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sexta-feira, 4 de abril de 2014

Desemprego no Brasil: a farsa dos numeros - Leandro Roque

Alguns detalhes sobre o emprego no Brasil
por , Instituto Mises Brasil, quarta-feira, 2 de abril de 2014

 

imagem-imgdest-seguro-desemprego-parcelas.jpgImagine uma economia formada por 100 pessoas.  Destas 100 pessoas, suponha que 90 tenham algum tipo de ocupação (seja um emprego com carteira assinada, seja fazendo bicos ou até mesmo um trabalho voluntário).  E suponha também que as 10 pessoas restantes estejam desocupadas, mas estão à procura de uma ocupação.
Neste cenário, temos a seguinte situação estatística:
A População Economicamente Ativa é de 100 pessoas.  A População Ocupada é de 90 pessoas, e a População Desocupada é de 10 pessoas.  A taxa de desocupação é de 10%, pois há 10 pessoas desocupadas em um universo de 100 pessoas economicamente ativas.
Agora, suponha que destas 10 pessoas desocupadas, 3 desistam de procurar alguma ocupação.  Os motivos dessa desistência podem ser vários: ou a pessoa achou alguém disposto a sustentar seu ócio, ou ela perdeu as esperanças de encontrar alguma ocupação, ou ela simplesmente aceitou um programa de assistencialismo governamental que proveja todas as suas necessidades básicas.
Em termos puramente estatísticos, houve uma alteração importante.  O fato de 3 pessoas terem deixado de procurar uma ocupação significa que tais pessoas deixaram de ser economicamente ativas.  Consequentemente, o arranjo agora passa a ser outro.
A População Economicamente Ativa passa a ser de 97 pessoas.  A População Ocupada continua sendo de 90 pessoas.  A População Desocupada caiu de 10 para 7 pessoas.  E essas 3 pessoas que se retiraram do mercado agora fazem parte da População Não-economicamente Ativa.
Consequentemente, há agora uma nova taxa de desocupação.  Antes, a taxa era de 10 pessoas em um universo de 100.  Agora, a taxa é de 7 pessoas em um universo de 97.  Ou seja, a nova taxa de desocupação é de 7,22% (7 dividido por 97).
Traduzindo: sem que um único emprego tenha sido criado, a taxa de desocupação — popularmente chamada de taxa de desemprego — caiu de 10% para 7,22%.
Por que isso é importante?  Porque é exatamente isso o que está acontecendo no Brasil.  E é o próprio IBGE quem faz esse alerta.
Comecemos por esta notícia, do final de 2013 (negrito meu):
A taxa de desemprego nas seis principais regiões metropolitanas do País ficou em 4,6% em novembro, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O resultado aponta para o menor desemprego da série histórica do IBGE, iniciada em 2002.
[...]
A redução na taxa de desemprego foi causada pela migração de indivíduos para a inatividade, e não pela geração de postos de trabalho, apontou a Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE.
"O que a gente vê aqui é a redução da desocupação em função do aumento da inatividade. Então não houve aumento do número de postos de trabalho. O que houve foi aumento das pessoas que passaram para a inatividade", ressaltou o gerente da Coordenação de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo.
Em novembro, houve aumento significativo na população não economicamente ativa. Na comparação com outubro, o aumento foi de 0,8%, o equivalente a 148 mil indivíduos. Em relação a novembro de 2012, a alta foi de 4,5%, mais 801 mil pessoas na inatividade.
Agora vejamos esta notícia, de 27 de março (negrito meu):
O número de pessoas economicamente não ativas que não buscam emprego porque não têm interesse em trabalhar aumentou 1,2% em fevereiro em relação a janeiro, segundo a Pesquisa Mensal de Emprego do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
[...]
"O que essa população não economicamente ativa está mostrando é que são pessoas que não trabalham e não procuram, elas não estão pressionando o mercado de trabalho. O que a gente vem observando é o crescimento da fatia das pessoas que não estão exercendo pressão sobre o mercado de trabalho por uma opção", disse Adriana Beringuy, técnica da Coordenação de Trabalho e Rendimento do IBGE.
O aumento da população inativa tem contribuído para manter a taxa de desemprego em mínimas históricas. A população não economicamente ativa aumentou 3,8% em fevereiro em relação ao mesmo mês do ano passado, o equivalente a 686 mil pessoas migrando para a inatividade no período. Ao mesmo tempo, a criação de vagas ficou estatisticamente estável, com a abertura de apenas dois mil novos postos de trabalho.
Toda essa evolução pode ser observada no gráfico abaixo, que contém os dados do IBGE, que estão disponibilizados no site do Banco Central.
A linha vermelha mostra a evolução da População Economicamente Ativa nas regiões metropolitanas de Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre.  A linha verde mostra a evolução da População Ocupada, e a linha azul, a da Desocupada.
cewolf (1).png
Vale lembrar que 'Ocupados' abrange absolutamente todos os tipos de ocupação, seja ela remunerada (desde o executivo até o malabarista de semáforo) ou não-remunerada (instituições religiosas beneficentes, cooperativismo, aprendiz ou estagiário).  Isso quer dizer que abrange também funcionários públicos, pessoas que prestam serviço militar obrigatório e os clérigos.
