá-las nas dezenas de máquinas automáticas, encontradiças em todas as ruas do centro. No metrô, se enfia o tiquete na catraca, no ônibus basta mostrar a carta ao motorista. Outra opção, carnê de dez bilhetes, mais conveniente se você chega no meio da semana e vai ficar pouco tempo
• Comprar a revista Pariscope, ou L’Officiel des Spectacles, em qualquer banca. Saem às quartas e dão toda a programação cultural da cidade. Lembrar que em Paris gastronomia também é cultura
• Usar ônibus tem a vantagem de lhe mostrar Paris. Neste sentido, o 69 é ótimo. Se você fizer o percurso de início a fim de linha, terá o melhor da cidade

Visitas a meu ver obrigatórias

No “centrão”, se é que se pode falar de centro em Paris:

As tradicionais: Notre Dame (tem concertos de órgão, domingo, às 17 hs, maravilhoso e grátis) Louvre, Sorbonne. (Na Sorbonne, depois do 11/9, não dá pra entrar mais. Só sendo estudante ou professor). Frente à Sorbonne há uns botecos agradáveis, para um lanche rápido ou leituras.
• Além do Louvre, há o Musée d’ Orsay, às margens do Sena, belíssimo. (E mais umas duas ou três centenas de museus, é claro). Conforme seu tempo, terá de passar rapidinho por museus, ou não verá nada da cidade
• Saint Chapelle, no Palais de Justice, no Boul'Mich. Belíssima
• Les catacombes, metrô Denfert-Rochereaux. Antes abriam apenas um domingo por mês. Agora estão abertas durante a semana toda. Imperdível
• Centro Beaubourg, conjunto com biblioteca, exposições, etc. Se você subir ao último andar, terá uma bela vista de Paris, sem ter de enfrentar as filas nem os preços da torre Eiffel. Deambular pelas adjacências
• Um passeio pelo parque Luxembourg, a cinco minutos da Sorbonne é algo imperativo. Diria que são quatro parques em um só: a cada estação do ano, uma beleza diferente
• Le Forum des Halles. Arquitetura subterrânea criada no espaço do antigo mercado, Les Halles. Hoje é um imenso centro comercial. A bem da verdade, passei por lá em minha última viagem a Paris e não gostei. Me pareceu muito deteriorado. Mas a arquitetura em seus entornos é interessante
• Dedicar pelo menos uma hora percorrendo as gôndolas da FNAC, a mais poderosa livraria do país. Acho que há três FNACs em Paris. Nas FNAC há muita oferta em matéria de som e eletrônicos. Música que você jamais encontrará aqui. Neste sentido, a FNAC de Montparnasse é mais diversificada
• Tudo isto pode ser feito a pé e a arquitetura, por si só, já é uma festa. Se você se perde em algum pedaço, vai descobrindo novas geografias
• Perambular pelo Marais (bairro onde está o centro Beaubourg), Palais Royal, Place des Vosges, principalmente esta última, último reduto da aristocracia parisiense. (Mas já vi mendigos dormindo por lá)
• Dar uma olhadela no café Deux Magots (metrô Saint Germain), pelo menos em homenagem aos existencialistas dos anos 60. Fica em frente ao Chez Lipp.
• Dar uma passada no Boulevard Montparnasse, à noite. Há uma livraria interessante, L’ Oeil qui écoute. Mais cafés dos existencialistas, La Coupole, Le Dôme, também caros e turísticos. Eu gostava particularmente do Select Latin, onde curti centenas de horas de leitura
• Pode-se subir a Montmartre de barco. É só pegar no Sena, às 9 da manhã, um barquinho chamado La Patache, que ancora ao lado da piscina Deligny. Vai subindo por canais subterrâneos e eclusas, até o Canal Saint Martin. Chega-se ao pé do morro lá pelas 11. (Não sei se este barco existe ainda. Conferir no Pariscope)

Saindo do “centrão”:

