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quinta-feira, 20 de março de 2014

Seminário “América Latina: Oportunidades y Desafios”, Lima, Peru, 24-25 março 2014

Seminário “América Latina: Oportunidades y Desafios”
Lima, Peru,  24-25 março 2014

Dia 24 de março, segunda-feira
08:45 horas – Abertura do Seminário “América Latina: Oportunidades y Desafios”
- Palavras de Mario Vargas Llosa – Presidente da Fundación Internacional para la Libertad

09:00 horas – Painel I: “UNA VISIÓN DE LOS PROTAGONISTAS”
- Sebastián Piñera – Presidente do Chile (2009 –2014)
- Felipe Calderón – Presidente do México (2006 – 2012)
Moderador: Luis Bustamante Belaunde – Reitor Emérito da UPC, Perú.

10:30 horas - Painel II “EL DESAFIO DEL NEOPOPULISMO”
- Mauricio Macri – Prefeito de Buenos Aires, Argentina
- Maria Corina Machado – Deputada, Venezuela
- Oscar Ortiz –  Ex - Presidente do Congresso, Bolívia
- Jorge Larrañaga – Candidato à presidência do Uruguai
Moderador: Álvaro Vargas Llosa,  Escritor, Peru.

12:15 horas – Painel III: “EDUCACIÓN, CULTURA Y LIBERTAD”
- Carlos Alberto Montaner –  Escritor,  Cuba
- Arturo Fontaine– Escritor, Ex Diretor do Centro de Estudios Públicos, Chile
- José Luis García Delgado  – Ex - Reitor da Universidade Internacional Menéndez Pelayo, Espanha
- Sergio Ramírez -  Poeta, Ex-Vice-Presidente de Nicarágua                              
Moderador: Lorenzo Bernaldo de Quiroz,  Freemarket, Espanha.

17:00 horas – Bienal de novela Mario Vargas Llosa 2014
local: Museu de Arte Contemporânea - Av. Miguel Grau, 1511

Dia 25 de março, terça-feira
09:00 horas – Painel IV “EL PROBLEMA DE LAS DROGAS”
- Antonio Escohotado – Ensayista, Espanha
- Jorge Castañeda – Escritor, Ex – Chanceler do México
- Héctor Aguilar – Jornalista, México
 Moderador: Ian Vásquez – Cato Institute, USA.

10:30 horas – Painel V  “LA EXPERIENCIA DEL MODELO”
- Eva Arias – Presidenta da Sociedad Nacional de Minería y Petróleo, Perú
- Fernando Schuler – Fronteiras do Pensamento, Brasil
- Plinio Apuleyo Mendoza –  Escritor, Colômbia
Moderador: Miguel Vega Alvear,  CAPEBRAS, Peru.

12.00 – PANEL VI “PERU: LA AGENDA PENDIENTE”
- Gastón Acurio – Empresario, Peru
- Alfredo Barnechea – Escritor, Peru
- Beatriz Merino – Ex – Primeira- Ministra do Peru
Moderador: Enrique Ghersi – CITEL, Peru.


segunda-feira, 10 de março de 2014

Venezuela: o fascismo chavista e o futuro da liberdade - Mario Vargas Llosa

Muitos mais poderão morrer, mas a liberdade vai triunfar, contra o fascismo, na Venezuela, algum dia.
Todas as tiranias acabam no sofrimento e no sangue. Mas acabam, pois a liberdade sempre triunfa.
Triste é ter de contemplar a atitude vergonhosa do governo brasileiro, de apoio a um governo liberticida  e assassino.
Paulo Roberto de Almeida 

Trincheiras da liberdade na Venezuela
Mario Vargas Llosa
O Estado de S.Paulo, 10/03/2014

Há quatro semanas, os estudantes venezuelanos começaram a protestar nas ruas das principais cidades do país contra o governo de Nicolás Maduro. Apesar da dura repressão - 20 mortos, mais de 300 feridos reconhecidos até agora pelo regime e cerca de mil presos, entre eles Leopoldo López, um dos principais líderes da oposição -, a mobilização popular continua firme.
Ela semeou pela Venezuela "Trincheiras da Liberdade" nas quais, além de universitários e escolares, há também operários, donas de casa, funcionários de escritório e profissionais liberais, em uma onda popular que parece ter superado a Mesa da Unidade Democrática (MUD), a organização que abrange todos os partidos e grupos políticos de oposição, graças aos quais a Venezuela não se transformou ainda numa segunda Cuba.
No entanto, é evidente que essas são as intenções do sucessor do comandante Hugo Chávez. Todos os passos que ele deu desde que assumiu o poder que lhe foi ungido, no ano passado, são inequívocos. O mais notório deles, a asfixia sistemática da liberdade de expressão. O único canal de TV independente que sobrevivia - a Globovisión - foi submetido a uma perseguição tal pelo governo, que seus donos tiveram de vendê-lo a empresários favoráveis à situação, que agora o alinharam ao chavismo.
O controle das estações de rádio é praticamente absoluto e as que ainda se atrevem a dizer a verdade sobre a catastrófica situação econômica e social do país têm os dias contados. A mesma coisa ocorre com a imprensa independente que o governo está eliminando aos poucos pela privação de papel-jornal.
Entretanto, embora o povo venezuelano quase não possa ver, ouvir nem ler uma informação livre, experimenta na carne a brutal e trágica situação para a qual os desvarios ideológicos do regime - as estatizações, o intervencionismo sistemático na vida econômica, a perseguição às empresas privadas, a burocratização cancerosa - levaram a Venezuela e essa realidade não pode ser ocultada com demagogia. A inflação é a mais elevada da América Latina e a criminalidade, uma das mais altas do mundo.
A carestia e o desabastecimento esvaziaram as prateleiras das lojas e a imposição do tabelamento dos preços para todos os produtos básicos criou um mercado negro que multiplica a corrupção a extremos vertiginosos. Somente a nomenclatura conserva os elevados níveis de vida, enquanto a classe média encolhe cada vez mais e os setores populares são golpeados de uma maneira cruel que o regime trata de amenizar com medidas populistas - estatismo, coletivismo, distribuição de doações e muita propaganda acusando a "direita", o "fascismo" e o "imperialismo americano" pela desordem e pela queda livre do nível de vida do povo venezuelano.
O historiador mexicano Enrique Krauze lembrava há alguns dias o fantástico desperdício do regime chavista, nos seus 15 anos no poder, dos US$ 800 bilhões que ingressaram no país neste período, graças ao petróleo. Boa parte desse esbanjamento serviu para garantir a sobrevivência econômica de Cuba e para subvencionar ou subornar governos que, como o nicaraguense do comandante Daniel Ortega, o argentino de Cristina Kirchner ou o boliviano de Evo Morales, apressaram-se nos últimos dias em solidarizar-se com Maduro e em condenar os protestos dos estudantes "fascistas" venezuelanos.
A prostituição das palavras, como assinalou George Orwell, é a primeira façanha de todo governo de vocação totalitária. Nicolás Maduro não é um homem de ideias, como percebe de imediato quem o ouve falar. Os lugares comuns tornam seus discursos confusos e ele os pronuncia sempre rugindo, como se o barulho pudesse suprir a falta de argumentos. Sua palavra favorita é "fascista", com a qual ele se dirige sem o menor motivo a todos os que o criticam e se opõem ao regime que levou um dos países potencialmente mais ricos do mundo à pavorosa situação em que se encontra.
Sabe, senhor Maduro, o que significa fascismo? Não o ensinaram nas escolas cubanas? Fascismo significa um regime vertical e caudilhista, que elimina toda forma de oposição e, mediante a violência, anula ou extermina as vozes dissidentes. Um regime que invade todos os aspectos da vida dos cidadãos, do econômico ao cultural e, principalmente, é claro, o político. Um regime em que pistoleiros e capangas asseguram, mediante o terror, a unanimidade do medo, do silêncio e uma frenética demagogia por meio de todos os veículos de comunicação na tentativa de convencer o povo, dia e noite, de que vive no melhor dos mundos.
Ou seja, o que está vivendo cada dia mais o infeliz povo venezuelano é o fascismo, que representa o chavismo em sua essência, esse fundo ideológico no qual, como explicou tão bem Jean-François Revel, todos os totalitarismos - fascismo, leninismo, stalinismo, castrismo, maoismo e chavismo - se fundem e se confundem.
É contra essa trágica decadência e a ameaça de um endurecimento ainda maior do regime - uma segunda Cuba - que se levantaram os estudantes venezuelanos, arrastando com eles setores muito diferentes da sociedade. Sua luta é para impedir que a noite totalitária caia totalmente sobre a terra de Simón Bolívar e não haja volta.
Acabei de ler um artigo de Joaquín Villalobos (Como enfrentar o chavismo)no jornal El País, desaconselhando a oposição venezuelana a adotar a ação direta que empreendeu e recomendando que, ao contrário, espere se fortalecer para poder ganhar as próximas eleições. Surpreende a ingenuidade do ex-guerrilheiro convertido à cultura democrática.
Quem garante que haverá futuras eleições dignas desse nome na Venezuela? Por acaso foram as últimas, nas condições de desvantagem da oposição em que transcorreram, com um poder eleitoral submisso ao regime, uma imprensa sufocada e um controle obsceno da recontagem dos votos pelos testas de ferro do governo?
Evidentemente, a oposição pacífica é o ideal na democracia. A Venezuela, porém, não é mais um país democrático e está muito mais próximo de uma ditadura como a cubana do que são, hoje, países como México, Chile ou Peru. A grande mobilização popular que a Venezuela vive ocorre precisamente para que, no futuro, haja ainda eleições de verdade e essas operações não se tornem rituais circenses como eram as da ex-União Soviética ou são as de Cuba, onde os eleitores votam em candidatos únicos, que ganham com 99% dos votos.
O que é triste, embora não surpreendente, é a solidão em que os valentes venezuelanos que ocupam as Trincheiras da Liberdade estão lutando para salvar seu país e toda a América Latina de uma nova satrapia comunista, sem receber o apoio que merecem dos países democráticos ou desta inútil e carcomida Organização dos Estados Americanos (OEA), que, segundo sua declaração de princípios, que vergonha, deveria zelar pela legalidade e pela liberdade dos países que a integram.
Naturalmente, que outra coisa pode se esperar de governos cujos presidentes compareceram, praticamente todos, em Havana, para a cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e para prestar homenagem a Fidel Castro, múmia viva e símbolo animado da ditadura mais longeva da história da América Latina.
Entretanto, o lamentável espetáculo não deve tirar as esperanças dos que acreditam que, apesar de tantos indícios contrários, a cultura da liberdade lançou raízes no continente latino-americano e não voltará a ser erradicada no futuro imediato, como tantas vezes no passado.
Os povos dos nossos países costumam ser melhores do que seus governos. Ali, estão para demonstrar isso os venezuelanos, assim como os ucranianos, arriscando suas próprias vidas em nome de todos nós para impedir que na terra da qual saíram os libertadores da América do Sul desapareçam os últimos resquícios de liberdade que ainda restam. Mais cedo ou mais tarde, eles triunfarão. 