Para apreender corretamente o que o gráfico acima está dizendo, o melhor procedimento é fazer um gráfico que mostra a taxa de crescimento anual da População Economicamente Ativa e a taxa de crescimento anual da População Ocupada.  Isso nos permitirá constatar as declarações do IBGE.
taxa desemprego.png
O gráfico acima ilustra vários fenômenos interessantes.
Para começar, sempre tenha em mente a seguinte igualdade:
População economicamente ativa = ocupados + desocupados.
O primeiro fenômeno que chama a atenção no gráfico é o ocorrido no ano de 2003.  Mesmo com a recessão daquele ano, e com a SELIC a 26,5%, a população ocupada aumentou 4,5%.  Porém, também naquele ano, a população economicamente ativa cresceu a uma taxa ainda maior.  Por causa da igualdade acima, isso significa que a população desocupada também aumentou.  Consequentemente, a taxa de desemprego (ou, no caso, a taxa de desocupação) chegou a 13%.
Após aquele ano, a população economicamente ativa passou a crescer a uma taxa menor do que a taxa de crescimento da população ocupada.  De novo, pense na igualdade acima: se a população economicamente ativa cresce, mas o número de ocupados cresce ainda mais, então o número de desocupados está caindo.  Exatamente por isso, a taxa de desocupação apresentou cifras declinantes a partir de meados de 2004.  E assim foi até 2009.
A recessão de 2009 fez com que as duas variáveis ficassem praticamente estagnadas, mas por pouco tempo.  Já em 2010, ambas voltaram a crescer com grande vigor.
(Para entender as causas desse forte crescimento do emprego no período 2004-2011, veja este artigo).
Nos anos de 2011 e 2012, a situação foi de estabilidade, com a população ocupada crescendo a uma média de 2% ao ano, e a população economicamente ativa, a 1,5% ao ano.
Já em 2013, houve uma guinada radical e inédita nos indicadores, especialmente a partir do segundo semestre.  A população economicamente ativa começou a encolher.  Em novembro de 2013, por exemplo, ela foi 1% menor do que em novembro de 2012.  Isso significa que havia menos pessoas no mercado de trabalho (trabalhando ou procurando emprego) em novembro de 2013 do que havia em novembro de 2012.
Junto com a queda da população economicamente ativa ocorreu também uma queda na população ocupada.  Em novembro de 2013, o número de pessoas ocupadas foi 0,73% menor do que em novembro de 2012.
E a coisa ficou ainda mais interessante agora no mês de fevereiro de 2014.  A taxa de crescimento da população ocupada foi de 0%, o que significa que a quantidade de pessoas ocupadas simplesmente não se alterou em relação a fevereiro de 2013 (segundo o IBGE, neste período houve a "abertura de apenas dois mil novos postos de trabalho").  Mas a taxa de crescimento da população economicamente ativa foi negativa, de -0,46%.
De novo, voltemos à igualdade acima: se a população ocupada não se altera, mas a população economicamente ativa encolhe, então o número de desocupados também encolheu.  Isso significa que as pessoas que estavam desocupadas simplesmente pararam de procurar ocupação e se retiraram do mercado de trabalho, tornando-se não-economicamente ativas, e contribuindo para reduzir a taxa de desocupação (desemprego).
Como o gráfico deixa claro, trata-se de um fenômeno inédito no Brasil.  Nem mesmo nas recessões de 2003 e 2009 houve uma taxa de crescimento negativa.  Muito embora a série estatística do IBGE comece apenas em 2002, a lógica leva a crer que tal fenômeno nunca antes havia ocorrido, pois a taxa de crescimento da população geral (a qual está em 1% ao ano) era bem maior no passado, o que significa que o número de pessoas jovens entrando no mercado de trabalho era maior.
Enquanto este fenômeno — pessoas desistindo de procurar ocupação e se retirando do mercado de trabalho — prosseguir, a taxa de desemprego continuará baixa.
Conclusão
Com efeito, as recentes notícias sobre uma "inesperada disparada" nos gastos com o seguro-desemprego, mesmo com a taxa de desocupação estando em no menor nível da história, confirmam uma das teses acima (negrito meu):
Os gastos com seguro-desemprego e abono salarial devem alcançar R$ 45 bilhões nesse ano [2013], um aumento de 16% com relação ao ano passado e tem crescido muito nos últimos anos. Ao mesmo tempo, a taxa de desemprego vem declinando, passando de 13% em 2003 para 5,4% em 2013. 
Quais as principais consequências desse êxodo do mercado de trabalho?
De um lado, uma menor oferta de mão-de-obra tende a pressionar os salários para cima; de outro, a atual redução na taxa de crescimento do crédito (veja detalhes neste artigo) tende a contrabalançar essa pressão altista nos salários.  No momento, a massa salarial registra a menor alta desde 2009, ano em que o país estava em recessão
No cômputo geral, trata-se de um fenômeno lastimável.  O baixo crescimento da mão-de-obra só pode ser compensado se houver um crescente aumento na produtividade.  Como o Brasil é conhecido justamente por ter uma mão-de-obra pouco produtiva, esse baixo crescimento da mão-de-obra tende a reduzir sobremaneira o aumento da oferta de bens e serviços e, consequentemente, o crescimento da economia e o enriquecimento da população.
No final, este lamentável fenômeno serve apenas para gerar uma redução artificial na taxa de desemprego, algo que o atual governo certamente usará a seu favor como ilustração do "sucesso" de suas políticas.
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Leia também:

2007062509039.jpgAs causas desse êxodo de pessoas do mercado de trabalho são diversas, e sua análise está fora do escopo deste artigo.  Certamente há de tudo: há pessoas que se contentam com os proventos do Bolsa-Família, há pessoas sem capacitação que desistiram da vida, há pessoas que dão seguidos golpes no seguro-desemprego, e certamente há um grande número de pessoas indolentes que têm quem lhes sustente (inclusive, e principalmente, jovens de classe média-alta).
Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Sobre a real taxa de desemprego no Brasil - Leandro Roque

A real taxa de desemprego no Brasil
por , sexta-feira, 30 de novembro de 2012

 

image001.jpgNão são poucas as pessoas que nos escrevem pedindo comentários e explicações sobre a supostamente baixa taxa de desemprego no Brasil.  De fato, um estrangeiro mais desinformado que olhe para os números brasileiros irá se sentir tentado a arrumar suas malas, vender sua casa europeia e vir voando com toda a família para o Brasil.
Quando me perguntam minha opinião sobre a taxa de desemprego no Brasil, apenas respondo: qual taxa?  A do IBGE ou a do DIEESE?  A do DIEESE é simplesmente o dobro da do IBGE.  Enquanto o IBGE fala que a taxa de desemprego de outubro foi de 5,3%, o DIEESE afirma que foi de 10,5%.  Dois indicadores iguais, uma margem de erro de incríveis 100%.  E as implicações disso são enormes.  Ao passo que uma taxa de desemprego de 5,3% é menor que a de todos os países europeus (exceto Suíça e Áustria), norte-americanos, asiáticos e da Oceania, uma taxa de 10,5% só é inferior à francesa, portuguesa, irlandesa, grega e espanhola.  Ou seja: o mesmo país, o mesmo indicador, duas realidades totalmente opostas.
Desde que comecei a prestar mais atenção no assunto — e, principalmente, desde que me inteirei melhor da metodologia —, perdi completamente o interesse pelo indicador.  Ele não indica nada.  A metodologia do IBGE é totalmente ridícula.  Um malabarista de semáforo é considerado empregado.  Um sujeito que vende bala no semáforo também está empregadíssimo.  Um sujeito que lavou o carro do vizinho na semana passada em troca de um favor é considerado empregado (ele entra na rubrica de 'trabalhador não remunerado').  Se um sujeito estava procurando emprego há 6 meses, não encontrou nada e desistiu temporariamente da procura, ele não está empregado mas também não é considerado desempregado.  Ele é um "desalentado".  Como não entra na conta dos desempregados, ele não eleva o índice de desemprego.
Além disso, o índice também coloca na rubrica 'empregado' todas aquelas pessoas que exercem trabalhos considerados precários, como o sujeito que trabalha poucas horas por semana e gostaria de trabalhar mais, mas não consegue (muito provavelmente por causa das regulamentações trabalhistas), e o sujeito que faz vários bicos, mas cujo rendimento mensal é menor que o salário mínimo.  Ou seja, você substitui seu vizinho na barraca de pipoca dele por três dias.  Em troca, ele lha dá R$250.  Você foi considerado pelo IBGE como estando empregado — tendo efetivamente trabalhado 3 dias no mês.
Com todos esses truques, não é de se estranhar que o Brasil esteja com "pleno emprego", mesmo com sua arcaica legislação trabalhista, sua escandinava carga tributária e seus espoliadores encargos sociais e trabalhistas.
Mas isso, sejamos francos, não é uma exclusividade brasileira, não.  O governo americano, por exemplo, também divulga 2 índices, cada um com uma metodologia diferente.  Obviamente, ele se pauta apenas por aquele que fornece o mais róseo resultado.  Uma fonte privada complementa fornecendo o terceiro índice, bem mais rigoroso.  Veja abaixo:
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Na Europa, a coisa é ainda mais discrepante.  Alguém realmente acredita que o real desemprego na França e em Portugal é a metade do espanhol?  A impressão que tenho é que a Espanha é o único país que de fato adota uma metodologia mais rigorosa.
Indo para os finalmentes
Felizmente, o IBGE disponibiliza em seu site todos os dados coletados desde março de 2002, possibilitando que uma pessoa mais interessada em fatos e menos em ideologias possa analisar um pouco melhor a realidade do país.  A tabela divulgada para o mês de outubro está aqui.  Veja lá todas as categorias que mencionei acima: Pessoas Desalentadas, Pessoas Subocupadas por Insuficiência de Horas Trabalhadas, Pessoas Ocupadas com Rendimento/Hora menor que o Salário Mínimo/Hora, Pessoas Marginalmente Ligadas à PEA (População Economicamente Ativa).
Em termos práticos, na atual metodologia, se um gerente de banco é demitido e passa a fazer malabarismo no semáforo, a taxa de desemprego não se altera.  Se um desempregado lava o carro do vizinho em troca de um favor, a taxa de desemprego cai.
O leitor interessado pode baixar aqui uma enorme planilha de Excel com os valores de todas essas variáveis coletadas desde março de 2002.  Eu fiz isso e calculei uma taxa de desemprego mais realista. 
Coletei os seguintes dados:
1) pessoas desocupadas;
2) trabalhadores não remunerados;
3) pessoas com rendimento/hora menor que o salário mínimo/hora (aquele sujeito que faz vários bicos, mas cujo rendimento mensal é menor que o salário mínimo);
4) pessoas marginalmente ligadas à PEA (pessoas que não estavam trabalhando na semana da pesquisa mas que trabalharam em algum momento dos 358 dias anteriores à pesquisa e que estavam dispostas a trabalhar); e
5) pessoas desalentadas.
De canja para o governo, deixei de fora as pessoas subocupadas, pois uma pessoa que trabalha regularmente um determinado número de horas por semana não está tecnicamente desempregada.
Somei estes cinco itens e dividi pela soma entre população economicamente ativa, pessoas marginalmente ligadas à PEA e pessoas desalentadas. (Estas duas últimas também não entram no denominador do cálculo do IBGE porque não são consideradas economicamente ativas pelo IBGE, o que é um despropósito.)
Logo, a real taxa de desemprego brasileiro é essa abaixo:
taxa.png
Portanto, a real taxa de desemprego no Brasil em outubro foi de 20,8%.  Nada surpreendente quando levamos em conta nossa legislação trabalhista e tributária.  Encargos sociais e trabalhistas onerosos em conjunto com uma paquidérmica carga tributária sobre as empresas não poderiam permitir outro resultado senão esse.  Um quinto da população sem emprego fixo após três anos de economia "pujante", segundo o animador de circo que habita o Ministério da Fazenda.
Observe o efeito da expansão artificial do crédito criada pelo Banco Central em conjunto com o sistema bancário de reservas fracionárias a partir de meados de 2009.  Sem que nenhuma alteração na estrutura da economia brasileira houvesse sido feita, a taxa de desemprego caiu para o historicamente baixo nível de 20%.  Por isso ela é insustentável: ela é totalmente guiada pela expansão do crédito, um mecanismo de curto prazo
A economia, como foi previsto neste site ainda no segundo semestre do ano passado, já está parada.  O desemprego, como em todos os outros países, tende a ser a última variável a ser afetada.

Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

postado por Leandro Roque | 30/11/2012

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Pre-sal: a maldicao brasileira do petroleo - Leandro Roque, Bernardo Santoro

A maldição do petróleo continua a atormentar o Brasil

Instituto Ludwig Von Mises Brasil, terça-feira, 22 de outubro de 2013

Quando o governo Lula anunciou, com a fanfarra que lhe era habitual, a existência de petróleo na camada pré-sal do litoral brasileiro, ainda em 2006, a exultação foi enorme.  Quando, em 2008, a Petrobras extraiu pela primeira vez petróleo do pré-sal, a promessa era a de que todos os problemas do Brasil já estavam solucionados.  Bastava apenas extrair o petróleo lá das profundezas, e todos os problemas da educação e da saúde seriam miraculosamente resolvidos com o dinheiro que seria obtido com a exportação deste petróleo.
No entanto, não era necessário ser nenhum especialista em geologia para entender que a aposta era arriscada.  Bastava apenas entender o básico de economia.  A extração de petróleo da camada pré-sal não é uma operação qualquer.  Não é tão simples quanto a tradicional extração de petróleo da camada de pós-sal.  Veja a figura abaixo.

Uma coisa é extrair petróleo a 2.000 metros de profundidade, sem grandes obstáculos.  Outra coisa, completamente distinta, é extrair petróleo a 6.000 metros de profundidade, tendo de superar duas camadas (camada de pós-sal e camada de sal) para se chegar ao pré-sal.  Esta operação é tecnicamente cara.  Logo, só é economicamente viável se o preço do barril de petróleo estiver acima de um determinado valor.
E é aí que começa a encrenca.
Quando a euforia do pré-sal estava em seu apogeu, em meados de 2008, o preço do petróleo também estava em níveis recordes, chegando a bater em US$145 o barril, o que de fato tornava economicamente viável a exploração do pré-sal.  Logo, sob este aspecto, havia algum sentido político em se fazer demagogia e proselitismo a respeito dos supostos milagres que a extração do petróleo do pré-sal traria ao país. 
O problema é que esta alta do petróleo não se sustentou.  No final de 2008, o preço do barril desabou de US$145 para US$35 e, desde 2011, vem oscilando entre US$80 e US$100. Veja a evolução no gráfico abaixo.