• Perambular pela Champs Elysées, Trocadero, Eiffel, Arco do Triunfo, etc
• Pegar um metrô expresso, o R.E.R., e ir até La Défense. Ver a Arche, que os jornalistas brasileiros insistem em chamar de Arco. É o lado modernoso de Paris, frio e imponente. Acho que deve ser visto, para não se ficar com uma idéia apenas da Paris que imaginávamos. Estando lá, dar uma olhadela no Omnimax, o cinema de 360 graus. Vale
• Cité de la Science et de l’Industrie, em La Villette, ao norte, no XXe. Tem de tudo. Cabe uma visita ao Geode, outra sala de cinema com uma tela de 360°. Sessões de hora em hora. Melhor escolher um só setor da Cité, senão perde-se um dia todo
• Se der tempo, mas só se der tempo, visitar La Grande Bibliothèque, último monumento faraônico do Mitterrand. Aqueles quilômetros e quilômetros de mogno que forram paredes e pisos foram surripiados do Brasil, via o cacique Paulinho Paiakan.
• Père Lachaise, é claro. Em Asnières, ao sul de Paris, há um cemitério de cães que vale a pena como folclore. Há um outro em Villepinte. Visitá-los em dia de Finados é um espetáculo à parte
• Procurar a Promenade Plantée. É um passeio belíssimo. Apanhá-la de manhã, por exemplo, de modo a chegar pela 1h ou 2h da tarde na Bastille e aproveitar para um almoço no Bofinger.
Et bon voyage!

- Enviado por Janer @ 2:26 PM

Janer Cristaldo, uma homenagem critica - Carlos U. Pozzobon

Recebo, a propósito de uma postagem anterior:

http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/10/uma-lagrima-para-janer-cristaldo-uma.html

esta bela apreciação crítica ao Janer Cristaldo, a quem nunca conheci pessoalmente (talvez tenhamos trocado algumas mensagens lacunares, mas sinceramente eu não me lembro), mas de quem eu admirava a verve sempre ferina (para quem merecia) e tambem irônica (até para quem não merecia).
Ele era tão antireligioso, impiedoso, que não chegava a ser ateu, era até um estudioso das religiões, e provavelmente complacente com os ingênuos, mas implacável contra os que faziam da religião ofício e meio de vida, sempre fraudulentamente.
Provavelmente foi o mais articulado dos jornalistas anti-sistema, qualquer sistema, mas sobretudo os dos néscios, ignorantes e falastrões, o que certamente o colocava na linha de tiro dos petralhas. Mas ele estava acima de tudo isso, pois seu mundo das ideias não tinha nada a ver com o mundo das ideias toscas daqueles que ele criticava sem dó nem piedade.
Vai fazer falta, pois pessoas inteligentes, mordazes e sinceras sempre fazem falta.
Uma homenagem que recolho do rodapé para enquadrá-la devidamente.
Paulo Roberto de Almeida

Carlos U Pozzobon

55 minutos atrás  -  Compartilhada publicamente
 
Acabo de saber do falecimento de Janer Cristaldo. 
Lamento muito a perda deste crítico lúcido e singular, polemista de primeira e erudito em ciências humanas. Conheci Janer nos anos 70, quando trabalhava como colunista de jornal em POA, recém chegado da Suécia. Questões estéticas da literatura nos separaram e algumas de suas ideias me pareciam ligeiras. Suas fontes não eram as minhas, e raramente nos cruzamos em algum autor comum. 
Cheguei a ler sua tese de doutorado na Sorbonne sobre as semelhanças e complementaridades entre as obras de Marcel Camus e Ernesto Sábato. Janer era um excelente crítico, e escreveu profusamente sobre temas cotidianos em seu blog. 
Mas foi um escritor frustrado. Seu livro O Ponche Verde não agradou e ele desistiu (creio eu que amargamente) de fazer ficção, e por fim da literatura, concentrando sua crítica nas ciências humanas e nas instituições, especialmente na Universidade brasileira (onde chegou a ser professor brevemente de literatura, e de onde foi expulso pela petralhagem). 
Foi ele que criou o termo Supremo Apedeuta, e após somente Apedeuta para Lula, que depois se tornou um lugar comum na imprensa. Na crítica nacional, a lucidez associada a profundidade é uma qualidade muito rara. No meio jornalístico, Janer chegava a ponto de nos parecer um estranho, um deslocado, uma avis rara em uma comunidade extraordinariamente vocacionada para a mediocridade. 
Neste nosso país em que o maior defeito dos intelectuais consiste em se voltar para o mundo anglo-saxônico e esquecer o resto do mundo, Janer tinha uma cultura ecumênica, iluminista, multifacetada, que sempre conseguia surpreender com seu conhecimento sobre aspectos totalmente negligenciados das culturas e do repertório intelectual dos países e povos. 
Ele pode ser usado como símbolo da superioridade dos brasileiros que deixaram sua presença na Internet, quando comparados com os brasileiros que compõem nossas instituições culturais e sobretudo, a nossa academia. 
Pessoas com 10% do seu valor são eleitas para ABL e detém cadeiras vitalícias em universidades. O que prova, cada vez mais, que a cultura brasileira é uma cultura fecunda somente por ser marginal ao establishment.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Uma lagrima para... Janer Cristaldo, uma inteligencia que se vai...