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Mario Vargas Llosa e os esquerdistas da Suecia - Cato Institute

Meu amigo Orlando Tambosi me chama a atenção para esta matéria, do Cato Institute, que reflete a geografia universal dos néscios...
Paulo Roberto de Almeida

A Suécia também tem seus estúpidos ideológicos
Orlando Tambosi, 26/01/2014

A Suécia, tão festejada pelos amantes do Estado benfeitor, também tem lá seus estúpidos ideológicos esquerdistas. Convém lembrar que eles gritaram contra o "traidor" Mário Vargas Llosa, quando a Academia Sueca lhe concedeu o Prêmio Nobel de Literatura. (2010). Leiam o artigo de Joahan Norberg, que revela o nefando preconceito contra um dos raros intelectuais liberais da América Latina. Ah, não deem o prêmio a um "direitista", bradaram os estúpidos do estatismo. Segue o texto, na íntegra:

“Estoy un poco molesta”, dijo la crítica de literatura Ulrika Miles durante el anuncio en televisión sueca del Premio Nóbel de Literatura del 2010. La elite cultural del país se demoró segundos en darse cuenta de que se había cometido un error en el proceso de votación de la Academia Sueca: como sabrán, Mario Vargas Llosa, el ganador, ya no es socialista. “Lo perdí cuando se convirtió en un neoliberal”, se lamentaba Miles. Muchos otros hacían eco de su queja.
La gente que nunca tuvo reparos sobre la orientación política de otros ganadores del Premio Nóbel —como Wislawa Szymborska, quien escribió celebraciones poéticas de Lenin y Stalin; Günter Grass, quien alabó a la dictadura cubana; Harold Pinter, quien respaldó a Slobodan Milosevic; José Saramago, quien purgó a los anti-estalinistas del periódico que él editaba— pensó que la Academia Sueca finalmente había cruzado la línea. La orientación política de Mario Vargas Llosa aparentemente debería haberlo descalificado de cualquier consideración para el premio. Él es, después de todo, un liberal clásico que sigue la tradición de John Locke y Adam Smith.
Los periodistas y escritores de la izquierda estatista de Suecia explicaron que Vargas Llosa se había convertido en “traidor” durante los ochenta, cuando se opuso públicamente al socialismo e incluso se lanzó para la presidencia del Perú con un programa de gobierno liberal. Sugirieron que fue probablemente su estilo de vida privilegiado de escritor exitoso lo que socavó su simpatía y solidaridad con los pobres y los oprimidos.
En el periódico más importante de Suecia, Aftonbladet, tres escritores lo acribillaron el primer día del anuncio del Premio Nóbel. Uno escribió que el premio era un triunfo para la derecha sueca; otro dijo que era una victoria para la derecha autoritaria de América Latina; otro lo acusó de ser no solamente un neoliberal, sino también un “machista” (lo que Vargas Llosa ignoraba es que hoy en día solamente es aceptable que las mujeres escriban sobre sexo; cuando los hombres lo hacen, aparentemente, es algo machista y de mal gusto).
Martin Ezpeleta de Aftonbladet incluso dijo que el premio era una victoria para los racistas porque Vargas Llosa una vez escribió un ensayo atacando la ideología del multiculturalismo. Que en ese mismo ensayo también haya pedido que se adopte una política de inmigración más abierta no fue de importancia para Ezpeleta —hasta que otros detectaron su distorsión y él silenciosamente omitió la acusación de “racismo” de su artículo y pretendió que nunca estuvo ahí.
Al periódico de extrema izquierda Flamman le tocó decirles a sus lectores que se calmaran. Sí, Vargas Llosa es un liberal, pero también es un escritor fantástico y una “excelente elección” para el Premio Nóbel. Bueno, de hecho él lo es. Incluso si uno odia los mercados libres, el libre comercio y otras cosas que Vargas Llosa respalda, es difícil negar que es uno de los mejores novelistas de nuestros tiempos.
Vargas Llosa ha escrito cuentos sencillos, incluso unos cómicos, pero las novelas comoLa fiesta del chivo y La guerra del fin del mundo son ese tipo de relatos ambiciosos que ya no se cuentan, en una época en que gran parte de los escritores no tienen la paciencia de compartir algo más allá de sus bares favoritos y sus trágicas vidas amorosas. En sus mejores momentos, Vargas Llosa es la respuesta del mundo literario a una serie de científicos teóricos: él trata con más dimensiones que las que gran parte de nosotros podemos experimentar con nuestros sentidos. Como Víctor Hugo, captura toda una era o la tragedia de un país en unos cuantos capítulos, pero como los mejores escritores de novelas de crimen, él también nos mantiene en suspenso con intrigas dramáticas. Y también administra un gran número de personajes, como los grandes escritores rusos —personajes cuyas relaciones, conversaciones y desarrollos internos constituyen el verdadero escenario de la novela.
Vargas Llosa va y viene entre estas dimensiones, cambia la narración y los tiempos para contar la misma historia desde distintos ángulos, para hacerla más completa pero también más compleja. Es algo técnicamente complejo, pero fácilmente accesible y legible, incluso resulta difícil soltar un libro suyo una vez que se empieza a leerlo. Puede hacer que temas ligeros parezcan serios e importantes y puede escribir acerca de la miseria y la tragedia de una manera humorística e irónica.
Pero antes de que se deje llevar y concluya que Vargas Llosa se merece el premio: ¿me olvidé de decirle que no es socialista? Bueno, antes lo era. Era un comunista convencido que respaldaba la revolución cubana. Cambió de parecer no porque ya no era capaz de simpatizar con los pobres y los oprimidos, sino porque todavía lo hacía cuando otros empezaron a identificarse más con los revolucionarios que con la gente en cuyo nombre se hacía la revolución. Él vio que Castro perseguía a los homosexuales y encarcelaba a los disidentes. Mientras que otros socialistas se quedaron callados y pensaron que el sueño justificaba los medios, Vargas Llosa empezó a hacerse preguntas incómodas acerca de cómo sus ideales, una vez realizados, se parecían más a los campos de concentración que a las utopías socialistas.
Ahí es cuando el autor empezó a pensar que la centralización del poder y de la riqueza en el Estado derivaba en autoritarismo y que las barreras comerciales, las regulaciones y la ausencia de los derechos de propiedad protegían a los poderosos y hacían imposible que los pobres inicien un negocio y se construyan una vida. Se convirtió en un liberal clásico, siempre luchando en contra de los corruptos y los autoritarios, sin importar como se disfrazaran —ya sea como juntas militares, o como personas de la derecha mercantilista o como dictadores socialistas— y emprendió en la lucha por el Estado de Derecho y los derechos de propiedad para los pobres y los oprimidos.
Los intentos de presentar a Vargas Llosa como un partidario de la derecha autoritaria en América Latina son simplemente vergonzosos. La única pieza de evidencia en el artículo de Aftonbladet fue que respaldó a Sebastián Piñera en la última elección presidencial de Chile —lo cual, sin embargo, no tiene sentido ya que Piñera es un político democrático moderado que ha criticado la tradición autoritaria de la derecha chilena y que votó en contra de Pinochet en el referéndum sobre su mandato en 1988.
El intento de Vargas Llosa de someter a todos los gobernantes a los mismos estándares es lo que hace algo sumamente revelador la aseveración de que él traicionó a la izquierda. Muchos intelectuales han condenado a las dictaduras derechistas de Perú y de Chile y muchos intelectuales han condenado a las dictaduras izquierdistas de Cuba y de Nicaragua, pero pocos han condenado ambos grupos de dictaduras como Vargas Llosa.
Si eso es un ataque para la izquierda, lo es solamente porque la izquierda ha puesto su esperanza en generaciones sucesivas de caudillos como Castro y Chávez. Para la izquierda, cualquiera que insiste en que las mismas reglas democráticas deberían aplicarse a sus héroes se vuelve un traidor, un derrotista, un derechista. Él es el esclavo dentro de sus filas, murmurando que toda la gloria es efímera y que ustedes son mortales. Y ese no es un papel popular. Como Vargas Llosa escribió una vez: “Por razones que no entiendo, cualquiera que defiende la libertad de expresión, las elecciones libres y el pluralismo político en América Latina es visto como un derechista entre los intelectuales de la región”.
Los intentos de politizar el premio de literatura y las demandas de que los autores deberían ser izquierdistas confesos no son muy atractivos. Pero tal vez los críticos han señalado algo válido. Tal vez no podemos separar a las novelas de Vargas Llosa de su pensamiento político, su literatura de su creencia en la libertad. En un ensayo acerca de la literatura él explicó que “toda la literatura buena es radical y hace preguntas radicales acerca del mundo en el que vivimos”, y que toda la literatura es “el alimento de los que tienen un espíritu rebelde, la promulgadora de las inconformidades”.
Incluso se puede decir que la Academia Sueca está de acuerdo, porque le dio el premio a Vargas Llosa “su cartografía de las estructuras de poder y por sus incisivas imágenes de la resistencia, la rebelión y la derrota del individuo”. La diferencia entre él y sus viejos amigos que ahora son sus opositores es que él toma en serio a ese poder y a esa resistencia. No son solo meras ficciones. (El Cato).

domingo, 26 de janeiro de 2014

Liberais, liberalismos, diversos e contraditorios - Mario Vargas Llosa

Liberais e liberais
Mario Vargas Llosa* 
O Estado de S.Paulo, 26 de janeiro de 2014