Segundo estimativas otimistas, o início da produção do pré-sal brasileiro pode levar de 5 a 10 anos, a depender da geologia do local e dos investimentos feitos.  E o pico da produção pode levar 15 anos para ser atingido.  É tempo demais para um empreendimento tão caro e de preço final tão volátil. 
Essa total suscetibilidade aos preços futuros do barril de petróleo cria uma enorme incerteza ao empreendimento do pré-sal.  Por exemplo, qualquer descoberta de novas jazidas em qualquer parte do mundo, ou até mesmo a confirmação de novas fontes de energia, poderá derrubar o preço do petróleo, tornando ainda mais inviável o pré-sal.
No momento, a maior ameaça para os prosélitos do pré-sal vem dos EUA, onde surgiu um novo fenômeno que pode colocar tudo a perder: o gás de xisto.  Esta nova fonte de energia está fazendo com que o custo da energia venha caindo vigorosamente nos EUA.  No momento, em decorrência de um pesado lobby de gigantes industriais como Dow, Alcoa, Celanese e Nucor, a exportação de gás de xisto foi proibida pelo governo americano, o que vem garantindo energia abundante e barata a essas empresas dentro dos EUA e impedindo que o preço da energia caia ao redor do mundo.  No entanto, caso um futuro governo americano libere a exportação do gás de xisto, o pré-sal pode se tornar imediatamente inviável.
Segundo estimativas da Administração de Informação sobre Energia (EIA — Energy Information Administration), a reserva americana de gás de xisto é de 2,7 trilhões de metros cúbicos, o que seria suficiente para abastecer o mercado americano por mais de 100 anos.  No entanto, a produção de gás de xisto vem sofrendo pesadas restrições impostas por poderosos grupos ambientalistas, pois, segundo eles, a tecnologia utilizada na extração — popularmente chamada de fracking, que é um sistema de fratura hidráulica que consiste na injeção de grandes volumes de água a profundidades superiores a três quilômetros para liberar gás — apresenta risco de contaminação de fontes de água potável.
Além do gás de xisto, é preciso considerar que sempre há a possibilidade de o governo americano liberar a extração de petróleo na reserva selvagem de ANWR, no Alasca, o que garantiria mais 10 bilhões de barris de petróleo, o suficiente para alimentar os EUA por dois anos.
Não bastassem todas essas "ameaças", há também o fato de que os estados americanos de Colorado, Utah e Wyoming possuem as maiores reservas de xisto petrolífero do mundo, capazes de produzir, segundo estimativas da United States Geologic Survey, mais de 1,5 trilhão de barris.  No momento, a produção ainda é inviável, justamente por causa do atual preço do petróleo, considerado ainda baixo.  Vale enfatizar que as empresas são um tanto reticentes a este tipo de investimento por causa de uma desventura ocorrida no passado: durante a crise do petróleo da década de 1970, as petrolíferas imaginaram que os preços ficariam altos em definitivo (naquela época, US$70 o barril), e investiram somas consideráveis na extração deste xisto petrolífero.  No entanto, o preço do petróleo convencional caiu na década de 1980, e vários destes investimentos se tornaram inviáveis.  No dia 2 de maio de 1982, dia que ficou conhecido como o Domingo Negro, a Exxon cancelou um projeto de US$5 bilhões de dólares no Colorado por causa da queda do preço do petróleo, demitindo mais de 2.000 trabalhadores.  Em decorrência dos prejuízos da década de 1980, essas empresas se tornaram relutantes a fazer novos investimentos desse tipo.
Todos esses fatores concorrem para gerar incertezas quanto ao preço futuro do petróleo.
Nas atuais condições, para que a extração de petróleo do pré-sal brasileiro seja economicamente viável, ou o preço do barril de petróleo no mercado internacional teria de disparar ou a empresa exploradora teria de usufruir grandes benefícios tributários.  Fora isso, sempre há a terceira opção: entregar a exploração a empresas estatais, que não operam de acordo com o sistema de lucros e prejuízos e, consequentemente, não têm de se preocupar com o preço do petróleo.  Elas podem simplesmente espetar a conta nos pagadores de impostos.
Ao que tudo indica, as petrolíferas de fato pensam assim, e uma boa comprovação pôde ser testemunhada ontem, dia 21 de outubro, no leilão do campo de Libra realizado pelo governo brasileiro.  Propagandeado como a maior reserva de petróleo do Brasil e a maior área para exploração de petróleo no mundo, cujo potencial poderia se aproximar dos 12 bilhões de barris, o governo brasileiro esperava atrair pelo menos 40 empresas para o leilão de Libra.  Quantas realmente se candidataram?  Apenas quatro: duas estatais chinesas (CNPC e CNOOC), uma empresa francesa (Total) e a anglo-holandesa Shell.  As quatro formaram um único consórcio, o que significa que não houve nenhuma concorrência no leilão.  Gigantes do setor, como Chevron, Exxon Mobil, BHP Billiton, Statoil, BP e Repsol não se interessaram.
Como presente de grego, essas quatro empresas vencedoras terão a Petrobras como sócia compulsória e majoritária.
Toda a lambança começou com o regime de exploração escolhido pelo governo.  Havia duas opções: o regime de concessão — que é o utilizado desde 1997, e que ajudou a elevar sobremaneira o volume de petróleo produzido no Brasil —, e o regime de partilha, um monstrengo inventado por motivos puramente ideológicos.
Nenhum destes dois modelos representa uma privatização genuína.  Ambos são uma parceria público-privada, que nada mais é do que um arranjo corporativista no qual estado e grandes empresas se aliam para, sob o manto de estarem realizando serviços, extorquir os cidadãos e dividir entre si o butim, dando em troca algo que lembra um pouco, com muita boa vontade, uma prestação de serviço.  No entanto, o regime escolhido pelo governo, o de partilha, é o pior dentre os dois.
Em uma PPP tradicional — que continua sendo adotado nas áreas de petróleo existentes no pós-sal —, todos os gastos e todos os riscos da produção, bem como a propriedade dos hidrocarbonetos, são do consórcio que obteve a concessão.  Em troca, o consórcio paga ao Tesouro impostos e participações especiais sobre o valor da produção, além de pagar royalties aos estados e municípios onde a atividade é realizada. 
No arranjo adotado, que foi o "regime de partilha", o dono do petróleo é o Tesouro.  Neste arranjo, o estado fica com uma parcela da produção física em cada campo de petróleo.  O consórcio paga um bônus à União ao assinar o contrato e, se encontrar petróleo, será remunerado com uma parcela deste petróleo que seja suficiente para cobrir seus custos e garantir algum ganho.  Todo o resto do petróleo ficará para a União (daí o nome de "partilha").  Além disso, todas as decisões de investimento serão, em última instância, autorizadas ou negadas pela Petrobras, que também usufruirá uma participação mínima obrigatória de 30% entre as empresas componentes do consórcio — no caso de Libra, ela terá 40%.  
Como que para comprovar a irracionalidade da coisa, o modelo de partilha obriga a Petrobras a desembolsar R$6 bilhões, que correspondem a 40% do bônus de assinatura do contrato.  Dado que o senhor Mantega veio a público jurar que a Petrobras tem essa quantia, podemos então ter a certeza absoluta de que ela não tem, e terá de pegar com o Tesouro ou com o BNDES (leia-se: de nós).  No modelo de concessão, a Petrobras e o governo não teriam de pagar nada. 
Por último, a cereja do bolo: o governo obrigará as plataformas a terem um "elevado conteúdo de fabricação nacional", um privilégio nacional-desenvolvimentista que servirá para as indústrias fornecedoras aumentarem seus preços e encarecer ainda mais o processo produtivo.
Sabendo de tudo isso, é realmente de se estranhar que tenha havido um interesse quase nulo das petrolíferas privadas?  Quem iria se sujeitar a um marco regulatório tão arbitrário e politicamente subjetivo quanto este?  Dado que a Petrobras detém 40% de participação no consórcio, e é hoje a empresa mais endividada do mundo, por acaso seria algum exagero prever que todos esses direitos assegurados ao governo brasileiro é que irão ditar os investimentos e as decisões de desenvolvimento?  Como afinal será o critério para decidir qual será o volume de petróleo suficiente para cobrir os custos da produção e suficiente para garantir algum ganho às empresas? 
Não é nada surpreendente que as grandes e experientes petrolíferas privadas nem sequer tenham se apresentado para participar dessa presepada, deixando a encrenca para as estatais chinesas. 
O que está acontecendo, portanto, é um agigantamento do estado no setor petrolífero.  E isso está sendo vendido ao público como "privatização".  Realmente, é desesperadora a situação do debate econômico no Brasil.
Solução
Os problemas de um setor petrolífero nas mãos do estado são óbvios demais: ele gera muito dinheiro para políticos, burocratas, sindicatos e demais apaniguados.  Isso é tentador.  A teoria diz que toda e qualquer gerência governamental sobre uma atividade econômica sempre estará subordinada a ineficiências criadas por conchavos políticos, a esquemas de propina em licitações, a loteamentos de cargos para apadrinhados políticos e a monumentais desvios de verba.  No setor petrolífero, Venezuela, Nigéria e todos os países do Oriente Médio comprovam essa teoria.
Um setor ser gerido pelo governo significa apenas que ele opera sem precisar se sujeitar ao mecanismo de lucros e prejuízos. Todos os déficits operacionais serão cobertos pelo Tesouro, que vai utilizar o dinheiro confiscado via impostos dos desafortunados cidadãos. Um empreendimento estatal não precisa de incentivos, pois não sofre concorrência financeira — seus fundos, oriundos do Tesouro, em tese são infinitos.  O interesse do consumidor é a última variável a ser considerada.