Tomo conhecimento, tardiamente, embora desconfiasse que isso pudesse acontecer em função de sua ausência continuada, do passamento de Janer Cristaldo, o mais saboroso dos cronistas de nossa atualidade e também, e sobretudo, de nossas desatualidades.

Janer Cristaldo sempre tinha uma palavra inteligente, em defesa da... inteligência, contra a incultura que nos cerca impunemente, que tenta idiotizar todo mundo, e contra a qual ele protestava com sua verve irônica a cada vez.
Aprendi muito lendo seu blog (http://cristaldo.blogspot.com/) e também me diverti bastante.
Deixa saudades.
Transcrevo aqui uma de suas últimas postagens que, já no contexto de sua doença, reproduzia material de 3 ou 4 anos atrás, mas ainda atualíssimo.
O post abaixo se refere às eleições de 2010.
Você será lembrado, caro Janer, e chorado, não só pelos seus queridos, mas todos aqueles que o liam.
Meus respeitos e minha homenagem.
Paulo Roberto de Almeida

BRASIL NÃO MERECE
SEQUER UMA LÁGRIMA *
 
sexta-feira, agosto 29, 2014
[Publicado originalmente: 27/09/2010]

Domingo que vem é meu dia de protesto cívico. Como faço há já vinte anos, não vou votar. Há quem defenda a idéia de votar no candidato menos pior. Discordo. Menos pior também é pior. Sem falar que me parece absurdo, em regime democrático, ser obrigado a votar. Em todo o Primeiro Mundo, o voto é facultativo. Só nesta América Latina, que vai a reboque da História, é obrigatório. 

Obrigatório em termos. Você sempre pode anular seu voto. Mas tem de comparecer às urnas. É o que tenho feito de 1990 para cá. Meu título continua em Florianópolis. No domingo, perto de meio-dia, vou justificar a ausência de meu domicílio eleitoral. E depois vou para meu boteco, aperitivar. Hoje, em São Paulo, pode-se beber em dia de eleições. Quando não se podia, meu garçom me servia um uísque e punha ao lado do copo uma garrafa de guaraná.

Não quero ser radical. Mas diria que qualquer pessoa de bom senso não pode votar nestas eleições. De um lado, a candidata preferencial é uma ex-guerrilheira que participou de um grupo terrorista e até hoje se orgulha disto. O segundo colocado não pode sequer acusá-la de terrorista, pois militou em outro grupo terrorista. Os três candidatos mais cotados são todos de extração marxista. Vinte anos após a queda do Muro de Berlim e do desmoronamento da União Soviética, no Brasil o fundo do ar ainda é vermelho.

O mais patético – para não dizer pateta – dos candidatos é sem dúvida José Serra. Não ousa dizer uma palavrinha contra seu adversário, o patrocinador de Dilma Rousseff. Pelo contrário, o colocou em sua campanha eleitoral. Ao dar-se conta que isto era um tiro no pé, retirou-o de sua publicidade. Mas acabou fazendo pior. Mais adiante, alertou o eleitorado: se vocês querem Lula em 2014, têm de eleger-me agora. Se Dilma vencer, Lula não emplaca. Traduzindo em bom português, o que disse Serra? Disse que sem ele seu adversário não será eleito. Com oposição assim, o PT não precisa de base aliada.

Os políticos viraram bonecos de ventríloquo. Quem fala é o marqueteiro. O candidato repete. Mais ainda: para cúmulo do ridículo, o PSDB contratou para fazer sua campanha um guru indiano sediado nos Estados Unidos. A dez mil dólares por dia. Pode? Recorrer aos serviços de um vigarista estrangeiro para conduzir uma campanha eleitoral? Edir Macedo faria melhor. Ao constatar a mancada, os tucanos mandaram o guru de volta aos States. Teria sido mais barato enviar o Serra para fazer meditação transcendental em um ashram em Poona.

Os tucanos têm em mãos farto material para desmoralizar o PT. Desde o mensalão, dólares na cueca, o assassinato de Celso Daniel, os escândalos da Casa Civil, desde Zé Dirceu a Erenice, os cinco milhões de reais dados de mão beijada a Lulinha, e por aí vai. Não usaram esta munição. Serra, já que vai perder, podia ao menos perder com dignidade. Vai morrer humilhado.

