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terça-feira, 11 de junho de 2019

Seminário sobre globalismo no Itamaraty: relato de Eliane Oliveira (O Globo)


Esta matéria da jornalista do Globo dá uma aparência de discurso racional ao que constituiu apenas uma aglomeração de frases desconexas do chanceler, pretendendo juntar “elementos historicamente verificáveis”, como as democracias liberais do Ocidente, com noções altamente questionáveis no plano das políticas nacionais, como podem ser o papel de Deus e o espaço dos sentimentos religiosos na vida das nações. Tratou-se, provavelmente, da primeira vez em que as nações ocidentais, ao preservarem suas instituições estáveis, no curso da formidável implosão do socialismo no mundo, foram acusadas de se terem rendido ao comunismo, que no mesmo momento estava sendo jogado na lata de lixo da História. Uma interpretação sem dúvida original, ainda que canhestra, das relações internacionais contemporâneas, aparentemente dominadas por esse monstro metafísico do globalismo. O assessor internacional aterrorizou os presentes ao seminário com os imensos perigos que um punhado de burocratas não eleitos, pontificando a partir das organizações multilaterais, fazem correr aos Estados nacionais, castrados em sua soberania. O mundo está perdido...
O chanceler já pode ser admitido na Academia Tabajara de Filosofia e o assessor internacional, dotado de poucos estudos, deveria completar suas leituras de relações internacionais em alguma Faculdade Tabajara de Ciência Política.
Ambos devem ter combinado a divisão do besteirol que a audiência teve de suportar no seminário do Itamaraty, uma instituição que já abrigou coisas bem melhores...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 11 de junho de 2019

'Estamos tentando recuperar o coração da sociedade liberal', diz chanceler de Bolsonaro

Ao abrir seminário sobre 'globalismo' no Itamaraty, Ernesto Araújo afirma querer recompor alma conservadora

POR ELIANE OLIVEIRA
| Atualizado: 

BRASÍLIA — O ministro das Relações ExterioresErnesto Araújo, disse que o Brasil tem um papel fundamental no combate ao "globalismo" — expressão usada pelos movimentos de direita para se referir a instituições internacionais que acusam de interferir na soberania dos países e tentar apagar as tradições nacionais. Em um seminário que promoveu ontem sobre o tema no Itamaraty, Araújo disse que o presidente Jair Bolsonaro fez algo inédito quando mencionou Deus em seu discurso no Fórum Econômico Mundial de Davos, em janeiro deste ano.
— O Brasil tem um papel fundamental. Estamos entrando para tentar recuperar o coração da sociedade liberal e recompor a alma conservadora. É a preservação de um conceito profundo de dignidade humana. Alguém que se relaciona com Deus. Deus em Davos — disse o chanceler a um auditório lotado, na Fundação Alexandre de Gusmão, ligada ao Ministério das Relações Exteriores.
No governo Bolsonaro, os seguidores do guru da direita Olavo de Carvalho reivindicam fazer parte do movimento antiglobalista, cujo expoente internacional é Steve Bannon, ex-estrategista de Donald Trump. Para eles, o "marxismo cultural" passou a dominar as instituições internacionais, como as das Nações Unidas, em uma espécie de nova versão do antigo internacionalismo socialista.
Ao abrir o seminário que reuniu representantes da direita nacional e internacional, Araújo afirmou que o globalismo ocorreu no momento em que o comunismo “tomou o coração dos liberais”. Para o ministro, tudo começou há cerca de cem anos, quando o filósofo Friedrich Nietzsche passou a propagar com ênfase o niilismo que, segundo o chanceler, nada mais é do que o fim da crença em Deus.
— O comunismo e o nazifascismo dependem da morte de Deus e do fim do antropoteísmo (representação da divindade sob forma e atributos humanos). Ambos instalaram o antropocentrismo radical, como se estivessem libertando o homem — afirmou Araújo.
Tanto o chanceler quanto o assessor internacional do Planalto, Filipe Martins, procuraram criticar tanto o comunismo quanto o nazifascismo. Correntes da direita ultranacionalista, que os dois costumam elogiar, têm sido associadas a características do fascismo por historiadores e analistas.
Araújo disse que economias liberais “ligadas à ordem divina” foram a espinha dorsal do Ocidente, o que segundo ele permitiu a vitória sobre o nazifascismo e o enfrentamento do comunismo a partir de 1945, graças à fusão do liberalismo e da fé cristã. Depois de 1989, porém, “alguém achou que não precisava mais do conservadorismo nas democracias liberais”, disse o chanceler:
— Expulsaram Deus do lado liberal. Mas no corpo das democracias liberais continuava a bater um coração conservador.
Já Filipe Martins deu a seguinte definição para globalismo: é a tentativa de instrumentalização política e ideológica da globalização, para empoderar um conjunto de burocratas não eleitos e os grupos de interesses que têm acesso a eles.
— Não há apenas um projeto globalista. É um método de domínio e exercício do poder. As finalidades apontadas pelos globalistas são a paz e a prosperidade. Se olharmos o comunismo e o nazifascismo, eles também prometiam isso — disse Martins.
O americano Cris Buskirk, editor da revista American Greatness (Grandeza Americana), disse que os presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro são nacionalistas, patriotas e "respeitam seus povos". Segundo ele, os dois se recusam a abrir mão da soberania de seus países em favor de entidades supranacionais:
— Há algumas exceções, como a Cruz Vermelha, que faz um bom trabalho. Mas há organizações que têm outras metas e visam ao poder político para exercer influência.
Convidada a falar sobre "globalismo e a educação", a deputada Christine Nogueira (PSL-RJ) afirmou que os globalistas atuam prioritariamente na área educacional. Entre os seus objetivos, disse, está o de destruir a família.
— Se eu não quero que a família seja respeitada, eu preciso destruí-la. Estamos transformando as escolas em empresas em que os alunos não passam de consumidores e os professores, de fornecedores. Nossas escolas foram transformadas em redutos de militantes — disse a deputada.