Assim como os seres humanos, as palavras mudam de conteúdo dependendo do tempo e do lugar. Acompanhar suas transformações é instrutivo, embora, às vezes, como ocorre com o vocábulo "liberal", semelhante averiguação possa fazer com que nos extraviemos num labirinto de dúvidas.
No Quixote e na literatura de sua época, a palavra aparece várias vezes. O que significa em tal contexto? Homem de espírito aberto, bem educado, tolerante, comunicativo; em suma, uma pessoa com a qual se pode simpatizar. Nela não há conotações políticas nem religiosas, apenas éticas e cívicas no sentido mais amplo de ambos os termos.
No fim do século 18, esse vocábulo muda de natureza e adquire matizes que têm a ver com as ideias sobre a liberdade e o mercado, dos pensadores britânicos e franceses do Iluminismo (Stuart Mill, Locke, Hume, Adam Smith, Voltaire). Os liberais combatem a escravidão e o intervencionismo do Estado, defendem a propriedade privada, o livre comércio, a concorrência, o individualismo, e declaram-se inimigos dos dogmas e do absolutismo.
No século 19, um liberal é acima de tudo um livre pensador: ele defende o Estado laico, quer separar a Igreja do Estado, emancipar a sociedade do obscurantismo religioso. Suas divergências com os conservadores e os regimes autoritários geram, às vezes, guerras civis e revoluções. O liberal de então é o que hoje chamaríamos um progressista, defensor dos direitos humanos (conhecidos desde a Revolução Francesa como Direitos do Homem) e da democracia.
Com o aparecimento do marxismo e a difusão das ideias socialistas, o liberalismo passa da vanguarda para a retaguarda, por defender um sistema econômico e político - o capitalismo - que o socialismo e o comunismo querem abolir em nome de uma justiça social que identificam com o coletivismo e o estatismo (essa transformação do termo liberal não ocorre em todas as partes). Nos Estados Unidos, um liberal é ainda um liberal, um social-democrata ou pura e simplesmente um socialista. A conversão da vertente comunista do socialismo para o autoritarismo impele o socialismo democrático para o centro político e o aproxima - sem juntá-lo - ao liberalismo.
Nos nossos dias, liberal e liberalismo significam, dependendo das culturas e dos países, coisas distintas e às vezes contraditórias. O partido do tiranete nicaraguense Anastacio Somoza dizia-se liberal, e assim se denomina, na Austrália, um partido neofascista. A confusão é tão extrema que regimes ditatoriais como os de Pinochet no Chile e o de Fujimori no Peru são chamados às vezes "liberais" ou "neoliberais" porque privatizaram algumas empresas e abriram mercados. Desta degeneração da doutrina liberal não são totalmente inocentes alguns liberais convencidos de que o liberalismo é uma doutrinaessencialmente econômica, que gira em torno do mercado como uma panaceia mágica para a solução de todos os problemas sociais. Estes logaritmos viventes chegam a formas extremas de dogmatismo, e se dispõem a fazer tais concessões no campo político à extrema direita e ao neofascismo que contribuem para desprestigiar as ideias liberais e para que sejam vistas como uma máscara da reação e da exploração.
Dito isso, é verdade que alguns governos conservadores, como os de Ronald Reagan nos Estados Unidos, e de Margaret Thatcher na Grã-Bretanha, realizaram reformas econômicas e sociais de inequívoca raiz liberal, impulsionando a cultura da liberdade de maneira extraordinária, embora em outros campos a fizessem retroceder. Poderíamos dizer o mesmo de alguns governos socialistas, como o de Felipe González na Espanha ou o de José Mujicano Uruguai, que, na esfera dos direitos humanos, promoveram o progresso em seus países reduzindo injustiças inveteradas e criando oportunidades para os cidadãos de renda inferior.
Nos nossos dias, uma das características do liberalismo é que pode ser encontrado nos lugares mais impensados e, às vezes, brilha pela ausência onde certos ingênuos acreditam vê-lo. Pessoas e partidos devem ser julgados não pelo que dizem e pregam, mas pelo que fazem. No debate que se desenrola nos dias de hoje no Peru sobre a concentração dos veículos de comunicação, alguns defensores da aquisição pelo grupo El Comercio da maioria das ações deEpensa, o que lhe confere quase 80% do mercado da imprensa, são jornalistas que silenciaram ou aplaudiram quando a ditadura de Fujimori e Montesinos cometia seus crimes mais hediondos e manipulava toda a informação, comprando ou intimidando donos e redatores de jornais. Como poderíamos levar a sério esses novíssimos catecúmenos da liberdade?
Um filósofo e economista liberal da chamada escola austríaca, Ludwig vonMises, opunha-se à existência de partidos liberais, porque, na sua opinião, o liberalismo devia ser uma cultura que irrigasse um leque muito amplo de formações e movimentos que, embora tivessem importantes discrepâncias, compartilhavam de um denominador comum sobre certos princípios liberais básicos.
Algo disso ocorre há bastante tempo nas democracias mais avançadas, onde, com diferenças mais de matiz do que de essência, entre democratas-cristãos esocial-democratas e socialistas, liberais e conservadores, republicanos e democratas, há alguns consensos que dão estabilidade às instituições e continuidade às políticas sociais e econômicas, um sistema que só se considera ameaçado por seus extremos, o neofascismo da Frente Nacional na França, por exemplo, ou a Liga Lombarda na Itália, e grupos e grupelhos ultra comunistas e anarquistas.
Na América Latina, esse processo se dá de maneira mais pausada e com maior risco de retrocesso do que em outras partes do mundo, em razão da debilidade em que se encontra ainda a cultura democrática, que tem uma tradição somente em países como Chile, Uruguai e Costa Rica, enquanto nos demais é muito maisprecária. Mas começou a acontecer, e a maior prova disso é que as ditaduras militares praticamente se extinguiram e que, dos movimentos armados revolucionários, sobrevive a duras penas o das Farc colombianas, com um apoio popular decrescente. É verdade que há governos populistas e demagógicos, deixando de lado o anacronismo que é Cuba, mas a Venezuela, por exemplo, que aspirava a ser o grande fermento do socialismo revolucionário latino-americano, vive uma crise econômica, política e social tão profunda, com a grande desvalorização de sua moeda, a carestia demencial - falta tudo, comida, água, até papel higiênico - e as iniquidades da delinquência, que dificilmente poderia agora ser o modelo continental no qual queria transformá-la o comandante Chávez.