Marina da Silva, sem comentários. Lanterninha, insiste no discurso surrado de meio-ambiente, cultua também Lula e põe-se em cima do muro ante qualquer questão polêmica. É boa alternativa para os petistas que admitem existir corrupção no governo do PT. Votam na morena Marina no primeiro turno e no segundo voltam ao redil. 

Almas ingênuas ainda acreditam numa virada. Recebo não poucos e-mails de coronéis de pijama que ainda acreditam em milagre. Coronel, quando veste pijama, vira valente. Quando na ativa, é cachorro que enfia o rabo entre as pernas com medo da voz do dono. Outro que alimenta esperanças é o recórter chapa-branca tucanopapista hidrófobo da Veja. Que tenha suas preferências políticas, vá lá. Que acredite que o PSDB possa levar é ingenuidade atroz. Ou subserviência de jornalista vil. A última chance de Serra seria uma recidiva de linfoma. Mas estamos a uma semana das eleições e a recidiva não ocorreu. Se ocorrer mais tarde, será tarde demais.

Dona Dilma está com todas as chances de ganhar no primeiro turno. Serra que se dê por feliz se não levar capote. Quando um candidato deposita suas esperanças em chegar ao segundo turno, como faz o tucano, é porque já deu as eleições por perdidas. Pior ainda: antes mesmo do primeiro turno, Serra está lançando sua candidatura à Prefeitura de São Paulo. Como pode um eleitor votar em um candidato que já pensa em receber um docinho pela derrota? Pelo jeito, Serra ainda não percebeu que estas eleições significam seu enterro político.

Dias piores esperam o Brasil. Nada de melhor se pode esperar de uma terrorista – que eu saiba, a candidata ainda não se penitenciou de seu passado – dominada pela atrabilis e mandonismo. E que consegue falar um pior português que o Supremo Apedeuta. País inacreditável, este nosso: pelo jeito ainda sentiremos saudades de Lula.

De minha parte, tanto faz como tanto fez. Desde há muito não deposito esperança nenhuma neste Brasil. Quando um presidente que acoberta crimes durante dois mandatos tem ainda 80% de aprovação do eleitorado, nada mais se pode fazer. Lasciate ogni speranza voi che entrate! 

Vou cuidar de meu jardim. Tratar de bem viver os dias que me restam. O Brasil que se lixe. Povinho que elege Lula ou Dilma não merece sequer uma lágrima. 

* 27/09/2010

domingo, 1 de junho de 2014

Todo o poder aos companheiros? Nao vai dar certo - Janer Cristaldo

Faz tempo que eu não transcrevo uma das postagens sempre espirituosas de Janer Cristaldo.
Pois não sera sem tempo, e o motivo é o mais importante possível...
Paulo Roberto de Almeida 

sábado, maio 31, 2014

PNPS: TODO PODER AOS SOVIETES 

Blog do Janer Cristaldo


Soviete – dizem os dicionários – é a palavra russa que significa conselho, mas depois passou a ser mais especificamente usada em linguagem revolucionária para significar os comitês de trabalhadores na Revolução Russa de 1905 e depois na de Fevereiro de 1917. Foi quando conseguiram o controle do Soviete de Petersburgo que usaram para derrubar o Governo Provisório chefiado por Kerensky, que os bolchevistas conseguiram tomar o poder em Outubro de 1917 e quando o Soviete tornou-se a justificativa para a ditadura do proletariado. 


O resultado é que o termo foi usado para todos os órgãos primários do governo em níveis nacionais, estaduais e municipais, com um Soviete Supremo composto de delegados de todas as Repúblicas Soviéticas da União. Os sovietes voltaram a reaparecer nas malogradas Revolução Espanhola (1936-1939), na Revolução dos Cravos (Portugal, 1974) e na Revolução Polonesa de 1980. A estrutura dos sovietes consistia num sistema piramidal de conselhos. A base era formada pelos soviets de fábricas, nas cidades, ou de aldeias, no campo. Níveis sucessivos estabeleciam-se a partir de então. Nas cidades soviets de distrito e de província. O conjunto era coroado pelo Congresso de soviets de operários, soldados e camponeses, órgão supremo e soberano, que elegia um Comitê Executivo que, por sua vez, designava um Conselho dos Comissários do Povo (CCP), o governo efetivo do País.