sexta-feira, 15 de março de 2019

Diplomacia brasileira: uma colecao de fios desencapados - Miriam Leitao (O Globo)

Diplomacia brasileira é uma coleção de fios desencapados

A política externa brasileira está virando uma coleção de fios desencapados.
A começar pelo ministro Ernesto Araújo (Relações Exteriores), que segundo a colunista Miriam Leitão, do Globo, fez o Brasil comprar uma guerra comercial com a China por questões ideológicas.
Bolsonaro
Outro nome com forte influência é Eduardo Bolsonaro, que tem agido como um chanceler paralelo.
O filho do presidente foi nomeado pelo ex-estrategista de Trump Steve Bannon como representante na América Latina do The movement, que, instalado em Bruxelas, se propõe a lutar contra a União Europeia.
Na reforma imposta ao Itamaraty, a Europa deixou de ter um departamento exclusivo, para ser misturada à África e ao Oriente Médio.
“Este governo, através de atos e palavras do presidente e do chanceler, da atuação do filho do presidente, e de um assessor internacional na Presidência sem qualificação para o cargo, tem espalhado ofensas contra diversos países. Isso em diplomacia tem consequência. A de encolher o Brasil”, diz ela, em sua coluna publicada nesta sexta-feira.

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Diplomacia de Bolsonaro encolhe o Brasil, aponta Miriam Leitão