No setor petrolífero brasileiro, o dinheiro é retirado do subsolo e despejado no buraco sem fundo da burocracia, da corrupção, dos privilégios e das mamatas.  Todos os governos estaduais e todos os políticos do país querem uma fatia deste dinheiro para subsidiar suas burocracias e programas estatais preferidos.  Consequentemente, em todos os setores em que esse dinheiro é gasto, ele é desperdiçado.  Como é economicamente impossível o governo produzir algo de real valor, ele na prática apenas consome os ativos e a riqueza do país.
Caso o setor petrolífero estivesse sob o controle de empresas privadas, todo o dinheiro retirado do subsolo seria de propriedade destas empresas e de seus acionistas.  Sim, haveria impostos sobre esse dinheiro.  Mas a maior parte dele ainda iria para mãos privadas.  É assim nos EUA e em vários países da Europa.  Tal arranjo mantém o dinheiro longe das mãos do governo e dos demais parasitas, e garante que a produção e a distribuição sempre ocorrerão estritamente de acordo com interesses de mercado, e não de acordo com conveniências políticas.
Sendo assim, qual a maneira efetiva de se desestatizar o setor petrolífero do Brasil?  Legalizando a concorrência.  Para isso, bastaria o estado se retirar do setor petrolífero, deixando a Petrobras à sorte de seus próprios funcionários, que agora não contariam com nenhum monopólio, nenhuma proteção e nenhuma subvenção.  O estado não venderia nada para ninguém.  Apenas sairia de cena, aboliria a ANP e nada faria para impedir a chegada concorrência estrangeira.  
A Petrobras é do povo?  Então, nada mais coerente do que colocar este mantra em prática: após a retirada do governo do setor petrolífero, cada brasileiro receberia uma ação da Petrobras que estava em posse do governo.  E só.  Ato contínuo, cada brasileiro decidirá o que fazer com esta ação.  Se quiser vendê-la, que fique à vontade.  Se quiser mantê-la, boa sorte.  Se quiser comprar ações das outras empresas petrolíferas que agora estarão livres para vir operar aqui, sem os onerosos fardos da regulamentação da ANP, que o faça.  Se a maioria dos acionistas brasileiros quiser vender suas ações para investidores estrangeiros, quem irá questionar a divina voz do povo?  Se o povo é sábio o bastante para votar, então certamente também é sábio o bastante para gerenciar as ações da Petrobras. 
O objetivo supremo é fazer com que o dinheiro do petróleo vá para as mãos do povo, e não para o bolso de políticos e burocratas.  É assim que acontece em outros países, principalmente nos EUA, onde não há autossuficiência e a gasolina é bem mais barata que a nossa.
Conclusão
É claro que isso nunca será feito.  Isso significaria capitalismo genuíno.  Significaria cidadãos privados participando ativamente da riqueza gerada pela indústria petrolífera, e se beneficiando dela — algo proibido em arranjos socialistas como o que vigora no Brasil. 
Sem o estado participando ativamente do setor petrolífero, não mais seria possível ocorrer as manipulações, as indicações políticas e os jogos de favorecimento a companheiros no alto comando da Petrobras. 
Mas nenhum governo de nenhum partido fará esse tipo de reforma.  Imaginar que políticos irão voluntariamente abrir mão dos privilégios gerados pela Petrobras é tão lógico quanto imaginar que cupins irão voluntariamente abdicar da madeira.  O governo é naturalmente formado por insaciáveis praticantes da espoliação pública.  Tais pessoas não apenas querem utilizar o dinheiro do petróleo para financiar seus próprios projetos eleitoreiros, como também querem ter o governo subsidiando esses seus buracos sem fundo.  Só nos resta aguentar.

Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

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Ainda sobre o leilão de Libra
BERNARDO SANTORO*

A banda “Nirvana” tinha uma música chamada “Lítio”. Não tem a ver com a Bolívia mas é tão depressiva quanto as políticas desse país.
O assunto relativo ao leilão dos campos de libra já foi magistralmente esgotado pelo artigo definitivo de Leandro Roque no IMB, que recomendo vivamente, onde o autor demonstra que o petróleo do pré-sal só é viável se o preço do barril estiver muito alto e que o modelo de partilha adotado vai sangrar os cofres públicos nacionais.
Mas cabe comentar, rapidamente, o dia seguinte desse leilão e a incrível reação da oposição política brasileira ao tema, que se recusa a tomar um papel de vanguarda racional em qualquer discussão nacional.

O candidato supostamente liberal, Aécio Neves, declarou, de maneira jocosa que houve uma privatização do campo de Libra, como se privatizar fosse ruim, e que nós precisamos reestatizar a Petrobras, entregar a Petrobras novamente aos brasileiros e aos seus interesses”.
Uma boa medida da irracionalidade de um discurso é quando o PSOL o apoia. O Dep. Ivan Valente, do PSOL-SP, declarou, na mesma medida, que “o que foi feito ontem foi um crime contra a soberania nacional. É privatização sim, e é a maior de todas, maior que a da Telebrás e da Vale“.
É com psolistas que Aécio Neves pretende marchar em 2014?
Como esclareceu o Presidente do IL em seu blog ontem, Dilma está certa ao dizer que não houve privatização. Uma privatização de verdade é conduzida de modo em que os efeitos benéficos do livre-mercado se faça presente na atividade econômica. Nada disso aconteceu no evento desta semana.
Senão vejamos: a Petrobras, e o governo, ainda são os sócios majoritários da exploração, o que significa que essa exploração vai atender a interesses políticos do governo, e não econômicos da população. Não haverá concorrência na exploração do campo, que foi entregue de maneira monopolística ao consórcio vencedor. Haverá a extrema regulação de quantidade e preço de petróleo extraído, sob a supervisão da ANP. E ainda temos uma estranha participação do governo chinês na exploração, o que significa que também vamos ter de atender interesses políticos do governo chinês.
A única parte lúcida do discurso de Aécio Neves ontem foi que o pagamento de 15 bilhões de reais feitos pelo consórcio ao governo ainda vai servir para fechar as contas dessa administração perdulária e descumpridora da Lei de Responsabilidade Fiscal, a qual vive driblando com truques contábeis e mercadológicos como este que vimos na segunda.
E enquanto isso vamos imitando o modelo boliviano sobre o lítio. A Bolívia tem 50% das reservas mundiais de lítio, que é um ótimo metal para uso em baterias, o que seria uma imensa riqueza no momento em que os carros elétricos estão se popularizando. A Bolívia impede de todos os meios a exploração do elemento em escala industrial, o que está levando países avançado a descobrir novos materiais para substituí-lo. Em breve a Bolívia estará em cima de um monte de “riquezas” que não valerão um tostão.
Que isso não aconteça com o sub-explorado petróleo brasileiro. (alguém falou em gás de xisto aí?)

*DIRETOR DO INSTITUTO LIBERAL

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Marx contra os marquissistas e os keynesianos de botequim (e os de clube de ricos também)

Quando Marx refutou Keynes e os atuais marxistas
por , Instituto Von Mises Brasil, segunda-feira, 27 de maio de 2013

 