Segundo Anton Pannekoek, teórico marxista holandês, os conselhos operários da Revolução de 1905, essencialmente, eram simples comitês de greve, tais quais aqueles que aparecem em greves selvagens. Como as greves na Rússia começaram em grandes fábricas, e rapidamente se espalharam pelas cidades menores e distritos, os trabalhadores precisaram manter contato permanente. Nas oficinas, os trabalhadores se juntavam e discutiam regularmente no final da jornada de trabalho, ou continuamente, o dia inteiro, em momentos de tensão. Eles enviavam seus delegados a outras fábricas e aos comitês centrais, onde a informação era trocada, dificuldades discutidas, decisões tomadas, e novas tarefas consideradas.



Eles tiveram que regular a vida pública, tiveram que cuidar da ordem e da segurança públicas e providenciar os serviços públicos essenciais. Eles tiveram que desempenhar funções de governo; o que eles decidiram era executado pelos trabalhadores, enquanto o governo e a polícia ficavam de lado, conscientes de sua impotência contra as massas rebeldes. Então os delegados de outros grupos, de intelectuais, camponeses, soldados, que vieram para se juntar aos sovietes centrais, tomaram parte nas discussões e decisões. Mas todo esse poder foi semelhante a um clarão de raio, como um meteoro passando. Quando finalmente o governo czarista reuniu sua força militar e golpeou o movimento, os sovietes desapareceram.



Ou seja, assumiram o governo do país sem serem eleitos. As pretensões ditatoriais do PT nunca foram segredo para ninguém. Filho de uma partouse ideológica entre comunistas, trostskistas, Igreja Católica, classe média deslumbrada e sindicatos, não tem paternidade precisa. Mas está em seu DNA o desejo de perpetuar-se eternamente no poder, algo assim como um Reich de mil anos, se possível for.



Dona Dilma, ao que parece, já desconfia que não vai levar estas eleições. Sob pretexto de querer modificar o sistema brasileiro de governo, está apelando à fórmula bolchevique encontrada há mais de século. Baixou decreto criando a Política Nacional de Participação Social (PNPS), com o objetivo de "consolidar a participação social como método de governo" e aprimorar "a relação do governo federal com a sociedade". 



O decreto determina que sejam criados conselhos, a realização de conferências nacionais, audiências, entre outras sete formas de diálogo com a sociedade, para fazer consultas públicas antes de tomar decisões sobre temas de interesse da "sociedade civil".



Os dez formatos de atuação da Política Nacional de Participação Social serão, além dos conselhos, conferências e audiências, por iniciativas próprias da sociedade civil, comissões de políticas, ouvidorias, mesas de diálogos, fóruns, ambientes virtuais de participação social e consultas públicas. 



Ou seja, a presidente deu um solene chute na bunda do Congresso, a quem cabia a função de legislar sem consultar conselho algum. Que deputados e senadores não legislam com muita propriedade, disto sabemos. Mas bem ou mal eram eleitos pelo povo. Os novos legisladores – pois obviamente não resistirão à tentação de legislar – serão obviamente eleitos pelo PT.



O decreto, obviamente, não é idéia da presidente. Não teria audácia nem bestunto para tanto. Terá sido achado de seu entourage petista. A ideia é desde há muito advogada por Tarso Genro. Que, em setembro de 2012, escreva na Folha de São Paulo:



“Na Europa, não somente foi feita uma moratória com a utopia socialista, cujo impulso foi responsável pelas grandes conquistas de proteção social e de coesão nacional no século passado, mas também foi congelada a utopia democrática. Os governos eleitos, sejam socialdemocratas ou conservadores, na primeira fala que fazem, quando chegam ao poder, é que “não há alternativa”.



Ao falar de impulso responsável pelas grandes conquistas de proteção social e de coesão nacional, Genro se referia à obra dos sovietes, seu antigo sonho. Dona Dilma parece ter aderido com gosto às esperanças do velho stalinista gaúcho. De uma penada, quer mudar por decreto o sistema democrático do país. O princípio um homem-um voto seria substituído por um apparatchik do PT-milhares de votos.



Teremos agora ongueiros, sem-terra, sem-teto, bugres e quem sabe até membros do PCC dando seu pitaco na hora de dar uma estrutura jurídica ao país. Só a CUT já dispõe de 400 comitês, espalhados pelas 27 unidades do país. O Congresso, pelo que leio, até agora nem notou ter sido diminuída sua função de legislar. 



O sonho não acabou. Todo poder aos sovietes!