Há certas ideias básicas que definem um liberal. Por exemplo, a liberdade, valor supremo, é una e indivisível, e deve atuar em todos os campos para garantir o verdadeiro progresso. A liberdade política, econômica, social cultural, é uma só e todas elas permitem o avanço da justiça, da riqueza, dos direitos humanos, das oportunidades e da coexistência pacífica em uma sociedade. Se a liberdade se eclipsa em apenas um desses campos, ela se encontra armazenada em todos os outros. Os liberais acreditam que o Estado pequeno é mais eficiente do que o que cresce demasiado e, quando isso ocorre, não só a economia se ressente, como também o conjunto das liberdades públicas. Eles acreditam que a função do Estado não é produzir riqueza, e essa função é melhor desempenhada pela sociedade civil, num regime de livre mercado, no qual são proibidos os privilégios e a propriedade privada é respeitada. Indubitavelmente, a segurança, a ordem pública, a legalidade, a educação e a saúde competem ao Estado, mas não de maneira monopólica, e sim em estreita colaboração com a sociedade civil.
Estas e outras convicções gerais de um liberal têm, na hora de serem aplicadas, fórmulas e matizes muito diferentes relacionados ao grau de desenvolvimento de uma sociedade, de sua cultura e de suas tradições. Não há fórmulas rígidas e receitas únicas para que as ponhamos em prática. Forçar reformas liberais de maneira abrupta, sem consenso, pode provocar frustração, desordens e crises políticas que põem em risco o sistema democrático. Este é tão essencial ao pensamento liberal como o da liberdade econômica e o do respeito pelos direitos humanos. Por isso, a difícil tolerância - para quem, como nós, espanhóis e latino-americanos, tem uma tradição dogmática e intransigente tão forte - deveria ser a virtude mais apreciada entre os liberais. Tolerância significa simplesmente aceitar a possibilidade do erro nas próprias convicções e de verdade nas alheias.
Por isso, é natural que haja entre os liberais discrepâncias, e às vezes muito sérias, sobre temas como o aborto, os casamentos gays, a legalização das drogas e outros. Sobre nenhum desses temas existem verdades reveladas. A verdade, como estabeleceu Karl Popper, é sempre provisória, válida apenas enquanto não surgir outra que a qualifique ou a refute. Os congressos e encontros liberais costumam ser frequentemente parecidos com os dos trotskistas (quando existia o trotskismo): batalhas intelectuais em defesa de ideias contrapostas. Alguns veem nisso um traço de inoperância e irrealismo. Acredito que essas controvérsias entre o que Isaias Berlin chamava de "as verdades contraditórias"fizeram com que o liberalismo continue sendo a doutrina que mais contribuiu para melhorar a coexistência social, promovendo o avanço da liberdade humana.
*Mario Vargas Llosa é Prêmio Nobel de Literatura.
E-mai: llosa@estado.com.br / Site: www.llosa.com.br

TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA 

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Uma disputa dinossaurica na Bolivia: neoliberalismo ou neoestatismo? - Vargas Llosa vs Garcia Linera

Resta saber quem são os verdadeiros dinossauros: aqueles que proclamam as virtudes da economia de mercado, ou os que afiançam os valores do Estado indutor, corretor, dirigente.
Um teste da História nos mostraria o caminho: a América Latina, desde pelo menos os anos 1940 vem tentando se desenvolver pela via do Estado. Quais foram os progressos realizados?
Algum país conseguiu ultrapassar a barreira do subdesenvolvimento por essa via?
Paulo Roberto de Almeida

Bolivia

Vicepresidente boliviano llama “dinosaurio” del neoliberalismo a Vargas Llosa

Fotografía cedida hoy, lunes 7 de mayo de 2012, por la Agencia Boliviana de Información/ SOLO USO EDITORIAL/ NO VENTAS
Infolatam/Efe
La Paz, 8 de enero de 2014
Las claves
  • "Lamentamos que sea un último espécimen de un parque jurásico en vías de extinción porque eso son los liberales, los de pensamiento liberal en el mundo entero", dijo García Linera.
  • El Premio Nobel de Literatura 2010 llegará a Santa Cruz el próximo 22 de enero, invitado por la privada Fundación Nueva Democracia, y permanecerá durante seis días.
El vicepresidente de Bolivia, Álvaro García Linera, tildó de “dinosaurio” del neoliberalismo al escritor peruano Mario Vargas Llosa, cuya visita al país andino a fines de este mes ha sido criticada por el Gobierno de Evo Morales.
García Linera, que ejerce la Presidencia interina de Bolivia por el viaje de Morales a Nueva York, señaló que aprecia “mucho” a Vargas Llosa como literato y novelista porque “tiene una calidad extraordinaria” pero, a su juicio, “como ideólogo es una pena”.
“Como político, es un hombre fracasado, un dinosaurio que debería estar en un parque jurásico porque en el siglo XXI hablar de neoliberalismo es (como estar en) un parque jurásico que está en vías de extinción”, dijo a los medios en el departamento de Santa Cruz (este).
“Lamentamos que sea un último espécimen de un parque jurásico en vías de extinción porque eso son los liberales, los de pensamiento liberal en el mundo entero”, agregó.
El Premio Nobel de Literatura 2010 llegará a Santa Cruz el próximo 22 de enero, invitado por la privada Fundación Nueva Democracia, y permanecerá durante seis días.
Vargas Llosa tiene previsto reunirse con el gobernador de la oriental Santa Cruz, el opositor Rubén Costas, quien es candidato a los comicios presidenciales previstos para octubre próximo.
También dará conferencias, se reunirá con artistas y líderes de opinión y, además, visitará la zona de las Misiones Jesuíticas del oriente, que son patrimonio cultural del país.
El literato ha criticado varias veces a Morales, al considerar que no gobierna de forma democrática y tiene orientaciones autoritarias, una crítica que también le ha hecho Costas y que ha rechazado el Ejecutivo boliviano.
El Gobierno boliviano cree que la llegada de Vargas Llosa es parte de una estrategia montada desde Estados Unidos para desprestigiar a la Administración de Morales.
García Linera insistió hoy en que la reunión del escritor con el gobernador Costas será “un encuentro de personajes del parque jurásico en términos ideológicos” porque, según dijo, el neoliberalismo pertenece al siglo pasado y ha fracasado.