marx1.pngMarxistas, social-democratas e demais defensores do intervencionismo estatal sempre afirmaram que determinados setores da economia — principalmente saúde, educação e segurança, mas também o setor elétrico e de telecomunicações — não podem ficar por conta do livre mercado e da livre concorrência porque a ganância e a busca pelo lucro não apenas são incompatíveis com tais setores, como também levariam a preços absurdamente caros, o que prejudicaria principalmente os mais pobres.
Já os economistas seguidores da Escola Austríaca sempre afirmaram categoricamente que é justamente a busca pelo lucro em um ambiente sem protecionismos, sem privilégios, sem agências reguladoras e sem subsídios o que gera serviços da alta qualidade e preços baixos.
E a explicação é simples: como empresários, no geral, não gostam de concorrência, eles sempre se mostram ávidos por fazer lobby e utilizar o poder estatal em seu próprio interesse com o intuito de banir a concorrência e solidificar sua posição de domínio.  Eles conseguem isso por meio de tarifas protecionistas, subsídios e agências reguladoras que cartelizam o mercado e impedem a entrada de concorrentes.
Já o livre mercado, arranjo em que não há protecionismo, subsídio e agências reguladoras, é um sistema em que são os consumidores que controlam os empresários.  No livre mercado, as empresas não têm opção: ou elas servem o consumidor de maneira eficaz ou elas fecham as portas.  E servir o consumidor de maneira eficaz significa estar sempre ofertando bens e serviços de qualidade crescente a preços cada vez menores.
É justamente o governo — com seus subsídios, privilégios especiais (como tarifas protecionistas e execução de obras públicas com empreiteiras privadas) e restrições à concorrência (por meio de agências reguladoras e exigências burocráticas) — quem promove monopólios e oligopólios, e consequentemente preços altos e serviços de baixa qualidade.  Sendo assim, se você quiser serviços de qualidade a preços cada vez menores, você tem de defender o livre mercado.
Sabe quem concorda com tudo isso?  Ninguém menos que Karl Marx.  Não deixa de ser curioso constatar que Marx entendeu perfeitamente essa realidade.  Mais ainda: ele foi explícito em demonstrar isso.  No quesito "efeitos benéficos da livre concorrência", Marx concorda com os austríacos e discorda de todos os atuais marxistas e demais intervencionistas.  Veja o que ele escreveu logo nas páginas iniciais do Manifesto Comunista:
A burguesia, pelo rápido melhoramento de todos os instrumentos de produção, pelas comunicações infinitamente facilitadas, arrasta todas as nações, mesmo as mais bárbaras, para a civilização. Os preços baratos das suas mercadorias são a artilharia pesada com que deita por terra todas as muralhas da China, com que força à capitulação o mais obstinado ódio dos bárbaros ao estrangeiro. Compele todas as nações a apropriarem o modo de produção da burguesia, se não quiserem arruinar-se; compele-as a introduzirem no seu seio a chamada civilização, i. é, a tornarem-se burguesas. Numa palavra, ela cria para si um mundo à sua própria imagem.
Em suma: além de creditar à burguesia e aos seus instrumentos de produção — isto é, ao sistema de lucros e prejuízos — a façanha de retirar nações da barbárie e levá-las à civilização, Marx afirma categoricamente que o modo de produção burguês — que nada mais é do que a busca pelo lucro — gera mercadorias a preços baratos.  E não apenas isso: ele afirma que o sistema de lucros e prejuízos compele todas as nações a adotarem este modo de produção, sob pena de se arruinarem por completo caso não o façam.
Ou seja, o real problema dos atuais marxistas e demais intervencionistas que se dizem contrários a serviços de saúde, educação, segurança, energia e telecomunicações serem ofertados em um ambiente de livre concorrência, pois seriam caros e inacessíveis para os pobres, é que eles certamente não leram Marx.  Se leram, não entenderam.  Marx entendeu perfeitamente que a busca pelo lucro sob um arranjo de livre concorrência leva ao barateamento dos produtos e serviços, e que tal barateamento é "a artilharia pesada com que [o sistema de lucros] ... compele todas as nações a apropriarem o modo de produção da burguesia [e se tornarem civilizadas], se não quiserem arruinar-se."
Ao contrário dos marxistas atuais que defendem a estatização de vários serviços sob o argumento de que isso reduziria seus preços, Marx entendeu que é a busca pelo lucro o que realmente derruba os preços, e não a estatização destes serviços.
Como se não bastasse, Marx também disparou um petardo contra keynesianos defensores de estímulos fiscais e de políticas de endividamento estatal.  Marx zombou o keynesianismo antes mesmo de este sistema ter sido criado — algo possível porque não havia absolutamente nada de original nas ideias de Keynes.
Eis o que escreveu Marx em O Capital, capítulo 24, seção 6, "A Gênese do Capitalista Industrial":
A única parte da chamada riqueza nacional que realmente está na posse coletiva dos povos modernos é a sua dívida pública.  Daí ... a doutrina moderna de que um povo se torna tanto mais rico quanto mais profundamente se endividar.  A dívida pública torna-se o credo do capital.  E, com o surgir do endividamento do Estado, vai para o lugar dos pecados contra o Espírito Santo — para os quais não há qualquer perdão — o perjúrio contra a dívida do Estado.
Como com o toque da varinha mágica, [a dívida pública] reveste o dinheiro improdutivo de poder procriador e transforma-o assim em capital.  ... [Mas] a moderna política fiscal... traz em si própria o germe da progressão automática. A sobretaxação não é um acidente, mas sim um princípio.
Conclusão
Eis, portanto, as duas crenças que um genuíno seguidor de Karl Marx deve apresentar: a busca pelo lucro em um ambiente de livre mercado gera redução de preços, e políticas fiscais keynesianas, além de serem um método de escravização, fazem com que dinheiro improdutivo seja ilusoriamente visto como capital gerador de riqueza.  Mais ainda: segundo Marx, criticar o endividamento do estado passou a ser visto pelos defensores da gastança estatal como um ato equivalente a uma blasfêmia contra o Espírito Santo.
Logo, se você é um marxista defensor dos pobres e quer que eles tenham acesso a bens e serviços de qualidade a preços baixos, você tem de defender o livre mercado.  Se você defende que o povo tenha poder sobre as empresas, você tem de defender o livre mercado.  E se você é contra a escravização do povo pelas elites financeiras, você tem de defender que os gastos do governo sejam restringidos ao máximo. 
Agora, se você defende que o governo regule o mercado e gaste demasiadamente, você estará defendendo os interesses das grandes empresas e das elites financeiras, e estará defendendo que elas tenham privilégios sobre os pobres e que elas os oprimam com a abolição da concorrência, com preços altos e com serviços precários.
Palavras de Marx.

Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.