247 – A colunista Miriam Leitão aponta o desastre econômico representado pela política externa do Brasil, que tem como pilares pessoas sem nenhuma qualificação: o chanceler Ernesto Araújo, pior diplomata do mundo segundo a Jabocin, o deputado Eduardo Bolsonaro, cabo eleitoral de Donald Trump, e o assessor Felipe Martins. "Este governo, através de atos e palavras do presidente e do chanceler, da atuação do filho do presidente, e de um assessor internacional na Presidência sem qualificação para o cargo, tem espalhado ofensas contra diversos países. Isso em diplomacia tem consequência. A de encolher o Brasil", diz ela, em sua colunapublicada nesta sexta-feira.
"Os riscos que a política externa corre neste momento são concretos. A bancada do agronegócio teme perder mercado na China, nosso maior parceiro. A ida do presidente Bolsonaro a Washington será boa por um lado, mas o perigo é o país tomar partido na guerra comercial e tecnológica com a China. O deputado Eduardo Bolsonaro representa no Brasil um movimento que se propõe a lutar contra a União Europeia, outro grande mercado brasileiro. A política externa está virando uma coleção de fios desencapados", diz a jornalista, que também entrevistou embaixadores em sua coluna.
Um deles foi Roberto Abdenur, que afirmou que a decisão de Bolsonaro de demitir 15 embaixadores para melhorar a imagem dele no exterior é uma intervenção sem precedentes. "O presidente tem o direito de nomear ou demitir funcionários, mas, de uma vez só, decapitar 15 chefes de embaixada é um gesto muito radical. E o presidente se equivoca, porque a imagem dele não é feita no exterior, é feita no Brasil."

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Globo defende demissão de Ernesto Araújo

Foto: Arthur Max/Itamaraty
247 - O jornal O Globo defendeu em seu editorial a saída do diplomata Ernesto Araújo, eleito pela revista Jacobin o pior chanceler do mundo, do Ministério das Relações Exteriores. Para o jornal da família Marinho, "o problema mesmo são as teses que o novo chanceler tem defendido". Segundo o texto, o alinhamento automático à política externa dos Estados Unidos, mais especificamente ao "trumpismo", "quando aplicado ao Brasil, país com mazelas decorrentes de uma cultura atávica de fechamento ao exterior, poderá ser trágica, atrasando ainda mais a modernização de sua economia". Mais cedo, a colunista Miriam Leitão já havia apontado os desastres resultantes da atual política externa implantada pelo chanceler. (leia no )
O editorial destaca que durante uma aula magna realizada esta semana, o chanceler "investiu contra aspectos positivos da política externa do Estado brasileiro", como o multilateralismo, o pragmatismo e a não beligerância. Ele também criticou as relações comerciais do Brasil com a China. "E foram as importações chinesas de matérias-primas que permitiram ao Brasil resgatar sua dívida externa. Uma postura inteligente, não ideológica, é manter desobstruído este canal de comércio", diz o jornal.
"Se toda esta visão isolacionista for misturada com preceitos religiosos — a "fé cristã", segundo o ministro, passa a ser um dos valores da política externa —, os espaços para a diplomacia brasileira se estreitarão. Os chamados "interesses de Estado" dependerão de ideologia e crenças", destaca o editorial.

domingo, 3 de março de 2019

Miriam Leitao: Riscos reais na politica externa (Globo, 3/03)