sábado, 4 de janeiro de 2014

Vargas Llosa sobre o livro postumo de Cabrera Infante: retrato datristeza

Já tinha postado aqui mesmo, semanas atrás, o original em espanhol desta resenha-artigo de Vargas Llosa, quando de sua publicação no El País. Vale a releitura, pois capta o monento em que a revolução cubana deixa definitivamente seu caráter romântico para se converter no gigantesco processo stalinista grotesco em que se converteu.
Parece que os intelectuais brasileiros nunca perceberam a mudança: atrasados mentais.
Paulo Roberto de Almeida 

Um grande mapa da tristeza
Livro póstumo de Guillermo Cabrera Infante é testemunho atroz e kafkiano sobre a Revolução Cubana
04 de janeiro de 2014 | 2h 05
MARIO VARGAS LLOSA / EL PAÍS - O Estado de S.Paulo

O livro póstumo de Guillermo Cabrera Infante, publicado recentemente, intitula-se Mapa Dibujado por Un Espia, mas deveria chamar-se O Mapa da Tristeza, pelo sentimento de solidão, amargura, impotência e incerteza que o impregna do princípio ao fim. Ele conta os quatro meses e meio que passou em Havana, em 1965, ao regressar por causa da morte da mãe, procedente de Bruxelas, onde exercia a função de adido cultural de Cuba. Planejava retornar à Bélgica dentro de poucos dias, mas, quando estava a ponto de embarcar de volta ao seu posto diplomático, juntamente com suas duas filhas pequenas, Anita e Carola, recebeu no aeroporto de Rancho Boyeros um chamado oficial, dizendo que deveria suspender a viagem porque o ministro das Relações Exteriores,Raúl Roa, tinha urgência de falar com ele. Regressou a Havana imediatamente, surpreso e inquieto. O que teria ocorrido? Nunca chegaria a saber.
O livro narra, aos borbotões e às vezes com frenesi e de maneira atabalhoada, os quatro meses seguintes, nos quais Cabrera Infante voltou muitas vezes ao ministério, sem que o ministro ou algum dos chefes o recebesse, descobrindo desse modo ter caído em desgraça, mas sem inteirar-se jamais como nem por quê. Entretanto, no dia seguinte à sua chegada, Raúl Roa o cumprimentara por sua gestão de diplomata, e anunciara que provavelmente voltaria a Bruxelas promovido ao cargo de ministro conselheiro da embaixada. A que ou a quem ele deveria a intervenção para que seu destino mudasse da noite para o dia? Quanto ao resto, recebeu o seu salário e inclusive renovaram seu cartão que lhe permitia fazer compras nas lojas para diplomatas, mais bem supridas do que aquelas, cada vez mais míseras, frequentadas pelas pessoas comuns. Acaso o governo o considerava um inimigo da Revolução?
Conflito. A verdade é que ele ainda não era. Tivera um conflito com o regime em 1961, quando este fechou Lunes de Revolución, revista cultural que Cabrera Infante dirigira durante os dois anos e meio de sua prestigiosa existência, mas nos três anos de afastamento em razão de suas funções diplomática na Bélgica havia sido, segundo ele próprio confessara, um funcionário leal e eficiente da Revolução. Embora um tanto desencantado pelo rumo que as coisas acabaram tomando, dá a impressão de que, até seu regresso a Havana em 1965, Cabrera Infante achava ainda que Cuba corrigiria o rumo e retomaria o caráter aberto e tolerante do princípio.
Nestes quatro meses, essa esperança se dissipou e foi ali, enquanto, confuso e temeroso por sua kafkiana situação de incerteza total quanto ao seu futuro, perambulava pelas ruas habaneras que tanto amava, vendo a ruína apoderar-se de casas e edifícios, as enormes dificuldades que o empobrecimento generalizado impunha aos vizinhos, o isolamento quase absoluto no qual se confinara o poder, sua verticalidade e a severidade da repressão contra dissidentes reais ou falsos, e a insegurança e o medo em que vivia o punhado de amigos que ainda o frequentavam - escritores, pintores e músicos quase todos eles - que perdeu as últimas ilusões e decidiu que, se saísse da ilha, se exilaria para sempre.
Evidentemente, não contou nada a ninguém. Nem aos amigos mais íntimos, como Carlos Franqui ou Walterio Carbonell, revolucionários que também haviam sido afastados do poder e transformados em cidadãos fantasmas por razões que ignoravam, e que, como ele, viviam numa inutilidade angustiante e frustrante, sem saber o que acontecia ao seu redor. As páginas que descrevem o vazio cotidiano deste grupo, que procurava atenuar com fofocas e fantasias delirantes, entre tragos de rum, fazem estremecer. O livro não contém análises políticas nem críticas arrazoadas contra o governo revolucionário; ao contrário, cada vez que o tema político aflora nas reuniões de amigos, o protagonista emudece e procura alhear-se da conversação, convencido de que, no grupo, há algum espião ou de que, de uma maneira ou de outra, o que ali se disser chegará aos ouvidos do Ministério do Interior. Indubitavelmente, há uma certa paranoia neste estado de perpétua desconfiança, mas talvez ela seja a prova à qual o poder quer submetê-los para medir sua lealdade ou sua deslealdade à causa. Não é de estranhar que, nesses quatro meses, começasse para Cabrera Infante a via-crúcis psicológica que, ao longo do tempo, destroçaria sua vida e sua saúde apesar dos admiráveis esforços de Miriam Gómez, sua esposa, para infundir-lhe ânimo, coragem e para ajudá-lo a escrever até o fim.
A publicação deste livro é outra manifestação do heroísmo e da grandeza moral de Miriam Gómez. Porque nele Guillermo conta, com uma sinceridade crua e às vezes brutal, como combateu o desalento e a neurose daqueles meses seduzindo mulheres, dormindo uma noite aqui outra ali, e até apaixonando-se por uma dessas conquistas, Silvia, que passou a ser por um tempo publicamente sua companheira. Este e outros foram amores tristes, desesperados, como é a amizade, a literatura e tudo o que Cabrera Infante faz e diz neste período, porque em seu foro mais íntimo ele se entrega de fato à vontade de fugir, de cortar para sempre os laços com um país para o qual não vê esperança alguma num futuro próximo.
Não foi uma decisão fácil. Porque ele amava profundamente Cuba, e, em especial Havana e tudo o que havia nela, principalmente a noite, os bares e os cabarés e as bailarinas e seus cantores, e a música, o clima quente, as avenidas e os parques - e seus cinemas - pelos quais passeava incansavelmente, recordando os episódios e as pessoas associadas a esses lugares, como para gravá-los devidamente em sua memória em todos os seus detalhes, sabendo que não voltaria a vê-los, e para poder lembrar deles mais tarde com precisão em seus ensaios e ficções. E foi o que fez. Quando finalmente, após esses quatro meses, graças a Carlos Rafael Rodríguez, líder comunista com o qual o pai de Cabrera Infante trabalhara no partido durante muitos anos, Guillermo conseguiu sair de Cuba com as duas filhas, rumo à Espanha e ao exílio, levou consigo o seu país e foi fiel a ele em tudo o que escreveu. Mas nunca se resignou a viver longe de Cuba, nem sequer nos momentos em que obteve os maiores reconhecimentos literários, e a divulgação e o prestígio de sua obra o compensavam da feroz campanha de difamação e calúnias de que foi vítima durante tantos anos. Embora sempre negasse, acredito que nunca perdeu a esperança de que situação mudasse na ilha, e de que, algum dia, poderia voltar fisicamente a esta terra da qual nunca conseguiu desprender-se. Provavelmente seus males se agravaram quando, em dado momento, teve de reconhecer que não, que era definitivo, que nunca voltaria e morreria no exílio.
Este livro me impressionou muito, não apenas pelo grande afeto que sempre senti por Cabrera Infante, mas pelo que me revelou sobre ele, sobre Havana e sobre essa época da Revolução Cubana. Conheci Guillermo quando era ainda diplomata na Bélgica e evitava totalmente as críticas à Revolução, se é que naquela época ele as tinha. No período que ele descreve, estive em Cuba e não vi nem imaginei o que ele e os demais personagens deste livro viviam, embora me encontrasse com vários deles muitas vezes, conversando sobre a Revolução, convencido de que todos estavam contentes e entusiasmados com o rumo que ela tomara, sem suspeitar sequer que alguns, ou talvez todos, dissimulavam, representavam, e, por baixo do seu entusiasmo, havia simplesmente medo.Antoni Munné, que, assim como os dois livros póstumos anteriores, preparou esta edição com desvelo, incluiu no final um Guia de Nomes, que dá conta do que aconteceu mais tarde com os personagens com os quais Cabrera Infante compartilhou esses quatro meses. Trata-se de uma informação muito instrutiva para saber quais caíram efetivamente em desgraça e sofreram o isolamento e o cárcere, ou se reintegraram ao regime, ou se exilaram ou se suicidaram.
Bem fez Antoni Munné em deixar o texto tal como foi escrito, sem corrigir as falhas, algo que indubitavelmente Cabrera Infante se propusera fazer alguma vez e não teve tempo, ou, simplesmente, não teve ânimo suficiente para voltar a concentrar-se em semelhante pesadelo. Assim como está, um rascunho escrito com total espontaneidade, sem o menor enfeite, numa linguagem direta, jornalística, comove muito mais do que se tivesse sido revisado, embelezado, transformado em literatura. Não é nada disso. É um testemunho descarnado e atroz, do que significa também uma Revolução, quando a euforia e a alegria do triunfo cessam, e ela se transforma em poder supremo, esse Saturno que mais cedo ou mais tarde devora seus filhos, começando pelos que estão mais próximos, que costumam ser os melhores. TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Guillermo Cabrera Infante, vitima da ditadura castrista: livro postumo

O mapa da tristeza
O recém-publicado livro póstumo de Guillermo Cabrera Infante se intitula “Mapa Desenhado por um Espião”, mas deveria mesmo se chamar “O Mapa da Tristeza”, pelo sentimento de solidão, amargura, desproteção e incerteza que o impregna do começo ao fim. Conta os quatro meses e meio que passou no ano de 1965 em Havana, para onde havia viajado a partir de Bruxelas – ali era adido cultural de Cuba – por causa da morte da sua mãe. Pretendia retornar à Bélgica em poucos dias, mas, quando estava prestes a embarcar para o retorno ao seu posto diplomático, junto com suas duas filhas pequenas, Anita e Carola, recebeu no aeroporto de Rancho Boyeros uma ligação oficial indicando-lhe que deveria suspender sua viagem, porque o ministro das Relações Exteriores, Raúl Roa, tinha urgência em lhe falar. Retornou a Havana imediatamente, surpreso e inquieto. O que teria ocorrido? Nunca chegaria a saber.
O livro narra, numa escrita apressada e às vezes com frenesi e desordem, os quatro meses seguintes, em que Cabrera Infante volta muitas vezes ao ministério, sem que nem o ministro nem nenhum dos chefes o receba, descobrindo assim que havia caído em desgraça, mas sem jamais se inteirar sobre como ou por quê. Entretanto, no dia seguinte à sua chegada, Raúl Roa o havia felicitado por sua gestão como diplomata e anunciado que provavelmente voltaria a Bruxelas promovido a ministro-conselheiro da embaixada. O que ou quem havia intervindo para que sua sorte mudasse da noite para o dia? De resto, continuavam pagando seu salário e até renovaram o cartão que lhe permitia fazer compras nas lojas para diplomatas, mais bem abastecidas do que os armazéns cada vez mais míseros aos quais recorriam as pessoas comuns. Seria ele considerado pelo Governo um inimigo da Revolução?
A verdade é que ainda não. Havia tido um conflito com o regime em 1961, quando este fechou a Lunes de Revolución, revista cultural que Cabrera Infante dirigiu durante os dois anos e meio de sua prestigiosa existência, mas nos três anos de seu distanciamento diplomático na Bélgica havia sido, segundo confissão própria, um funcionário leal e eficiente da Revolução. Embora um pouco desencantado com o rumo que as coisas tomavam, dá a impressão de que, até regressar a Havana em 1965, Cabrera Infante ainda pensava que Cuba corrigiria o rumo e retomaria o caráter aberto e tolerante do princípio. Nesses quatro meses aquela esperança se desvaneceu, e foi ali, enquanto, confuso e temeroso por sua kafkiana situação de incerteza total sobre seu futuro, perambulava por suas amadas ruas habaneras, via a ruína que se apoderava de casas e edifícios, as enormes dificuldades que o empobrecimento generalizado impunha aos moradores, o isolamento quase absoluto em que o poder havia se confinado, seu verticalismo e a severidade da repressão a reais ou falsos dissidentes e a insegurança e o medo em que vivia o punhado de amigos que ainda o frequentavam – quase todos escritores, pintores e músicos –, que ele perdeu as últimas ilusões e decidiu que, se saísse da ilha, se exilaria para sempre.
No seu foro mais íntimo vive entregue à vontade de romper para sempre com seu país