Riscos reais na política externa

Os erros de política externa já foram tantos em tão pouco tempo que é preciso estar atento aos próximos riscos. Em um texto profundo e forte, o embaixador Rubens Ricupero analisa o resultado da combinação entre “a inépcia diplomática com a excentricidade ideológica” do governo Bolsonaro e alerta para o mês de março, quando haverá a visita do presidente aos Estados Unidos e a Israel.
Ricupero diz que decisões de “implicações gravíssimas para a segurança e interesses nacionais são anunciadas e suspensas com leviandade reveladora da irresponsabilidade de seus autores”. Nessa lista ele coloca a oferta de uma base militar aos Estados Unidos, a mudança da embaixada brasileira em Israel e a retirada do Brasil do Acordo de Paris. A análise, Ricupero apresentou na Casa das Garças.
Uma base militar, diz ele, é um enclave de jurisdição estrangeira no território nacional. E esse assunto surgiu durante a conversa entre o assessor John Bolton e o presidente Bolsonaro. Em quase 200 anos de vida independente, lembra, a única vez que isso aconteceu foi durante a Segunda Guerra. Foi cogitado sem qualquer avaliação das graves implicações para o país. Os militares impediram que isso fosse adiante.
A transferência da embaixada brasileira, sobre a qual sempre se fala no atual governo, seria para atender “ao setor mais obscurantista e retrógrado das seitas evangélicas”. O Brasil sempre defendeu que a definição da capital deveria ser resultado de negociação entre israelenses e palestinos. Se a intenção se confirmar, “passaríamos a ser vistos como aliados do lado israelense, inimigos dos palestinos e de uma saída negociada e pacífica para o conflito no Oriente Médio”.
Isso teria efeitos concretos. Mais de 49% do total das vendas brasileiras de proteína animal se destina a mercados árabes e ao Irã. “Ainda que a medida não se concretize, o simples anúncio seguido de incontáveis idas e vindas cria a sensação de governo errático e não confiável.” Os exportadores têm impedido a confirmação dessa decisão.
O embaixador diz que a reputação brasileira sai ainda mais avariada do anúncio, e depois recuo, de sair do Acordo de Paris. Quando falou do assunto, o presidente Bolsonaro alegou que o Acordo estaria impondo ao Brasil “metas inatingíveis”. Como bem lembrou Ricupero, as metas chamam-se NDCs, “Contribuições Determinadas Nacionalmente”, porque são voluntárias, cada país oferece o objetivo que quer atingir. “A segunda razão invocada pelo desinformado presidente é que o Acordo forçaria goela abaixo do Brasil algo misterioso intitulado Corredor Tríplice A”. Essa ideia do americano naturalizado colombiano Martin von Hildebrand, de preservar uma área de 200 milhões de hectares dos Andes até o Atlântico através de terras de oito países amazônicos, nunca saiu do papel e jamais foi discutida no Acordo de Paris. As lideranças do agronegócio impediram a saída do Acordo. O governo cedeu a contragosto e disse que fica “por ora”.
O Brasil foi um dos principais “artífices” do Acordo, porque é visto como uma potência ambiental. “Como classificar uma diplomacia que joga fora esse ativo na questão que constitui a mãe de todas as ameaças?”
Em comum nos três casos está a adesão à agenda de Donald Trump, “de maneira mecânica e caudatária”. Ele registra que em menos de dois meses o governo Bolsonaro demoliu a política externa que vem sendo mantida no Brasil desde o governo Geisel. “Os entusiastas do alinhamento não vão demorar a descobrir que os americanos são amos insaciáveis e intratáveis, que exigem adesão total e sem reservas”.
Ricupero relata que o chanceler Ernesto Araújo compareceu a uma reunião em Varsóvia para apoiar os EUA nas sanções contra o Irã. França e Alemanha boicotaram o encontro, que foi um fracasso. O que o Brasil tem a ganhar com isso não se sabe, mas “o Irã representa 7% do total das exportações brasileiras de carne e no ano passado vendemos aos iranianos US$ 1 bilhão de milho”.
O risco maior contudo é o estremecimento da relação com a China, com quem, a propósito, os Estados Unidos já estão se compondo. Esta semana os EUA adiaram o aumento das tarifas, e a China anunciou que comprará mais dos Estados Unidos. E o que a China compra dos americanos? Exatamente as mesmas commodities que exportamos para os chineses. Que nas viagens de março alguém contenha o presidente e seu chanceler.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)

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Addendum: 
Transcrevi a palestra de Rubens Ricupero neste meu blog, neste link: 
https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/02/rubens-ricupero-palestra-sobre-politica.html

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Novo curso do Itamaraty quer 'distanciar' novos diplomatas de suas 'amarras ideologicas' - O Globo

Minha opinião sobre isso é muito simples: se o curso do Instituto Rio Branco visa capacitar e aperfeiçoar alunos que já são excepcionalmente bem preparados para o exercício da carreira diplomática, pois que submetidos a requerimentos altamente sofisticados de seleção, o melhor a fazer seria simplesmente consultá-los sobre as matérias, línguas e outras tecnologias operacionais que eles poderiam conceber como sendo úteis em sua formação complementar, ou especialização técnica, para o desempenho na carreira. 
Acredito que esses alunos não são animais de laboratório para serem submetidos a experimentos ideológicos, que ainda são determinados de cima, sem consulta aos interessados.
Por vezes, consultar os clientes é a melhor solução. Pelo menos é assim que funciona no capitalismo, ou nas economias de mercado de orientação liberal.
Esta é a minha opinião e eu a partilho, como diriam os policiais Dupont e Dupond da série Tintin.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19 de fevereiro de 2019


Novo curso do Itamaraty quer 'distanciar' novos diplomatas de suas 'amarras ideológicas'

Ementa da disciplina de Política Internacional provoca estranheza e críticas de especialistas por sugerir ‘reeducação’ dos alunos do Instituto Rio Branco; professor diz que foi mal entendido e que aulas terão pluralismo

André Duchiade
O Globo, 18/02/2019

O novo curso de Política Internacional do Instituto Rio Branco, instituição que forma os novos diplomatas brasileiros, tem como um dos objetivos distanciar os futuros diplomatas de “amarras ideológicas eventualmente adquiridas em sua formação anterior”.
“Em vez de ensinar ao estudante-diplomata uma determinada concepção da 'ordem internacional' contemporânea” e “cobrar a assimilação daquele conteúdo”, o curso terá como um dos propósitos treiná-lo a "conscientizar-se das amarras ideológicas eventualmente adquiridas em sua formação anterior, tomar distância delas, e passar a organizar seu trabalho com base em fatos, não em lugares-comuns e frases feitas", segundo sua ementa.
O curso será ministrado pelo embaixador Achilles Zaluar Neto, que mantém um blog sobre “literatura, religião, filosofia, pensamento político conservador”, entre outros. As aulas do curso serão debates sobre temas concretos, como a invasão do Iraque e o abandono do Euro, e em cada uma delas uma dupla de alunos defenderá posições contrárias.
A ementa diz que o curso treinará os estudantes para “diferenciar entre os especialistas verdadeiros — com pesquisa e análise reais e conhecimento prático do terreno e do tema — e os ‘fazedores de opinião’ onipresentes na mídia”, além de “respeitar e considerar uma ampla pluralidade de pontos de vista e ideias sobre temas internacionais, inclusive de fontes consideradas pela 'doxa' acadêmica e midiática como heterodoxas e não convencionais".
Zaluar é tido por colegas como um diplomata competente. Sua proposta de organizar o curso a partir de debates é considerada auspiciosa por alunos e especialistas, mas o tom e o vocabulário da ementa foram criticados por embaixadores e professores de relações internacionais.
— Esta formulação insinua uma abordagem de lavagem cerebral ideológica. Quando se fala em “liberar os diplomatas de amarras ideológicas da formação anterior”, o que se propõe é mudar opiniões e convicções de estudantes que se encontram em situação vulnerável, na necessidade de serem aprovados — afirma o embaixador aposentado e historiador da política externa brasileira Rubens Ricupero.  — Nunca vi o uso desse tipo de expressão em nenhuma universidade daqui ou do exterior. 
Para Ricupero, a premissa de que os outros têm amarras ideológicas é um “sinal claro de que você as tem”, o que, acrescenta, é “o que os comunistas faziam”.
— Partiam da premissa de que todos vinham com ideologia burguesa e tinham que ser reeducados. Isso é próprio de regimes totalitários. O que vejo é uma expressão do tipo de posição do atual ministro [das Relações Exteriores, Ernesto Araújo]. É uma tentativa de institucionalizar posições como as dele, que são o que chamamos de “lunatic fringe” [a franja lunática]. São opiniões que não têm nenhum tipo de legitimidade acadêmica. 
No Instituto Rio Branco, que passou por uma reforma curricular neste semestre, a influência do chanceler já se fez sentir com a exclusão das disciplinas sobre história da América Latina e sobre organizações internacionais, que abordava o multilateralismo — um dos principais adversários de Araújo, que entende ser esta uma expressão do “globalismo”.
Segundo o professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas Oliver Stuenkel, o vocabulário sugere uma acusação aos estudantes:
— Ideologia é um termo bastante subjetivo. Quando falamos de pensamento ideológico, implicitamente dizemos que há interpretação mais objetiva. O conceito é empregado em tom acusatório, o outro é sempre ideológico e a própria opinião é livre de amarras ideológicas e traz uma perspectiva supostamente mais objetiva — afirma.
Stuenkel aponta ainda uma contradição entre os supostos “especialistas verdadeiros” e a recomendação de “fontes consideradas heterodoxas”.
— São expressões altamente subjetivas. O autor diz que é importante diferenciar especialistas verdadeiros com pesquisa e análise reais de fazedores de opinião, mas em seguida afirma ser necessário considerar pensamentos não convencionais. Mas, em geral, quem é visto como não convencional tem esse estatuto por não fazer pesquisa convencional. O programa tem um elemento de preocupação com supostas influências  ideológicas, mas dependeria muito da perspectiva do coordenador do curso saber quem são os supostos acadêmicos reais e quem são os "fazedores de opinião".