Não disse isso a ninguém, claro. Nem a seus amigos mais íntimos, como Carlos Franqui ou Walterio Carbonell, revolucionários que também haviam sido afastados do poder e transformados em cidadãos fantasmas, por razões que ignoravam e que os mantinham, como a ele, vivendo em uma angustiosa e frustrante inutilidade, sem saber o que ocorria a seu redor. As páginas que descrevem o vazio cotidiano desse grupo, que ele tratava de atenuar com fofocas e fantasias delirantes, entre goles de rum, são estremecedoras. O livro não contém análises políticas nem críticas fundamentadas ao governo revolucionário; pelo contrário, sempre que o tema político aparece nas reuniões de amigos o protagonista emudece e procura se afastar da conversa, convencido de que há algum espião no grupo ou de que, de um modo ou outro, o que se disser ali chegará aos ouvidos do Ministério do Interior. Há um pouco de paranoia, sem dúvida, nesse estado de perpétua desconfiança, mas talvez ela seja a prova a que o poder quer submetê-los para medir sua lealdade ou sua deslealdade à causa. Não é de se estranhar que, nesses quatro meses, começasse para Cabrera Infante aquela via-crúcis psicológica que, com o tempo, iria desbaratando sua vida e sua saúde, apesar dos admiráveis esforços de Miriam Gómez, sua esposa, para lhe injetar ânimo e coragem e para ajudá-lo a escrever até o final.
A publicação desse livro é outra manifestação do heroísmo e da grandeza moral de Miriam Gómez. Porque nele Guillermo conta, com uma sinceridade crua e às vezes brutal, como combateu o desalento e a neurose daqueles quatro meses seduzindo as mulheres, deitando-se com elas a torto e a direito, e até se apaixonando por uma dessas conquistas, Silvia, que passou a ser por um tempo publicamente a sua companheira. Este e os outros foram amores tristes, desesperados, como são a amizade, a literatura e tudo o que Cabrera Infante faz e diz nesses quatro meses, porque no seu foro mais íntimo vive realmente entregue à sua vontade de escapar, de romper para sempre com um país para o qual não vê, num futuro próximo, esperança nenhuma.
Escrito com total espontaneidade, comove bem mais que se fosse revisado
Não foi uma decisão fácil. Porque ele amava Cuba profundamente, e em especial Havana, tudo o que havia nela, principalmente a noite, os bares e os cabarés, as bailarinas e os seus cantores, e a música, o clima quente, as avenidas e os parques – e seus cinemas! – pelos quais passeia incansavelmente, recordando os episódios e as pessoas associadas a esses lugares, como para que sua memória os percebesse em todos os seus detalhes, sabendo que não voltaria a vê-los, e pudesse recordá-los mais tarde com precisão em seus ensaios e ficções. Efetivamente é o que ele fez. Quando por fim, após esses quatro meses, graças a Carlos Rafael Rodríguez, líder comunista com quem o pai de Cabrera Infante havia trabalhado durante muitos anos no partido, Guillermo conseguiu sair de Cuba com suas duas filhas, rumo à Espanha e ao exílio, levou seu país consigo, e lhe foi fiel em tudo o que escreveu. Mas nunca se resignou a viver longe de Cuba, nem sequer nos momentos em que obteve os maiores reconhecimentos literários e viu como a difusão e o prestígio de sua obra o recompensavam da feroz campanha de difamação e calúnias de que foi vítima durante tantos anos. Embora dissesse que não, acredito que ele nunca perdeu a esperança de que as coisas iriam mudar lá na ilha, e de que algum dia ele poderia voltar fisicamente para essa terra da qual nunca havia conseguido se desprender. Provavelmente seus males se agravaram quando, em um dado momento, precisou reconhecer que não, que era definitivo, que nunca voltaria, e que morreria no exílio.
Impressionou-me muito este livro, não só pelo grande afeto que sempre senti por Cabrera Infante, mas também pelo que me revelou sobre ele, sobre Havana e sobre essa época da Revolução Cubana. Conheci Guillermo quando ele era ainda diplomata na Bélgica e se resguardava muito bem de fazer críticas à Revolução, se é que as tinha então. Na época que ele descreve, estive em Cuba e não vi nem imaginei o que ele e outros personagens deste livro viviam, embora tenha estado com vários deles muitas vezes, conversando sobre a Revolução e me convencido de que todos estavam contentes e entusiasmados com o rumo que aquela tomava, sem suspeitar nem mesmo que alguns, ou talvez todos, dissimulavam, representavam, e que por baixo do seu entusiasmo havia simplesmente medo. Antoni Munné, que, assim como nos dois livros póstumos anteriores, preparou esta edição com desvelo, pôs ao final um Guia Onomástico, dando conta do ocorrido posteriormente com os personagens com os quais Cabrera Infante compartilhou esses quatro meses; é uma informação muito instrutiva para saber quem caiu efetivamente em desgraça e sofreu isolamento e cárcere, quem se reintegrou ao regime, e quem se exilou ou suicidou.
Fez bem Antoni Munné em deixar o texto tal como foi escrito, sem corrigir suas falhas, algo que sem dúvida Cabrera Infante se propôs a fazer alguma vez e não teve tempo, ou simplesmente não teve ânimo suficiente para voltar a se dedicar a semelhante pesadelo. Assim como está, um rascunho escrito com total espontaneidade, sem o menor adorno, em uma linguagem direta, de crônica jornalística, comove muito mais que se tivesse sido revisado, embelezado, transformado em literatura. Não a é. É um testemunho descarnado e atroz, sobre o que significa também uma Revolução quando a euforia e a alegria do triunfo cessam e ela se converte em poder supremo, esse Saturno que cedo ou tarde devora os seus filhos, começando pelos que estão mais perto, que costumam ser os melhores.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Mario Vargas Llosa: 50 anos de "La Ciudad y los Perros" - exposicao (InfoLatam)

Perú literatura

Perú celebra los 50 años de la novela emblemática de Mario Vargas Llosa

Infolatam/Efe
Lima, 5 de diciembre de 2013
Las claves
  • Mario Vargas Llosa comenzó a escribir "La ciudad y los perros" en Madrid, en 1958, y la culminó en 1961 en París, a partir de su experiencia en el colegio militar Leoncio Prado de Lima.
  • El presidente del congreso sobre Vargas Llosa que se inauguró anoche, Agustín Prado, declaró a Efe que "La ciudad y los perros" es un libro vigente "por su frescura" y por ser una "radiografía" de la Lima de esa época.
Para festejar los 50 años de la publicación de la novela “La ciudad y los perros”, que marcó los inicios del escritor peruano Mario Vargas Llosa, la Casa de la Literatura Peruana inauguró un congreso y una exposición en su honor.
La muestra “El poder es cada individuo. Rutas de La ciudad y los perros” ocupa tres salas temporales de la institución, en la que antiguamente funcionaba una estación de trenes, donde se puede observar un montaje fotográfico de Lima de la década de 1950 junto a fragmentos de su obra, comentarios y videos.
Mario Vargas Llosa comenzó a escribir “La ciudad y los perros” en Madrid, en 1958, y la culminó en 1961 en París, a partir de su experiencia en el colegio militar Leoncio Prado de Lima.
La novela se desenvuelve en un ambiente juvenil y en ella convergen diversas realidades que giran en torno a temas como el abuso de poder, la disciplina militar y la masculinidad.
Diana Amaya, curadora de la exposición, que dura hasta el 13 de abril del próximo año, dijo a Efe que su equipo demoró cuatro meses el armar la muestra y que se recurrió al archivo personal de Vargas Llosa, de donde proceden algunos artículos periodísticos y reseñas sobre su trabajo.
“Hemos partido de una idea básica al relacionar el interior de las salas con el interior de la novela. Lo que ésta narra, el contenido, tanto el trabajo formal, el lenguaje, como la historia misma. Y el exterior como si fuera el exterior de la novela: los comentarios, la recepción y las impresiones que va causando la novela a lo largo de los años”, detalló Amaya.
Para la curadora, los fragmentos de la novela exhibidos destacan por su “estética, por su calidad en el trabajo con el lenguaje y por su significado”.
“La ciudad y los perros” estuvo envuelta en la polémica desde que salió a la luz, pues el fuero militar se mostró descontento por la imagen que se presentaba en ella de su institución, e incluso es conocido el rumor de que se quemaron 1.000 ejemplares de la novela en el colegio Leoncio Prado como muestra de su rechazo, recordó Amaya.
“La sociedad se presenta como convulsionada. No sólo son los críticos literarios, sino el fuero militar. De pronto amenazan con enjuiciarlo (a Vargas Llosa), corren rumores de que se quemaron ejemplares de la novela”, precisó.
El presidente del congreso sobre Vargas Llosa que se inauguró anoche, Agustín Prado, declaró a Efe que “La ciudad y los perros” es un libro vigente “por su frescura” y por ser una “radiografía” de la Lima de esa época.
“Es una novela muy moderna. Utilizaba nuevas técnicas, desafiaba al lector, pero a su vez te contaba una historia tradicional”, indicó Prado.
Esta obra de Vargas Llosa, que ha sido traducida a decenas de idiomas y que representó el inicio del “boom” latinoamericano junto a las novelas de Julio Cortázar, Gabriel García Márquez Carlos Fuentes, marcó la pauta realista del estilo del escritor a partir de sus vivencias, señaló Prado.
“En ‘La ciudad y los perros’ se encuentran ciertos elementos como el poder, los aspectos de las jerarquías, cómo las personas se someten o se sublevan a las jerarquías, y ese es el aspecto que le da la universabilidad a la obra de Vargas Llosa”, advirtió.
“Un lector foráneo puede identificarse con los cadetes del colegio militar, con sus experiencias sentimentales y con los poderes que pueden encontrar en su vida”, subrayó.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Vargas Llosa sobre Isaac Deutscher e Isaiah Berlin, em livro de David Caute