Outro lado

Ao GLOBO, Zaluar disse que pode ter usado um tom “incisivo, para sacudir as premissas” e “liberar o debate” , mas que “foi mal entendido” e sua intenção é “estimular a liberdade de pensamento, o oposto à doutrinação”. Sua proposta, acrescentou, é permitir aos estudantes, quaisquer que sejam suas convicções políticas, identificar “as próprias premissas ideológicas” e “se autoanalisar”, de modo a encontrar as ferramentas mais apropriadas para o cotidiano diplomático.
— Todos nós temos nossa própria ideologia, resultado de nossa educação. O processo de educação é o de saber identificar as premissas ideológicas, quaisquer que sejam. O objetivo é refletir se os esquemas mentais que o aluno usa para as situações que encontrará no dia a dia são os mais adequados. O curso parte da premissa de estimular a total liberdade de expressão e pensamento. É o contrário da doutrinação ideológica —  afirmou.
Zaluar diz que deseja ensinar os alunos a consultar “fontes primárias” com a maior frequência possível, como relatórios, pareceres e discursos. Textos de autores canônicos das relações relacionais que escrevem na imprensa e assinam artigos de opinião são bem-vindos, assegura.
— A finalidade do curso é provocar o debate. Muitas vezes, quando chegamos ao problema, estamos com nossa história anterior. Pessoas chegam com determinada fundamentação filosófica, mas ela não é a melhor para responder ao problema.

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A ementa insinua uma lavagem cerebral ideológica. O que se propõe é mudar opiniões  de estudantes que se encontram em situação vulnerável.
Rubens Ricupero, embaixador

Todos nós temos nossa própria ideologia. O processo de educação é o de saber identificar as premissas ideológicas.
Achilles Zaluar Neto, embaixador e professor do Instituto Rio Branco

Quando falamos de pensamento ideológico, implicitamente dizemos que há outra interpretação objetiva. 
Oliver Stuenkel, professor da FGV

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Ricardo Bergamini sobre o AI-5: 13/12/1968; o endurecimento do regime militar no Brasil

No Palácio Laranjeiras, Costa e Silva assina o AI-5 e endurece o regime
Ato dá poderes para fechar Congresso, cassar mandatos e suspender habeas corpus
Fonte: Acervo O Globo 
No dia 13 de dezembro de 1968, no Palácio Laranjeiras, é editado pelo então presidente Costa e Silva o Ato Institucional nº 5. Com o AI-5, o regime militar passava a ter o poder de fechar o Congresso, cassar mandatos eletivos, suspender o habeas corpus para crimes políticos e confiscar bens. Começava aí o período mais duro da ditadura militar, que se estenderia por dez anos.

A decisão de endurecer o regime veio justamente no fim do “ano que não acabou”. No Brasil e no mundo, 1968 foi marcado pelos protestos dos jovens contra a política tradicional e por mais liberdade. “É proibido proibir” funcionava como uma espécie de mote para a garotada que ocupava as ruas pedindo o fim da ditadura.