Isaac e Isaiah
Mario Vargas Llosa
O Estado de S.Paulo, 30/11/2013

Num livro que acaba de publicar, Isaac & Isaiah: The Cover Punishment of a Cold War Heretic, ("Isaac e Isaiah: a punição oculta de um herege da Guerra Fria", em tradução livre), David Caute compara as vidas, ideias e destinos de Isaac Deutscher e Isaiah Berlin, dois ensaístas que, nos anos 50 e 60 do século passado, tiveram muito prestígio e influenciaram muitos intelectuais da Europa e da América do Norte. Eles eram muito semelhantes em vários aspectos, mas suas ideias representavam dois polos irreconciliáveis: Deutscher, o marxismo revolucionário; Berlin, a democracia liberal.
Ambos eram judeus não praticantes, da mesma geração, e precisaram fugir dos seus respectivos países em razão do totalitarismo (soviético no caso de Berlin, nascido na Letônia; e Deutscher, que era polonês, do nazismo). Ambos acabaram se exilando em Londres e se naturalizaram britânicos. A única coincidência, em termos de ideologia, entre eles, e só por alguns anos, foi seu apoio ao sionismo, que mais tarde Deutscher atacou duramente, chamando Israel de lacaio do imperialismo americano durante a Guerra Fria.
Berlin foi muito reconhecido no âmbito acadêmico. Passou quase toda a sua vida em Oxford, chegou a presidir a Royal Academy e ser condecorado pela rainha. Ao passo que Deutscher, apesar de ter participado de seminários e trabalhado como professor convidado em importantes universidades, foi sobretudo jornalista e um escritor independente.
Seu único desejo, ser contratado por uma universidade britânica, de Sussex, foi frustrado por culpa de Berlin, afirma o autor, e daí o subtítulo um tanto enganador do livro: "A punição oculta a um herege da Guerra Fria". Enganador porque, embora haja indícios de que a opinião hostil de Berlin sobre a obra e a posição política de Deutscher influiu na decisão da Universidade de Sussex de não contratá-lo, o caso não está nada claro. E, de qualquer modo, Berlin sempre rejeitou a acusação, inclusive em duas cartas explicando sua intervenção no caso à viúva do autor das célebres biografias de Stalin e de Trotsky.
O livro é interessante, muito documentado, mas não é agradável, diante da antipatia que Caute nutre por Berlin, sentimento que transparece com frequência, sobretudo quando se empenha em ressaltar suas frivolidades, sua tendência a cultivar a amizade dos poderosos e dos milionários, e a mostrar-se, às vezes, presunçoso e arrogante com as pessoas. E ainda, o que é muito mais grave, dando a entender, de maneira sub-reptícia, que algumas das maiores contribuições de Berlin à cultura da liberdade, como sua teoria sobre a liberdade "negativa" e a "positiva", a divisão dos intelectuais em "ouriços" e "raposas" e a clara demarcação entre um liberal e um conservador, não foram nem originais nem importantes.
A verdade é outra: Berlin é um dos mais importantes pensadores políticos do nosso tempo e um dos poucos cuja obra define com uma coerência sistemática e perfeita o liberalismo limitado e sectário dos que o entendem como sendo uma doutrina exclusivamente econômica de defesa do mercado, e os que, como ele próprio, veem no liberalismo uma doutrina em que a tolerância, a coexistência política, os direitos humanos, o espírito crítico, a cultura e a fiscalização do poder são tão importantes quanto a propriedade privada e a economia de mercado para estimular o progresso social.
Isaiah Berlin e Isaac Deutscher viram-se apenas duas vezes na vida e nunca se enfrentaram diretamente. Mas, como diz o autor, as coisas que defendiam e criticavam eram quase sempre incompatíveis e, ao mesmo tempo, de grande solidez intelectual e elegância expositiva. No decorrer dos anos e diante de tudo o que ocorreu na vida deles, sabemos que o debate foi vencido por Berlin, como prova o desaparecimento da União Soviética e a conversão da China ao capitalismo autoritário.
Agora, o fato de todas as profecias e anseios políticos de Deutscher terem malogrado não desvaloriza sua obra nem diminui o mérito, a coragem e a honestidade com que sempre defendeu suas ideias. Ele foi um marxista contrário ao totalitarismo, uma exceção. Foi a razão pela qual o Partido Comunista polonês o expulsou das suas fileiras e porque sempre foi o pesadelo dos stalinistas da União Soviética e do Ocidente.
Nunca negou os terríveis crimes cometidos à época de Stalin e, nos livros e ensaios que dedicou ao ditador soviético e a Trotsky, ele os documentou rigorosamente. No entanto, estava convencido de que, apesar de tudo, o comunismo se reformaria no curto ou no longo prazo e um retorno às fontes primitivas do marxismo criaria sociedades mais justas, mais humanas, mais decentes do que o capitalismo, cujo êxito exigia a exploração da maioria pela minoria e era inerentemente injusto, por isso, condenado, cedo ou tarde, a perecer. A famosa reforma interna da União Soviética, pela qual Deutscher tanto esperou, jamais tornou-se realidade. Afinal, foi o comunismo que deixou de existir, pelo menos como uma alternativa concreta às democracias liberais.
Mas, em sua condenação ao colonialismo, à corrupção e aos abusos que o poder econômico podia chegar a cometer nos países capitalistas, na ênfase na necessidade de não condicionar o progresso exclusivamente ao crescimento econômico, conferir à democracia um conteúdo criativo e constantemente renovado por um ideal de justiça e solidariedade com os pobres, os discriminados, os marginalizados, as ideias de Deutscher têm valor perene.
E é verdade também, afirma Caute, que sua vida foi um modelo de coerência, o que lhe exigiu sacrifícios enormes. Mas também se equivocou muitas vezes. Por exemplo, acreditou que o movimento contra a guerra do Vietnã, nos EUA, seria a gestação de um socialismo que uniria os estudantes e os trabalhadores americanos numa revolução contra o capitalismo.
Por que Berlin sempre manifestou uma antipatia tão profunda com relação a Deutscher a ponto de, em sua correspondência, usar contra ele termos tão insólitos como "repelente" e "desprezível"? Certamente, não era a divergência de ideias que os separava. Berlin dedicou mais tempo tentando entender os inimigos da liberdade do que seus defensores e consagrou ensaios escrupulosamente honestos a Marx, Comte, Herder, Hobbes e Sorel, e muitos outros dessa corrente.
Assim, a razão da antipatia não era ideológica. E também não era pessoal, pois eles apenas se viram em duas ocasiões. O autor do livro dá a entender que a razão poderia estar numa crítica negativa escrita por Deutscher contra o ensaio de Berlin sobre a "inevitabilidade histórica". No entanto, esse parece um episódio muito pequeno para despertar tanto ódio pessoal.
Não menos surpreendente é o desprezo que Berlin manifestou sempre por Hannah Arendt, uma amante da liberdade não menos comprometida do que ele na luta contra o comunismo e o fascismo (que conheceu na carne, pois foi torturada durante nove dias e nove noites pela Gestapo antes de conseguir fugir da Alemanha) e quase toda a sua obra é dedicada a estudar as raízes do totalitarismo, suas origens culturais e históricas e as iniquidades que causou. Em suas cartas, Berlin refere-se a ela de uma maneira profundamente depreciativa, negando-lhe competência filosófica e acusando-a, injustamente, de escrever calhamaços incompreensíveis.
Talvez não haja respostas para essas perguntas. Ou talvez sim, mas não são satisfatórias em razão de sua imprecisão. Os grandes nomes - e Isaiah é um deles - são também seres humanos e não super-homens e, por isso, sujeitos às pequenezes e misérias que, por exemplo, nos deixam consternados quando revolvemos a vida íntima de um Picasso, um Victor Hugo ou qualquer outro gênio. Eram grandes quando escreviam, compunham, filosofavam ou pintavam. Entretanto, quanto ao resto, eram feitos do mesmo barro que nós, pobres mortais.

 TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

* É ESCRITOR E PRÊMIO NOBEL DE LITERATURA