Ao longo do ano, a Igreja também começava a se articular na defesa dos direitos humanos e líderes políticos cassados se associavam em busca de formas de voltar à política e combater a ditadura. Antigos rivais, Carlos Lacerda, Juscelino Kubitschek e João Goulart organizaram a Frente Ampla, iniciada em 1967 e proibida em abril de 1968.

Em meados do ano, os metalúrgicos de Osasco entram em greve - a primeira desde o início da ditadura. A linha mais radical do governo se agitava, providenciando ações mais rigorosas contra a oposição e pedindo medidas enérgicas contra manifestações populares de descontentamento.

Neste cenário, nos dias 2 e 3 de setembro, o deputado Márcio Moreira Alves, do MDB - o partido de oposição à legenda oficial da ditadura, a Arena -, ocupa a tribuna para pedir ao povo que não participasse dos desfiles militares do 7 de Setembro. Também apela as moças, "ardentes de liberdade", que não saíssem com oficiais das Forças Armadas. Outro deputado do MDB, Hermano Alves, publica uma série de artigos no "Correio da Manhã”, considerados provocações no meio militar.

O governo pede então a cassação dos dois deputados. Mas em 12 de dezembro, a Câmara recusou, por uma diferença de 75 votos, o pedido de licença para processar Moreira Alves. E houve até colaboração da própria Arena, o partido do "amém" do sistema bipartidário no regime militar. No dia seguinte foi baixado o AI-5. Também foi decretado o recesso do Congresso Nacional por tempo indeterminado. Só seria reaberto em outubro de 1969, para referendar a escolha do general Emílio Garrastazu Médici para a Presidência da República.

Com o AI-5, Marcio Moreira Alves e Hermano Alves foram cassados, numa lista inicial de 11 parlamentares que perderam seus mandatos.

Ricardo Bergamini

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Desafios ao novo chanceler - Bernardo Mello Franco (Globo)

Um artigo mal humorado, enviesado, deliberadamente crítico, com base em poucos fatos e muitas suposições. Um exemplo de mau jornalismo.
Paulo Roberto de Almeida

Próximo chanceler terá árduo trabalho

BERNARDO MELLO FRANCO

O Globo, 13/11/2018


O próximo chanceler ainda não foi escolhido, mas terá trabalho dobrado. Quem assumir o Itamaraty enfrentará uma forte desconfiança externa sobre os rumos do país. Além disso, precisará conter a língua do presidente e de seus principais assessores.

Na campanha, Jair Bolsonaro já demonstrou potencial para produzir incidentes diplomáticos. O então candidato fez uma série de provocações à China, maior parceira comercial do Brasil. Depois do segundo turno, foi avisado de que as bravatas podem custar caro à economia do país.

O presidente eleito também criou mal-estar com os países árabes ao imitar Donald Trump e anunciar a mudança da embaixada em Israel para Jerusalém. O Egito foi o primeiro a reagir:cancelou uma visita oficial do ministro Aloysio Nunes. Os empresários brasileiros tiveram que antecipar a volta para casa sem fechar negócios.

O futuro ministro Paulo Guedes virou outra fonte de preocupação para os diplomatas brasileiros. Na noite da eleição de Bolsonaro, ele respondeu de forma grosseira quando uma jornalista argentina quis saber seus planos para o Mercosul.“ O mercosul não é prioridade. Não, não é prioridade. Tá certo? É isso que você queria ouvir?”, disse, assustando a Casa Rosada.

Ontem o futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, abriu mais uma frente de desgaste internacional. Na linha do chefe, atacou ONGs da área ambiental e disparou contra a Noruega. “Os noruegueses têm que aprender com os brasileiros, e não a gente com eles”, esnobou. O país escandinavo é —ou era — o maior doador do Fundo Amazônia. Já repassou mais de US$ 1 bilhão para a preservação das nossas florestas.

O futuro ministro das Relações Exteriores terá que segurar a língua de Bolsonaro e dos colegas. O governo ainda não começou, mas já criou atritos com Argentina, Egito, China e Noruega